quarta-feira, 11 de setembro de 2013

COMPRESSÃO RADICULAR: COMO IDENTIFICAR, COMO TRATAR

ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL

Cranialmente a medula limita-se com o bulbo e vai até a altura da vértebra L2. A superfície da medula apresenta os seguintes sulcos: mediano posterior; lateral anterior e posterior e fissura mediana anterior. Esses sulcos são dignos de notas por ser o local de conexão de filamentos nervosos, que se juntam e formam as raízes nervosas. No sulco lateral anterior se forma a raiz ventral (motora) e no lateral posterior se forma a raiz dorsal (sensitiva) dos nervos espinhais. Essas duas raízes então se juntam e formam o nervo espinhal. Como ocorrem de cada lado elas formam os pares de nervos espinhais, que são em número de 31, sendo oito cervicais, 12 torácicas, cinco lombares, cinco sacrais e geralmente um coccígeo. Existem oito pares de nervos cervicais, mas somente sete vértebras, isso ocorrendo porque o primeiro par começa acima da primeira vértebra e o oitavo par se encontra abaixo da sétima. 
FIGURA 01. Esquema anatômico das raízes nervosas. (http://soumaisenem.com.br/biologia/fisiologia/sistema-nervoso-i)

Seguindo na direção caudal o número da vértebra não segue o número do par de nervo em sua altura. Da C2 a T10, pode-se adicionar dois números para saber de qual par de nervo se trata. Por exemplo, a vértebra T10 estará na altura do nervo T12. Os processos espinhosos das vertebras T11 e 12 correspondem os cinco pares lombares, e a L1 corresponde aos cinco pares sacrais. Abaixo da L2, que é onde a medula termina, existem apenas meninges e nervos, sendo o que se chama de cauda equina.

Como o sistema nervoso central a medula também possui a paquimeninge ou dura-máter, e as leptomeninge – aracnoide e pia-máter. A membrana mais externa é a dura-máter, esta possuindo grande quantidade de fibras elásticas e por isso detentora de grande resistência. Ela continua com a dura craniana e termina na medula como um fundo de saco ao nível da vértebra S2.

Segue então a aracnoide, posicionada justaposta à dura-máter e possuindo trabéculas que a une à pia-máter, a meninge mais delicada. Essa adere firmemente à medula. Pela relação entre as meninges, observa-se a existência de três espaços. O primeiro é o epidural ou extradural, que fica externo à dura-máter. O espaço subdural fica entre a dura e a aracnoide. Nele existe pequena quantidade de líquido cérebro-espinhal, sendo mínimo, apenas com função de impedir o colabamento entre as membranas. Já no terceiro espaço, o subaracnóideo, existe quantidade significativa de líquido. A partir do local onde a medula acaba, a L2 até a S2, o espaço subaracnóideo é maior e contém maior quantidade de líquido. Nesse local a anestesia é mais facilmente aplicada, mas é acompanhada de mais reações, tais como cefaleia, resultante da lesão nas meninges e escape de líquido cerebro-espinhal.


COMPRESSÃO RADICULAR
FIGURA 02. Modelo de compressão de raiz nervosa ( http://herniadedisco.site.med.br/index.asp?PageName=-CDNDICE-20ILUSTRADO-20DE-20PROCEDIMENTOS-20REALIZADOS)


É qualquer processo que exerça efeito compressivo sobre as raízes nervosas. A etiologia da compressão radicular pode ser traumática e não-traumática, sendo que dentro desta última classificação estão contidas as neoplasias, discopatias degenerativas, infecções, parasitoses, hematoma espontâneos e anomalias genéticas.

As lesões das raízes se manifestam como síndrome do neurônio motor inferior, caracterizada por paralisia ou paresia flácida, arreflexia e hipotrofia ou atrofia, com perda sensitiva no trajeto do dermátomo inervado pelo nervo acometido. Caso a medula seja o local que foi atingido a síndrome será a do neurônio motor superior, com o paciente apresentando paralisia ou paresia espástica e hiperreflexia, além de déficit sensitivo abaixo da lesão que acomete a medula acima de L2.

O quadro clínico é basicamente dor, déficit motor e sensitivo, além de distúrbios dos esfíncteres. A dor é quase sempre o sintoma inicial. Quando o problema envolve as raízes nervosas (radicular) ela se apresenta intensa, aguda, em descarga elétrica e irradiada na área inervada pela raiz acometida e piorando aos esforços; pode ser cordonal, quando atinge os nervos nociceptivos, se apresentando em queimação, contínua e profunda, além de inalterado aos movimentos; pode ser óssea, quando ocorre comprometimento das vértebras. Nesse caso a dor é contínua e localizada, piorando quando a vértebra é pressionada. Ocorre por doenças degenerativas osteoarticulares em decorrência de excesso de peso ou movimentação.

O déficit motor se manifesta como fraqueza, ocorrendo devido ao comprometimento da raiz motora que inerva grupos musculares. Tem-se aqui a síndrome do neurônio motor periférico, quando ocorre paresia ou paralisia flácida, perda de tônus, fasciculações e diminuição ou ausência de reflexos. O déficit sensitivo se traduz com hipoestesia ou anestesia bem demarcada a partir da lesão medular. Isso ocorre quando o processo compressivo envolve os tratos espinotalâmicos, grácil e cuneiforme da medula espinhal.

A disfunção dos esfíncteres geralmente envolve o vesical, quando o dano medular é bilateral no centro da micção no cone medular ou lesões extensas na cauda equina. Começam com dificuldade e evoluem para retenção miccional. Já a síndrome de Horner (ptose palpebral, anidrose hemilateral da face e miose do mesmo lado) vai incluir os sintomas quando as lesões ocorrem à altura das raízes C7 e T1, no gânglio estrelado ou nas porções mais baixas da medula cervical.

Hérnia de disco também causará compressão raquimedular. Muitas vezes uma doença degenerativa tem valor importante. A degeneração discal começa com uma queda gradual do conteúdo aquoso do núcleo pulposo, depois aparecem rachaduras no ânulo fibroso esterno que evolui para fendas, permitindo o prolapso do disco intervertebral e colapso dos corpos adjacentes. Pela fenda do ânulo fibroso o núcleo pulposo se extravasa e comprime a raiz nervosa, geralmente depois de traumas repetidos. Essa herniação ocorre com mais frequência na posição póstero-lateral.

Caso o fragmento herniado rompa o ligamento longitudinal posterior ele pode migrar para cima ou para baixo (herniação migratória), o que agrava o quadro, comprometendo mais de uma raiz nervosa. Se o canal medular for naturalmente estreito, a dor por compressão radicular será precoce, se manifestando já no início da modificação da posição do núcleo pulposo.

Os primeiros sintomas costumam ocorrer após trauma, queda ou esforço. Os sinais englobam lombalgia e lombociatalgia, com trajeto nítido. Qualquer esforço, mesmo tossir piora os sintomas, que ainda incluem parestesia, défidit motor com ausência de reflexos. O sinal de Lasègue (figura 03) demonstra a irritação radicular, podendo ser observado com o paciente deitado e sofrendo estiramento e elevação da perna a 60° pelo examinador, sendo respondido com dor no trajeto da raiz comprometida.
FIGURA 02: Sinal de Lasègue. Disponível em: http://conversasobremedicina.blogspot.com.br/2010/09/sinal-de-lasegue.html


Quando o comprometimento é na região cervical os sintomas serão semelhantes, com algumas diferenças: causa limitação dos movimentos do pescoço, principalmente à extensão. O alívio é conseguido com elevação do membro superior fletido atrás da cabeça. Se a pressão sobre o vértex da cabeça com inclinação da mesma produz dor, tem-se o sinal de Spurling. A compressão será dolorosa quando a inclinação ocorrer do mesmo lado da compressão.

As neoplasias que determinam compressão raquimedulares podem ser de localização extra e intradural. Nos casos de intradurais ainda podem ser extra e intramedulares. Os cânceres extradurais mais causadores dessa compressão são mama, pulmão, próstata, tireóide e rins. As vértebras da coluna torácica são as mais acometidas, se manifestando como dor à palpação, contratura muscular e por vezes abaulamento localTumores extramedulares acometem principalmente pessoas entre 30 e 50 anos em qualquer nível da coluna, sendo mais comum os meningiomas e Schwanomas, os mesmos que podem ser confundidos com a neuralgia pós-herpética quando o rash cutâneo é discreto. Os sintomas são os mesmos da compressão anteriormente descritos, ou seja, surge a dor, então perde-se o tônus e a sensibilidade na região de dermátomos. Os tumores intramedulares apresentam uma dor segmentar e em queimação. Evolui com síndrome do neurônio motor inferior e posteriormente com síndrome do neurônio motor superior. O déficit sensitivo é geral abaixo da lesão, e caso haja envolvimento das regiões sacras haverá perda de tônus esfincteriano anal e vesical.



SEMIOLOGIA DA DOR POR COMPRESSÃO RADICULAR


Devido à quantidade de nervos participantes na área lombar, e inexistência fidedigna relação entre achados de imagem e clínicos, o diagnóstico é eminentemente clínico, com a necessidade de exames complementares para confirmação diagnóstica.

A forma mais prevalente de lombalgia é por desgaste. Ela raramente se difunde além das coxas, surge subitamente pela manhã e melhora com escoliose antálgica (posicionamento induzido pelo indivíduo na intensão de melhorar a dor). Como o paciente se obriga a um repouso relativo, os sintomas geralmente cessam com quatro a cinco dias, mesmo sem tratamento.

Na hérnia de disco, durante o dia, devido ao posicionamento da pessoa, o núcleo pulposo é tracionado no sentido anteroposterior e com isso é contido pelo arcabouço da vértebra. No entanto, durante a noite ocorre embebição aquosa desse núcleo e desvio parcial para a região posterior, pois é o local de maior espaço. Então quando a pessoa se levanta pela manhã ocorre compressão do disco intervertebral, sendo maior na área citada. Há aumento localizado e exacerbado da pressão discal, causando fuga do núcleo pulposo com maior frequência no sentido póstero-lateral, o que o direciona para a raiz nervosa, causando dor aguda e intensa, aliviada com o passar das horas.

No estreitamento do canal vertebral o paciente melhora na posição sentada e a dor pode ocorrer à noite e por vezes está associada a ciatalgia bilateral intensa. Há claudicação neurogênica com piora ao caminhar, principalmente ladeira abaixo, diferenciando da claudicação vascular, que piora ladeira acima. A extensão da coluna por 30 segundos desencadeia a dor, não há sinal de Lasegue, mas há Romberg positivo. Se a dor é extrarraquidiana não haverá melhora com o repouso, o que a diferencia de processos inflamatórios renais, abdominais e uterinos.  

Então, o paciente deve ser questionado sobre a que horas surge a dor, qual o fator desencadeante e se é difusa ou localizada. Deve ser questionado também as reações após esforço e principalmente levantamento de algum peso. Deve-se questionar se a dor é intermitente, se a melhora é espontânea, e se essa ocorrer deve-se questionar se por posição antálgica e se qual hora do dia essa melhora costuma ocorrer.

Alguns sinais podem ser pesquisados: manobra de Valsava – ato de assoprar sem deixar o ar sair da boca – deflagra a dor, com irradiação até o pé. Manobra de Lasègue é positiva para compressão radicular quando na extensão da perna e elevação a 60° com o paciente deitado, a dor se irradia para dermátomo L4-L5 ou L5-S1. O sinal de Romberg indica estreitamento do canal vertebral. No sinal das pontas positivo não se consegue andar com um dos calcanhares quando a compressão é a nível da raiz L5, e não se consegue andar com a ponta dos pés quando a compressão é a nível da raiz S1. Sinal do arco da corda (figura 04) existe quando se faz a manobra de Lasègue e na posição em que a dor é sentida o examinador imprime pressão no joelho do paciente. Se a dor sumir ou ao menos diminuir tem-se sinal de hérnia de disco.
FIGURA 04: sinal do arco da corda. disponível em : http://www.fotosearch.com.br/LIF156/mm203031/


Para outros motivos para compressão radicular, que não mecânica, deve ser atentado para:

·                    Neoplasias: ter idade acima de 50 anos ou abaixo de 20, histórico familiar positivo, história de perda de peso sem motivo aparente;

·                    Infecção bacteriana: infecção recente associada a dor com piora em decúbito dorsal;

·                    Fratura: histórico de traumas e quedas;

·                    Síndrome da cauda equina: anestesia em sela (anestesia das regiões perineal, inguinal e pubiana), disfunção de bexiga e déficit neurológico progressivo em membros inferiores.



TRATAMENTO

A primeira conduta é repouso relativo, com paciente evitando as ações desencadeadoras, tais como levantamento de peso. O repouso no leito é feito em decúbito dorsal, joelhos fletidos com coxim debaixo dos joelhos de maneira que as pernas permaneçam dobradas em 90°, bacia reta com a coluna lombar. Restrição no leito deve ocorrer na mesma posição, havendo necessidade de variação de posicionamento para aliviar áreas de pressão (proeminências ósseas). A restrição ao leito não deve passar de três a quatro dias, pois essa levará o paciente a uma perda de massa óssea gradativa.

O tratamento deverá ser inicialmente conservador através de analgésicos e antiinflamatórios não esteroidais, por exemplo, o diclofenaco, um comprimido de 8/8 horas. Na maioria dos casos tal procedimento já é suficiente. Caso não haja boa resposta com dor intratável, lombociatalgia intensa, comprometimento de esfíncteres (reflexo de compressão da cauda equina) e déficit motor progressivo a cirurgia está indicada.

Para dores até moderadas o paracetamol pode ser utilizado na dose de 500 mg até 6 vezes ao dia, evitando-se cautela com paciente hepatopatas. Dipirona com 500 mg até 4 vezes ao dia também pode ser utilizado e até é mais seguro.

Opióides não são utilizados na lombalgia crônica pelo risco de dependência. Nas lombalgias e ciatalgias agudas podem ser utilizados em casos restritos, a exemplo do fosfato de codeína na dose de 30 mg até 4 vezes ao dia. É um opióide produzido a partir do ópio ou da metilação da morfina, produzindo menor sedação em relação a esta última. Esse medicamento é metabolizado no fígado e excretado via rins. Atinge concentração máxima em uma hora e sua meia vida é de 3-4 horas tanto para a via oral, como a via intramuscular e seu efeito se deve também ao seu metabólito morfina. Assim como o tramadol na dose de 100 mg quatro vezes ao dia, ele pode acometer o paciente à constipação, sonolência e déficit de atenção.

Os antiinflamatórios não hormonais são os mais utilizados, mas deve-se ter cuidado com pacientes idosos devido ao potencial nefrotóxico dosedependente. Os corticosteroides parecem ser ainda mais úteis no processo inflamatório. Um exemplo é o daxador, que é um composto com dexametasona, piridoxina, tiamina , cianocobalamina e procaína. A posologia pode ser de 8/8 horas com retirada gradual para 1 comprimido por 12/12 horas por três dias e depois 1 comprimido pela manhã por três a cinco dias. Se a paciente estiver grávida, ou sofrer com úlceras gástricas o uso é contra-indicado.

Relaxantes musculares como a ciclobenzaparina pode ser utilizada a curto prazo na lombalgia aguda. É apresentado em forma de comprimido com 5 e 10 mg e tem o efeito de inibir espasmos musculares sem interferir na contração. Tem início de ação em aproximadamente uma hora. A pososlogia é de 12/12 horas ou até 6/6 horas, podendo ser feito uso de até 40 mg no dia. Se utilizados em associação com analgésicos os efeitos são ainda melhores. Sonolência e constipação também pode ocorrer.

Exercícios aeróbicos são comprovadamente eficazes, ao contrário da acumpuntura, assim como a estimulação elétrica transcutânea. A melhora por órteses ainda não foi comprovada. Fisioterapia com RPG é o método não medicamentoso mais eficaz. A duração do tratamento é variável, dependendo no nível da lesão e resposta do paciente.





REFERÊNCIAS

CRISTANE, Alexandre Fogaça; TORELLI, Alessandro Gonzalez. Lombalgia: tratamento farmacológico atual e as novas técnicas cirúrgicas. AtualizaDOR: programa de Educação Médica em Ortopedia. Disponível em: http://atualizador.com.br/fasciculos/Fasciculo_AtualizaDOR_MIOLO%201.pdf. Acessado em 10 de setembro de 2013.

FAÇANHA FILHO, F. A. M.; DEFINO, H.; GONZAGA, M. C.; ZYLBERSZTEJN, S.; MEVES, R.; FROCHTENGARTEN, M. L.; OPPERMANN, M. L. R.; VEIGA, JCE.;SKAF, A. Y. Hérnia de disco lombar em adulto jovem. Projeto Diretrizes. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/7_volume/29-hernia.sc.lom.adul.pdf. Acessado em 10 de setembro de 2013.


BRAZIL et al. Diagn[ostico e tratamento das lombias e lombociatalgias. Projeto Diretrizes, 2001. Disponivel em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/072.pdf. Acessado em 06 de setembro de 2013.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

FACILITANDO DOR II: MECANISMOS DE DOR DE ORIGEM NERVOSA

DOR NEUROPÁTICA

É uma dor decorrente de lesões ou disfunções do sistema nervoso central ou periférico. É uma condição definida quando o organismo deixa de ser o interpretador de sinais para ser gerador espontâneo ou magnificador da mesma a partir de estímulos discretos. O mecanismo da dor gira em torno de facilitação da geração de sinais, por exemplo, de focos ectópicos. Após a lesão os nervos desaferentados são induzidos à neuroplasticidade – por fatores de crescimento neural, com reinervação por outros axônios próximos a eles, tendo como consequência a substituição de impulsos inibitórios por excitatórios, aumento da efetividade das sinapses que deflagram a dor – devido aumento do número de canais de sódio, degeneração dos receptores opióides das fibras C, além da formação de um broto na própria fibra aferente que comanda a informação de dor a partir do contato com noradrenalina, outras sinapses, citocinas e prostanóides (derivados do ácido aracdônico pela via das cicloxigenases).

Como o neurônio lesionado vai estar se conectando com outros axônios, a sinapses se difundem naturalmente e terminam por ativar outras áreas que normalmente não o fariam, o que causa magnificação da dor. Por isso ocorre a alodínia. Outro problema envolvendo a regeneração das fibras é o fato de que as novas fibras reconstituídas são A-betas, não especializadas na transmissão dos estímulos álgicos. Nesse processo acabam por ocorrer novas conexões entre fibras A-beta e neurônios nociceptivos, fazendo com que um impulso siga na direção do cérebro, mas também se difunda para áreas inferiores para refazer o caminho. Isso retroalimenta a dor a partir de um único impulso, comprovando o fato de que quanto mais impulsos são passados pelas fibras, mais elas se tornam especializadas em transmiti-los. É a gênese da hiperalgesia e da alodinia.

A dor neuropática pode ser de origem central ou periférica. Quando é central ela ocorre por conta de lesão em tálamo, substância branca subcortical ou no próprio córtex, bulbo, ponte, mesencéfalo, além de vias ascendentes a partir da primeira sinapse no corno dorsal da medula espinhal. A dor nesse caso pode se iniciar logo após a lesão ou anos após o evento deflagrador, que pode ser lesão vascular, esclerose múltipla, tumor, processo inflamatório e trauma. Caso ocorra trauma raquimedular, a dor será de maior intensidade sendo difusa e secundária a lesões do tálamo, medula e tronco encefálico.

Na neuropatia diabética o acometimento pode ser mononeuropático quando apenas um nervo é acometido, mononeuropático múltiplo quando vários nervos são acometidos sem simetria, e polineuripatia quando o acometimento é simétrico. É a causa mais comum de neuropatia periférica, mesmo somente ocorrendo após anos de descontrole glicêmico. No entanto, seu acometimento é sensorial e motor, e uma vez instalado o controle glicêmico não é suficiente para devolver o equilíbrio ao paciente.

A gênese da neuropatia diabética está, por exemplo, no metabolismo do mio-inositol, que por se assemelhar estruturalmente com a glicose, vai ter sua receptação diminuída na hiperglicemia, tendo como consequência uma queda na eficácia da bomba de sódio-potássio geradora do impulso axonal. Também quando há hiperglicemia o corpo produz enzimas que aumentam a concentração de sorbitol no nervo. Esse composto, por ser impermeável, produz uma pressão osmótica positiva dentro do nervo, que consequentemente se enche de água e modifica a demanda de oxigênio determinando hipóxia.

A neuropatia diabética corre a partir das extremidades e não depende da insulinodependência. Pode ser crônica ou aguda. Na crônica os sintomas começam com adormecimento dos pés e progridem com dor, ambos os sintomas se difundindo das regiões distais para proximais. O motivo é a degeneração axonal e desmielinização das fibras com posterior nascimento de brotos em fibras C nociceptivas, tudo ocorrendo por alterações vasculares típicas com consequente isquemia de microcirculação, o que priva os neurônios de oxigênio.

Na herpes zoster também haverá neuropatia, e nesse caso a doença é ainda mais característica. Ocorre por reativação do vírus da varicela que, após resolução do primeiro problema (a catapora), permaneceu latente em gânglios dorsais de neurônios do sistema nervoso central. A incidência é maior em idosos e imunossuprimidos sem prevalência de sexo, ocorrendo 3 a 4 casos por mil habitantes por ano. Metade dos casos envolve o seguimento de nervos torácicos, 10 a 20% acometem ramos cervicais e na mesma proporção os sacrais. Praticamente todos os casos ocorrem unilateralmente.

A herpes zoster acomete gânglios da raiz nervosa dorsal e periférica, nervo periférico, corno da medula espinhal, vias ascendentes, bulbo e encéfalo. A gênese dos sintomas são inflamação, sangramento, isquemia e necrose das porções citadas. Perifericamente os mais acometidos são as fibras A-delta, o que faz da dor o sintomas mais característico dessa patologia.

A dor e a disestesia – perda da sensibilidade predominantemente do tato – surgem em média três meses antes da erupção das vesículas, geralmente antecedendo as mesmas em até dois dias. Com uma semana ocorre formação de crostas e cura em um mês. Quando há envolvimento do trigêmeo o paciente pode evoluir com cegueira. Já se raízes sacrais forem comprometidas pode haver retenção urinária. A disseminação se dá após as primeiras lesões e a neuralgia ocorrida após resolução das mesmas, ocorre geralente entre 4 a 8 semanas, porém alguns autores somente classificam a neuralgia pós-herpética quando ocorre depois de 4 a 5 meses. Essa neuralgia se caracteriza por dor distribuída ao longo do nervo periférico, com persistência mínima de um mês. É a complicação mais comum da herpes, ocorrendo em 10% dos pacientes, mas na faixa etária dos idosos essa taxa sobe para 47%, com melhora dos sintomas ocorrendo em período de anos, mas sempre com mais dificuldade caso não se resolucione antes dos seis meses.  

A neuralgia pós-herpética é uma dor em queimação que se distribui em faixa na região torácica após o surgimento das vesículas, sem melhora da dor após cicatrização.  Se diferencia da diabética por ser mais definida. Possui três fases: fase aguda, que se instala com dor dentro de 30 dias; neuralgia propriamente dita, com dor perdurada por quatro meses, depois evoluída para melhora; neuralgia subaguda, com nova incidência de dor por 30 dias. Em todas as fases a dor surge após o aparecimento de rash cutâneo. Hipoestesia e anestesia podem ser associadas a alodinia de extensão de um a três dermátomos.

Quando o rash é discreto a neuropatia pós herpética (NPH) pode ser confundida quando ocorre a dor em faixa, por exemplo com algumas neoplasias, como  meningiomas e schwannomas. Quando existem mais dúvidas a pesquisa do vírus da varicela no LCR auxilia no diagnóstico. Causas infecciosas no geral devem ser reconhecidas através da solicitação de AST e ALT, Gama-GT, urina de 24 horas e amostras de unha e cabelo para análise.

Na neuropatia diabética pode ser realizada a biopsia de pele, que evidenciará diminuição da densidade de fibras C ou modificação das mesmas.


TRATAMENTO

O tratamento sempre deve começar por administrações via oral. Os antidepressivos tricíclicos são a primeira linha de tratamento. O efeito se concentra na inibição dos transportadores de membrana do neurônio pré-sináptico que recolhem os neurotransmissores após a liberação dos mesmos na fenda sináptica. Fala-se da noradrealina, dopamina e serotonina. Eles também bloqueiam os receptores H1 da histamina – ação central, além de ser benéfico também no tratamento da dor causa por úlcera péptica. A amitripilina é apresentada na forma de comprimidos de 25 mg, podendo no caso da dor neuroática ser utilizada nessa de 25 a 75 mg ao dia. Já a nortriptilina é utilizada na dose de 25 a 150 mg ao dia, tendo vantagens por apresentarem menores efeitos adversos e possibilitarem um início de uso mais gradual. Os efeitos são hipotensão, boca seca, sonolência, taquicardia, constipação e retenção urinária.

A carbamazepina é anticonvulsivante de primeira escolha contra a dor neuropática, principalmente quando dor é em fisgada, queimação, lancinante ou em choque. Seus efeitos são inibição do neurotransmissor GABA (ácido gama amino butírico); diminuição do glutamato; modula a permeabilidade dos canais iônicos de sódio, potássio e cálcio; bloqueio da atividade anormal pós-ganglionar. A dose usual é de 300 a 1.200 mg por dia divididas em três doses, sempre após as refeições e lembrando que o comprimido é apresentado geralmente na dose de 200 mg.

Não há alterações da farmacocinética nos idosos em relação aos jovens, mas por ser metabolizada no fígado é preciso ter cautela na presença de elevação das enzimas hepáticas. Se utilizado juntamente com outros medicamentos também utilizados na dor neuropática, como o clonazepam e o ácido valpróico, ambos sofrerão diminuição do efeito devido à indução do sistema enzimático monoxigenase hepático, valendo o mesmo para o uso de corticoides.

A fenitoína é um anticonvulsivante que não deprime o sistema nervoso central e pode ser utilizada na dose de 200 a 500 mg por dia. A ação é central. Comanda o efluxo de sódio e estabiliza a membrana do neurônio. A meia vida é em torno de 22 horas e por isso deve ser tomado em dose única no dia.

O clonazepam é um ansiolítico, sedativo, hipnótico e antiespasmódico. Seu mecanismo de ação é estimular os receptores GABA do sistema reticular ativador e induzir a maior entrada de cloreto com hiperpolarização dos neurônios. É utilizado na dose de 3 a 8 mg ao dia em dose única. É apresentado em comprimidos de 0,5 mg e gotas de 2,5 mg/ml.

O ácido valpróico possui efeito ansiolítico, antidistônico, sedativo, hipnótico e até anti-hipertensivo. Seus efeitos se baseiam no bloqueio dos canais de cálcio, inibição do glutamato, modulação no sistema dopaminérgico e serotoninérgico, além da inibição da síntese de GABA. A dose para a dor neuropática é 900 a 1.200 mg por dia, iniciando em doses gradativas começando com 250 mg, que é a apresentação usual do comprimido. No início também deve se fazer uso do medicamento de 12/12 horas nessa dose.
Na neuropatia diabética é mais indicado os inibidores seletivos da receptação da serotonina, como a fluoxetina e a duloxetina, que é utilizada na dose de 30 a 120 mg ao dia. Causa fadiga, tontura, insônia, cefaleia, disfunção sexual e hipertensão, com nauseua sendo o efeito adverso mais relatado. A fluoxetina é utilizada na dose de 5 a 40 mg por dia. A capsula é apresentada com 20 mg. Sua meia vida é de 4 a 6 dias, mas para seu metabólito ativo é de 4 a 16 dias, justificando o impedimento do uso de inibidores da monoamina-oxidasedurante, como a seleginina, seu uso e até 15 dias depois de cessado o tratamento.


REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

SCHESTATSKY, Pedro. DEFINIÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA DOR NEUROPÁTICA. Revista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. v. 28. n. 3. p: 177-187, 2008.

NASCIMENTO, Osvaldo J. M. Neuropatia diabética dolorosa: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Editora Segmento Farma, 2004. (DESTAQUE).

NAYLOR, Rogerio Monteiro. Neuralgia pós-herpética: aspectos gerais. São Paulo. Editora Segmento Farma, 2004.

MOREIRA, R. O.; LEITE, N. M.; CAVALCANTI, F.; OLIVEIRA, F. J. D. Diabetes mellitus: neuropatia. In: Projeto Diretrizes, 2001. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/4_volume/09-Diabetesm.pdf, acessado em 02 de setembro de 2013.

SAKATA, SAKATA, Rioko Kimico; ISSY, Adriana Machado; VLAINISH, Roberto. Dor neuropática. Disponível em: http://www.saerj.org.br/download/livro%202003/5_2003.pdf. Acessado em 02 de setembro de 2013. (DESTAQUE)


JACOBSEN, Manoel. Fisiopatologia da nocicepção e supressão da dor. Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial. Ano. 1. v. 1. n 4. Out/dez, 2001.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

FACILITANDO DOR: EVENTOS FISIOLÓGICOS DA DOR COMO MECANISMO DE DEFESA



A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável relacionada lesão tissular. Possui dois componentes: nociceptivo, que se relaciona com apercepção da dor; efetivo, relacionado com a ação reflexa ou comportamental em busca de proteção contra o estímulo causador da dor. Segundo a Sociedade Brasileira de Estudos para Dor, 15 A 25% da população adulta sofreu com dores crônicas em algum momento, com aumento para 65% quando considerada a população idosa. Segundo International Association for the Study of Pain, registrado na portaria 1.083 de 02 de outubro de 2012, essa dor crônica somente é assim considerada quando a sensação perdura por mais de trinta dias.

Isso conclui que a dor é uma reação de defesa, mas é preciso a atenção para classifica-la como tal apenas quando a dor é aguda, pois quando crônica o problema se encontra a nível de sistema nervoso e por ser a longo prazo contribui para o mal estar do paciente, inclusive diminuindo a eficácia imunitária e alterando o equilíbrio endócrino-metabólico, principalmente nos idosos. As consequências desse tipo de dor podem incluir afastamento social, crises familiares, distúrbios do sono, depressão e até suicídio.

 Em se tratando de qualidade de dor podemos dividi-la em rápida, ocorrida até 0,1 segundo após o estímulo, e lenta, ocorrida em período além de 1 segundo. A dor rápida também pode ser anotada como aguda, pontual, em agulhada e dor elétrica. A dor lenta pode ser descrita como crônica, em queimação, persistente, pulsátil e nauseante. Ela pode ser ainda considerada de três formas: nociceptiva, quando está relacionada à lesão tecidual; neuropática, quando está relacionada a lesões nas fibras aferentes; psicogênica, quando não há evidência de lesões orgânicas, presentes em quadros depressivos ou demais quadros de sofrimento psicológicos.


NOCICEPÇÃO

Como dito, é a percepção da dor. É dividido em quatro etapas: transdução é a transformação do estímulo nocivo em elétrico, para posterior condução pelas fibras do sistema nervoso. O primeiro estímulo é detectado pelos receptores nociceptivos, distribuídos em todo o organismo ativados em baixo limiar e não passíveis de adaptação ou fadiga, como acontece com os receptores olfativos. Os estímulos podem ser térmicos, táteis ou químicos, esses últimos abrangendo substâncias liberadas no processo inflamatório, tais como a bradicinina, prostaglandinas, substância P, leucotrieno, o tramboxana, fator de ativação plaquetária, serotonina, ATP, acetilcolina, histamina e íons potássio e hidrogênio. A intensidade da estimulação é proporcional à quantidade de fibras que estarão agindo no próximo passo: a transmissão.

Quando o receptor nociceptivo é despolarizado o impulso segue por fibras aferentes chamadas de fibras A-delta, mielinizadas e por isso de condução rápida – 6 a 30 m/s, o que possibilita a sensação da dor aguda e bem definida, na maioria das vezes em resposta a estímulos mecânicos e térmicos. Outro caminho se dá por outro tipo de fibra, a C, não possuidora de mielina, transmitindo o impulso lentamente – a 0,5 a 2 m/s, resultando numa sensação dolorosa difusa e sustentada mesmo quando o estímulo é retirado, ocorrendo basicamente em estímulos químicos e mecânicos prolongados. Essas duas fibras fazem parte dos nervos periféricos, por onde conduzem o estímulo até o sistema nervosos central.  Os neurônios secundários que irão receber o estímulo das fibras podem ser específicos (quando a sinapse se dá apenas com fibras A), multirreceptivos (fibras A e C), e neurônios internunciais, que se projetam entre outros neurônios a fim de modular o impulso transmitido. Nesse processo os principais neurotransmissores envolvidos serão o glutamato e aspartato.

A modulação é o evento de aumento ou diminuição da dor. Isso ocorre na origem do estímulo nocivo. Quando há diminuição do limiar de dor estarão envolvidos principalmente as prostaglandinas, sendo participativas também a bradicinina, serotonina, histamina e os íons potássio e hidrogênio. Quando o estímulo é prolongado há uma modificação no equilíbrio dos sistemas de segundo mensageiros, acarretando a diminuição do limiar de dor por aumento da excitabilidade, do número de descargas desproporcional aos estímulos, da eficácia sináptica, recrutamento de novas vias sinápticas, todos levando à chamada alodínia, caracterizada por sensação dolorosa acarretada por estímulos que normalmente não o fazem. Também pode ocorrer inibição da sensação dolorosa através dos receptores opióides e da substância cinzenta próxima ao aqueduto do cérebro, que seguem até os neurônios pré e pós-sinápticos na medula para liberar serotonina e noradrenalina, que agem como inibidores.

A percepção se dá em dois locais: sistema límbico e hipotálamo, onde haverá uma resposta emocional; e no córtex, onde possibilitará a sensação física da dor.

Em todo esse processo as prostaglandinas tem papel importante, principalmente por estarem envolvidos com uso de medicações comuns pela população, como o diclofenaco. Essa substância é advinda de ácidos graxos da membrana das células quando são quebradas pela fofolipase A2. Nesse processo é formado o ácido aracdônico, que é transformado pelas enzimas cicloxigenases em prostaglandina G2 e posteriormente em H2, a qual poderá ser também transformada, só que em diversos substratos, a saber a prostaglandina PGE2 – a mais comum na sensação dolorosa, PGD2, PGF2, prostaciclinas (PGI2) ou tramboxano (TXA2). Nem todas as prostaglandinas estão envolvidos na mediação da dor, mas as que a fazem se conectam por receptores específicos, como os EP1 a 4. Quando ocorre a união dos dois há uma liberação de cálcio e de AMPc intracelulares, que ativa os nociceptrores e conduz o impulso que origina a sensação de dor.

Existem dois tipos de enximas cicloxigenases: COX-1 e 2. A COX-1 promove a formação de prostaglandinas envolvidas na proteção da mucosa gástrica, homeostasia renal e plaquetária. A COX-2 age na ocorrência de um estímulo inflamatório. Inicialmente acreditou-se que apenas as COX-2 originava prostaglandinas mediadoras do processo de percepção da dor, porém hoje se sabe que existe uma isoforma derivada da COX-1, a COX-3, que é sensível a analgésicos e antitérmicos, levando a crer, embora não elucidado, que a COX-1 também está envolvida na mediação da dor.

Em se tratando de população, então é correto imaginar que, quando se faz uso indiscriminado de inibidores da COX, como os citados e comuns diclofenacos, se estará inibindo a formação de ambas as COX, por isso as prostagandinas que protegem a mucosa gastrintestinal também serão inibidas, causando efeitos adversos principalmente naqueles com tendência a gastrites. Por isso existem analgésicos que são seletivos para agirem a nível de COX-2 e assim não influenciarem nas funções não relacionadas à sensação dolorosa, mas é importante que se atente para a maior tendência a processos alérgicos dessas outras medicações.


OS ESTÍMULOS

São três os tipos de estímulos: químicos, que geralmente são originados nas reações inflamatórias, com destaque às prostaglandinas e substância proteolítica, que aumentam a sensibilidade das terminações nervosas. O mecanismo da substância proteolítica se dá pela lesão das terminações nervosas, o que aumenta a permeabilidade dos neurônios e consequentemente sua despolarização. Há ainda os estímulos mecânicos e térmicos, esses últimos sentidos quando se aquece o tecido acima de 45 °C. Quando ocorre a isquemia a dor também vai ser estimulada como forma de proteção do organismo. A justificativa se faz pelo acúmulo de ácido lático advindo do processo anaeróbico, causando dano celular e o aumento de permeabilidade citada, assim como ocorre com a substancia proteolítica.

Daí esses estímulos vão seguir por duas vias distintas, uma para a dor rápida e uma para a dor lenta. Já quando o estímulo é súbito, a sensação dolorosa ocorre através das duas fibras, acarretando numa sensação dolorosa dupla que se traduz como dor pontual rápida, seguida após 1 segundo por uma dor lenta transmitida pelas fibras C. Esses dois tipos de sinais vão para o encéfalo através de duas vias: o trato neoespinotalâmico para a dor rápida, e pelo trato paleoespinotalâmico para a dor lenta. O primeiro chega até o corno dorsal da medula e se comunica com neurônios de segunda ordem, que decursam e seguem para o tronco cerebral ou para o tálamo – a maioria. O trato paleoespinotalâmico, mesmo conduzindo a dor lenta, conduz o impulso também por algumas fibras A. Tais fibras ao chegarem na medula, também no corno dorsal, vão até um local específico chamado de substância gelatinosa, passam o impulso para uma série de neurônios internunciais até os neurônios longos. Esses se unem às fibras A, decursam e seguem para o tronco cerebral ou tálamo – um décimo a um quarto.

No exemplo da agulhada, pode-se concluir que há uma sensação pontual e uma dor perdurada difusa na região próxima à lesão. Isso é a tradução da sensação dupla, ocorrida pela estimulação dos dois tipos de fibras, com as fibras C, por exemplo, liberando o glutamato, que promove uma sensação mais rápida, e a substância proteolítica, cuja liberação é lenta e sua concentração aumenta em segundos ou minutos. Mesmo assim, pode crer que, apesar da fibra tipo C liberar o glutamato, este neurotransmissor está mais envolvido na dor rápida.


ANALGESIA

O limiar de dor é variável entre as pessoas. Isso porque o organismo possui um sistema de analgesia de eficácia variada. Esse sistema se constitui da seguinte forma: neurônios da área periventricular, da substância cinzenta ao redor do aqueduto de Sylvius e do terceiro e quarto ventrículos – como o hipotálamo – enviam sinais para os núcleos da rafe nas regiões inferior da ponte e superior e lateral do bulbo. Dos núcleos da rafe os neurônios conduzem sinais pela coluna dorsal da medula até o complexo inibitório da dor nos cornos dorsais da medula espinhal, mesma região por onde os sinais aferentes precisaram percorrer para chegar até o cérebro. Essa inibição ocorre tanto nos complexos como nos núcleos da rafe, que o fazem através da liberação de neurotransmissores inibitórios: serotonina, encefalina e noradrenalina. A encefalina, por exemplo, inibi tanto o neurônio pré como o pós-sináptico.

Receptores opióides possibilitariam também a inibição dos neurônios transmissores da dor através de vários produtos derivados de degradação proteica, dentre as quais as mais importantes são a beta-endorfina, metancefalina, leuencefalina e dinorfina. A inibição também ocorre, embora com menor eficácia, nos núcleos da rafe, nas  amigdalas, nas substância cinzenta periaquedutal, hipotálamo e núcleo caudado.

Outro fator importante na interpretação da dor são as experiências passadas. As pessoas bem humoradas, com posições positivas frente às situações tendem a ter limiares de dor maiores.  Isso porque as experiências se manifestam no indivíduo através do sistema límbico (que contém a substância negra, produtora de dopamina, o hormônio do bom humor), e levando em conta que a dinorfina também é produzida pela substância negra, pode-se entender essa influência subjetiva e como consequentemente indivíduos mal humorados tem o limiar de dor mais baixo.

Portanto, para a resultante da sensação de dor estarão envolvidas alterações orgânicas e respostas emocionais de negação e aceitação, estado momentâneo, valor simbólico da dor, ansiedade, raiva, depressão, impotência e necessidade de proteção.

Outro fato interessante são os neuromas, que são novas formações nervosas (tumores nervosos) secundárias a locais amputados. A partir dos cotos, os neurônios seccionados são degenerados alguns milímetros acima, e após algum tempo voltam a crescer com conexões exageradas, hiperresponsivas a estímulos mecânicos e ação da adrenalina. Felizmente o crescimento é limitado por ação enzimática, no entanto, focos ectópicos de dor surgem alguns dias depois, aumentam na primeira semana e a partir daí começam a regredir. Isso gera dor sem motivos aparente que não cede à anestesia periférica, pois provavelmente há mecanismos centrais envolvidos. Ademais, a nível da neuropatia periférica ocorrerá aumento e sensibilização dos receptores nociceptivos, proliferação de terminações axonais, hipoatividade das vias inibitórias, dentre outros fenômenos que deflagrem dor crônica.


REFERÊNCIAS

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