domingo, 8 de dezembro de 2013

ANEMIA FALCIFORME



ANEMIA FALCIFORME


É um transtorno hereditário causado por uma mutação na hemoglobina, determinando um comportamento anormal dos eritrócitos. O gene para essa anemia ocorre preferencialmente em países da África. Nos recém-nascidos afro-americanos dos Estados Unidos a prevalência vai de 8 a 10%, mas na África Ocidental esse número vai de 25 a 30%, com 120.000 bebês nascendo com a doença falciforme a cada ano. Para quem tem a doença falciforme, a expectativa de vida é de 42 anos para homens e 48 para mulheres.

A doença se manifesta por conta de uma mutação no cromossomo 6, onde há uma troca do ácido glutâmico por valina, culminando numa cadeia defeituosa denominada P(s), e por isso a hemoglobina resultante será chamada de HbS.  O resultado básico disso uma deficiência na capacidade de deformação do eritrócito, ocorrendo nos momentos de dessaturação de oxigênio, geralmente quando o mesmo passa por uma arteríola ou vênula. Noutros casos o eritrócito também se adere ao endotélio vascular, causando obstruções. Como a doença é autossômica recessiva, irão existir dois padrões: heterozigotos terão o traço falciforme, não havendo nenhum sintoma na maioria das vezes; homozigotos terão a doença falciforme, esta caracterizada por anemia crônica e dor recorrente.

Todo o problema ocorre quando a hemácia perde O2, modificando suas propriedades. Na presença de oxigênio tanto a HBA (normal) quanto a HbS tem a mesma solubilidade e capacidade de deformação. Porém, quando a HbS é dessaturada essas duas características decaem muito. Como a atração entre as moléculas de hemoglobina aumenta, ocorre polimerização entre as cadeias de globina e com isso a modificação da forma da hemácia, tonando-a então alongada – ou em forma de foice – e rígida. Quando a velocidade sanguínea é normal, essa hemácia deformada só ganha a forma de foice quando alcança as grandes veias, onde recupera oxigênio. Mas não se pode confundir: o leito microvascular é onde a hemácia perde o oxigênio, mas a polimerização só ocorre alguns segundos depois, já nas veias, e lá mesmo se recupera. Isso justifica o porquê de em condições normais os indivíduos não serem acometidos por obstrução disseminada.

A mutação ocorre na vida intrauterina, porém, como a hemoglobina fetal (HbF) não polimeriza como ocorre com a HbS, a doença estará suprimida. No entanto, quando a criança alcança os seis meses de idade, quando a fração da HbS já alcançou 75% do total, as manifestações se iniciam. Um fato interessante é que a HbF inibe a polimerização muito mais que a HbA, e inclusive, aqueles indivíduos que cursam com persistência hereditária da HbF vão ter sintomas mais brandos. Como a polimerização é função da presença da HbS, os eritrócitos com CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) baixa, também terá um fator limitante.

Em suma, o composto oxi-HbS não vai ter repercussões falcêmicas, ao contrário das situações de queda de O2 sanguíneo, quando se forma a desoxi-HbS, onde mora todo o problema. Os polímeros então se formam em velocidade maior quanto mais rápida é a condição de desoxigenação. Quanto mais rápido as hemácias perdem oxigênio, mais núcleos de formação dos polímeros de HbS vão existir, e mais demorados voltarão à forma inicial. Na realidade alguns nem voltam. São as células irreversivelmente falcizadas, chamadas de drepanócitos, sendo justamente as células que possibilitam a identificação da anemia falciforme nos esfregaços microscópicos.


                                                      Figura 02- Fenômeno vásculo oclusivo

Existem algumas condições que pioram a queda de oxigênio nos eritrócitos. Na medida em que mais células vão tomando a forma de foice mais viscoso estará o sangue, o que dificulta ainda mais o transito de oxigênio. Ocorre também desidratação por conta de uma perda de potássio que leva consigo o cloro e funciona em contra-transporte com o cálcio. Isso resulta em rebaixamento do Ph intracelular e perda de água, sendo manifestado por CHCM de mais de 50g/dl. Deve-se lembrar que a saturação de O2 pela hemoglobina é função inversa aos ambientes ácidos. Então quanto menor o volume do eritrócito, menos oxigênio haverá dentro dele, mais próximos estarão as moléculas de HbS entre si para a polimerização, e assim mais difícil será a reversão para a forma não-falcizada. Quando essas hemácias passam pelos rins, onde existe um ambiente hipertônico, a desidratação vai ser agravada, ocorrendo a falcização até mesmo em eritrócitos apenas com o traço falciforme.

A saída de cloreto descrita também vai causar uma outra consequência, que é a modificação elétrica dos eritrócitos. A hemácia que perde mais potássio fica mais positiva em relação às demais, culminando numa atração magnética com agrupamentos de células que facilitarão a oclusão de vasos.

As hemácias com HbS também vão ter uma sobrevida bem menor (20 dias) em relação às normais HbA (120 dias). Um grande contribuinte para isso são os radicais livres consequentes da instabilidade da HbS. Essas quando oxidadas geram radicais livres agressores das proteínas e lipídios da membrana da hemácia, além das próprias HbSs restantes. Essa oxidação facilita a agregação das hemácias nos endotélios e nos macrófagos, determinando sua destruição. Na medida em que alguma hemácia vai se aderindo ao endotélio, neutrófilos se aderem a elas, e outras hemácias, aquelas irreversivelmente afoisadas, se aderem aos leucócitos. Isso é tão verdade que em pesquisas foi descoberto a relação direta entre numero de leucócitos e taxa de mortalidade. Outra questão relacionada aos leucócitos é a esfoliação do leito vascular no decorrer da doença, gerador de células circulantes produtoras de fator endotelial ativador de plaquetas e consequentemente distúrbios de coagulação.

Já hemólise é o evento mais evidente na anemia falciforme. A oxidação da HbS induz também à adesão de IgG e moléculas de complemento, ativando macrófagos contra as hemácias. Com a falcização recorrente das hemácias, gerando células rígidas, culminam no seu aprisionamento extravascular – no baço – e consequente destruição. Na realidade a destruição esplênica é responsável por dois terços de toda a hemólise. Na vigência de inflamações em geral a anemia é exacerbada, pois nesse caso, a despeito da hemólise contínua, ocorre crises aplásicas por alguns dias.  Infecções pelo parvovírus B19 levam a esta condição por terem a capacidade de invadir o precursor mielóide, estando envolvidos em dois terços dos casos. Caso os fenômenos oclusivos culminem em necrose de medula, a crise aplásica também pode ocorrer, assim como mudanças bruscas de ambiente e inalação de oxigênio desnecessária com altas tensões do gás e consequente supressão da produção de eritropoietina, geralmente em dois dias. Com a capacidade de retenção de sangue pelo baço e fígado, pode-se ainda ter um caso de hemólise aparente.

Mesmo com essa quantidade de eventos, o que geralmente leva o paciente aos consultórios são as crises de dor, em muitos casos o primeiro sintoma. A origem das internações são variadas: um terço dos pacientes raramente sentem dor, outro terço é internado de dois a seis vezes no ano e outro terço é internado mais de seis vezes no ano. É certo que a dor seja causada por vasoclusão, mas o motivo para a crise vasoclusiva pode ser variado, indo desde a impossibilidade de determinação – a maioria – até motivos diversos, tais como ingesta alcoólica, menstruação, estresse, frio, desidratação e infecções em gral. A duração é de alguns dias e a intensidade pode ir de leve a intensa a ponto de causar desespero, depressão e apatia. Os pacientes geralmente se apresentam com dor à palpação, febre, taquipnéia, hipertensão, náusea e vômito.

Um grave evento gerador de dor é quando a vasoclusão ocorre nos ossos. Essa oclusão ocorre com frequência no osso trabecular e daí segue a necrose, a exemplo da necrose da cabeça do fêmur e deformidades em geral, como as vértebras em boca de peixe, com esse osso tornando-se bicôncavo. A necrose da cabeça do fêmur, por exemplo, forma uma imagem radiológica semelhante à Legg-Calve-Perses, inclusive tendo um crescimento secundário de osso mais frágil que vai acarretar deformação da epífise com o passar dos anos.

A necrose também ocorre nos rins, local de especial indução da falcização por conta do ambiente hipertônico que induz a desidratação das hemácias (hemácia desidratada é igual à HbS polimerizada). Mas o evento renal mais comum é a isostenúria, que é a perda da capacidade de concentração de urina secundária à necrose tubular e com isso o túbulo coletor reabsorve menos água mesmo com aumento da secreção de ADH. A isquemia de parte dos glomérulos induz ao aumento compensatório de outros, e resulta em glomeruloesclerose, ocasionando insufuciência renal crônica que pode evoluir para perda renal total, sendo essa uma das principais causas de morte por anemia falciforme.

As principais complicações hepáticas são a colelitíase por cristais de bilirrubinato de cálcio, eventos oclusivos secundários e hepatites virais. Quando a hemólise ocorre em grande quantidade de hemácias a bilirrubina vai até o fígado para ser conjugada, onde pode formar cristais de bilirrubinato de cálcio. O cálculo formado pode migrar para o ducto colédoco e causar icterícia colestásica. Como aqui também irão existir os fenômenos vasoclusivos, com o evoluir da doença ocorrerá fibrose do parênquima.


SINTOMAS

                                                            Figura 03: Síndrome mão-pé

Como já foi dito a dor é o primeiro sintoma, sendo secundário aos eventos oclusivos. Duram de quatro seis dias, mas podem também chegar a semanas e podem ser iniciadas por infecções, condições de hipóxia, febre, acidose, desidratação e exposição ao frio. Pode iniciar como dactilite ou síndrome mão-pé, que se caracteriza por uma inflamação dos tecidos que revestem essas estruturas, ficando inchadas, dolorosas e por vezes vermelhas e quentes.

São considerados febre maior que 38°, desidratação, palidez, vômitos recorrentes, aumento do volume articular, dor abdominal, eventos pulmonares agudos, sintomas neurológicos, priaprismo e processos álgicos em geral
.
Ocorre também a síndrome torácica aguda, sendo um infiltrado pulmonar que se manifesta com dor e insuficiência respiratória, sendo por isso a causa mais comum de morte secundária a anemia falciforme. O coração vai encontrar-se congesto e pelo alto débito será possível ouvir a terceira bulha.

Perda de visão também pode ocorrer devido aos microinfartos. É a retinopatia falcêmica, que pode ser de dois tipos: não-proliferativa, sendo na realidade hemorragias, dando uma cor salmão à esclera; e proliferativas, que é a evolução da primeira, sendo marcada pelo crescimento de novos vasos que também permitem o extravasamento de sangue e, assim como na retinopatia diabética, evoluem para descolamento da retina.



DIAGNÓSTICO

Antes de tudo deve se orientar às mães que façam o teste do pezinho, pois esse é capaz de detectar tanto o traço falciforme, como a doença falciforme, além de informar como é o genótipo dos pais e estimar a probabilidade de que uma gestação futura origine um concepto realmente doente. Esses teste é realizado gratuitamente nas unidades básicas de saúde.

O hemograma vai indicar anemia normocítica e normocrômica. Caso o VCM esteja baixo, pode haver anemia ferropriva associada. O esfregaço vai indicar presença de drepanócitos, assim como hemácias em alvo, que também será indicado no hemograma. Mas é imperante saber que a ausência dessas duas formas de hemácias não exclui o diagnóstico. A presença de hemácias nucleadas é sinal de eritropeioese acelerada e tendência ao desvio para a esquerda.  Leucocitose de 6.000 a 20.000 pode ser encontrado, assim como a trombocitose. Essa trombocitose pode ocorrer no hipoesplenismo, pois o baço normal é um reservatório de plaquetas, não o sendo na doença falciforme. O VHS, geralmente e paradoxalmente, é normal.

O teste do afoiçamento pode ser requisitado, mas a confirmação mesmo é feita com a eletroforese de hemoglobina, que revela o percentual de HbS e outros tipos de hemoglobina.

Na suspeita de síndrome torácica deve-se solicitar o raio-x de tórax, hemograma com contagem de reticulócitos e hemocultura.


TRATAMENTO

Deve-se começar com medidas preventivas, que é a atualização dos esquemas vacinais, com ênfase na anti-pneumiocócica. A prescrição de penicilina via oral na dose de 125 mg duas vezes ao dia em crianças acima de dois ou três meses se mostrou ter grande impacto. A dose deve ser dobrada aos três anos e deve continuar até os cinco anos.

Ácido fólico de 1 a 5 mg ao dia via oral deve ser prescrito. Nas crises de dor deve ser feita hidratação maciça, associada a opiáceos como a morfina na dose de 0,1 a 0,15 mg/Kg de peso de 4/4 horas. Nesses quadros também está indicada a hemotransfusão, que geralmente tem ótima resposta, apesar de temporária.

A dor pode ser tratada em vários níveis. Se for branda o paciente pode ser tratado em casa, tomando o cuidado de ingerir grande quantidade de líquidos, além de ser reavaliados no dia seguinte. Deve-se também reduzir a ansiedade, transmitir a importância do repouso relativo, evitar mudanças bruscas de temperatura, aquecer as articulações doloridas e por fim um anti-inflamatório como a nimesulida. Se a dor é intensa a hidratação deve ser parenteral com soro glicosado a 5%.

Nos casos leves de dor também pode-se utilizar dipirona 4/4 horas com suspensão após 24 horas de ausência de dor. Se a dor é moderada adiciona-se o anti-inflamatório, e se grave adiciona-se a codeína, como o Tylex. Nesses casos a codeína só poderá ser retirada depois de 48 horas sem dor e o anti-inflamatório após 72 horas.

Nos casos de dor intensa também pode ser utilizado oxigenoterapia caso a saturação de O2 esteja rebaixada. Para dessensibilizar a dor pode ser utilizado diazepam na dose de 5 mg ao dia e amitriptilina 25 mg 12/12 horas.

Uma via alterativa, mas de boa resposta é a hidroxiuréia, que induz o organismo a produzir HbF. A dose é de 10 a 30 mg/Kg de peso ao dia, sendo justificado pelo fato da HbF inibir a polimerização da HbS e com isso inibe também o afoiçamento.    Por último há o transplante de medula, que tem sido eficaz somente para os casos mais severos, com evolução, por exemplo para acidentes vasculares isquêmicos.

Prescrição do paciente internado:

1-   Hidratação venosa com soro glicosado a 5% (quantidade a depender do peso e da condição do paciente);
2-   Dipirona ev 01 ampola de 4/4 horas;
3-   Diclofenaco ev 1 ampola 8/8 horas;
4-   Morfina 0,1 mg/Kg ev 4/4 horas;
5-   Monitorar saturação de O2.

Nos casos em que o paciente não pode fazer uso de morfina, deve ser prescrito a metadona 0,1 a 0,2 mg/Kg/ dose IM ou SC 4/4 horas nos primeiros momentos, depois 6/6 horas e depois 8/8 horas.

OBS: deve-se ter extremo cuidado na hidratação do paciente com a síndrome torácica aguda, pois pode-se agravar a dispneia.


REFERÊNCIAS

Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual de Condutas técnicas na doença falciforme. Ministério da Saúde: Brasília, 2006. Disponível em> http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/06_0241_M.pdf

Goldman L,  Ausiello D. Cecil: Bases Patologicas das Doenças: Patologia.Tratado de Medicina Interna. 22ªEdição. Rio de Janeiro: elsevier, 2005.

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.


LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CONSTIPAÇÃO INTESTINAL E SEUS ATORES

NOÇÕES DA ANATOMIA DO INTESTINO GROSSO



O intestino grosso  (figura 01) é composto por ceco, cólons, apêndices, reto e canal anal. As três faixas concentradas de músculos ao longo dos cólons são as tênias, que são três. Os cólons tem um formato semelhante a pregas, formando sáculos, e ao longo desses existem acúmulos de gordura, que se constituem nos apêndices omentais.

A primeira parte do intestino grosso, bem à altura da fossa ilíaca direita está o ceco, que se constitui num fundo de saco, continuado pelo cólon ascendente. O ceco é relativamente móvel, sendo preso à parede abdominal pelas pregas cecais. Na sua face póstero-lateral surge o apêndice vermiforme, o local de instalação da apendicite. O ceco é suprido pela artéria ileocólica, que é um ramo da artéria mesentérica, e esta sendo um ramo da aorta abdominal. Juntamente com as artérias apendiculares, cólicas direita e esquerda, todas provém dessa mesma artéria.  O ceco ainda serve de desembocadura do intestino delgado através da papila ileal.

O cólon é descrito em quatro porções, que são o cólon ascendente, transverso, descendente e sigmoide. O ascendente vai do ceco até o lobo direito do fígado. O cólon transverso tem aproximadamente 45 cm e vai até o baço. O cólon descendente vai até a fossa ilíaca esquerda, continuando com uma curva que forma o cólon sigmoide, este possuindo aproximadamente 40 cm e sendo contínuo ao reto. No reto existe um dos esfíncteres que controlam a defecação, o esfíncter anal externo, composto de musculatura estriada e por isso de contração voluntária, ao contrário do esfíncter anal interno, localizado na junção entre o reto e o cólon sigmóide, que é composto de musculatura lisa e controlado subconscientemente. O esfíncter interno é controlado pelo complexo mioentérico e o externo é controlado através do nervo pudendo.

O suprimento nervoso do cólon descendente e sigmoide é proveniente da porção lombar do tronco simpático do plexo hipogástrico superior. O nervo vago participa da estimulação parassimpática no cólon ascendente e transverso. Por toda a extensão do intestino grosso existe uma extensa rede de linfonodos, a exemplo dos cólicos esquerdos e direitos, pré-cecais e epicólicos, que participam da função imune do órgão.









O REFLEXO DA DEFECAÇÃO

O reto se mantém, na maior parte do tempo, como um espaço virtual (fechado).  Isso ocorre porque além dos esfíncteres já citados e a curvatura do sigmoide dificultam a passagem do bolo fecal, e assim as fezes se acumulam inicialmente até o cólon descendente. Na medida em que essa ultima porção vai ficando abarrotada de fezes, essas vão “transbordando” para o reto até causar sensibilização retal, o que culmina em relaxamento dos esfíncteres (anais interno e externo) e por fim o indivíduo defeca conscientemente.

Para que ocorra a defecação dois reflexos são ativados: intrínseco e parassimpático. Na medida em que o reto vai sendo preenchido por fezes, sua distensão envia sinais pelo plexo mioentérico, o que desencadeia movimentos peristálticos. Quanto maior a distensão, maior é a quantidade de sinais aferentes e por isso maior os movimentos peristálticos que impulsionam o bolo fecal para frente. Mas apenas esse reflexo não é suficiente para a defecação, pois o esfíncter anal externo, só relaxa conscientemente.

O reflexo de defecação parassimpático é estimulado conscientemente, levando sinais até a medula que são devolvidos ao cólon descendente, sigmoide, reto e ânus. Eles aumentam o peristaltismo e relaxam o esfíncter interno, o que possibilita o esvaziamento desde o cólon descendente até o ânus. Para isso o indivíduo inicia uma inspiração profunda, fechamento da glote, contração dos músculos abdominais e relaxamento das estruturas pélvicas. Isso faz com que o bolo fecal seja impulsionado para a frente.


INFLUÊNCIA DA DIETA NO RITMO INTESTINAL

É óbvio que uma alimentação variada, juntamente com exercícios físicos são a chave para ter um ritmo intestinal diário. Mas a despeito de qualquer dieta, é imperante que os alimentos contemplem a ingesta de fibras e de bactérias benéficas, tais como o bifidobacterium, que entram em competição com outras bactérias e não permite o crescimento das patogênicas.

As fibras alimentares tem a capacidade de reter o trânsito alimentar no estômago para dar tempo para a quebra do alimento em partículas menores, possibilitando maior absorção em menor tempo – quando o alimento alcança o intestino – sem condicionar à constipação. As fibras aumentam o volume fecal através da elevação de água, o que excita o peristaltismo intestinal e fluidifica as fezes para que a defecação ocorra normalmente. Isso acontece porque a sensibilização intestinal é proporcional à distensão de seus músculos, e assim quanto maior o bolo fecal maior a impulsão para externa-lo.

As fibras podem ser solúveis e insolúveis (não são metabolizadas). Todas, a exceção da lignina, pertencem à classe dos carboidratos. As fibras insolúveis tem a capacidade de reter água, e quando a absorvem, fazem o mesmo com agentes cancerígenos, e devido ao fato de fluidificarem as fezes acabam prevenindo hemorroidas, varizes e diverticulite. As fontes são verduras e cereais.

As fibras solúveis têm como principal efeito o aumento do tempo de exposição de alimentos no estômago, ocasionando uma maior digestão e consequentemente uma absorção mais rápida. Ao contrário das fibras insolúveis, estas são metabolizadas e após fermentadas produzem ácidos graxos de cadeia curta. Essa metabolização é rápida, servindo de fonte energética para as células intestinais, suprindo 60 a 70% dessa necessidade. Ela também reduz a oxidação da glicose e preserva os níveis de piruvato e glutamina. Outra ação dessas fibras é a formação de uma película sobre a mucosa do intestino, levando a um atraso na absorção de glicose e gorduras, o que também previne aumentos bruscos na glicemia e aumento geral nas taxas de colesterol.

A fermentação citada anteriormente é ótima para o crescimento dos bifidobacteriuns e lactobacillus, facilitando a regularidade da flora intestinal, pois essas entram em competição com bactérias patogênicas e as impede de crescer a ponto de causar uma condição patológica.


OBSTIPAÇÃO INTESTINAL

Existem a constipação crônica e aguda. Esta última está relacionada basicamente com mudanças de hábitos alimentares, uso de drogas, redução da atividade física, desidratação, doença febril ou até em mudanças de ambiente.

Primeiramente deve-se ater aos critérios para classificação da constipação. É necessário ter dois ou mais dos seguintes sintomas: frequência de evacuações menor de três vezes na semana; mais de um episódio de escape fecal, fezes calibrosas ou palpáveis no abdome; fezes grandes o suficiente para obstruir o vaso sanitário; comportamento fecal de retenção; defecção dolorosa. Estes são os critérios de ROMA III, de 2006, este ainda contendo algumas especificações para pessoas até quatro anos de idade que é sobre a incontinência que é válida somente após a aquisição do controle esfincteriano. Na criança é ainda necessária a ausência de doença metabólica.

É necessário também diferenciar alguns conceitos: incontinência fecal, também chamada de encoprese quando ocorre defecação em local inapropriado, como nas roupas íntimas; a impactação fecal é quando a retenção é tamanha, a ponto das fezes poderem ser percebidas à palpação do abdome; dissinergia do assoalho se refere à incapacidade de relaxar o assoalho pélvico durante o ato de defecar.

Existem subtipos de constipação de acordo com o mecanismo: inércia colônica, quando a motilidade é naturalmente lenta; dificuldade evacuatória, que engloba os casos com dificuldade de relaxamento do assoalho pélvico e constipação funcional, quando há constipação na existência de transito intestinal normal, este último sendo o tipo mais prevalente (59%) seguido de dificuldade evacuatória (25%).  No Brasil a prevalência de crianças com constipação é de 28%, sendo na grande maioria das vezes funcional. As causas mais frequentes nos adultos são co-morbidades neurológicas, polifarmácia, dieta e inatividade física.

A constipação crônica possui diversos motivos nas diversas faixas etárias. Nas crianças estão associadas as lesões no plexo miontérico e nas terminações nervosas durante o período embrionário. Em adolescentes o motivo em mais de metade dos casos é por trânsito intestinal lento. A fisiopatologia que desencadeia alterações no processo de defecação englobam origens bioquímicas e neurais. Pode haver diminuição das células intersticiais de Cajal, levando a uma atonia do cólon ou reto; falha na migração ou diferenciação do plexo mioentérico; falha no relaxamento do esfíncter anal, sensibilidade retal reduzida; e pressão esfincteriana anormalmente aumentada.

As alterações bioquímicas englobam a redução do peptídeo intestinal vasoativo (VIP) e da histidionametionina na musculatura lisa intestinal; aumento do ácido hidroxalaacético no músculo ciliar e no cólon sigmoide, além do aumento da serotonina na mucosa intestinal; queda na liberação da motilina.


CONSTIPAÇÃO CRÔNICA FUNCIONAL

A constipação funcional pode ser dividida em simples ou dietética, e megarreto ou megacólon funcionais. Os diversos estudos que relacionam a atividade física como tratamento ou inatividade física como causa da constipação funcional tem resultados controversos. Um estudo clínico com pacientes acima de 45 anos mantidos com atividade física regular por seis meses não demonstrou melhora. No entanto é certa a relação entre a constipação e a pequena ingesta de fibras. Recomenda-se que no tratamento da constipação funcional simples a ingesta de fibras seja de 0,5g/Kg de peso, podendo chegar ao máximo de 25 gramas por dia.

Quanto mais tempo o bolo fecal permanece no intestino, mais água lhe será absorvida e mais endurecida ficará, o que aumentará a tendência de que os próximos conteúdos fecais também sejam retidos e assim se feche um ciclo vicioso. Isso é a impactação fecal. Quanto mais bolo fecal é retido e mais endurecido ficar, mais doloroso será o ato de defecação. Se esse quadro persiste, haverá dilatação das porções finais do intestino, formando o megarreto e megacólon funcionais, que são condições em que o intestino e reto precisam de uma distensão bem maior para deflagrar o reflexo da defecação. Com essa maior distensão o corpo vai se adaptar e aumentar o limiar de sensibilidade no disparo da motilidade intestinal para a defecação, condicionando tendência à continuação da constipação.


ABORDAGEM TERAPEUTICA

O diagnóstico é realizado através dos critérios de ROMA III já descritos. Depois disso e em se tratando de crianças e de intensidade da impactação fecal, é necessária a investigação, que pode ser realizada com raio-x e hemograma completo, PCR. O raio-x deve ser solicitado nas incidências PA ortostática e decúbito, o que possibilita observar a existência de conteúdo fecal em cólon e reto, além do calibre do cólon descendente. Este último achado é melhor visualizado quando a radiografia é utilizada com contrastes. Pode-se realizar biopsia retal para identificar alterações nervosas nos diversos tecidos.

O tempo de trânsito oro-fecal é analisado com ingestão de hidrogênio expirado com lactose, observando a chegada de lactose no ceco em quantidades acima de 20 ppm.

O tratamento em criança é sempre mais complicado. É necessário ter em mente as questões psicossociais, principalmente nas crianças, pois nelas o medo da dor faz com que o habito intestinal seja ainda mais esparso. O estabelecimento de rotina de evacuação, ou pelo menos tentativa e dieta rica em fibras na dose de 0,5 g/Kg de peso, devem ser mantidos a longo prazo juntamente com grande hidratação. Exercícios físicos devem ser realizados independentes dos resultados controversos.

Para o tratamento da desimpactação o uso de enemas é essencial, mas deve-se saber que pode causar traumas na parede do intestino, além das questões emocionais, que são delicadas. Nos pacientes nefropatias deve-se evitar os enemas fosfatados por conta da hiperfosfatemia e hipocalcemia, que pode até ser fatal. Por isso a via oral é a priorizada. Podem ser utilizadas elevadas doses de polietilenoglicol (Muvinlax) e de óleo mineral, mas esse último deve ser evitado em pacientes menores de dois anos e portadores de refluxo, pois sua aspiração pode causar pneumonia lipídica.

O tratamento direto da impactação pode ser realizado com:

·                    Hidratação maciça, pois uma queda de apenas 10% na quantidade de líquido nas fezes faz grande diferença;
·                    óleo mineral 3 a 5 mg/Kg ao dia pela manhã ou fracionado;
·                    Muvinlax: 1,5 gramas por quilo de peso ou no máximo 100 gramas divididas em 2 vezes ou uma 1 ao dia. É utilizado em pessoas acima de 2 anos ou acima de 12 kg. Cada molécula desse medicamento se liga a 100 moléculas de água, contribuindo por isso para fluidificação das fezes.
·                    Enemas: os enemas glicerinados já vem em preparados, mas pode-se preparar o enema com SF 0,9% e óleo mineral na proporção de 4:1. Mas essa manobra é restrita a casos refratários. Existem ainda enemas à base de soluções fosfatadas, sorbitol e vaselina;
·                    A manutenção pode ser realizada com o próprio muvinlax, na dose de 0,8 g/Kg de peso 1 a 2 x ao dia; hidróxido de magnésio 1 a 3 ml/Kg por dia nas refeições; Lactulona 1 a 3 ml/Kg por dia; sigmalac, na dose de 0,2 a 0,4 ml/Kg por dose. O tratamento de manutenção deve ser realizado por 6 a 24 meses, pois o corpo demora algum tempo para reestabelecer o diâmetro e a sensibilidade do cólon de antes. Com a continuidade da ingesta de fibras os laxantes podem ser retirados sem maiores problemas.

O uso do laxante deve ser alta no início, devendo ser ajustada a partir da resposta do paciente, com retirada gradual, sob o risco de recidiva da impactação. Em se tratando de crianças é muito importante que a criança não seja punida pelo escape fecal. Devido à sensação de fragilidade ocasionada por esse sintoma, além das sensações constrangedoras causadas pelo mesmo, por vezes é necessário apoio psicológico.


REFERÊNCIAS

CHIMOFF, Harvey. Dossiê: fibras alimentares. Revista Food Ingredientes Brasil. N. 3, 2008. Disponível em: http://www.revista-fi.com/materias/63.pdf. (DESTAQUE)

GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed 12. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011;

MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F. Anatomia Orientada para a Clínica. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001;


LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

terça-feira, 19 de novembro de 2013

FARINGITE BACTERIANA OU VIRAL?

DOR DE GARGANTA

figura 01: Faringoamigdalite de etiologia bacteriana.

As faringites podem ser causadas por vírus ou bactérias. Geralmente ocorrem quando algum patógeno vence os mecanismos de defesa da garganta, que são secreções antimicrobianas da faringe e presença de gânglios linfáticos que contém linfócitos. O uso do tabaco e álcool, a diabetes mal controlada, secura ambiental e mudanças abruptas de temperatura facilitam a instalação da faringite através da contaminação viral, que pode ocorrer por rinovírus, adenovírus, influenza, parainfluenza, dentre outros. Na faringite bacteriana, menos frequente (25%), geralmente há envolvimento do Streptococcus pyogennes. Quando o paciente é imunodeprimido, pode ocorrer infecção por fungos, quadro esse bastante raro.

O termo correto para denominar a infecção da mucosa faríngea é “angina” (sufocar), referido muitas vezes como sinônimo de amigdalite. Pode ser classificada como aguda se de evolução dentro de um período de duas semanas. As anginas são divididas clinicamente em específicas e inespecíficas. As primeiras são divididas em: eritematosa, eritemopultácea, vesiculosa e ulceronecrótica; as específicas são ainda classificadas em: agente etiológico específico (HIV, difteria, herpangiana, febre faringoconjuntival, dentre outros) e sítio anatômico específico (uvulite, amigdalite lingual, adenoidite e angina de Ludwing). A angina inespecífica é assim chamada por conta dos sinais que não permitem diferenciar clinicamente a etiologia.

OBS: lembrar da substituição da denominação de adenoides e amigdalas por tonsilas, nesse caso, tonsila palatina e tonsila faringeana. Além dessas duas tonsilas existe a sublingual, e o conjunto das três forma o anel fibroso de Waldeyer. Nas crianças essa estrutura é hiperativa e pode, inclusive, se edemaciar secundariamente a quadros infecciosos, a ponto de obstruir totalmente a passagem de ar vindo das coanas nasais, e a drenagem da tuba auditiva, causando otite média.  O aumento da atividade das tonsilas na criança em relação ao adulto é o reflexo de imaturidade imunológica, estando tais estruturas responsáveis por grande atividade linfocitária contra bactérias que no adulto não fazem mal algum – a exceção dos imunodeprimidos. Isso explica porque na criança o predomínio de faringites é de atividade bacteriana e no adulto é viral (75%).

As tonsilas realizam um processo imunológico interessante que deu origem à teoria do linfócito mensageiro de Hall. Nessa hipótese a função linfoide nas tonsilas ocorreria de maneira direta sobre sua superfície. Os linfócitos T ativos migrariam por difusão para a porção mais interior da tonsila para interagir com linfócitos B, produtores da memória imunológica. Após a ocorrência dessa interação esse linfócito sensibilizado seria jogado na corrente sanguínea e se direcionaria para outros órgãos provendo a memória imunológica em órgãos à distância, que previamente não entraram em contato direto com o antígeno específico pela qual ganhou imunidade.

Figura 02: Faringite de etiologia viral.

Em se tratando de uma faringite viral ou bacteriana, a maioria dos sinais são semelhantes.  Esses são: dor de garganta, garganta hiperemiada e edemaciada, dificuldade de deglutir, existência de placas esbranquiçadas quando o quadro é bacteriano, presença de gânglios palpáveis na região do pescoço, febre geralmente de 39° da contaminação bacteriana e de 38° na viral e mal-estar geral.

Em ambas as etiologias os quadros podem evoluir de maneira súbita – maior tendência dos quadros bacterianos – e tendem a regredir de sete a dez dias. No quadro viral o tratamento é sintomático, evitando os mesmos fatores que facilitaram a instalação do quadro (como tabaco e álcool) e uso de anti-inflamatórios, tais como o ibuprofeno 600 mg VO ou cetoprofeno 150 mg VO ou 100 mg IM/IV. 75% dos casos é de etiologia viral, mas muitas vezes é perigoso esperar o diagnóstico laboratorial para se entrar com antibioticotarapia, a depender do agente. Por isso para diferenciar um quadro do outro deve-se ater para:

·                    No quadro viral: geralmente vem precedido de sintomas gripais, tem evolução mais branda, tosse, coriza, congestão nasal, amígdalas hiperemiadas e quase sempre com ausência de pus e de comprometimento simétrico, febre baixa a moderada, além do quadro gradual.

·                    No quadro bacteriano: o início é súbito, febre alta, dor de garganta intensa, odinofagia, cefaleia, vômitos e dor abdominal, exsudato purulento, acometimento unilateral ou bilateral assimétrico, não há conjuntivite, linfadenopatia por vezes bilateral, porém maior do lado do comprometimento da amigdala mais afetada.

O tratamento bacteriano não pode ser especificado a priori por conta da dependência do agente causador, que deve ser identificado através da solicitação de cultura de secreção da garganta com antibiograma. No caso das estreptococcias amoxicilina 500 mg VO 8/8 horas por dez dias é uma opção, juntamente com penicilina benzatina 1.200.000 unidade IM. Cuidado dobrado se deve ter nos casos confundidores, como no caso da amigdalite por adenovírus, pois nesses casos há linfadenomegalia e exsudato purulento. Nesses casos a febre faringoconjuntival é um grande orientador. O vírus Epstein-Barr também é um agente confundidor, pois seu potencial patogênico engloba o aparecimento de placas cinzentas de aspecto parecido com aquelas ocorridas na angina bacteriana.

Uma grande complicação que se relaciona com as infecções de faringe são as colonizações prévias por estreptococcus beta hemolíticas do grupo A. Essa colonização chega de 15 a 20% da população, com 30 a 40% da faringoamigdalites bacterianas sendo de origem estreptocócica. Na dependência da virulência e da co-infecção com outros patógenos, essa bactérias podem invadir a corrente sanguínea a causar complicações, a exemplo de glomerulonefrite aguda difusa e febre reumática, esta última sendo responsável por 90% de todas as cirurgias de trocas de valvas cardíacas.  Tanaka, Iwamamoto e Person (2009) em artigo tipo relato de caso abordam dois casos de angina (infecção da garganta) estreptocócica. Num deles uma criança que apresenta febre de 38,5° e dor ao deglutir por sete dias deu entrada em unidade hospitalar, depois de ser tratada com diclofenaco sem obtenção de resposta terapêutica. Os exames da criança concluíram a presença de amigdalite aguda, glomerulonefrite difusa aguda e pielonefrite. A criança apresentava ao exame edema de face e hematúria macroscópica, taquicardia, dispneia, edema palpebral bilateral, placas purulentas em lojas amigdalianas e palato mole e estertor bolhoso em base de ambos os pulmões. A hemocultura identificou estreptococcus pyogenes, que inclusive era sensível aos antibióticos testados. Ainda assim a criança evoluiu para insuficiência cardíaca congestiva, edema de pulmão e morte. 

Tal relato de caso é exemplo de patologia de gravidade extrema secundária à angina bacteriana, no entanto, justifica o início da antibioticoterapia precoce e exigindo do médico cuidado nas avaliações e conclusões da angina entre bacteriana e viral, pois ambas exigem terapêuticas distintas.

OBSERVAÇÕES: CITOCINAS E DOR

Citocinas são proteínas hidrossolúveis necessárias para conduzir a inflamação até os locais de lesão ou infecção, para que ocorra a cicatrização. Já para o resguardo do local lesionado as citocinas acabam induzindo a sensações dolorosas, principalmente os TNF e IL-6, além de outros produtos. A IL-1 beta, o TNF e a IL-6 estão ligados à nocicepção, principalmente no gânglio da raiz dorsal. Apesar da presença dessa citocina ocorrer principalmente nesse local, seus efeitos repercutem em todo o organismo através da indução da conversão do ácido linoleico na via das cicloxigenases (COX) 1 e 2. O COX 2 vai induzir a produção de prostaglandinas E2 (PGE2) no hipotálamo anterior, além da substância proteolítica, óxido nítrico e moléculas de adesão endotelial, levando a uma hiprerestimulação das fibras nociceptivas. O resultado será hiperalgesia geral, ou seja, térmica, mecânica e química.

O fator de necrose tumoral (TNF) junto com a IL-1 é o primeiro a ser liberado nos locais lesionados. Ele está envolvido na secreção de outras citocinas, que por sua vez induzem à liberação de mais TNF criando um círculo vicioso. Ele está mais presente do estímulo nociceptivo de origem neuropática. Esses dois elementos agem diretamente nas fibras nocicepticvas, diminuindo o limiar de dor mecânico das fibras tipo C, chegando a um quadro de alodínia. Eles fosforizam os receptores nos canais de cálcio e induzem a um amento da corrente desse eletrólito para dentro da célula, o que a despolariza sustentadamente, levando por sua vez a um estímulo doloroso também sustentado. Outro efeito do TNF ocorre sobre as células gliais ao facilitar o extravasamento de potássio e impedimento do recolhimento de glutamato pelos astrócitos.

Já é sabido do papel da substância P e do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) em estimular as fibras C e A delta. Pois bem, a IL-1 beta estimula a secreção desses dois indutores de dor após a ocorrência de lesões teciduais, ativando ainda os receptores da bradicinina, o que acarreta numa alodínia térmica. A própria bradicinina liberada durante a lesão estará livre para interagir com seus receptores, e ainda estará induzindo à secreção de TNF e mais IL-1 beta renovando o ciclo. É o ciclo vicioso da nocicepção.

Em resumo, a lesão endotelial libera citocinas que além de atrair células de defesa, estimulariam as fibras nociceptivas. Os efeitos em si serão: redução do limiar de ativação, aumento da duração e amplitude do impulso resultante, disparo de cargas elétricas a partir de estímulos breves (alodínia), além do surgimento dos brotos geradores de focos ectópicos de estímulos dolorosos.

REFERÊNCIAS

TANAKA, Iroshi Ibara; Iwamoto, Airton Iroshi; PERSON, Osmar Clayton. Amigdalite aguda letal causada por Streptococcus pyogenes. O Mundo da Saúde. v. 33. n.1. p. 114-117. São Paulo, 2009.

EJZEMBERG, Bernardo. A conduta frente ao paciente com faringite aguda. Jornal de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. v. 81. n. 1, 2005.

PITREZ, Paulo M.C.; PITREZ, José L.B. Infecções agudas das vias aéreas superiores – diagnóstico e tratamento ambulatorial. Jornal de Pediatria. v.79. Supl. 1, 2003.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.


COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patlógicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

OLHANDO PARA CÂNCER COLORRETAL

           CÂNCER MALIGNO COLORRETAL


Os tumores de cólon e reto são a malignidade gastrointestinal mais mortal, sendo também o tipo de câncer que mais mata depois do câncer de pulmão nos Estados Unidos e o quinto aqui no Brasil, mesmo havendo grandes chances de cura se descoberto precocemente. As lesões que apresentam malignidade no cólon são o adenoma, adenocarcinoma, liomiossarcoma, sarcoma de Kaposi e tumor carcinoide maligno. Os dois primeiros são os mais comuns, e o sarcoma de Kaposi surge predominantemente em pacientes em estágios avançados da AIDS. Existem também os acometimentos vindos de outros órgãos, a exemplo do útero, ovário, próstata e estômago.




Pólipo é uma protuberância surgida em estruturas cobertas por mucosa. No intestino eles podem ser adenomatosos e não-adenomatosos. Esses últimos correspondem a 90% de todos os pólipos do intestino e aparecem em 50% das pessoas acima de 60 anos. Esses pólipos podem ser subdividdisos em hiperplásicos, juvenis, linfoides e inflamatórios, mas é importante saber que eles não tem potencial para malignidade. Ao contrário, existem os pólipos adenomatosos, ou adenomas, que podem progredir para carcinoma maligno, comprovado pelo fato de nos adenocarcinomas são encontrados tecidos semelhantes aos adenomas, além da similaridade de localização. A prevalência de ademonas em pessoas cima de 50 anos é de 40 a 50% e ocorre 30% mais em homens.

Os adenomas correspondem a 98% de todas as doenças malignas do intestino grosso. Os fatores de risco identificados foram alta ingesta de calorias, tabagismo e alcoolismo, principalmente quando se trata de cerveja. A dieta ocidental que enfatiza carnes, gorduras e baixa ingesta de fibras se correlacionam com maior incidência, apesar de que esta última tem resultados controversos a depender dos estudos. Fibras ainda são relacionadas com maior osmose na direção da luz intestinal, e que isso transporta para fezes agentes carcinógenos acumulados no epitélio intestinal. De qualquer forma é universal o conceito de que a ingesta de frutas previne o câncer colorretal. Ingesta de carnes, principalmente churrasco tem relação positiva pela presença de nitrosaminas e hidrocarbonetos aromáticos. Soja, cálcio e altas doses de folato são relacionados com menor incidência de cânceres. Reposição hormonal sugere uma diminuição do risco de 60% para aquelas com mais de cinco anos de uso. Isso é correspondente ao uso de aines, embora este último tenha mais efeitos deletérios.  

Histórico familiar positivo para parentes de primeiro grau aumentam as chances em três vezes se existir apenas um parente e para cinco ou seis vezes se existirem dois. Quem tem colite ulcerativa possui 10 a 20 vezes mais chances de ter adenocarcinomas. 2 a 4% de todos os pacientes com colite ulcerativa são acometidos pelo câncer colorretal, mas na presença de 25 anos da doença, esse número aumenta para 12%. Por último pacientes com endocardite por estreptococcus bovis também apresentaram maiores chances de câncer colorerretal e de outros eventos malignos do TGI.

As incidências por regiões são: 28% no ceco e cólon ascendente, 18% no transverso, 18% no descendente e 35% no sugimóide e reto – segundo Cecil. Para Lopes (2011) a localização retosigmoidal corresponde a 50% dos casos. As lesões mais proximais crescem como pólipos com pouco sangramento e raramente causam obstrução, mesmo porque nesse local as fezes estão mais amolecidas. Nas regiões distais os sangramentos são evidentes e significativos, o que pode levar a uma constrição intestinal. Essas lesões são penetrantes e podem invadir outros órgãos, inclusive a cavidade peritoneal, por onde alcança o pulmão e medula.

Como dito antes, os pólipos adenomatosos podem evoluir para adenocarcniomas. Isso ocorre devido à acumulação de agressões ao longo do tempo de evolução desses pólipos. Esse acúmulo é tão agressivo que 80 a 85% das células cancerígenas aqui são aneuploides, ou seja possuem instabilidade cromossomial. Um dos genes modificados é o APC, que regulariza o crescimento epitelial. Sua perturbação ocasiona acumulação do oncogene beta-catenina dentro do núcleo da célula. Modificações no gene K-ras e no P-53 ­ – supressor de tumor –  também inclui os motivos para a transformação do epitélio displásico para adenocarcinomatoso.


O Câncer colorretal permanece silencioso por vários anos, quando então apresenta sangramento intestinal, dor e mudança do hábito intestinal. Sabe-se que o intestino tem uma sensibilidade dolorosa à distensão, o que explica porque o acometimento nas regiões proximais não cursam com dor abdominal, já que aí as fezes estarão líquidas e com isso é mais difícil a obstrução. Quando se trata das regiões distais os pacientes apresentam sangramento crônico e com isso vêm as queixas de cansaço, palpitações e até angina pectoris. A deficiência de ferro que se segue permite a identificação de anemia hipocrômica e microcítica. Conclui-se então que esse tipo de anemia em homem adulto e mulher pós-menopausa exige avaliação endoscópica. O sangramento ocorrido nas regiões distais vai causar a constrição intestinal e essa causa câimbras abdominais e obstrução. Dos tumores no cólon descendente, 10 a 30% dos pacientes apresentam quadros oclusivos ou semioclusivos, o que é definido pelas cólicas e distensões abdominais. Os tumores na região do retossigmóide se manifestam com hematoquezia, tenesmo e estreitamento do calibre das fezes.
     Pólipo evoluindo para obstrução de sigmóide e invasão de tecidos com metástase.


O sangramento no cólon direito vai provocar também cólicas abdominais que melhoram após evacuação. Ao exame físico pode-se palpar massa em fossa ilíaca direita e flanco direito.

Caso haja metástases e acometimento do fígado, ocorre hepatomegalia maciça com dor, pois nesse caso haverá distensão capsular. Se a metástases envolveram a pelve pode haver disfunção de bexiga, dor em sacro ou até ciática no caso de compressão nervosa, além de sangramento vaginal. Metástases em pulmão ou medula são as piores por produzirem sintomas apenas nos estados avançados.


DIAGNÓSTICO

O rastreamento para esse tipo de câncer deve ser realizado, segundo a Organização Mundial de Gastroenterologia, a partir dos 50 anos, mesmo na ausência de sintomas. Isso se justifica por ser uma patologia silente, com um pólipo evoluindo para câncer num período aproximado de dez anos. A população opde também ser classificada em baixo, moderado e alto risco para o acometimento de câncer de cólon:

  • baixo são aqueles indivíduos com mais de 50 anos sem histórico familiar de neoplasias;
  • risco moderado é para aqueles com um ou mais parentes com histórico de câncer de colorretal e histórico familiar de polipose maior que um centímetro ou diversos pólipos de qualquer tamanho. Entra ainda o tratamento prévio desse câncer com intensão de cura;
  • alto risco corresponde aqueles com histórico familiar do câncer positiva ou histórico pessoal positivo sem polipose, além da colite ulcerativa.

O protocolo então consiste na realização anual de pesquisa de sangue oculto seguida de colonoscopia para os resultados positivos. Se há histórico familiar de 1° grau positivo para o câncer é necessário rastreamento aos 25 anos ou 10 a menos em relação à idade de acometimento do familiar. Histórico familiar de neoplasia prévia, principalmente de útero, ovários e mama, sejam submetidos a colonoscopia anual; retossigmoidoscopia a cada cinco anos se negativo e anual após tratamento; realiza-se també o enema baritado a cada cinco a dez anos.

Aqui a história pregressa é extremamente importante. A investigação deve se concentrar em episódios anteriores de câncer, principalmente se for de cólon, qualquer história de polipose adenomatoso, doença inflamatória intestinal ou qualquer outra síndrome de cólon e reto, e histórico de câncer de cólon em parente de primeiro grau. Caso o exame físico demonstre nódulo supra clavicular, aumento do fígado ou de região periumbilical e ascite, as possibilidades de metástases são grandes. O toque retal apresenta massa palpável e pode também vir acompanhado de sangue ao retirar o dedo da área anal. Em 40 a 80% dos casos há ou sangue vivo ou oculto ao exame laboratorial, e nesse caso haverá anemia microcítica e hipocrômica. Isso, inclusive, é eleição direta para colonoscopia, sendo o exame padrão ouro nesses casos, pois pode identificar pólipos de todos os tamanhos e ainda provém possibilidade de coleta para exame histológico. Fora isso, as metástases podem ser investigadas através da tomografia computadorizada.

O estadiamento aqui também pode ser realizado pelo método TNM, assim como demostrado na postagem de câncer de colo do útero. Os tumores T1N0M0 são lesões localizadas, sem penetrar na mucosa nem acometer linfonodos regionais. Esses são chamados de categoria A. Categoria B são aqueles mais penetrantes, sem acometimento de linfonodos. Se esses são acometidos, tem-se a categoria C. E categoria D é para aqueles com metástases a distância.


Classificação TNM:

T
N
M
Tx: dado não disponível
Nx: dado nãodisponível
Mx: dado não avaliado
T0: sem evidência do tumor
N0: sem linfonodos acometidos
M0: ausência de matástase
Tis: tumor in situ
N1: 1 a 3 linfonodos acometidos
M1: presença de metástase
T1 invasão de submucosa
N2: 4 ou mais linfonodos palpáveis

T2: invasão de muscular própria
N3: acometimento de linfonodos principal

T3: invasão até serosa ou tecido perirretal


T4: invasão de órgão ou estrutura vizinha por contiguidade







TRATAMENTO

A cirurgia é o único tratamento com boas chances de cura, devendo ser retirado todo o tecido acometido mais bordas, além de drenagem linfática. Nos casos em que ocorre cirurgia do tecido retal é necessário instituir a colostomia permanente. Esse procedimento também é utilizado de maneira paliativa em lesões obstrutivas não passíveis de remoção cirúrgica devido a disseminação. A radioterapia pode ser utilizada antes e depois das cirurgias de ressecção para diminuir as chances de recidiva, assim como também no sentido de diminuir o tamanho de tumores para que então sejam retirados.

A quimioterapia é realizada a base de leucovorin e 5-fluororacil, que são bem tolerados, mas a taxa de resposta é baixa, de apenas 10 a 20%.  Esses medicamentos são utilizados juntamente com radioterapia perioperatória para diminuir chances de recidiva.

O leucovorin é na realidade um sintético do folato, muito utilizado na prevenção de anemias em grávida, porem aqui em doses mais elevadas. O uso do folato se justifica pela sua ação na metilação da DNA e assim na regularização da proliferação e apoptose. Blount et al. constatou que a deficiência de folato ocasiona uma dificuldade na incorporação da timina na fita de DNA, o que ocasiona disfunções celulares. Como o epitélio intestinal possui rápida renovação e por isso maiores chances de erros, o presença do folato será de extrema necessidade, o que também justifica seu uso no tratamento do câncer aqui estudado.

Alguns estudos sugeriram que a deficiência de folato se relacionaria com uma manor velocidade de proliferação das células, mas ocorre que na presença de doses adequadas deste são prevenidos erros de DNA, o que está de acordou com a terapêutica antineuplásica.


REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

BALUZ, Kátia; CARMO, Maria das Graças Tavares; ROSAS, Glorimar. O papel do acido fóico na prevenção e na terapêutica oncológica: revisão. Revista Brasileira de cancerologia. v. 48. n. 4. p: 597-607, 2002.(DESTAQUE).

DIAS, Ana Paula Telles Pires. GOLLNER, Ângela Maria; TEIXEIRA, Maria Tereza Bustamante. Câncer colorretal: rasteamento, prevenção e controle. Revista do Hospital Universitário de Juiz de Fora. v.33. n.4. p. 125-131. Out/dez, 2007.