terça-feira, 4 de novembro de 2014

PRÉ ECLÂMPSIA? PORQUÊ?


ANTES DE TUDO É PRECISO ENTENDER A PRÉ-ECLÂMPSIA COMO O RESULTADO DE EVENTOS OCORRIDOS DURANTE A INVASÃO TROFOBLÁSTICA NO ENDOMÉTRIO. No momento da nidação o citotrofoblasto destrói a musculatura média das artérias espiraladas, que se refazem com um maior calibre e por isso permitindo uma maior passagem de sangue. Quando esse novo calibre das artérias é aquém do necessário para o correto aporte sanguíneo haverá uma tendência a perfusão ineficaz. Com isso para fazer a correção desse evento o coração exerce uma contração mais intensa na tentativa de aumentar a circulação materno placentária, porém termina por elevar os níveis tensionais maternos.

Tendo em vista esse fato primordial partimos de duas teorias para gênese do problema: uma diz respeito a incompatibilidade genética e outra sobre má adaptação imunológica. A má adaptação imunológica gira em torno das reações inflamatórias via MHC. Normalmente as reações inflamatória ocorridas no útero ocorrem com predomínio de linfócitos TCD8, ou tipo MHC 1. Quando o semêm entra em contato com a mulher o fator de crescimento beta 1 nele presente induz a mudança de perfil inflamatório para resposta com predomínio de linfócitos TCD4, ou tipo MHC 2. Caso essa mudança para resposta tipo não ocorra de maneira adequada a invasão citotrofoblástica não formará vasos de calibre ideais e daí tem a indução do aumento de tensão arterial.

Em mulheres nulíparas, casais de coabitação recente e gravidez sem que haja relações sexuais em número significativo, haverá a tendência pelo predomínio da resposta tipo 1(MHC de classe 1), causando a pré-eclâmpsia. Casais que realizam o sexo oral com frequência ou vindo de relação de longa data e coabitação prolongada tendem a induzir na mulher o predomínio da resposta tipo 2 (MHC de classe 2) favorecendo a normalização dos níveis tensionais.

A teoria da incompatibilidade genética necessita de uma pré-informação: os genes que sintetizam os HLA do feto advém do pai e os que originam os linfócitos NK são da mãe. Pois bem, dentro das reações inflamatórias os antígenos de superfície ou HLA que existem nas superfícies das células também devem estar compatíveis para a correta neovascularização placentária. Existem subtipos de HLA, e no organismo não gestacional predomina os HLA A, B e D, enquanto que no organismo gestacional predomina HLA C, G e E. Isso é necessário para que o organismo materno não reconheça o feto como um corpo estranho, ou non-self. Existem ainda subtipos dos linfócitos NK, por exemplo  AA, que quando unido ao HLA C daria origem a uma estimulação invasora pelo citotrofoblasto menos intensa do que deveria. Ou seja a combinação HLA C com NK AA inibe a invasão trofoblástica, sendo frequentemente encontrado em mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia.

A teoria da incompatibilidade genética aborda os seguintes fatores de risco: história familiar positiva (risco três vezes maior), pai nascido de uma gestação com pré-eclâmpsia (risco duas vezes maior) e presença do homem de risco, aquele em que formou um casal anterior que originou gestação com pré-eclâmpsia possui 80% de chances a mais de gerar mais um caso.

As informações acima concretizam a teoria da pré-eclâmpsia de origem trofoblástica, mas existe uma outra de origem materna, ocorrida na presença de doenças pré-existentes. Segundo Redman, Sacks e Sargent a invasão trofoblástica era na realidade um fator de risco de peso, mas causa direta seria reações inflamatórias exacerbadas, confirmadas por diversas pesquisas.  Quando comparam a quantidade de neutrófilos e monócitos em mulheres com pré-eclâmpsia foi identificada semelhança com paciente em sepse, e muito maior que mulheres sem pré-eclâmpsia ou não grávidas. Isso induziu à conclusão de que a pré-eclâmpsia uma reação inflamatória sistêmica, exacerbada e prolongada que de algum modo diminuiria o aporte sanguíneo útero placentário.

O apoio para a teoria da reação inflamatória seriam doenças pregressas que seriam de gatilho para a indução de apoptose do sinciciotrafoblasto, o que geraria liberaria fragmentos na circulação materna, o debris placentário. Eles seriam os responsáveis pela reação inflamatória materna extrema. Quanto mais debris, maior a reação inflamatória e com isso mais provável será o surgimento da pré-eclâmpsia, justificando a relação direta entre o tamanho da placenta e o surgimento de patologia. Gestantes diabéticas, gestações múltiplas e molares teriam um maior volume placentário, sofreriam apoptose com mais frequência, liberando mais debris e por isso maior tendo maior chance de pré-eclâmpsia.

Todas estas questões se referem a primeira fase da patologia, a pré-clínica. A outra fase, a clínica, constitui a pré-eclâmpsia manifestada com sinais e sintomas. Todas as terias citadas aqui sempre convergem em dois fatos: disfunção endotelial sistêmica e fatores antiangiogênicos. Quando a citotrofoblasto começa a adentrar no endométrio os linfócitos NK presentes nesse evento, junto com a própria placenta liberam dois fatores de crescimento: fator decrescimento do endotélio vascular (VEGF) e fator de crescimento placentário (PLGF), que se ligam aos receptores flt-1 nos vasos para exercerem seus efeitos. Um dos efeitos adicionais da ligação entre o VEGF e o flt-1 é a liberação de óxido nítrico e prostaciclinas para diminuírem o tônus vascular útero placentário, além de aumentar a regeneração endotelial.

Pois bem, existem fatores antiagiogênicos na corrente sanguínea que estão aumentados nas mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia. Trata-se o sflt-1 – o “s” é de solúvel – e seu efeito seria de ligação aos VEGF e PLGF, porém sem exercer os efeitos angiogênicos. Um outro receptor antiagiogênico com ação semelhante ao sflt-1 é a endoglina solúvel (sEnd). Caso uma mulher apresente quantidades aumentadas dos dois receptores antiagiogênicos simultaneamente o risco de desenvolver pré-eclâmpsia é 30 vezes maior. Dois fatos que corroboram o envolvimento do VEGF e flt-1 foram a elevação de pressão arterial em pacientes que fizeram uso de inibidores de flt-1 para tratamento para câncer, e inibição do sflt-1 pela nicotina e menor prevalência de pré-eclâmpsia em mulheres fumantes.


CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Os critérios para a classificação de pré-eclâmpsia são tensão arterial acima de 140 X 90 mmHg. O aumento de 30 mmHg na pressão sistólica e de 15 mmHg na diastólica já foram critérios também, mas atualmente apenas servem como fatores de risco.

O segundo critério é proteinúria estando acima de 300 mg na urina de 24 horas ou uma cruz no sumário de urina em duas amostras seguidas ou duas cruzes em única amostra. Pode-se ainda realizar a proporção proteína/creatinina urinária, que estando acima de 0,19 se associam fortemente a proteinúria acima de 300 mg/24 horas. É importante saber que a proteinúria não é um preditor da pré-eclâmpsia, pois ela apenas ocorre com a distensão do filtro renal ocorrido com o aumento da pressão. Ou seja, proteinúria surge apenas a patologia já está instalada. Outro cuidado que se deve ter é quando a proteinúria ocorreu antes da gestação, podendo tornar a diferenciação impossível. Para isso deve-se solicitar proteína de 24 horas seriada, pois a elevação de um grama ou mais é sinal de consequência da pré-eclâmpsia. Outros dados como hiperuricemia, elevação das transaminases hepáticas, trombocitopenia reforçam a suspeita. Já o edema não é mais critério para pré-eclâmpsia a menos que a gestante esteja em estado de anasarca, mas ainda assim não é mandatório para o diagnóstico.

Caso não haja proteinúria o diagnóstico também pode ser considerado caso a gestante curse com TA acima de 140X90 mmHg e cefaleia, borramento de visão ou dor abdominal, ou ainda por alteração de valores laboratoriais tais como plaquetopenia e aumento de enzimas hepáticas.

Existem diversas classificações para hipertensão gestacional: 1- hipertensão arterial crônica: é a hipertensão diagnosticada pela primeira vez após a 20° semana de gravidez e que se mantém além da 12ª semana após o parto; 2- pré-eclâmpsia é quando o aumento da tensão arterial é encontrado pela primeira vez após a 20ª semana de gestação, acompanhada de proteinúria, sem história de hipertensão pregressa; 3- hipertensão sobreposta é a hipertensão diagnosticada antes da 20ª semana de gestação com proteinúria na segunda metade desse período; 4- hipertensão gestacional é quando o aumento ocorreu após a 20ª semana, mas as manifestações param por ai.

Existem duas formas de pré-eclâmpsia: leve e grave. A forma leve ocorre antes do alcance dos critérios de gravidade que ainda serão definidos. Até lá, quando a gestante exibe o aumento de um quilo por semana ou três quilos por mês já serve como sinal de alerta para a evolução para gravidade. Os critérios para a forma grave são: TA acima de 160X110 mmHg, proteinúria de 2 g em urina de 24 horas; creatinina séria acima de 1,2 mg/dl, sintomas de eclampsia iminente (torpor, cefaleia intensa, distúrbios de visão, dor epigástrica ou no QSD causada por hisquemia hepática ou distensão da cápsula de Glisson, e reflexos tendinosos exacerbados), aumento de AST e ALT, plaquetopenia e anemia hemolítica. 

Em 10 a 20% das gestantes com pré-eclâmpsia grave ou 1 a cada 1.000 gestações ocorre a síndrome HELLP, um epônimo para hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetopenia. Nessa crise o desenvolvimento placentário anormal libera fatores que induzem injúria endotelial e ativação de plaquetas com liberação de vasoconstrictores. Quando a lesão alcança o fígado a ativação e agregação das plaquetas induz a sua gasto excessivo, além de obstrução de vasos com isquemia de hepatócitos.

Os achados laboratoriais ainda incluem: aumento de bilirrubina indireta, haptaglobina baixa, DHL (desidrogenase lática) aumentada e queda de hemoglobina. Já os sintomas incluem: dor no episgastro ou QSD (80% dos casos), aumento excessivo do peso, piora de edema, náuseas e vômitos, cefaleia, alterações visuais e icterícia.

Outra complicação da pré-eclâmpsia é a eclampsia, caracterizada como convulsões tônico clônicas em geral de duração entre 60 e 75 segundos, ocorrendo em 25% dos casos de pré-eclâmpsia grave. O motivo para essas manifestações é um espasmo focal também a nível cerebral causado infarto transitório, assim como encefalopatia hipertensiva.


TRATAMENTO

O tratamento medicamentoso deve ser iniciado quando a pressão alcançar os níveis de pré-eclâmpsia grave. A pressão sistólica aparentemente é um melhor preditor de risco cardiovascular que a diastólica. O objetivo do tratamento da hipertensão é manter a TA sistólica entre 140 a 155 mmHg e a disastólica entre 90 e 100 Hg para não comprometer a circulação fetal. O tratamento tem duas classificações: agudo e crônico: no agudo o anti-hipertensivo de primeira escolha é a hidralazina na dose de 05 mg IV repetida em 15 a 20 minutos até que se atinja a meta. A dose máxima a ser infundida é de 30 mg no dia, quando deve-se passar para outras medicações caso não se atinja a meta. O início da ação é de 5 a 10 minutos e dura de 3 a 6 horas. Outra opção é o bloqueador dos canais de cálcio nifedipino na dose de 10 mg  sublingual  cada 30 minutos. Esse medicamento tem boa resposta, mas confere mudanças bruscas de Tensão arterial. O início do efeito ocorre em 10 a 20 minutos e dura por 4 a 5 horas.

O tratamento crônico deve começar com alfa-metildopa na dose de 250 mg 12/12 horas via oral até no máximo 4 gramas no dia. Outra opção é a hidralazina 20 mg via oral 12/12 horas até no máximo 300 mg no dia. A terceira opção é um bloqueador dos canais alfa e beta, o labetolol 100 mg 2 x ao dia até no máximo 2.400 mg no dia. Inibidores da ECA são totalmente contra indicados por causar eventos danosos no feto, tais como a oligodramnia, anomalias renais, hipoplasia pulmonar, retardo mental e morte. Os diuréticos devem ser evitado no geral, pois a diminuição da volemia também diminui o aporte sanguíneo transplacentário.

Nos casos de eclâmpsia existem dois esquemas principais: o de Pritchard e de Zuspan, mas para ambos na convulsão ou iminência desta o medicamento de primeira escolha é o sulfato de magnésio a 50%. Pelo esquema de Zuspan a dose de ataque é de por via endovenosa 8 ml ou 4g (01 ampola contém 10ml ou 5g) diluído em 12 ml de água destilada para infusão por 10 a 20 minutos. A dose de manutenção é de uma ampola diluída em 490 ml de solução fisiológica e infusão dessa  solução da velocidade de  100 ml por hora até 24 horas após o parto.

Pelo esquema de Pritchard pode ser utilizado quando não se dispõe de bomba de infusão. Faz-se a mesma infusão de 4g IV diluída como dose de ataque associada a 10 ml ou 5g IM, metade da ampola em cada nádega. A dose de manutenção é de 5g IM a cada 4 horas.

O índice terapêutico do sulfato de magnésio é pequeno, sendo de 4 a 7 mEq/L ou 4.8 a 8.4 mg/dl. Então a infusão deve ser seguida dos seguintes cuidados: garantir diurese mínima de 100 ml nas últimas quatro horas; verificar intoxicação, que é manifestada com a diminuição do reflexo profundo Patelar, por exemplo, e incursões respiratórias de menos de 16 inc/min. No esquema Zuspan essa verificação deve ocorrer de hora em hora, e no esquema Pritchard é antes da administração de cada dose. Se observado os sinais de intoxicação deve-se infundir gluconato de cálcio a 10% com infusão lenta.

Já o tratamento definitivo somente ocorre com o parto, que é por via cesariana somente para gestações abaixo de 30 semanas. Para se escolher o momento de induzir o parto é necessária a comprovação de sofrimento fetal. Um dos exames ideais para isso é a dopplerfuxometria, que mede o estado de impulsão sanguínea nos vasos pesquisados. Por exemplo, com a hipóxia sempre ocorre o fenômeno da centralização. Como os órgãos nobres são favorecidos nesse processo, a circulação da artéria cerebral média estará mais intensa que a artéria umbilical, ficando a relação umbilical/cerebral média menor que 01, o que justifica indução de parto imediata.  Esse exame também indica o fluxo diastólico e o utiliza como eleição para indução imediata para o parto. Caso o fluxo diastólico da artéria umbilical estiver reverso o parto deve ser imediatamente induzido. Caso o fluxo diastólico estiver ausente realiza-se a medida da relação do fluxo das artérias umbilical/cerebral. Se estiver maior que 1 deve-se reavaliar diariamente. Caso esteja menor que 01 a indução do parto deve ser imediata.


REFERÊNCIAS

FEITOSA, Francisco Edson de Lucena; Sampaio, Zuleika Studart. Diretrizes assistenciais: pré-eclâmpsia. Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Disponível em: http://www.almir.almondegas.net/manuais/meac/o/preecl.pdf. 

Corrêa Júnior, Mário Dias; Aguiar, Regina Amélia Lopes Pessoa de; Corrêa, Mário Dias. Fisiopatologia da pré-eclâmpsia: aspectos atuais.  FEMINA. v. 37, n. 3. Maio. 2009. (DESTAQUE)

Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Manual de Gestação de Alto Risco. 2011. Disponível em: http://febrasgo.luancomunicacao.net/wp-content/uploads/2013/05/gestacao_alto-risco_30-08.pdf. 


SOUZA ET AL, Alex Sandro Rolland de. Pré-eclâmpsia. FEMINA. v. 34, n. 7. Junho. 2006. 

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom! Aprendi bastante! Parabéns por esse trabalho!