terça-feira, 24 de março de 2015

MIASTENIA GRAVIS: QUANTO MENOS MIELINA, PIOR

MIASTENIA GRAVIS

A incidência de miastenia gravis é de 1 a 2 por 10.000 habitantes no mundo, sendo a prevalência de 20 a 50 por 100.000 com mortalidade entre 3 e 8% ao ano. No Brasil sabe-se que a grande maioria é de mulheres (85%), estando de acordo com o que ocorre no mundo, que seriam nas mulheres e idosos.




FISIOPATOLOGIA

Doença muscular autoimune ocasionada pela perda de receptores de acetilcolina na junção neuromuscular, causando redução nos potenciais elétricos e lentidão na atividade muscular. Ocorre por três mecanismos adiante discutidos: internalização dos receptores por linfócitos ou demais células de defesa; degradação dos receptores após ligação com proteínas do complemento; ligação dos receptores de acetilcolina aos anticorpos, nesse momento já impedidos de se ligarem à acetilcolina. As formas são: do recém-nascido, congênita, mediada por medicamentos e autoimune, a mais comum.

A forma autoimune envolve o papel de anticorpos e nesse caso o timo é largamente relacionado. A hipótese de que o timo produz anticorpos imunocompetentes contra os receptores de acetilcolina (AChRs) se baseia no fato de 75% dos pacientes apresentarem modificações importantes no timo, mais frequentemente hiperplasia e timona. Tudo ocorreria com a falha de uma possível supressão de linfócitos T helper mediada pelo timo, o qual começaria a produzir linfócitos B secretores de anticorpos contra os AChRs. Nesse caso um equilíbrio é quebrado: a produção desses linfócitos T regulatórios que suprimem a atividade de outros linfócitos T CD4+ e CD25+ com atividade antireceptor. A partir do momento em que haja uma disfunção na produção dos linfócitos regulatórios pelo timo a tolerância aos AChRs é quebrada e então o ataque se torna efetivo. Outro possível mecanismo seria a presença de infecções virais e bacterianas com indução a modificações nas proteínas da placa motora tornando-a sensibilizadora do sistema de complemento e dos linfócitos T já citados.

Vários são os resultados. Após a ligação com os anticorpos os receptores são endocitados e destruídos por enzimas lisossomais diminuído o número de receptores nas placas motoras. Quando trata-se do sistema de complemento, as proteínas se ligam à superfície das membranas e ativam a cascata de ataque atraindo células fagocitárias em geral que destroem porções da membrana da placa motora onde estariam os AChRs. Além disso, a própria ligação dos anticorpos à região MIR dos AChRs já ocupa os sítios onde a acetilcolina se acopla para disparar o potencial elétrico. Ou seja, a diminuição da atividade muscular já começa mesmo antes da destruição dos receptores.

Estudos também indicam um mecanismo indireto na gênese da MG, quando linfócitos T exercem uma função natural de degradação de AChRs através da enzima granzima, que degradaria os receptores e os subprodutos dessa ação desencadeariam a sensibilização dos linfócitos do timo.

Existem também os anticorpos. Daqueles 10% dos pacientes com MG generalizada e 50% com a forma extraocular que não apresentam anticorpos contra AChRs, quase metade apresenta anticorpos contra MUSK (proteína de membrana ligada ao AChR).  Existem ainda nos pacientes sem sensibilidade contra AChR a produção de anticorpos contra outras proteínas da placa motora, tais como a titina, actina, rapsina  e miosina.


CLASSIFICAÇÃO

QUANTO AOS AUTOANTÍGENOS

·                    Soropositiva: 90% dos casos. Do restante 40 a 50% daqueles com miastenia extraocular e 10% daqueles com miastenia generalizada possui anticorpos contra MUSK.
·                    Soronegativa: esses possuem menor resposta com o tratamento imunossupressor.
QUANTO A GRAVIDADESEGUNDO TURNER (2007)
·                    I: fraqueza muscular ocular com ptose e diplopia;
·                    IIa: soma-se comprometimento de músculos das extremidades e da orofaringe com modificação da voz;
·                    IIb: fraqueza moderada com comprometimento respiratório e orofaringe;
·                    III: sinais generalizados agudos e fulminantes com envolvimento bulbar e crise miastênica;
·                    IV: condição severa, com sintomas generalizados, comprometimento respiratório e necessidade de intubação.
ETIOLOGIA
·                    Autoimune adquirido: a mais comum no adulto;
·                    Induzida por drogas: fenitoína, amnoglicosideos, anestesia local. É classificada como autoimune;
·                    Neonatal: ocorre por transmissão passiva de anticorpos da mãe pela placenta. Surge sintomas ao nascer ou até 72 horas e tem remissão até seis semanas, mais comum até três;
·                    Congênita: mutação nas proteínas da placa motora.

SINTOMAS

A crise miastenica é uma piora da função respiratória tão grande que impede a respiração. Ocorre mais nas 3ª e 4ª décadas de vida e nos primeiros anos de aparecimento da doença, sendo precipitado por infecções respiratórias ou medicamentos.

Fraqueza e fadiga depois de qualquer atividade sustentada como dirigir por longo período ou corrigir provas, exercícios, estresse e temperaturas elevadas, melhorando após repouso.  O acometimento dos músculos extra-oculares ocorrem em 90% dos casos após um período longo de leitura ou dirigindo. Os primeiros músculos a serem atingidos são os levantadores da pálpebra superior, facial, extensores do pescoço e dos membros superiores.

O acometimento extra-ocular ocorre em 50% dos pacientes e causa a diplopia e a ptose palpebral de ocorrência assimétrica e flutuante, que melhora após a aplicação de gelo na pálpebra e após o sono. Face pouco expressiva, modificação na voz por conta da perda do tônus dos músculos do palato, da mastigação e da laringe, causando abertura aumentada das cordas vocais e estridor laríngeo. O acometimento dos músculos da mastigação causa disfagia e por vezes é tão severa a ponto de haver impossibilidade de manter a boca fechada. A fraqueza da musculatura do palato pode ocasionar regurgitação alimentar. Ainda pode ocorrer o lid twich, quando solicita-se ao paciente para olhar de baixo para cima, quando então a pálpebra faz um movimento exagerado, logo depois caindo um pouco.

Apesar de não ser incomum os pacientes apresentarem depressão, não há relação direta com a patologia, pois apenas a junção neuromuscular é acometida. Já o emagrecimento ocorre pela dificuldade de mastigar, que compromete alimentação.



DIAGNÓSTICO

Anamnese e exame físico são de extrema importância, mas são confundidores pela raridade da ocorrência e pela exuberância de diagnósticos diferenciais. O quadro pode remeter o raciocínio para AVC, hipotireoidismo, compressão de nervos por massas intracranianas, miopatias mitocondriais, histeria, botulismo e síndrome de Eaton Lambert. Tanto essa como a miastenia produzem uma clínica semelhante, porém na  Eaton-Lambert as alterações ocorrem no neurônio pré-sináptico, com inibição da liberação das vesículas de acetilcolina por bloqueio de canais cálcio dependentes. No exame físico o teste de Mingazzini avalia os membros inferiores ao solicitar ao paciente que se mantenha a postura por dois minutos, além da análise dos músculos da respiração. Ao exame físico a contagem do paciente de um a 50 demonstra uma mudança progressiva de diminuição de volume, seguida de voz anasalada ou até mesmo ter e segurar a mandíbula para falar. Fadiga sem fraqueza não combina com MG, enquanto que sintomas que pioram no decorrer do dia são bem consistentes com a patologia.

O teste complementar mais importante é a pesquisa de anticorpos anti-AChR. No teste anticolinesterase o paciente é medicado com inibidores da acetilcolinesterase apresentando melhora pela maior permanência da ACh na placa motora. O mais utilizado é o cloridrato de edrofônio, que tem início de efeito em 30 segundos e duração de cinco minutos. Se constatada melhora é feita uma injeção de atropina para não sensibilizar os agentes anticolinesterásicos latentes. Dois minutos após a injeção da atropina a fraqueza retorna e então é dada nova dose de cloridrato de edrofônio. Se o paciente referir melhora da fraqueza o teste é positivo, podendo ainda ser realizada uma terceira dose caso a melhora não ocorra após a segunda.

Como 70% dos pacientes apresentam hiperplasia do timo e 20% apresentam timona a TC de tórax com contraste é indispensável, devendo ser precedido da radiografia de tórax. Outro exame é a eletromiografia repetida e em um ou dois conjuntos musculares. Na MG a amplitude dos potenciais de ação vai diminuindo gradativamente, já iniciando a partir do décimo estímulo. Por fim e menos específico pode-se dosar os níveis de haptoglobina, uma alfa-2-glicoproteína que se liga à hemoglobina livre no sangue, sendo também marcador de processos inflamatórios, infecciosos e hemolíticos. Estudos identificaram que este composto está aumentado no sangue de pacientes com MG. 


TRATAMENTO

A timectomia é considerada tratamento de primeira linha nos casos de MG generalizada (mesmo sem alterações no timo) e timona com potencial invasor. Os pacientes devem estar entre 10 e 50 anos com início recente da doença. A resposta é gradual e chega ao máximo de 2 a 5 anos. Os pacientes anti-MUSK positivos e AChR negativos também apresentam boa resposta à retirada do timo.

A pasmaferese é uma técnica utilizada para separar do plasma elementos com potencial patológico, nesse caso aqui, anticorpos anti-AChR. Tem sido utilizada há mais de trinta anos nos pacientes com MG. É indicada para o controle rápido dos sintomas, geralmente após dois dias e mantendo efeito satisfatório entre 4 e 10 semanas. A indicação principal é para a crise. Uso de imunoglobulina possui a mesma indicação e por isso é uma alternativa, tendo efeito de retirada do sangue de imunoglobulinas anti AChR e de linfócitos T sensibilizados. O efeito é o mesmo da plasmaferese, contudo é mais lenta, ocorrendo em torno de 4 a 5 dias e durando várias semanas.

O tratamento farmacológico ocorre com inibidores da acetilcolinesterase juntamente com imunossupressores, embora 10% dos pacientes apresentam piora da MG ao uso de glicocorticoides.


REFERÊNCIAS

BRANCO, Alessandra Camillo Da Silveira Castello. Atualizações e Perspectivas na Miastenia gravis. Revista Brasileira de Ciências da Saúde. v. 15. n. 4. p. 493-506, 2011. (DESTAQUE)

Clínica médica: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. v. 6. Barueri, SP: Manole, 2009.


COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

domingo, 8 de março de 2015

ASMA: QUANDO RESPIRAR JÁ NÃO É TÃO SIMPLES


NO BRASIL A ASMA ACOMETE 5 A 10% DA POPULAÇÃO TOTAL. Ocorrem anualmente mais de 350.000 internações nos hospitais brasileiros, sendo a quarta maior causa de internações pelo SUS.

A questão toda é um estado de hiperesponsividade da musculatura lisa à inflamação por presença de componentes virais (80% dos casos), bacterianos e químicos. Quando é viral o paciente apresenta alguns sintomas gerais, como dor de garganta e coriza, que dura poucos dias, mas com piora progressiva do quadro asmático. Os agentes virais mais comuns são rinovírus, influenza e vírus sincicial respiratório. As bactérias mais relacionadas são a micobacteriun pneumoniae e Clostridium pneumoniae. Mudanças climáticas também podem deflagrar a crise, assim como estresse emocional, exercícios físicos e medicações tais como o AAS e betabloqueadores não seletivos.

O paciente apresenta níveis séricos aumentados e sustentados de IgE. Daí quando o paciente entra em contato com o alérgeno primeiramente ocorre uma resposta precoce, com a qual o quadro é autolimitado em metade dos pacientes. Na outra metade há uma resposta tardia ocorrida três a doze horas após a primeira resposta. Nas duas respostas há ativação de mastócitos, que vão liberar mais IgE, e linfócitos T que aumentarão a permeabilidade vascular.


QUARO CLÍNICO

Existe uma tríade da asma: dispneia, opressão torácica e sibilância, com ao menos um desses sintomas ocorrendo em 90% dos pacientes. É necessário se atentar à diferença da dispneia e da opressão torácica da asma ser distinta dos mesmos sinais ocorridos nos cardiopatas, pois são descritos com dificuldade de jogar ar para dentro dos pulmões. Isso se justifica pela obstrução aérea que nos casos graves pode ser tamanha, que o sibilo desaparece, ficando a diminuição dos murmúrios vesiculares. Quando os sibilos estão presentes eles costumam ser bilaterais.

O diagnóstico é clínico e exames complementares devem ser solicitados na suspeita de associação com outras condições, tais como pneumonia, pneumotórax e derrame pleural. Já a oximetria de pulso deve ser acompanhada continuamente para que se esteja ciente da evolução do quadro em tempo hábil para as devidas intervenções. Nos pacientes asmáticos a saturação de oxigênio costuma estar abaixo de 90%. Gasometria arterial também é muito importante, pois se PaCO2 menor que 42 mmHg tem grande potencial para gravidade e se menor que 45 mmHg já se tem indicação de internação. Nessa condição é recomendado solicitar eletrólitos quando o paciente faz alta dose de corticoides, pois o fármaco retira cálcio dos ossos e com isso desequilibra o nível sérico de outros eletrólitos como o potássio. ECG é útil quando há suspeita de DPOC em pacientes acima de 50 anos. Se houver expectoração amarelada não se pode esquecer do hemograma completo.


TRATAMENTO

Mesmo que a presença de alérgenos seja baseada no contato com agentes bacterianos a antibioticoterapia não é recomendada para o tratamento da crise asmática, pois 80% dos casos o agente é viral. A primeira via de tratamento para a crise de asma é o beta 2 agonista, de preferência o fenoterol e mais preferencialmente ainda o salbutamol.

Os beta agonistas se baseiam na presença dos receptores beta adrenérgicos, 70% do tipo 2, estando na musculatura lisa, nas células de defesa, nos epitélios, glândulas e fibroblastos. Nas paredes alveolares estão os Beta do tipo 1. Os beta agonistas se ligam a receptores específicos na musculatura lisa circular das vias aéreas e comanda a liberação de AMPc e com isso a modificação da forma da proteína-quinase A que comandará liberação de cálcio livre do interior da célula para dento de compartimentos no retículo plasmático e outras organelas. A conformação modificada da proteína-quinase A reduz a interação da actina com a miosina e aumenta a entrada de potássio na célula deixando-a polarizada e relaxada.

Como ação secundária os beta 2 agonistas inibem a secreção de leucotrienos  e histamina pelos mastócitos e com isso também diminuem a permeabilidade vascular. Ou seja, possui ação anti-inflamatória. Outras atividades adicionais são a estimulação da produção de surfactante pelo peneumócito tipo II, estimulação da atividade mucociliar e em menor intensidade inibe a ativação dos receptores colinérgicos.

O fenoterol é uma boa opção ao lado do salbutamol. A dose é a mesma para os dois, 10 a 20 gotas. O benefício é adicionado com o uso sequencial, por isso deve ser feito em três inalações com espaços de 15 a 20 minutos, com três inalações na primeira hora, quando o paciente deve ser reavaliado para administração adicional. Por ser hidrofílico o uso da inalação junto com 5 ml de solução fisiológica acelera a absorção do medicamento. As contra-indicações são estenose aórtica subvalvar, taquiarritmias, cardiopatias obstrutivas hipertrófica e hipersensibilidade à formulação. Para pacientes propensos os efeitos adversos que podem ocorrer são taquicardias, agitação, sudorese, cefaleia, secura de boca, edema de membros inferiores em pacientes com ICC e por fim fraqueza muscular. Existe apresentação do fenoterol em bomba aerossol, mas o uso contínuo dificulta a recuperação nos momentos de crise.

Existem duas fases de absorção: 30% tem um tempo de meia vida de 11 minutos e 70% tem tempo de meia vida de 2 horas. Inicia-se o uso com 10 a 20 gotas em espaço de 15 a 20 minutos e reavaliação após a primeira hora. Depois administra-se uma dose a cada hora a depender da resposta do paciente. Não existem restrições para pacientes acima de 65 anos, mas assim como os demais beta agonistas ocorre depleção de potássio, então deve-se tomar cuidado. Os efeitos do fenoterol ocorrem também no coração causando taquicardias por causa da seletividade relativa, para os receptores beta 1.

O salbutamol oferece iguais ou melhores resultados que o fenoterol, inclusive sendo preferido segundo o livro de emergências clínicas da USP (2013). Está na dose de 0,4 mg/ml. A dose e as recomendações de reavaliação do paciente são as mesmas.

Junto do beta 2 agonista tem-se melhores resultados com o uso concomitante de um anticolinérgico. Mas para seu uso é importante saber que a função do sistema parassimpático é realizada por meio do nervo vago ao descarregar acetilcolilna nas placas motoras da via aérea. O resultado é manutenção do tônus muscular brônquico, secreção das células epiteliais, aumento da circulação e recrutamento de células inflamatórias. A maioria das fibras do vago estão nas grandes vias.

Por inibir o recrutamento de células o anticolinérgico também agirá como anti-inflamatório, somando a mesma ação ocorrida com os beta-agonistas. Agindo na diminuição do tônus brônquico, adiciona um benefício para a redução do número de internamentos quando utilizado junto com o fenoterol ou salbutamol. Isso ocorre principalmente nos idosos, os quais a resposta aos beta agonistas decaem com a idade. Também tem melhor resposta nos pacientes com pressão final expiratória abaixo de 40% ou quando a asma é induzida por betabloqueadores não seletivos. Ou seja, quanto pior a condição melhor o efeito. Como o efeito é sobre os brônquios médios e abre passagem para a propagação do fenoterol na periferia pulmonar.

O exemplar mais utilizado é o ipratrópio. Sua ação é apenas a nível das vias aéreas e se concentra na manutenção dos níveis de GTP, pois sua quebra em GMPc após ativação dos receptores muscarínicos eleva as concentrações citosólicas de cálcio com efeito de aumento do tônus muscular. Isso indica que a ligação da acetilcolina com o receptor muscarínico é mantida, mas seu efeito é cancelado a nível intracelular. Como a ligação às proteínas plasmáticas é apenas de 20% os efeitos se iniciam em cerca de trinta segundos do início da administração, apesar de não ser eficaz a esse tempo. 50% da resposta adequada ocorre dentro de três a cinco minutos, com pico de ação máxima após 90 a 120 minutos. A duração do efeito é de 6 horas e como há mínima absorção os efeitos colaterais serão reduzidos. É uma medicação muito segura, cuja doses letal é extremamente acima da dose terapêutica. Estudos também provaram não haver perigo para na gestação. Devem ser utilizadas 20 a 40 gotas.

O formoterol é 1.000 vezes mais seletivo para receptor beta 2 que o beta 1, sendo seletivos puros em doses terapêuticas. O contato do fármaco ocorre pelo receptor beta, mas também há absorção pela membrana plasmática, ao qual também serve de reservatório, justificando o fato do início da ação ser sempre de 05 minutos, mas a duração do efeito ser dose dependente. Como o fármaco não é lipofílico o depósito na membrana plasmática vai estar facilitado.


ATENÇÃO: CORTICOIDES

Pronto! O uso do fenoterol e do ipratrópio tem a intenção de tirar o paciente da crise. Relambrando da fisiopatologia, que envolve efeito inflamatório, infere-se que seu cancelando também cancela o broncoespasmo. O tratamento com corticoides deve ser feito por 05 a 14 dias, preferencialmente com prednisona 40 a 60 mg ao dia via oral (o comprimido é apresentado na dose de 20 mg). No dia deve ser prescrito hidrocortisona 200 a 300 mg EV no momento da crise e 100 mg de 6/6horas até melhora, ou até alcance de 800 mg no dia. Outra opção é metilprednisona 40 mg EV 6/6 horas não devendo ultrapassar 160 mg no dia.

Para a alta pode-se prescrever corticoide spray apenas para os momentos de crise. A escolha pode ser o clenil ou diproprionato de beclometasona.

 As metilxantinas não estão recomendadas. A aminofilina, por exemplo, tem índice terapêutico muito pequeno e seus efeitos colaterais são perigosos. De qualquer forma, como medida salvadora é utilizada na dose de 240 a 480 mg a correr num período mínimo de 20 minutos.

Caso haja como auferir o volume expiratório final, caso abaixo de 30%, ou de 60% após a primeira hora de terapêutica de emergência e falta de resposta à teraupeutica incial pode-se utilizar o sulfato de magnésio. A dose é de 1,2 a 2,0 mg a correr por no mínimo 20 minutos. Nesse esquema não foram identificados efeitos colaterais significativos.

Por último há intubação endotraqueal, realizada quando se nota tendência a parada cardiorrespiratória. O paciente cuja manobra extrema é necessária deve ser sedado com propofol, seguido de succinilcolina, pois a resposta à ventilação mecânica é rápida. Antecedente à intubação deve-se ventilar o paciente com dispositivo válvula-máscara para se alcançar a saturação de 100%, instalar acesso venoso de grosso calibre, deixar preparado materiais de suporte (aspirador, cânula com caff testado e laringoscópio).


REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

Martins, Herlon Saraiva et al. Emergências clínicas da USP. 8. ed. Barueri, São Paulo: Manole, 2013.

sexta-feira, 6 de março de 2015

PNEUMONIA COMUNITÁRIA E HOSPITALAR


PNEUMONIA

A definição não é complexa, sendo uma inflamação do parênquima pulmonar, geralmente ocorrendo após um desequilíbrio imunológico. Condições predisponentes são uso de imunossupressores, perda do reflexo da tosse após um avc, perda da função ciliar por defeito genético ou por ingestão de substâncias cáusticas, congestão pulmonar ou introdução de bactérias resistentes durante procedimentos hospitalares. É possível relacionar esses eventos com a proteção das vias aéreas superiores que ocorre através do movimento ciliar e de uma camada de gel produzida na intenção de aderir partículas externas posteriormente expelidas através do movimento ciliar e do reflexo da tosse. Caso essa defesa esteja prejudicada os patógenos alcançam os alvéolos, que prontamente aumentam a produção de surfactante por conta de sua ação bactericida. O exsudado inflamatório a priori defende o organismo, contudo por ser intenso dificulta gradativamente a hematose.

Se a pneumonia atinge todo o lobo ela é dita lobar. Já quando a origem da inflamação possui vários focos é dita broncopneumonia. Na lobar ocorrem quatro estágios: a congestão, quando o pulmão fica pesado pelo líquido inflamatório alveolar, num momento de maior colonização e menos neutrófilos; segue a hepatização vermelha, um exsudato repleto de hemácias preenchendo os espaços alveolares numa congestão repleta de neutrófilos e fibrina; a hepatização cinzenta se caracteriza por desintegração dessas hemácias; na resolução há absorção do exsudato por digestão enzimática produzindo grânulos que podem ser expelidos na tosse, degradados por macrófagos ou organizados numa rede de fibroblastos.  

A pneumonia adquirida no dia a dia é denominada comunitária, possuindo três grandes padrões: alveolar, broncopneumonia e intersticial. Geralmente tem origem bacteriana e dentre os agentes comunitários o mais comum é o Streptococcus pnaumoniae ou pneumococo, que inclusive faz parte da flora normal de 20% dos indivíduos. O streptococcus infecta as áreas periféricas do pulmão e induz uma resposta inflamatória centrífuga a partir dos alvéolos. Este é o primeiro dos grandes grupos de pneumonia, o alveolar, termo em substituição para lobar.

O segundo agente mais comum é o staphilococcus aureus, que contamina os condutos aéreos, sendo por isso chamada de broncopneumonia ou pneumonia lobular. O terceiro padrão pertence aos vírus, que costumam infectar o interstício, criando a pneumonite intersticial.

O Haemophilus influenzae é relacionado com casos graves. É uma bactéria gran-negativa, naturalmente colonizadora da faringe que existe sobre duas formas: não encapsuladas (95%) e encapsuladas. Apesar da diferença das populações as encapsuladas produzem um produto tóxico para as outras, o haemocin. As formas graves da pneumonia, que inclusive podem causar meningite envolvem as encapsuladas, em especial um dentre os seis sorotipos, o tipo B, alvo das campanhas de vacinação.  O H. influenzae secreta produtos que desorganizam o movimento ciliar e também degradam as IgAs presentes na mucosa aérea. Ademais a cápsula confere resistência à bactéria por sua proteção contra a opsonização facilitando a disseminação sanguínea. Com tal resistência a bactéria consegue produzir a laringotraqueíte a partir do entupimento dos brônquios com exsudato repleto de fibrina e uma consolidação geralmente esparsa, apesar de também poder acometer todo o lobo. Tudo começa na faringe de onde pode haver ascensão da infecção causando otite média e conjuntivite purulenta nas crianças. Já nos idosos pode causar endocardite, pielonefrite e artrite supurativa.

A Mycoplasma pneumoniae é a terceira causa mais comum. Robins cita a Moraxela catarralis como um agente cada vez mais comum na população idosa. Staphilococcus está associada a complicações como o abcesso pulmonar e o empiema. Com o advento da vacinação a pneumonia causada por Haemophilus vem decaindo, ao contrário da Klebsiella peneumoniae. Ela produz um quadro característico por conta de um produto espesso e gelatinoso, por ela produzido, muito difícil de ser expelido pelo paciente. Geralmente ocorre em pacientes mal nutridos e alcoólatras crônicos. Já a Legionella pneumophyla é um organismo de ambientes aquáticos artificiais, tais como tubulações de fontes de água potável. Ela geralmente acomete imunossuprimidos e produz quadros graves, mas felizmente é facilmente identificável por anticorpos específicos na urina.


SINTOMAS

Certo! Por isso aí podemos entender os sintomas que são febre – de início abrupto, tosse purulenta ou sanguinolenta, dispneia e calafrios. O escarro expelido é espesso amarelado, ferruginoso ou esverdeado. A percussão identifica áreas de macicez ou submacicez próximo às consolidações. Na ausculta ocorrem estertores creptantes e diminuição do murmúrio vesicular. Ocorre também sopro brônquico, broncofonia aumentada e pterilóquia fônica ou afônica.  Quando a pleura é acometida ocorre a dor pleurítica com ausculta característica. Na fase de resolução ocorre grande aumento dos estertores, porém logo voltando ao normal. A febre pode atingir mais de 40° e na maioria dos casos a história clínica identifica um resfriado pregresso. Nos lactentes os sintomas são dispneia, cianose e febre alta.

As bactérias possuem predominância em alguns grupos de pacientes: o pneumococo atinge mais os adultos e idosos, staphilococcus aureos é mais comum em pessoas em uso de insulina subcutânea, usuários de drogas injetáveis e abcessos em pele, com as bactérias alcançando o pulmão por via hematogênica. Klebsiella acomete mais adultos alcoólatras e com DPOC. Mycoplasma sp ocorre mais em pacientes acima de 50 anos e com doenças associadas.

Existem manifestações incomuns da pneumonia que caracterizam a pneumonia atípica. O termo vai indicar inflamações bem confinadas, ausência de exsudato e consolidação, moderada quantidade de escarro e neutrófilos. Os agentes envolvidos são a Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophilia pneumoniae e Legionella pneumophila, além de alguns vírus tais como o influenza tipo A e B, rinovírus, vírus sincicial respiratório, adenovírus, vírus da rubéola e da varicela. A infecção por esses agentes pode causar um resfriado comum que pode agravar para o estado de pneumonia. Em todos os casos há adesão à mucosa aérea que culmina em necrose local abrindo passagem para infecções por outras bactérias que causam a pneumonia comum, que é onde mora todo o problema.

Os sintomas são incomuns, muitas vezes nem ocorrendo tosse. O quadro simula um resfriado qualquer, com febre, dores de cabeça, musculares e nas pernas. O edema e exsudato ocorrem de maneira pontual, exatamente onde ocorre a hematose, com desproporção entre o estado do pulmão e a dificuldade de respirar. Tais sintomas são tão inespecíficos que o termo pneumonia atípica está ficando em desuso, já que dificilmente se suspeita de pneumonia apenas pela clínica. De qualquer forma 25% dos casos de pneumonia por pneumococo tem concomitância com infecção por algumas dessas bactérias, justificando a conduta de muitos protocolos de sempre incluir no tratamento da pneumonia típica antibióticos de cobertura também para as atípicas. A infecção pelo Staphilococcus é a mais encontrada na pneumonia secundária.


PNEUMONIAS HOSPITALARES

A diferença aqui é a forma de contaminação e o nível de resistência dos patógenos. É definida como uma infecção respiratória ocorrida após 48 a 72 horas de internação hospitalar. Se ocorrer até o quarto dia de internação é dita recente e após esse dia é tardia. Os fatores de risco são coma, desnutrição, acidose metabólica, doenças do sistema nervoso, alcoolismo, diabetes, idade avançada, insuficiência respiratória e uremia.

O maior mecanismo de contaminação é na intubação orotraqueal, que dificulta a expectoração do gel contaminado no epitélio brônquico e também pelo represamento das secreções acima do balonete inflado com posterior aspiração. Também pode ocorrer por aspirações durante o sono, que ocorre em pequena quantidade, mas a aspiração se dá com produtos colonizados pela flora hospitalar resistente. A introdução de sondas nasogástricas fragiliza o esfíncter esofágico inferior e facilita aspirações, além de que esse tipo de alimentação eleva o conteúdo gástrico. Nas aspirações por conteúdo gástrico as bactérias geralmente são gran-negativas e da porção superior do esôfago são gran-positivas.

Os agentes mais comuns são pseudomonas e acinetobacter (gran -), envolvidos em até 85% dos casos. A pneumonia recente geralmente é causada por bactérias da comunidade (streptococcus pneumoniae, hemophilus influenza e staphilococcus aureos oxacilino sensível) e após esse período costuma ocorrer com bactérias da própria flora hospitalar (pseudomonas, enterobacter, acinetobacter e staphilococcus aureus oxacilino resistente). Os procedimentos com suas bactérias relacionadas são:

·                    Aspiração ou cirurgia abdominal recente – anaeróbios;
·                    Coma, trauma, usuários de drogas, diabéticos e episódio gripal antecedente – staphilococcus aureus;
·                    Corticoide em alta dose – Legionella;
·                    Ventilação mecânica, internação prolongada em uti, desnutrição e uso de corticoides – pseudomonas aeruginosa;
·                    Antibioticoterapia prolongada e ventilação mecânica – staphilococcus aureus oxacilino resistente.



DIAGNÓSTICO

COMUNITÁRIA

O recomendado a título de diagnóstico inicial é radiografia de tórax e broncoscopia. Cultura de escarro não deve ser feita após iniciar antibioticoterapia e é pouco sensível nos casos de pneumococo. Antígenos urinários podem ser solicitados para diagnosticar infecção por Legionella. A broncoscopia então é o exame de maior sensibilidade e especificidade. Feito isso existem cinco pontos que norteiam a identificação da gravidade: confusão mental, ureia elevada, taquipneia, hipertensão e idade acima de 65 anos, além do escore PORT, o principal norteador de seguimento.

HOSPITALAR

Por conta da presença de outras patologias os exames diagnósticos para pneumonia hospitalar deve ser bem correlacionado com a condição clínica. O primeiro passo pode ser a radiografia de tórax, que poderá demonstrar infiltrado intersticial e o broncograma aéreo, que é preditivo de pneumonia em 64% dos casos. O CDC estabelece o diagnóstico a partir da ausculta de estertores, macicez à percussão e infiltrado pulmonar surgido durante internamento. Esses dados devem se combinar com um dos seguintes critérios: escarro purulento; agente infeccioso isolado no sangue, biopsia pulmonar, aspirado traqueal ou escovado brônquico; isolamento do vírus nas secreções brônquicas; e anticorpos de agente infecciosos.

Para o paciente não estiver entubado pode-se fazer a coleta de escarro, cultura qualitativa ou quantitativa do conteúdo brônquico, sendo a quantitativa mais adequada e sendo positiva quando ocorre 1.000.000 de unidades formadoras de colônias. O lavado broncoalveolar é aquele com melhor valor preditivo positivo. Podem ainda ser realizados cultura de escarro, aspirado endotraqueal, punção aspirativa transcutânea (métodos não broncoscópicos), lavado broncoalveolar protegido e convencional, além do escovado brônquico protegido.


TRATAMENTO

O primeiro passo é definir se o tratamento será domiciliar ou hospitalar. Deve-se utilizar o escore PORT. IV e V exigem internamento, III demanda breve estadia. Considere a internação se: 1- o paciente tiver comorbidades respiratórioas, desnutrição, alcoolismo, IC ou diabetes; 2- FR > 30 inc/min, FC > 125 bpm, T° < 35 ou > 40; 3- leucócitos < 4.000 ou > 30.000; 4- coagulopatia, acidose e radiografia apontamento comprometimento difuso; 5- Saturação < 60; 6- TA sist < 90 mmHg.

Para internamento em UTI podem ser usados os critérios, devendo haver um maior ou dois menores. Maiores: choque ou necessidade de ventilação mecânica; Menores: acometimento de dois ou mais lobos, TA sist. < 90 mmHg e a relação pressão de O2/Fração inspiratória de O2 < 250.

Caso a FR >30 inc/min, TA sistólica < 90 mmHg e diastólica < 60 mmHg, e confusão de início recente está indicado internamento em UTI. Com esses sinais o risco de morte aumenta 21 vezes.

Daí se o paciente for PORT I ou II a primeira escolha é amoxicilina (uma penicilina), já que o germe mais comum é o pneumococo. Aliado a isso, na intensão de cobrir germes atípicos pode-se utilizar um macrolídeo, como eritromicina 500 mg a cada 12 horas. Nos casos de PORT III, IV ou V pode-se utilizar ceftriaxone (cefalosporina de terceira geração) junto com um macrolídeo. Esquema específico para o POTR III é um macrolídeo ou quinolona respiratória (levofloacino), para os PORT IV e V é uma quinolona respiratória, atentando para a necessidade de internamento em UTI para o PORT V . Caso o paciente tenha feito uso de antibiótico de amplo espectro por mais de sete dias nos últimos trinta dias deve-se considerar infecção por pseudomonas e utilizar cefepime (cef de 4° ger), com opção de imipenem ou meropenem (carbapenens) em monoterapia ou associado a ciprofloxacino. Em caso de cepas resistentes deve ser utilizada a polimixina (atentando para a efeitos indesejáveis da droga).

Na classificação PORT III considera-se uso de quinolona isolada, a levofloxacina. Em PORT V é consenso utilizar a cefalosporina associada a quinolona respiratória, a levofloxacina, lembrando que paciente em tratamento ambulatorial deve ser tratado por sete dias e internados por 14 dias. Nos casos de Legionella deve ser utilizada a quinolona respiratória por 21 dias.

Na pneumonia aspirativa ainda devem ser consideradas se os eventos são infecciosos ou meramente inflamatórias por aspiração química. Se for química deve-se prover sintomáticos e aguardar por 24 a 48 horas. Se persistirem os sintomas considera-se pneumonia aspirativa e entra-se em duas vertentes: se não houver fatores de risco trata-se com ceftriaxona 2 g ao dia; se houver fatores de risco acrescenta-se ceftriaxona ou metronidazol.

REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.


MARTINS, HERLAN SARAIVA ET AL. EMERGÊNCIAS CLÍNICAS DA USP. 8. ED. Barueri: Manole, 2013. p. 572-592.