quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ASSISTÊNCIA AO GRANDE QUEIMADO

Regra dos nove.

OBS: o blogger escolheu não incluir novas imagens para esta postagem, por considerar ato apelativo. Sugerimos então pesquisa via internet para mais imagens, pois as mesma são de fácil acesso.



Queimaduras ocorrem por diversos mecanismos: térmicos, químicos, elétricos, radiação, por atritos e outros. As queimaduras térmicas são as mais frequentes e o profissional deve estar atento para os sinais de queimaduras das vias respiratórias, o que demanda imersão em via aérea precoce, principalmente se o transporte para o local especializado irá demorar. Os indicativos clínicos são: queimaduras de face ou região cervical, chumascamento de cílios ou víbrias nasais, rouquidão, expectoração carbonácea, história de explosão e confinamento no local de incêndio.


PRIMEIRO ATENDIMENTO

MEDIDAS IMEDIATAS

Ao se deparar com o queimado o profissional deve logo retirar toda a roupa do paciente para interromper a queimadura, mas as roupas aderidas à pele devem ser retiradas cuidadosamente mediante lavagem com água corrente principalmente se for roupa derivada do plástico, pois esse material tende a se aderir à pele e prolongar a temperatura e o trauma. Produtos químicos devem ser retirados com água corrente em baixo fluxo por ao menos 20 minutos e de maneira nenhuma devem ser adicionado agentes neutralizantes, pois a reação é exotérmica. Lesões de córnea devem ser pesquisados com a aplicação de colírio de fluoresceína. O paciente então deve ser coberto com lençóis limpos, secos e quentes para prevenir a hipotermia.

Se o paciente teve mais de 20% da superfície corporal comprometida deve receber reposição volêmica através de gelcos calibrosos, de preferência n° 16G e nos membros superiores, pois as chances de trombos são maiores nos inferiores. Preferem-se também as áreas de pele íntegra, mas caso a distribuição das queimaduras dificulte o processo deve ser feito assim mesmo. 

Segue então a avaliação do paciente. Na investigação a história de explosão demanda outras investigações, pois o doente pode ter sofrido fraturas. Se foi queimadura em local fechado deve-se sempre suspeitar de lesão por inalação, que muitas vezes traz complicações apenas 24 horas depois. O método minemônico ARDEU ajuda: A de alergias; R de remédio em uso; D de doenças pessoais atuais e pregressas, assim como da família; E de eventos relacionados com a lesão; U de última refeição.

O próximo passo é a avaliação das lesões. A porcentagem de superfície comprometida é observada pela regra dos 9, a qual considera regiões do corpo do adulto em percentuais múltiplos de 9, com exceção das palmas e dedos, que representam 1% assim como a genitália. As proporções são as seguinte: cabeça e pescoço, cada um dos membros superiores, cada coxa, e perna e pé valem 9%. O tronco equivale 18% os dois lados.

O grau de lesão é definido pela profundidade. Primeiro grau se acomete apenas a epiderme, com eritema e sem bolhas. Segundo grau acomete parcialmente a derme, inclui as bolhas ou edema e a coloração é mosqueada ou avermelhada. Pode ser lagrimejante e certamente cursará com dor intensa.  Terceiro grau a derme é acometida ou ainda mais profundamente. A queimadura costuma ser escura e ter a aparência de couro e a pele ainda pode estar mosqueada (manchas escuras semelhantes a moscas) ou esbranquiçada.

Com isso o queimado segundo gravidade por ser:

Leve: queimaduras de 1° grau em qualquer idade; 2° grau com 5% de área queimada em menores de 12 anos ou 10% em maiores. Moderada gravidade: 2° grau de 5ª 15% de área queimada em menores de 12 anos ou 10 a 20% em maiores; qualquer queimadura em mão, pé, face, pescoço, axila ou grande articulação; queimaduras de 3° grau que não envolvam essas partes e de até 5% de área queimada em crianças de até 12 anos ou até 10% em maiores. Grande queimado: queimaduras de 2° grau com mais de 15% de área queimada em menores de 12 anos e maior de 20% além dessa idade; queimaduras de 3° grau com mais de 5% de queimadura em menores de 12 anos e 10% em maiores; 2° ou 3° grau atingindo períneo; 3° grau atingindo mão, pé, pescoço ou axila; qualquer queimadura por corrente elétrica.

Também serão classificados como grande queimado as vítimas que associem lesão inalatória, trauma ósseo, insuficiência renal, hepática ou cardíaca, quadros infecciosos graves, síndrome compartimental, idade menor de 3 anos e maior de 65 ou qualquer evento complicador. 

Os pacientes que devem ser encaminhados para serviços de emergência são com queimaduras de 2° grau com mais de 10% de superfície queimada, qualquer queimadura em mão, pé, face, pescoço, períneo ou grande articulação; qualquer queimadura de 3° grau, queimadura química ou elétrica; lesões por inalação; traumas concomitantes; unidade sem material ou pessoal qualificado.


REANIMAÇÃO

O comprometimento da via aérea se faz por três mecanismos: inalação de fumaça, queimadura direta e intoxicação por monóxido de carbono, este último devendo ser sempre suspeitado em queimaduras ocorridas dentro de recintos fechados. Essa intoxicação é diagnosticada pela medida da carboxihemoglobina, um composto cuja afinidade com a hemoglobina é 240 vezes maior que o oxigênio, justificando que apenas 01 mmHg de CO já eleva sua concentração no sangue a 40%.

Quando os níveis CO estiverem entre 20% e 30% o paciente já apresenta náusea e cefaleia; 30 a 40% há confusão; 40 a 60% o paciente evolui para coma; acima de 60% não há compatibilidade com a vida.  Isso justifica que qualquer suspeita de intoxicação por CO demanda oxigenoterapia a 100% através de máscara unidirecional sem recirculação. Também é necessário a intubação orotraqueal, mas com o cuidado de pré-oxigenar o paciente antes.

A suspeita de lesão direta exige intubação precoce. Como dito antes a inalação provoca repercussões diversas horas após o evento. A inalação é respondida pela via respiratória com um evento inflamatório produtor de secreções e diminuição da luz do trato respiratório inferior. Como a broncoscopia pode ser necessária a intubação deve ser realizada com cânula endotraqueal de grosso calibre. O paciente ainda deve ter seu tronco e cabeça posicionados a 30° para melhorar o retorno venoso e diminuir o edema do pescoço. Se houverem queimaduras de 3° grau no tórax com limitação de movimentos respiratórios é necessária a realização de escarotomia.

Com vistas no acompanhamento da resposta à hidratação deve ser instalada uma sonda vesical de Foley. A hidratação de ser realizada com ringer com lactato, com metade do volume sendo administrada nas primeiras 08 horas após a queimadura e a outra metade nas próximas 16 horas. A diurese é quem vai direcionar a velocidade de hidratação, devendo estar em 0,5 a 1 ml/Kg/hora no adulto e 1 ml/Kg/hora na criança abaixo de 30 Kg. Se o trauma for elétrico a diurese deve ser de 1,5 ml/Kg/h ou até clareamento da urina. No caso das crianças o ringer com lactato deve ter adicionado solução glicosada na proporção de 4:1. A fórmula de Parkland é utilizada nessa fase de hidratação: 2 a 4 ml X Kg de peso X % de superfície queimada. Nos idosos a fórmula contém um volume um pouco menor: 2 a 3 ml X Kg X % superfície queimada.

Como as arritmias cardíacas podem ser o primeiro sinal de desequilíbrio ácido básico e de eletrólitos e um ECG deve ser realizado. A aferição da TA deve ocorrer a cada três horas, assim como a aferição da glicemia.

As nas queimaduras de mãos os membros afetados devem ficar elevados por 24 a 48 horas. Queimaduras em pernas e pé dificultam a deambulação, mas esta deve ser estimulada, elevando o membro quando o paciente se encontrar no leito. A intensão da elevação é reduzir o edema que surgirá nas queimaduras de média ou grande gravidade. Idosos com mais 20%, adultos com mais de 25% e crianças com mais de 15% de área queimada devem usar sonda nasogástrica. Se o paciente perde 10% do seu peso durante a internação também, assim como na necessidade de múltiplas intervenções cirúrgicas. O paciente também deverá realizar profilaxia para o tétano e na criança devem ser pesquisados sinais de maus tratos.

Proceder com analgesia com dipirona 500 mg ou 01 grama EV ou morfina 01 ml (01 ampola= 01 ml ou 10 mg) diluída em 09 ml de SF 0,9%. Daí é administrada 01 mg u 01 ml da solução para cada 10 Kg; em crianças a morfina é a metade dessa dose e a dipirona é com 25 a 50 mg/Kg de peso endovenoso. Prescrever complexo B+ vitamina C, lembrando que o comp. B é fotossensível e deve ser aplicado sob equipo translúcido. Antibióticos só devem ser utilizados se o paciente apresentar temperatura acima de 39° e o agente fica a critério de cada serviço.

Deve-se higienizar a ferida com PvPi degermente ou clorexidina degermante a 2% e sulfadiazina de prata com cobertura antes do curativo oclusivo. Administrar ranitidina 01 amp ou 25 mg de 6/6 ou 8/8 horas para prevenir a úlcera gastrointestinal por estresse; heparina 5.000 ui 24/ 24 horas. Evitar corticoides e antibióticos sem sinais clínicos de infecção.

A escarotomia deve ser realizada através de três incisões: um em cada linha hemiclavicular que se estenderá até pouco abaixo de outra que é realizada perpendicularmente abaixo da linha inferior dos arcos cortais. A escarotomia nos MMSSII é realizada nos lados mediais e laterais. Como esse procedimento só é necessário em queimaduras de 3° grau, no qual as terminações nervosas foram cauterizadas, não há necessidade de analgesia.

Os exames de controle são: hemograma, proteinograma, coagulograma, eletrólitos, ureia, creatinina, urina tipo 1 e glicemia de jejum.

Outras considerações: na queimadura por corrente elétrica deve-se identificar o tipo de corrente, se alternada ou contínua, se houve local de entrada e saída, existência de PCR, monitorização cardíaca por 24 a 48 horas, dosagem de CPK e CK-MB. Nas queimaduras químicas por fluorito com repercussões sistêmicas utilize gluconato de cálcio diluído em SF a 0,9% em infusão endovenosa lenta e acompanhando os níveis de cálcio, aplicar gluconato de cálcio a 2,5% gel sobre o leito das lesões e friccione para alcançar as lesões mais profundas.  Caso não haja descontinuidade da queimadura usa-se o gluconato de cálcio diluído em SF 0,9% de maneira a infundir 0,5 ml da medicação a cada centímetro quadrado, devendo ser aplicado a 0,5 centímetro da borda da lesão em direção ao centro.
A escarotomia deve ser realizada em forma de S estendido quando a queimadura for no braço, tomando-se cuidado de começar na dobra axilar anterior e terminar na face  anterior do epicôndilo medial para assim livrar o trajeto do nervo ulnar. No antebraço se faz a mesma forma indo da extremidade proximal anterior d rádio até a prega flexora distal do punho. Na mão deve-se incisar na região dorsal a altura dos segundo e quarto metatarsos, perfurando entre os espaços interósseos e abrindo a forçosamente a lesão com uma pinça. Nos dedos indicador e médio a incisão deve ocorrer do lado ulnar, e nos polegar, anular e mínimo deve ocorrer do lado radial.

Fasciotomias devem ocorrer na presença de síndrome compartimental, que ocorrem em lesões por queimaduras elétricas, térmicas e politraumatizdos com esmagamento. Se a queimadura atinge tecido adiposo, fáscia e musculo a escarotomia não faz efeito e por isso a fasciotomia deve ser realizada. O trajeto pode ser semelhante à da escarotomia, mas um cuidado especial deve ser dado em perna, começando da face anterior da fíbula e se direcionando à face posterior para livrar o trajeto do nervo fibular.

Deve-se tomar cuidado com as escarotomias desnecessárias, pois o procedimento é uuma grande agressão. Como a queimadura lesiona os músculos, esses respondem com eventos inflamatórios e edema que não é acompanhado pelo superfície do membro acometido, pois a queimadura não permite. A pressão interna aumenta e o sangue não consegue chegar para oxigenar as estruturas. Então se realiza-se medida de oximetria de pulso e a saturação está acima de 90%, não há necessidade da escarotomia. O locais preferenciais para a oximetria são no segundo dedo da mão e do pé, cuja boa perfusão reflete boa oxigenação de todas as estruturas anteriores.

Os ferimentos também devem ser desbridados em centro cirúrgico e sobre analgesia. Os curativos devem ser mantidos oclusivos com uso de antibióticos tópicos a exemplo de sulfadiazina de prata ou de zinco, ou salicilato de sódio ou até colagenases. Curativos aderentes com prata são uma opção mais moderna, e até gazes umedecidas com polivinilpirrolidinaiodo ou clorhexidina. Os curativos devem ser realizados de 12/12 a 36/36 horas.


REFERÊNCIAS

Autores Corporativos do American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS) - Manual do Aluno, ed. 8, 2008.

Piccolo, N. S; Serra M. C. V. F; Leonardi, D. F.; Lima Jr, E. M; Novaes, F. N.; Correa, M. D.; Cunha, L. R.; Amaral, C. E. R; Prestes, M. A.; Cunha, S. R.; Piccolo, M. T. Queimaduras: Diagnóstico e Tratamento Inicial. Projeto Diretrizes, Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, abr. 2008. Disponível em: < http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/083.pdf >. (DESTAQUE)

Piccolo, N. S; Serra M. C. V. F; Leonardi, D. F.; Lima Jr, E. M; Novaes, F. N.; Correa, M. D.; Cunha, L. R.; Amaral, C. E. R; Prestes, M. A.; Cunha, S. R.; Piccolo, M. T. Queimaduras – parte II: Tratamento da Lesão. Projeto Diretrizes, Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, abr. 2008. Disponível em: < http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/083a.pdf >. (DESTAQUE)