domingo, 6 de julho de 2014

TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO (TOC): A NECESSIDADE PATOLÓGICA


TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO


Antes de qualquer informação é necessário entender o conceito de obsessão e compulsão: obsessão é uma ideia ou sentimento que gera na pessoa uma ansiedade incômoda; já compulsão é uma ação consciente e recorrente, manifestado como mecanismo de extravasamento da ansiedade gerada pela obsessão. Outra diferença importante é sobre a compulsão comportamental e a compulsão mental, onde a segunda se resume a um pensamento que sempre se repete após o impulso obsessivo, como fazer uma prece repetidas vezes. No transtorno obsessivo-compulsivo o paciente percebe a dependência da ação para reduzir a ansiedade e também percebe a irracionalidade da necessidade em si, mas continua a fazê-la, consumindo seu tempo e interferindo nas suas atividades diárias e relacionamentos.  Os estímulos que servem de impulso para a ansiedade podem ser coisas bem banais, tais como sujeira ou uma lembrança qualquer, e frequentemente são múltiplas e simultâneas com diferentes intensidades.

O TOC chega acometer até 2% da população mundial. A etiologia está pobremente esclarecida, mas pode-se dizer que há queda na secreção de serotonina. Diversos estudos também vêm relacionando aumento de áreas cerebrais, assim como aumento da atividade cerebral nessas áreas. Fala-se do núcleo caudado, do cíngulo e dos lobos frontais.


COMPORTAMENTO DE QUEM SOFRE DE TOC

Curiosamente estímulos anteriormente encarados com naturalidade pelo paciente passam a ser deflagradores de ansiedade, ou ansiogênicos. Isso gera então um pensamento obsessivo e sem querer o indivíduo percebe que alguma ação reduz a ansiedade gerada. Tem-se então a compulsão encarnada na forma de ações ritualísticas.

Sigmund Freud estabeleceu três mecanismos de defesa que influenciam a forma como os sintomas irão se apresentar:

1-                 isolamento: é um esforço na intenção de separar o evento da emoção que ele deflagra na pessoa. Caso o isolamento seja bem sucedido o impulso para a compulsão é totalmente reprimido;
2-                 anulação: é a compulsão em si, deflagrada quando o isolamento falha e o paciente não resiste à ansiedade causada por um evento deflagrador qualquer;
3-                 formação reativa: é a maneira como os sintomas irão se manifestar, sendo dependente das características pessoais de cada um.


Existem três sensações básicas que coordenarão todas as compulsões: avaliação exagerada de riscos, sensação de incompletude e dúvida patológica. Elas se traduzem como a seguir:

1-                 avaliação exagerada de riscos: as obsessões agressivas geralmente dizem respeito a  contaminações por doenças (somáticas) em geral ou preocupação com a aparência física. As chamadas fobias de impulsos são graves, podendo ser o medo de morrer, de matar ou de prejudicar outra pessoa, medo de cometer suicídio, medo de fazer algo proibido, como roubar.   O paciente pode ainda ter medo de ficar sozinho e correr o risco teórico de cometer alguma dessas ações. Existem também os pensamentos obsessivos neutros, que são sons ou imagens que causam a aversão pela sua recorrência.

2-                 Sensação de incompletude: Compulsões de verificação é o medo de por algum descuido, o indivíduo possa causar alguma catástrofe. Nesse grupo de manifestações está a compulsão por lavagem das mãos, que pode inclusive causar dermatite e problemas de coluna. Existe ainda a compulsão de contagem, quando o paciente repete contas, compulsão de simetria e rituais diversos. Pode ser simetria de roupas no varal, disposição de livros na prateleira ou de qualquer outro objeto, e ainda por esbarrões, quando o paciente bate a mão direita em algo que tocou com a esquerda sem querer. Existem as compulsões de colecionamento, quando o paciente coleciona objetos inúteis como papéis de bala, notas fiscais antigas e até objetos encontrados no chão. Os rituais diversos são de ações indefinidas como rezar, gesticular da mesma maneira, perguntar, repetir, relembrar, perguntar ou cuspir. Isso indica o potencial de qualquer comportamento em se tornar compulsivo, sendo que , segundo Del Porto, as de limpeza são as mais comuns, seguidas das de verificação.

3-                 Dúvida patológica: é uma forma mais rara de compulsão, quando o indivíduo em vez de repetir as ações gasta grande tempo para realizar atividades básicas por conta de indecisão. A dúvida patológica pode se traduzir na dúvida se desligou ou não o botijão, na dúvida irracional de que não engoliram vidro, não são homossexuais ou não traíram o cônjuge. Isso explica porque o TOC já fora conhecido como loucura da dúvida.


O problema central de tudo é o chamado sistema comparador, cuja desregulação não promove a sensação de que algo está completo ou não precisa ser realizado. O referencial próprio do indivíduo nunca é o real e por isso a obsessão acontece. Então, segundo Pitman, o dano está no sistema comparador.

Nos pacientes com TOC a culpa é um gerador de sofrimento. Nessa relação há dois grupos principais: aqueles que se sentem responsável por algo ocorrido no passado e por isso se consideram uma ameaça para os outros, e aqueles que temem a possibilidade de algum evento futuro e por isso se consideram ameaçados. Essas duas características tem em comum a impressão de que manter um pensamento culmina em sua realização, por isso o indivíduo tenta suprimir sentimentos de raiva para que sua expressão física não aconteça.

Outro gerador de sofrimento para esses pacientes é o sentimento de crítica. Os indivíduos percebem o exagero dos sintomas e envergonham-se, e então procuram ocultá-los, mantendo a compulsão quando não podem ser flagrados. Isso explica porque pessoas próximas de indivíduos com TOC não tomam ciência do problema até que prejuízos mais evidentes ocorram, como depressão secundária. 80% dos pacientes com TOC de início precoce apresentam as fenômenos sensoriais. Essas são sensações físicas ou mentais causadoras de incômodo que podem preceder ou ocorrer junto com os comportamento e repetitivos do TOC. Alguns estudos relacionam tais fenômenos com melhor resposta ao tratamento.


DIAGNÓSTICO

O DSM-IV e a CID-10 tem classificações semelhantes para esse transtorno, mas o segundo inclui o tempo de permanência. Para o DMS-IV o TOC é caracterizado pela presença de obsessões ou compulsões de intensidade capaz de causar prejuízo de tempo (além de uma hora diariamente) e causarem sofrimento acentuado pela própria perda de tempo, dificuldades nos relacionamentos e atividades acadêmicas, profissionais e sociais. O CID-10 complementa o quadro com a presença dos sintomas por mais de duas semanas.

É necessário ter cuidado para não atribuir o diagnóstico a obsessões direcionadas a um único elemento, como dietas indicadas por conta de um transtorno alimentar, preocupações específicas relacionadas a objetos únicos e a situações da fobia social. Também não pode estar relacionada com o sintoma de outro transtorno psiquiátrico, como a imagem do espelho no transtorno dismórfico, ou com doença na hipocondria. O diagnóstico deve se concentrar no sofrimento do indivíduo e no tempo perdido com as obsessões.

Em relação aos subtipos de TOC, uma dificuldade é a heterogeneidade dos sintomas e também do seu início. A maioria dos estudos admite a idade de dez anos para dividir o TOC em de início precoce e tardio. Os de início precoce tendem a serem mais comprometidos pela patologia. 85% dos casos tem início antes dos 35 anos e existe um pico de incidência no início da adolescência e outro dos 20 aos 22 anos. O paciente de início precoce tem sido mais relacionado a maior frequência no sexo masculino, maior número e frequência de compulsões, mais manifestações sensoriais, maior proporção de compulsões de limpeza, contagem e tocar, além de serem mais relacionados a ocorrência também de ansiedade de separação, fobia social, transtorno dismórfico e transtorno tipo tiques (movimentos ou vocalizações involuntárias, súbitas e recorrentes, geralmente fora de contexto).


TRATAMENTO

A terapia comportamental é um ótimo caminho para o tratamento desses pacientes, e o tratamento mais indicado é justamente a exposição. O paciente provoca os estímulos ansiogênicos com a ideia preconcebida de evitar a resposta compulsiva. Com a repetição o estímulo vai se tornando cada vez menos ansiogênico. É a exposição com prevenção de resposta ou ERP. Esse tipo de tratamento é eficaz em 70% dos pacientes.

Quando a terapia comportamental não é suficiente entra-se com os medicamentos. Os de primeira escolha são os inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS). É possível iniciar tanto com a clomipramina como a paroxetina, mas como apenas o último é um inibidor seletivo da receptação da serotonina e ainda apresenta menores efeitos em longo prazo, a paroxetina é definida como a primeira escolha.

A paroxetina é usada na dose de 20 a 60 mg ao dia. Caso seja utilizada a fluoxetina a dose é de 20 a 80 mg ao dia.


REFERÊNCIAS

TORRES, A. R. et. al. Transtorno obsessivo compusivo: tratamento. Projeto Diretrizes. Associação Brasileira de Psiquiatria. Jan, 2011. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/transtorno_obsessivo_compulsivo-tratamento.pdf

TORRES, A. R. et. al. Transtorno obsessivo compulsivo: diagnóstico. Projeto Diretrizes. Associação Brasileira de Psiquiatria. Jan, 2009. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/transtorno_obsessivo_compulsivo-diagnostico.pdf

KAPLAN, Harold I.; SADOCK, Benjamin J.; GREBB, Jack A. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Rio de Janeiro: Artmed, 1991.