segunda-feira, 24 de agosto de 2015

SARCOMA DE KAPOSI


Os pacientes mais relacionados ao surgimento de Sarcoma de Kaposi (SK) são os pacientes infectados pelo HIV com imunodeficiência já instalada. É a neoplasia mais frequente nesse grupo, predominando as formas cutâneas, assim como predominam as lesões cutâneas em pacientes com HIV, chegando a 92% dos infectados.

O SK é um câncer de origem nas células pluripotentes de tecidos conectivos ou de vasos sanguíneos e linfáticos, que se diferenciam em células de musculatura lisa. A hipótese é de que a célula sob estimulação crônica específica se transformaria permanentemente em uma célula muscular. Tipicamente causa tumores em mucosas da boca, nariz e anus, além de acometer pele e órgãos internos. Na maioria dos casos não há sintomas, apenas quando o edema comprime as estruturas próximas à lesão, quando então ocorre dor. Caso se desenvolva nos pulmões causa dispneia e no TGI causa sangramentos. Em geral proporção é de cada mulher para 10 a 15 homens.

Todas as classificações ocorrem mais em homens. SK clássico: 15 homens para cada mulher. Ocorre em homens judeus de origem europeia entre 50 e 70 anos com incidência de 0,02/100.000 habitantes.  Manifestação tegumentar pode ser uma mácula, pápula, nódulo, placa, vegetação e tumorações de origem eritematoviolácea. O crescimento da lesão comprime estruturas adjacentes, obstruindo vias linfáticas e criando linfadenopatias que podem ser dolorosas.

O SK africano assemelha-se com a forma clássica com a diferença de incidir em idade bem menor. A proporção é de 6 meninos para cada menina. Ocorre como nódulos eritematovioláceo em palmas e plantas. Não produz mais sintomas a não ser quando ocorre uma variante que atinge órgãos internos, mas isso é raro. Essa forma nasce de estruturas subdérmicas e infiltra para órgãos, inclusive ossos.

O SK do imunossuprimido surge após 16 meses de terapia imunossupressora. Acometimento de órgãos ocorre em 25% dos casos. Já no SK relacionado à AIDS isso é indefinido. Ocorre em diversos lugares do corpo logo após a instalação da doença. O acometimento de órgãos inclui o fígado, pulmão, TGI e baço. A maioria não terá sintomas, mas pode haver linfoadenopatia, febre de origem indeterminada ou perda de peso. Apesar das pesquisas estarem desatualizadas, sabe-se que 95% dos casos envolvem homossexuais e bissexuais masculinos e menos de 10% em usuários de drogas e hemofílicos. Na realidade ocorre 10 a 20 vezes mais em homens homossexuais e bissexuais em relação a homens infectados por outra via. É também mais comum em mulheres parceiras de homens bissexuais do que parceiras de usuários de drogas injetáveis. É raro em negros americanos, apesar de ser comum em negros de determinadas regiões da África. Os homossexuais tem um pico de incidência de 20 a 40 anos.

O principal fator etiológico é o herpes vírus humano-8 ou HHV-8, cuja infecção precede o surgimento das lesões em 33 meses. A simples infecção não é necessária para o desenvolvimento da doença, pois há uma correlação positiva entre presença de SK e aumentos dos níveis de hormônios sexuais masculinos, a saber dihidroepiandrosterona e testosterona, e hábitos de risco. Em contraposto há inibição das lesões sobre a influencia do HCG por isso há uma tendência a regressão das lesões na mulher grávida.

Teoricamente nos 33 meses em que o HHV-8 infecta o organismo sem a doença ele fica continuamente estimulando células alvo através de IL-1 e IL-6, fatore de necrose tumoral alfa e oncostatina M, que inclusive tem efeito inibitório sobre outras células tumorais. Há também secreção de um produto idêntico ao fator de crescimento de hepatócitos e interferon gama, estes atuando à distância.

As lesões cutâneas costumam ser o primeiro sinal, mas é comum o acometimento de órgãos e linfonodos antes delas. Lesões no TGI estarão em 40% dos pacientes com SK associada a AIDS. Os sangramentos aí seguem a baixa de contagem de células TCD4, podendo causar dor, sangramento e diarreia. Uma a cada três pessoas com SK associada a AIDS irá apresentar candidíase oral e esofágica, mais frequentemente no palato. As lesões na garganta e esôfago podem causar sangramentos. As lesões cutâneas podem ser alguns milímetros a vários centímetros podendo ocorrer em vários pontos e na medida em que crescer coalescem formando grandes placas. Elas começam de coloração cor de rosa e passam para vermelho ou roxo. No negro o tom é marrom ou preto. Em alguns pacientes na periferia da lesão pode haver uma tonalidade verde amarelada, consequente ao extravasamento de hemoglobina dos eritrócitos que são destruídos no local e o depósito de hemossiderina.

As lesões da boca podem ser focais, ou difusas, de vermelho a roxo, podendo envolver palato dure e/ou mole, ser exofítica e ulceradas, podendo sangrar.



CLASSIFICAÇÃO

Nodular, localmente agressivo e generalizado. Em cada forma pode existir seis estágios: mácula, placa, nódulo, lesão exofítica, infiltrativa e linfoadenopatia.

As lesões cutâneas começam como máculas eritematovioláceas, parecidas com um nevo melanocítico comum. Ocorrem bilateralmente, simétricos e geralmente nos MMII. De máculas evoluem para placas e nódulos, crescem em forma de cúpula, esponjosos, podendo agravar para forma de massa infiltrativa e friável. Essa infiltração pode aderir aos tecidos subjacentes, até mesmo ossos. Eles ainda podem surgir pelo fenômeno de Kobner, quando a lesão nasce de uma área lesionada ou enxertada, por exemplo após punção venosa, injeção de BCG, abcessos cutâneos e incisões.

Outras variações são a Sk ecmótico periorbicular, com telangiectasia, queloidal e cavernoso, esse último bastante raro.


DIAGNOSTICO

O padrão ouro é a biopsia, que vai demonstrar, inclusive células fusiformes com pleomorfismo nuclear. O hemograma vai ser inespecífico, mas irá demonstrar enemia, eosinofilia e monocitose. A anemia geralmente é causada pelos sangramentos gastrotintestinais, ou por atividade autoimune hemolítica. A TC abdominal de varredura é o exame de imagem recomendado. Ela irá identificar envolvimento hepatoesplânico e acometimento de vias linfáticas quando ocorrerem.

O estadiamento ocorre pelo sistema da Aids Clinical Trials Group (ACTG) traz a classificação: T de tumor, tendo baixo risco quando o tumor é confinado à pele; I de sistema imune, havendo melhor prognóstico usando as células T CD4 estão acima de 150 células/ml. S de doença sistêmica, havendo pior prognóstico quando há envolvimento de órgãos internos.

A mortalidade geralmente não ocorre. Quando é SK associado a AIDS o paciente pode morrer de 15 a 24 meses após o surgimento das lesões, mas isso mudou drasticamente com a introdução ao tratamento para AIDS.


TRATAMENTO

Para lesões cutâneas a radioterapia com feixe de elétrons é ideal, pois consegue se limitar à derme. Tanto a SK nodular clássico, como o associado à AIDS respondem bem à radioterapia. O acometimento de órgãos internos pode ser tratado com radioterapia sem feixe de elétrons, mas quanto mais extensiva a doença, menos responsiva a esse tratamento é.

Lesões clássicas podem ser tratadas com laser de argônio, ou pode-se lançar mão da simples excisão da lesão.

A vimblastina é utilizada quando a contagem de leucócitos cai abaixo de 4.000. O tratamento básico é com 3,5 a 10 mg EV de vimblastina 1 vez na semana, associado a 0,1 mg da medicação intralesional para o caso de lesões cutâneas resistentes, fazendo preferencia do tratamento com doses menores. As aplicações intralesionais têm boa resposta, mas são muito dolorosas. Outros medicamentos também podem ser utilizados como a vincristina, dacarbazina, doxorubicina, e os agentes de D. Um esquema alternado de vimblastina e vincristina em pacientes com SK associado a AIDS costuma ser bem tolerado, mas a leucopenia e a presença de infecções oportunistas dificultam a continuação da quimioterapia mais pesada. Pacientes que fazem uso de HAART costumam tolerar mais. Alguns pacientes até costumam cursar com regressão do SK com o uso de HAART.

REFERÊNCIAS
PORRO, Adriana Maria; yoshioka, Marcia Cristina Naomi. Manifestações dermatológicas da infecção pelo HIV. Anais Brasileiros de Dermatologia, Rio de Janeiro: v. 75, n. 6, p. 665-691, nov-dez. 2000.

FIGUEIREDO, A. COSTA. Sarcoma de kaposi e infecção pelo vírus herpes do tipo 8. Medicina Cutânea Ibero-Americana, v. 26, p. 197-201. 1997. (DESTAQUE)

COSTA, Eduardo Louzada da; VENACIO, Mariana Andrade; GAMONA, Aloísio. Sarcoma de Kaposi. HU revista, Juiz de Fora, v. 32, n. 3, p. 77-84, jul-set. 2006.


sexta-feira, 14 de agosto de 2015

FARMACODERMIAS: QUANDO A COCEIRA (PRURIDO) É MAIS ABAIXO E QUANDO ASSUSTA.

FARMACODERMIAS


Farmacodermia é um tipo de reação adversa a drogas. As reações adversas possuem duas classificações gerais: previsíveis, quando se trata dos efeitos colaterais, interação medicamentosa e toxicidade; imprevisíveis, ocorrendo sob interação medicamentosa e hipersensibilidade. Essas reações de hipersensibilidade englobam 15% das reações adversas, ocorrendo como uma resposta alérgica ou não.  Em nosso meio as medicações mais envolvidas são os antibióticos e os antiinflamatórios não hormonais.

As reações à drogas podem suscitar a impressão do envolvimento de IgEs, mas na maioria das vezes não é isso que ocorre. As reações de defesas, no geral, podem ser compreendidas a partir de quatro modelos ilustradas aqui com o uso de medicamentos:

·                    Tipo I: são as reações de hipersensibilidade, que sim, envolvem a interação com IgE. As IgEs específicas localizados na superfície dos mastócitos e basófilos ativam essas células quando entram em contato com o medicamento. Isso culmina na liberação imediata de histamina, prostaglandinas, triptase, leucotrienos e fator ativador de plaquetas, e após 20 a 30 minutos pode ocorrer urticária, edema laríngeo, broncoespasmo, hipotensão e até colapso circulatório.
·                    Tipo II: os medicamentos funcionam como antígenos. Eles se depositam na superfície dos órgãos, sendo os mais importantes aqui a superfície das hemácias e dos rins. Posteriormente a união desses antígenos com anticorpos IgM e IgG desencadeiam um ataque imunológico ao tecido onde se encontram. Isso ocorre com mais frequência com o uso crônico de penicilinas ao causar a nefrite. A metildopa pode se depositar sobre a hemácia e causar anemia hemolítica e a dipirona pode causar agranulocitose.
·                    Tipo III: o raciocínio é o mesmo do anterior, mas a união entre os antígenos e os anticorpos ocorre na corrente sanguínea. Os complexos circulantes se depositam sobre os pequenos vasos dos mais diversos tecidos e induzem resposta imune. Os beta-lactâmicos também estão envolvidos nesse tipo. As manifestações são a febre, erupções cutâneas, urticária, linfoadenopatia e artralgia, que geralmente surgem uma a três semanas após a administração da droga.
·                    Tipo IV: é mediada por linfócito T, que reconhece as moléculas dos medicamentos como antígenos liberando citocinas e recrutando outras células de defesa que vão gerar dano tecidual nos locais onde os “antígenos” estiverem. Algumas drogas são processadas e apresentadas normalmente aos linfócitos, mas há casos onde a sensibilidade é intrínseca ao organismo, fazendo com que a reação ocorra na primeira administração. Esse fenômeno é chamado de interação farmacológica com o organismo imune. A benzilpenicilina é um fármaco passível a esse tipo de reação. A manifestação mais comum é a dermatite de contato com o uso de medicamentos tópicos.

Reações dérmicas correspondem a 5% das reações adversas a medicamentos. Os fatores de risco são número de drogas utilizadas, idade, infecções virais (mononucleose, AIDS), variação genética no metabolismo da droga e acetiladores lentos. Os sintomas são diversos. As erupções máculo papulares podem ser causadas por AINES, quinolonas, beta-lactâmicos, AAS, tiazídicos etc. É a farmacodermia mais frequente, ocorrendo de uma a duas semanas após a introdução do tratamento e algumas vezes após a interrupção. São caracterizados por eritema máculo papuloso (FIGURA 01) em tronco e membros, geralmente não acometendo face. Ocorre em cerca de 5 a 10% dos pacientes em uso de penicilina e geralmente está associada a concomitância com infecções virais. Por exemplo, crianças em uso de penicilina vítimas de mononucleose evoluem com exantemas em torno de 90% dos casos. Os pacientes com AIDS possuem uma propensão maior em apresentar quadro semelhante quando em uso de sulfonamidas.


Exantema é um eritema generalizado de início agudo e fugaz. É dito morbiliforme (FIGURA 02) quando é entremeado por ilhas de pele sã, ou escarlatiniforme quando é difuso e uniforme. 10 a 20% dos exantemas na infância e 50 a 70% nos adultos são causados por drogas. As principais são penicilinas, cefalopsporinas e anticonvulsivastes. 60 a 90% dos pacientes em uso contínuo de aminopenicilinas vão apresentar um exantema eruptivo. O quadro se inicia após 7 a 14 dias de uso da medicação, mas nas reexposições esse período é variavelmente mais curto. Há urticária, a distribuição é simétrica em tronco e membros, ainda podendo ocorrer febre. A melhora costuma ocorrer em duas semanas.



Erupção fixa medicamentosa também se inicia de 7 a 14 dias se manifesta como mácula eritematosa, eritemato-bolhosa ou eritemato purpúrica, podendo haver bolha central. Não há localização padrão e a mancha residual pode se tornar permanente em casos de reexposição.

A utricária e o angioedema podem ser causados por AINES e beta-lactâmicos. Os dois quadros se constituem num mesmo evento, porém em locais e de proporções diferentes. A uticária ocorre na epiderme e por isso a mínima reação se torna visível, ocorrendo melhora em 24 horas. Manifesta-se como urtica, prurido, elevação de relevo e eritema.  O angioedema ocorre na maioria das vezes em mucosas e extremidades na hipoderme, sendo mais intenso e causando extravasamento de plasma, o que determina o edema, com melhora em 72 horas.
O angioedema isolado pode ser causado pelo uso de IECAs pelo acúmulo de bradicinina que se acumula no organismo pelo uso da droga. O quadro pode perdurar por meses sem maiores complicações, mas dentre essas as perigosas incluem urticárias extensas, hipotensão e edema de glote. A explicação para as reações aos AINES é por sua inibição da formação das COX (cicloxigenases), processo no qual inibe a formação de prostaglandinas E2, um mediador da dor, mas também um inibidor da atividade dos mastócitos.

Acredita-se que 20 a 40% dos pacientes com urticária crônica idiopática sejam intolerantes aos AINES. É a segunda farmacodermia mais frequente, acometendo 0,1% da população mundial. Geralmente é fugaz, mas o marco temporal de seis semanas define a urticária aguda da crônica. Entre os doentes 50% irão apresentar recidivar em até um ano e 20% irão evoluir com urticária crônica por mais de 20 anos. Tanto a urticaria como o angioedema é causado pela degranulação de mastócitos, nesse caso ocorrendo principalmente pelo uso de polimixina B, rifampicina, vancomicina e ciprofloxacino.

A dermatite de contato é a farmacordermia mais comum dentre as mediadas pelos linfócitos T, ocorrendo como lesões pápulo vesiculares após o uso de medicações tópicas. Um quadro semelhante também pode ocorrer após exposição à luz solar (fotodermatite) quando em uso de medicações anti-histamínicas tópicas, penicilinas, anestésicos locais, quinolonas, sulfonamidas ou tiazídicos.

As vasculites causadas pelas reações tipo III podem se manifestar como púrpuras em pele e órgãos internos devido à necrose dos vasos sanguíneos. Também podem ser mais graves, ocorrendo bolhas hemorrágicas, nódulos e necrose. A levodopa pode causar a vasculite de Henoch-Scholein, uma púrpura elevada não diminuída coma digitopressão, acompanhada de dor abdominal, mais prevalente em pacientes com menos de vinte anos. As vasculites costumam se manifestar de 7 a 21 dias após introdução da droga, mas a pesquisa deve envolver fármacos utilizados até dois meses antes do início dos sintomas.

Os imunocomplexos também causam a doença do soro, manifestada como febre, erupção máculo papular, urticária, linfoadenopartia ou artralgias. É causada por fármacos de baixo peso molecular como a penicilina, sulfonamidas tiouracil e fenitoína. Os sintomas surgem em até três semanas após a introdução da droga e duram por várias semanas.

A dermatite esfoliativa é um evento raro. O problema se inicia com lacas que se espalham em poucos dias para toda a superfície cutânea, e depois de mais alguns dias descamam em esfoliação fina e amarela. Com a descamação contínua a pele torna-se fina e com menor poder de proteção contra infecções bacterianas, quando então as escamas se tornam espessas e aderentes.


FARMACODERMIAS GRAVES

SSJ/NET
Considera-se o eritema multiforme maior a síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica (NET). A maioria dos autores classificam essas entidades como um único evento de proporções diferentes, mas a Stevens-Johnson foi descrita pela primeira vez em 1922 numa criança com febre, estomatite erosiva, acometimento ocular grave e lesões cutâneas disseminadas. A NET foi descrita a primeira vez em 1956 num paciente com um deslocamento de pele em grandes retalhos com aspecto semelhante a um grande queimado.



Devemos então considerar a distinção entre as duas através da proporção corporal acometida: para Stevens-Johnson 10% da superfície corporal e para a NET 30%, havendo uma forma intermediária caso a proporção esteja entre esses dois números.  A mortalidade a SSJ é de 5% e para NET é de 30 a 35%. A proporção da incidência entre SSJ/forma de transição/NET é de 3:2:1, e todas tem nas drogas a principal causa: 50% para SSJ e 90 a 95% para a NET, sendo as principais drogas atribuídas os antibióticos, anticonvulsivantes e os AINES. Entre os anticonvulsivantes a carbamazepina é o mais relacionado. Dentre os antibióticos são as sulfonamidas, seguidas de cefalosporinas, tetraciclinas, aminopenicilinas, quinolonas e imidazólicos.

Os pacientes com baixo poder de detoxificação são os mais propensos. Outros fatores de risco são exposição a raios-x, colagenoses, exposição à radiação ultravioleta e infecção pelo HIV. O risco da reação em pacientes infectados pelo HIV em uso de sulfonamidas é 100 vezes maior em relação à população em geral. Tudo ocorre por conta de uma ativação de linfócitos TCD8+ que também são CD95+. Esse último receptor induz a uma sensibilização do linfócito aos queratinócitos deflagrando uma apoptose difusa. A hepiderme acometida então se descola da derme e se parte, ficando sem nutrição e hidratação, seguindo então para a desvitalização.


Tudo começa com febre, cefaleia, coriza, mialgia e artralgia. Passados mais de uma semana começam as lesões cutâneas com uma sensação de ardência e prurido principalmente em dorso e palma das mãos, planta dos pés, cotovelos e joelhos. Nesses locais segue então um eritema que se difunde para todo o corpo, evoluindo para erupções em média em dois a três dias. As máculas surgem em alvo e vão crescendo e confluindo até tomarem grande área. Surgem bolhas com conteúdo hemorrágico que se rompem e deixam para trás áreas erosivas recobertas por crostas vermelho-escuras. Ocorre então o sinal de Nikolski, que é o deslocamento da pele quando se traciona a área adjacente às bolhas.

Os lábios são acometidos em quase todos os pacientes (Figura 7), causando lesões dolorosas que dificultam a alimentação e induzem a sialorreia. As lesões tornam-se sanguinolentas e o processo pode se estender para o nariz até esôfago, podendo acometer até a região anal. Nos olhos a doença causa uma grande agressão, causando simbléfaros (Figura 8) , triquíase, entrópio ciliar, opacidade corneana e cegueira.





Com o acometimento extenso de pele o paciente perde seu equilíbrio hidroeletrolítico. Ele perde de três a quatro litros de água ao dia caso tenha mais de 50% de área corpórea acometida. Com a perda da pele há perda também do isolamento térmico, levando o pacientes a tremores que aumentam a desidratação. Como a pele também funciona como barreira bacteriana a infecção por Staphylococcus e pseudomonas é frequente, justificando ser a sepse a principal causa de óbito nesses pacientes.


Os pacientes referem intensa dor cutânea e prostração, criando uma fasceis típica de SSJ, com aspecto dramático evidente. O envolvimento de órgãos internos é comum e com o acometimento do sistema respiratório 10 a 20% dos pacientes irão necessitar de ventilação mecânica.

DRESS


A reação à drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos ou DRESS é um quadro mais brando apesar de haver risco de morte de 10%. A patologia é composta por uma tríade: erupção cutânea, febre e acometimento sistêmico como adenopatias, nefrite, pneumonite ou cardite. Ao hemograma costuma ocorrer eosinofilia > 1.500/mm3 e linfócitos atípicos. A reação ocorre uma a oito semanas após introdução da droga.

Os medicamentos que mais causam esse problema são as sulfonamidas e os anticonvulsivantes aromáticos. Ocorre 1:1.000 ou 1:10.000 para os pacientes em uso dessas medicações. Os anticonvulsivantes aromáticos, a exemplo da fenitoína, fenobarbital e carbamazepina são metabolizados pelo complexo citocromo P450 em radicais livres que são depurados pela enzima epóxido hidrolase. Naqueles acetiladores lentos, nos locais onde a concentração do citocromo já é fisiologicamente mais baixa, os radicais irão se acumular e se impregnar nos tecidos, em especial no estômago, fígado, intestino e pulmões. A certo ponto uma resposta autoimune via linfócitos T é desencadeada contra tais órgãos com necrose celular tóxica e apoptose.

As manifestações começam com mal estar, faringite e linfoadenopatia cervical. Segue então febre alta (38 a 40°) e em 90% dos pacientes surgem o exantema morbiliforme de início na face e tronco, se espalhando para extremidades. Pode ocorrer edema periorbitário e eritrodermia esfoliativa. Mas atenção, pois o acometimento da hepiderme não reflete o acometimento de órgãos internos.




TRATAMENTO

URTICÁRIA
A  primeira ação é retirar com o uso dos medicamentos (é óbvio!!!) e os sintomas gerais com anti-histamínicos. Há várias opções: maleato de dexclorfeniramina 2 mg 8/8h, hidroxizine 25 mg 12/12h até 6/6 h, loratadina 10 mg ao dia ou desloratadina 05 mg ao dia. Todos via oral e dose adulto. Em casos mais intensos a prometazina intrtamuscular pode ser utilizada 25 a 50 mg dose  adulto  e 1 a 2 mg/Kg dose pediátrica. Em casos de edema e sinais para edema de glote (anafilaxia) a conduta é utilizar adrenalina 0,2 a 0,5 ml no adulto ( 01 ampola possui 01 ml com 01 mg) subcutânea no vasto lateral da coxa, onde a absorção é maior em relação ao deltoide. Essa dose pode ser repetida a cada 05 minutos. Na criança é 0,01 ml /Kg e no máximo 0,3 ml.

O seguimento é realizado com corticoides, de preferência a predinisona 20 mg 12/12h ou 8/8h, não devendo ultrapassar 14 dias.

EXANTEMAS
O tratamento é similar à urticária.

SSJ-NET
Já para os casos com lesões de pele os corticoides não são indicados por retardarem a cicatrização, diminuírem a síntese de colágeno e fragilizarem ainda mais a pele. O primeiro passo também é retirada da medicação deflagradora. A terapêutica de suporte é idêntica a para aqueles grandes queimados, com suporte hidroeletrolítico, suporte calórico, aumento da temperatura do ambiente (30 a 32°C) para amenizar os tremores; anticoagulação e proteção contra úlceras de estresse; controle da dor; controle da ansiedade. Como as infecções por Staphylococcus e pseudomonas são a maior causa de óbito, alguns autores preconizam a profilaxia.

As mucosas devem ser higienizadas e as crostas debridadas, podendo ser utilizadas cremes antibióticos no local (mupirocina é uma boa escolha). O debridamento deve ser estendido para toda a pele desvitalizada(Figura 9), que sem função fisiológica e com a umidade da evaporação corporal aumentada, se transforma num meio de cultura.


Mantém-se esse esquema até que haja a reepitelização geralmente em três semanas.
O uso de imunoglobulinas foi iniciado por sua inibição da ligação dos linfócitos T aos queratrinócitos,mas na prática os resultados não foram satisfatórios.

DRESS: o diagnóstico deve ser confirmado com hemograma para identificar a eosinofilia e os linfíocitos atípicos, transaminases hepáticas que deverão estar > 100 U/L, elevação de bilirrubinas, elevação de ureia e creatinina e exames histopatológicos. O tratamento se baseia em retirada dos medicamentos desencadeantes , suporte hidroeletrolítico e uso de corticóides, de preferência a predinisona 0,5 mg/Kg/dia. Se o paciente estiver utilizando anticonvulsivantes aromáticos utilizar outros de maior segurança como o ácido valpróico.

Ao contrário da SSJ-NET os corticóides podem ser utilizados aqui. Predinisona 40 a 60 mg ao dia. Em casos resistentes pode ser utilizada a pulsoterapia com metilpredinisolona e até plasmaférese.

REFERÊNCIAS
FERNANDES, Nurimas C.; PEREIRA, Fabíola de Souze e Mello; MACEIRA, Juan Piñeiro; CUZZI, Tullia; DRESCH, Taís Feliz Leitão Rosa; ARAÚJO, Paula Pereira. Eritrodermia: estudo clínico-laboratorial e histopatológico de 170 casos. Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 83, n. 6, Rio de Janeiro, Nov/Dec. 2008.

ENSINA, Luis Feilipe; FERNANDES, Fátima Rodrigues; GESU, Giovanni di; MALAMAN, Maria Fernanda; CHAVARRIA, Maria Letícia; BERND, Luiz Antonio Guerra. Reações de hipersensibilidade a medicamentos parte I in: Guia prático de alergia e imunologia. Revista Brasileira Alergia e imunologia, v. 32, n. 2. 2009.

OLIVEIRA, Felipe Ladeira de; SILVEIRA, Laísa Kelmer Cortês de Barros; NERY, Jo´se Augusto da Costa. Síndrome DRESS: emergência e desafio diagnóstico. Grupo Editorial Moreira Júnior. Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay. Disponível em: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=5329

ENSINA, Luis Feilipe; FERNANDES, Fátima Rodrigues; GESU, Giovanni di; MALAMAN, Maria Fernanda; CHAVARRIA, Maria Letícia; BERND, Luiz Antonio Guerra. Reações de hipersensibilidade a medicamentos parte III in: Guia prático de alergia e imunologia. Revista Brasileira Alergia e imunologia, v. 32, n. 5. 2009 (DESTAQUE).


Clínica médica: alergia e imunologia clinica, doenças da pele e doenças infecciosas. v. 7, Barueri, SP: Manole, 2009 (DESTAQUE).