terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

ANEMIA APLÁSICA: COMO SUSPEITAR A PARTIR DE UM HEMOGRAMA SIMPLES


ANEMIA APLÁSICA




É um termo que se refere a um conjunto de eventos que direcionam a medula ao estado de supressão ou desaparecimento de células tronco mielóides. A incidência não discrimina sexo, mas há pico quando nos referimos à idade, o primeiro dos 10 aos 25 anos e o segundo nas pessoas acima de 60 anos, havendo uma incidência geral de 2 a 4 casos por milhão de habitantes. Pessoas que se expõe a radiação ionizante e trabalhadores em lavoura com uso de agrotóxicos são especialmente propensos.

A maioria das causas (70%) da aplasia é desconhecida, mas sabe-se da existência de etiologias hereditárias e adquiridas. Na maioria dos casos esclarecidos a gênese é adquirida, e as substâncias que mais frequentemente relacionadas são: clorafenicol, benzeno, agentes antimetabólicos, estreptomicina, clorpromazina, inseticidas, infecções virais como o parvovíirus B19 e até o Epstein-Barr, dentre outros. As causas congênitas são a anemia de Fanconi e a disceratose congênita. Exposição à radiação também pode levar a anemia aplásica.  

Muitas vezes essa patologia se manifesta após um quadro de infecção viral, mais comum pelo vírus da hepatite – não se relaciona aqui os vírus A, B, C e G. No entanto, esse mecanismo não está esclarecido. A anemia de Fanconi é uma condição rara decorrente de uma mutação genética que promove defeito na transcrição de proteínas reparadoras de DNA. Um dos genes envolvidos é o mesmo para o câncer de mama, o BCRA (1 e 2). Predomina em pacientes de 6 a 9 anos, manifestando geralmente com baixa estatura, anormalidades ósseas, hipopigmentação de pele, hipogonadismo, malformações cardíacas e gastriointestinais, terminando com insuficiência medular aos 10 anos. As deformações ósseas geralmente envolvem polegares e rádio do mesmo membro.

Quando a anemia é causada por drogas, a justificativa é que são agressores diretos dos precursores mielóides, o que induz à sensibilização de linfócitos T contra e consequente produção de interferon-gama, IL-2 e TNF, ambos impedindo o desenvolvimento de células-tronco. Isso é comprovado pelo fato da melhor resposta no transplante de medula após imunossupressão dirigida às células T através das ciclosporinas. Outro efeito do interferon-gama e do TNF é o aumento da expressão do receptor Fas nas células tronco e do seu ligante, desencadeando a apoptose. Quando a anemia é pura para as células vermelhas, os principais responsáveis são o lúpus eritematoso, na evolução da gravidez, nos tumores tímicos, nas doenças linfoproliferativas e nas infecções por parvovírus B19, que penetra na medula e desencadeia a reação imune pelos linfócitos T. É necessário levar em conta também a suscetibilidade genética, pois na maioria dos casos a aplasia surge tardiamente após o uso das drogas.

Os agentes químicos mais envolvidos são o benzeno e os hidrocarbonetos aromáticos, que após exposição crônica pelo indivíduo são gerados metabólitos de forte potencial inibitório sobre os precursores hematopoiéticos. Interessante que o benzeno em si tem efeito contrário, induzindo ao aumento de células sanguíneas, o que justifica a hipercelularidade em determinadas fases, com a pancitopenia não sendo o achado mais frequente na anemia aplásica causada pelo benzeno. Em vez disso o achado mais comum é a anemia isolada seguida de trombocitopenia, podendo ocorrer reticulocitose, leucocitose, linfocitopenia, eosinofilia e presença de elementos imaturos no sangue.

A hemoglobinúria paroxística noturna leva a aplasia medular por conta de um super requerimento que leva ao colapso da mesma. Nessa patologia as hemácias são produzidas com uma deficiência nas proteínas de ancoramento nas membranas. Um evento hemolítico acaba ocorrendo durante a acidose do sono e por isso a primeira urina do dia possui uma coloração vermelha. O defeito se dirige a alterações em determinadas proteínas, como a CD55, que detém ação inibidora das proteínas do complemento. Sem ela a C3 se adere à membrana da hemácia e a sinaliza para a destruição pelas células de defesa. Essa hemácia então é reposta pelo organismo, numa atividade de contínua demanda, determinando a evolução para a tríade: hemólise, trombose e falência medular.

A medula óssea nessa anemia fica hipocelular, com queda importante no número de células tronco.  O tecido medular vai gradativamente sendo substituído por adiposo e estroma fibroso, caracterizando a medula seca. Existe uma tríade que grosseiramente caracteriza esse quadro que é anemia, neutropenia e trombocitopenia.


SINTOMAS E DIAGNÓSTICO

O início dos sintomas é variável, podendo ser dispneia, fraqueza progressiva e palidez, assim como púrpuras (petéquias e equimoses), que são o anúncio da trombocitopenia. Nos casos envolvendo infecções ocorre a granulocitopenia, podendo ocorrer febre, calafrios e prostração. Se houver hepatoesplenomegalia provavelmente não se trata de anemia aplásica. Ao contrário, na aplasia medular a reticulocitopenia é regra. Sangramentos são os primeiros sintomas, mesmo sem indicar anemia grave, geralmente ocorrendo gengivorragias à higiene dental. Pode ocorrer também epistaxe. Quando ocorre em crianças e adultos jovens com anormalidades esqueléticas, baixa estatura e manchas café-com leite, pode-se pensar em anemia de Fanconi. Sangramento maciço não uma queixa comum, mas mulheres jovens podem se queixar de aumento do fluxo menstrual.

Toda essa descrição pode se iniciar de modo insidioso com queixas de astenia, fraqueza, dispneia e zumbido. Caso haja febre associada a leucopenia, tem-se um sinal de alarme, e quanto aos dados no hemograma, o diagnóstico pode ser considerado na existência de dois dos seguintes sinais: hemoglobina abaixo de 10 g/dl, contagem de plaquetas inferior a 50.000 e contagem de neutrófilos abaixo de 1.500. Caso os neutrófilos estejam abaixo de 500 e plaquetas abaixo de 20.000 a anemia é considerada grave. Os pacientes geralmente cursam com neutropenia e trombocitopenia, mas a anemia é normocrômica e normocítica, associado a reticulocitopenia absoluta.

Arrumando: anemia moderada : 1- Hb < 10g/dl; 2- plaquetas < 50.000; 3- neutrófilos < 1.500, lembrando que para o diagnóstico em si é necessário haver dois desses critérios. Anemia grave com dois dos seguintes achados: 1- plaquetas  < 20.000; 2- neutrófilos < 500; 3- reticulócitos abaixo de 20.000. Anemia muito grave: neutrófilos abaixo de 200, mesmo isoladamente.


EXAMES LABORATORIAIS PARA O DIAGNÓSTICO

· Hemograma completo com reticulócitos;

· Função renal e hepática;

· Mielograma e Biópsia de Medula óssea;

· Eletroforese de hemoglobina (Hb fetal pode estar aumentada nas aplasias constitucionais);

· Ferro sérico, ferritina, saturação de transferrina;

· Dosagem de vitamina B12 e folato;

· Imunofenotipagem para HPN (se não disponível, Teste de HAM e Sacarose);

· Sorologias para infecções virais;

· Coombs direto;

· Tipagem HLA caso candidato ao transplante de medula óssea;

· Estudo citogenético;

· RX de tórax e esqueleto caso suspeita de Anemia de Fanconi;

· Ultra-sonografia abdominal total;

· ß –HCG;

· Provas de função reumática;

· Hormônios tireoidianos.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Hepatoesplenomegalia pode ser qualquer coisa menos anemia aplásica. Magacariócitos atípicos, com único núcleo e corpo pequeno fala a favor de mielodisplasia. Aplasia pura de células vermelhas e presença de blastos favorecem a aplasia medular. Na anemia aplásica a celularidade da medula está entre 25 e 30%, e na leucemia a presença de blastos com hipercelularidade é bem característico.


TRATAMENTO

Casos de anemia moderada o tratamento é de suporte, com transfusão de concentrado de hemácias e de plaquetas conforme quadro clínico. Se a quantidade de sangue infundida for significativa ou para casos de uso de antibióticos, está indicada a terapia imunossupressora. O sangue poderá ser transfundido quando a contagem plaquetária estiver abaixo de 10.000. Já para anemias graves está indicado o transplante de células tronco alogênicas ou terapia imunossupressora combinada (ciclosporina 10 a 15 mg/Kg/dia por duas semanas (diminue para sete e continua com 7 mg por semanas + imunoglobulina antitimócito + prednisolona). O tempo de tratamento é indefinido. Em casos de sepse poderão ser utilizados fatores estimuladores de colônias

Pacientes que sofrem transfusões tem mais chances de rejeição de transplante de medula óssea. A chances de aceitação ente irmãos é de 30%.


REFERÊNCIA

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

MIELOMA MÚLTIPLO: UM SUSTO MORTAL

MIELOMA MÚLTIPLO

Esta patologia é uma condição em que os linfócitos B diferenciados em plasmócitos são soltos na corrente sanguínea e terminam por adentrar nas medulas ósseas espalhadas pelo corpo, com efeito de inibição da hematopoese e destruição óssea. Os plasmócitos tem a função primordial de produzir imunoglobulinas e nos proteger contra infecções, mas neste caso é produzida uma proteína específica: a paraproteína M, que é uma imunoglobulina, porém não possui suas funções. 3% da população mundial possui a proteína M circulante, mas 60% desse total não manifesta sintoma algum.  O Mieloma corresponde a 10% de todas as doenças malignas hematológicas e 1% dentre todas as doenças malignas. A incidência é pouco maior sobre os homens e na raça negra. A média de acometimento é de 60 anos, com 2% de incidência sobre pessoas abaixo dos 40 anos.

Para compreender o Mieloma é necessário saber que na imunoglobulina existem duas cadeias pesadas e duas cadeias leves, tendo cada uma delas uma região constante e uma região variável que se modifica a partir dos estímulos. Existem dois tipos de cadeias leves e cinco tipos de cadeias pesadas, estas classificando as imunoglobulinas como conhecemos: IgG, IgM, IgA, IgD e IgE. Os dois tipos de cadeias leves são Kappa e Lambda.

A origem do problema é de ordem cromossômica, podendo haver modificações estruturais, perda ou ganho de cromossomos.  As anormalidades em sua maioria atingem os cromossomos 1 e 14, estando o primeiro envolvido em 40 a 50% dos casos. As células que detém tais modificações podem ser encontradas nos tecidos linfoides, mas apenas se prolifera na medula óssea, onde o microambiente lhe predispõe a tal. Os plasmócitos geralmente terão assincronia entre citoplasma e núcleo, podem ser maiores que o normal, binucleados, trinucleados ou até apresentar vacúolos no citoplasma. Dentro da medula os plasmócitos tomam local das células hematopoéticas normais e ainda liberam substâncias que diminuirão a produção de células sanguíneas e também ativam osteoclastos, justificando a pancitopenia e as lesões líticas nos ossos adjacentes. Elas também produzem interleucina-6 (IL-6) e seus respectivos receptores estimulando assim a própria proliferação, pois essa interleucina possui a capacidade de estimular o crescimento celular geral e inibir a apoptose.

Qualquer local onde exista medula poderá existir os plasmócitos modificados, produzindo sintomas na coluna vertebral, costelas, crista ilíaca, vértebras, clavícula, ossos do crânio, da pelve e das extremidades. As imunoglobulinas produzidas por esses plasmócitos estarão modificadas e por isso são chamadas de proteína M ou componente M. No geral as imunoglobulinas estarão aumentadas no sangue, porém a maioria corresponderá ao componente M, que é disfuncional, o que justifica a baixa imunidade dos pacientes e as recorrentes infecções que podem ser mortais.


QUADRO CLÍNICO E PATOGENIA

Lesões líticas com aspecto em saca-bocado.


O primeiro sintoma é a dor óssea, que leva o paciente a procurar auxílio médico para muitas vezes descobrir o mieloma por acidente. O sintoma se apresenta como uma dor reumática, mais comum na região lombar, depois na pelve e região torácica, sendo irradiada e com duração de dias e de remissão demorada. Como as plasmócitos vão estar estimulando a atividade dos osteoclastos sem, no entanto, ser acompanhado pelos osteoblastos, ocorrerá lesões líticas em diversas estruturas ósseas, e quando provocarem o colapso vertebral haverá diminuição evidente da estatura do indivíduo. A dor seguida é movimento dependente e responde bem ao uso de AINES, o que é um problema adicional às lesões renais acometidas pelas paraproteínas M. A dor decorrente das lesões líticas ocorrem em 90% dos pacientes e em 10% chega a ocorrer compressão medular. As radiografias de crânio demonstram diversas lesões líticas em saca bocado e nas costelas há uma imagem em pontilhado.  

As setas evidenciam algumas entre as múltiplas lesões radiolucentes que indicam Mieloma Múltiplo.


Apesar da dor óssea, a maior mortalidade é atribuída às infecções decorrente da baixa imunidade. Com dito antes as imunoglobulinas com o componente M não são funcionais, na realidade sendo até prejudiciais, sendo o motivo para a insuficiência renal nesses pacientes. Até mesmo a atividade de opsonização restante se encontra com menor eficácia. Os agentes infecciosos mais comuns são o estreptococcus pneumoniae, a Haemophylus influenzae e microorganismos gran-negativos, que em geral correspondem a 50% das infecções.

O envolvimento renal é evidente. No momento do diagnóstico 50% dos pacientes já tem alteração do clearence de creatinina e 25% já estão com aumento de ureia e creatinina. Rim do Mieloma é uma expressão de referência a problemas causados pelas proteínas M de cadeias leve. Para entender isso é necessário ter em mente que a imunoglobulina modificada ou proteína M pode ser uma imunoglobulina completa, com uma cadeia pesada ou uma cadeia leve. Essas cadeias leves, como próprio nome pode suscitar, tem um tamanho menor e por isso ela pode atravessar os capilares a deflagrar uma lesão renal ao serem reabsorvidas pelas células dos túbulos proximais. Tais imunoglobulinas são chamadas de proteínas de Bence Jones.

Quando elas estão na luz tubular elas são endocitadas pelas células do túbulo proximal e aí são extremamente lesivas, causando disfunção tubular. Isso causa a chamada síndrome de Fanconi, caracterizada por bicarbonatúria, acidose tubular, glicosúria, hipofosfatemia e hipouricemia. Com o avançar da doença o paciente evolui para insuficiência renal crônica porque na medida em que os seguimentos mais proximais dos túbulos vão sendo lesionados não mais conseguem reabsorver as proteínas de Bence Jones, permitindo que elas alcancem a alça de Henle e o néfrom distal para causar dois problemas: primeiro irá ocorrer nesse seguimento o mesmo em relação ao túbulos proximais; segundo, as proteínas Bence Jones irão se acoplar às proteínas chamadas  Tamm-Horsefall formando os cilindros de cadeia leve, que obstruirão os túbulos, lesionando outros seguimento e o interstício renal. Quanto maior for a excreção de cadeias leves maior será a obstrução, tendo a mesma consequência a baixa ingesta hídrica.

A hipercalcemia é advinda da reabsorção óssea geradora das lesões líticas. Como os pacientes estão hipoativios devido às dores, esta condição será agravada, facilitando com que o cálcio em excesso no sangue se deposite no parênquima renal e induza à insuficiência renal crônica. É a nefrocalcinose. Esse depósito de cálcio parece também facilitar a obstrução por cadeias leves descrita anteriormente e é também a principal causa de insuficiência renal aguda no Mieloma múltiplo. Se o paciente fizer uso de AINES para controlar a dor esse quadro será agravado, pois é uma medicação nefrotóxica.

As cadeias leves terão ainda outra repercussão, agora a nível sistêmico, que é sua deposição nos tecidos e posterior transformação em proteína amiloide, caracterizando a amiloidose AL ocorrida em 10 a 15% dos pacientes com Mieloma múltiplo. 20% dos pacientes evoluem para falência renal. Os órgãos mais acometidos são a língua, coração, nervos periféricos e por fim os glomérulos.

Os eventos neurológicos envolvem compressões radiculares e como consequência o paciente cursa com dores intensas, geralmente em coluna torácica, lombar e sacro. A compressão pode ser tamanha que o paciente pode evoluir para disfunção esfincteriana e plegia, pois as células do Mieloma nas vértebras invadem o espaço extradural comprimindo raízes. As dores iniciam como radiculares e podem ser agravadas por tosse e até mesmo espirros. A compressão pode ser secundária também à fratura vertebral.

A hipercalcemia também vai deflagrar sintomas neurológicos alterando o estado de consciência e podendo evoluir para o coma. Quando o nível de cálcio atinge 12 mg/dl já é suficiente para alterar a consciência. O paciente refere cefaleia, náusea e vômito, daí então vem a desorientação, convulsões e coma. Pode haver poliúria, mas com o avançar do quadro e a ocorrência da insuficiência renal surgirá a anúria.


REFERÊNCIA

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

HIPOTIREOIDISMO


ANATOMIA DA TIREOIDE

A tireoide é uma glândula de aproximadamente 20 gramas e 4 a 5 cm de comprimento situada na parte anterior do pescoço, na altura das vértebras C5 e T1. Fica abaixo da laringe e na frente da junção entre as cartilagens cricoide e tireoide. A maioria das pessoas possui essa glândula com dois lobos e uma linha de ligação chamada istmo, e uma minoria com um terceiro lobo surgindo do lado esquerdo desse istmo, o lobo piramidal. É circundada por uma cápsula que é fixada nos anéis da traqueia por tecido conectivo denso e externo a essa cápsula há uma bainha contendo as glândulas paratireoides. Existem duas artérias principais que são as tireóideas superior e inferior. As artérias superiores descem de cada lobo e se dividem para perfundir as porções anterior e posterior da glândula. O ramo que se divide e supre a porção posterior se anastomosa com a artéria tireóidea inferior. Esta artéria não se limita e termina por suprir tanto a porção inferior como a superior. Já com as três veias – superiores, médias e inferiores – suprem as referidas regiões. A drenagem linfática corre pelo tecido conectivo citado para drenar para os linfonodos paratraqueais, traqueais e pré-laríngeos. Depois disso a drenagem segue para os linfonodos cervicais profundos inferiores.

Existe um tecido glandular tireóideo que cresce seguindo o pescoço, mas apesar de ser funcional não tem capacidade de sustentar uma produção hormonal na ausência dos outros lobos. Esse tecido acessório origina-se do trajeto realizado pela glândula tireoide até sua localização no indivíduo adulto. Esse trajeto é delimitado pelo ducto tireoglosso que desaparece com o tempo, mas às vezes deixa resquícios, que são justamente o lobo piramidal.

Dentro da bainha da glândula tireoide existem as glândulas paratireoides superiores e inferiores. O ponto de referencia são as artérias teroideas inferiores, pois as paratireoides superiores ficam 1 cm acima e as inferiores ficam 1 cm abaixo. As paratireoides superiores estão ao nível da borda inferior da cartilagem cricoide, e as inferiores estão na porção inferior da glândula tireoide, mas possui posições variadas.

Os principais hormônios da glândula são o T3 (tri-iodotironina) e o T4 (tiroxina). O T4 é de produção exclusiva da glândula, mas quanto ao T3 essa produção é de apenas 20%, com o restante surgindo da conversão do T4 no sangue. A produção de T4 é de 80 a 100 microgramas ao dia e de T3 é de 30 a 40 microgramas. A produção desses hormônios depende dos níveis de TRH (produzido pelo hipotálamo), TSH (produzido pela hipófise) e pela ingesta de 150 a 300 microgramas de iodo ao dia. Esse depois de ser  transformado em iodeto no intestino é absorvido, passado pela corrente sanguínea e captado pelas glândulas salivares e mamárias, mucosa gástrica, plexo coroide e por fim a tireoide. Todos esses órgãos captam o iodeto por possuírem o cotransportador iodeto-sódio chamado NIS, mas apenas a tireoide produz os hormônios citados.

Para a formação de hormônios a tireoide necessita da tireoglobulina, que possui 70 aminoácidos de tirosina, sendo esse a matéria prima de todo o processo. Quando o iodeto entre na célula é incorporado à tirosina, um componente da tireoglobulina, por uma peroxidade dependente de H2O2. A peroxidase ainda promove a ligação de duas moléculas de tirosina cada uma com dois iodetos formando o T4, e promove a ligação de uma molécula de tirosina com um iodeto e outra com dois iodetos formando o T3, só que – relembrando – essa reação é responsável por apenas 20% de todo o T3.  No fim cada molécula de tireoglobulina vai conter 30 moléculas de tiroxina e algumas de tri-iodotironina.

A liberação dos hormônios começa quando o tireócito emite pseudópodos captando o seu próprio coloide repleto de tireoglobulinas com T3 e T4 em sua estrutura. Formam-se vesículas que acabam se fundindo com lisossomos. Essa fusão permite às proteases digerirem as tireoglobulinas, liberando após isso as moléculas de T3 e T4. Quando esses dois entram em contato com a base do teireócito acabam se difundindo para os capilares e por fim entram na corrente sanguínea. Mas é importante saber que ¾ de toda a tiroxina acaba voltando à forma de tirosina mono ou di-iodada por causa da agressividade do contato com as enzimas lisossomais. Os iodos dessas moléculas são então clivados pela enzima deiodase, disponibilizando esse elemento para reciclagem e formação de novas moléculas de T3 e T4. Esse processo é tão eficiente que a reserva momentânea da tireoide é suficiente para suprir as necessidades do corpo por três meses, o que justifica que pacientes com hipotireoidismo procurem auxílio médico meses depois do surgimento da patologia.

Na corrente sanguínea os hormônios tireoidianos se ligam fortemente a proteínas plasmáticas, sendo liberados lentamente para os tecidos, principalmente o T4.  Dentre a liberação até a chagada aos órgãos-alvo 90% do T4 perde uma molécula de iodo e se transforma em T3. O efeito dessas duas formas é dividido basicamente em dois: efeitos genômicos, que são acoplagem às fitas de DNA culminado em transcrição de novas proteínas e grande aumento da transcrição de outras já existentes; e efeitos não genômicos, cujo sítio de ligação é a membrana plasmática, tendo efeitos imediatos. Exemplos de ações não genômicas são o aumento a atividade dos canais iônicos e ativação de segundo mensageiro, tais como o AMP cíclico.

O resultado geral da presença dos hormônios tireoidianos é o aumento do metabolismo basal que pode aumentar até em 100%. Proteínas são anabolizadas e catabolizadas mais rapidamente, a resposta cerebral aumenta, aumenta o número e tamanho das mitocôndrias. Estimula também o metabolismo de carboidratos, absorção e uso da glicose, metabolização aumentada dos lipídeos e redução do seu acúmulo, além de diminuir o colesterol, fosfolípides e triglicerídeos do plasma.

Mas para que a tireoide secrete seus hormônios necessita ser estimuado pela TSH, secretado pela hipófise anterior, que por sua vez é estimulado pelo Hormônio liberador de tireotropina, o TRH. Quando o TSH se acopla na membrana do tireócito, a célula ativa a Adenil ciclase na própria membrana e aumenta a concentração de AMP cíclico no citoplasma, esse servindo de segundo mensageiro e tendo como resultado: aumento da atividade do receptor NIS jogando mais iodo dentro da célula, facilita o acoplamento do iodo na tirosina, aumento da proteólise da tireoglobulina, aumento do tamanho dos tireócitos, e por fim aumento da capacidade secretória dos hormônios.


HIPOTIREOIDISMO

Hipotireoidismo é uma condição em que a quantidade de hormônios tireoidianos no sangue está baixa, fazendo com que a velocidade das funções orgânicas fique diminuída. De acordo com a sequencia de estimulação da tireoide pode-se compreender que a diminuição da secreção de seus hormônios podem surgir de problemas no hipotálamo, na hipófise e na própria tireoide, de onde surgem a maioria dos casos. Como a atividade dos hormônios tireoidianos é muito importante no metabolismo dos lipídios, um dos principais sinais do hipotireoidismo é o acúmulo de lipídeos e um edema não depressível chamado mixedema. O mixedema é sinal de hipotireoidismo grave e cretinismo diz respeito à recém-nascidos que já nascem com o problema e por isso evoluem com anormalidades no desenvolvimento.


90 a 95% de todos os casos o problema está na própria tireoide, sendo uma minoria congênita. Nos adultos o problema se apresenta como redução ou ausência da tireoide, ou como bócio, e a causa mais frequente é um evento auto-imune, que tem como principal exemplo a doença de Hashimoto. Os autoanticorpos se dirigem contra a tireoglobulina, as peroxidases, esses agindo como marcadores, e contra o receptor de TSH, que vai causar realmente o problema, pois poderá bloquear a ação do hormônio TSH. O paciente na verdade desenvolve uma produção geral de anticorpos contra glândulas, afetando as suprerenais, as gônadas, as paratiroides e o pâncreas.

No mundo o motivo mais comum de hipotireoidismo e a deficiência de iodo e por bociogênicos.  O hipotireoidismo com bócio pode ocorrer por hipersecreção de TSH, ou por aumento do iodo, pois ocorre inibição na produção de hormônios. Esse é o efeito Wolff-Chaikoff, geralmente ocorrendo quando o paciente já possui uma doença na tireoide não detectada. A tireoide não consegue inibir a entrada de iodo e não escapando do efeito Wolff-Chaikoff e mantendo-se hiperfuncional termina como bócio. O antiarrítmico amiodarona é um exemplo de substância com grade quantidade de iodo e por isso pode deflagrar um estado de hipotireoidismo. Mutações tanto na cadeia beta do TSH, como no seu receptor na tireoide irão terminar num estado de pouca estimulação.

Como as reservas hormonais são vastas a instalação dos sintomas é lenta e incialmente inocente. No início há referencia a frio, sono, humor deprimido, cansaço, aumento de peso, esquecimento, lentidão, maior tempo para realizar tarefas diárias, constipação, queda da resistência física, além de câimbras nos exercícios vigorosos. A voz rouca e baixa, além da fala lenta nem são percebidos pelo paciente até que seja iniciada a reposição hormonal. Há também inchaço nos olhos e perda de parte lateral das sobrancelhas. A pele ganha uma tonalidade amarelada por acúmulo de caroteno, torna-se grosseira, seca e edemaciada não depressível, o mixedema. A hipertensão se apresenta em 10% dos pacientes e em outros pode haver bradicardia e após a reposição hormonal alguns pacientes referem angina.

Algo estranho passível de ocorrer nos pacientes com hipotireoidismo é a galactorreia. Isso ocorre quando o problema encontra-se a nível de hipófise ou tireoide, quando os níveis de T3 e T4 caem e o hipotálamo aumenta a secreção de TSH, o que induz a hipergalactinemia e secreção de leite pelas mamas. Geralmente ocorrer em mulheres antes da menopausa.


CAUSAS E DIAGNÓSTICO

O hipotireoidismo pode ser dividido em primário quando a causa residir na tireoide, secundária quando residir na hipófise e terciário quando for no hipotálamo. O hipotireoidismo primário é muito relacionado à Doença de Hashimoto, uma condição auto-imune contra as células da tireóide. Para sua detecção solicita-se anti-TPO (anticorpo anti-tireoperoxidade) e anti-TG (anticorpo anti-tireoglobulina). Os pacientes com frequência exibem TSH normal ou elevado, mas é o seu aumento o ponto chave para o estabelecimento do diagnóstico. Além dos anticorpos, também deve ser avaliado os níveis de T4 livre e T3 total. Os níveis de TSh estarão elevados e de T3 e T4 rebaixados.

A amiodarona é um antiarrítmico utilizado com frequência em pacientes cardiopatas que induz ao hipotireoidismo por inibir a produção de TSH devido à semelhança com a estrutura do T4. Sua presença no organismo dificulta a identificação real de T4 e com isso o hipotálamo secreta menor quantidade de TRH, o que determina uma menor estimulação da hipófise e tireoide. A amiodarona possui grande quantidade de iodo e por isso também facilita o efeito Wolf-Chaicoff. Como tem grande afinidade por tecidos diversos, a ingestão só se iguala a excreção urinária após 30 dias de uso. Outra consequência é uma meia-vida prolongada, podendo ser de 30 a 100 dias após o equilíbrio citado.

Pode haver também resistência periférica ao hormônio tireóideo. Nesse caso será identificada a elevação tanto de TSH, como de T3 e T4. Esse caso não requer tratamento.  O hipotireoidismo secundário terá níveis de t3 e T4 baixos e TSH baixo ou indectectável. Se o paciente fizer uso de TSH exógeno e não houver resposta o problema estará nos receptores de TSH.

O exame físico é feito através da inspeção e palpação. Caso seja identificada uma tireoide aumentada de tamanho ou for palpado algum nódulo a ultrasonografia (USG) deve ser solicitada. O USG pode ser solicitado do tipo convencional ou com Doppler, sendo a presença de hipoecogenicidade, uma ferramenta de 94% de positividade para hipotireoidismo clínico e 96% para qualquer outro tipo. A USG também pode ser solicitada como rastreio, pois uma diminuição de 5 cm da fase aguda para a pós-aguda reflete hipotireoidismo.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Deve-se tomar cuidado com pacientes edemaciados, pois pode ser secundário à síndrome nefrótica. Se o paciente cursar com hipoalbuminemia apresentará edema periférico, pele pálida e fosca, tumefação facial e anemia. O bócio e nódulos na tireoide surgem também em pacientes com doenças renais. A redução dos níveis de tireoglobulina causa diminuição do T4 total, mas o T4 livre estará normal junto com o TSH. Em crianças a síndrome de Down pode simular hipotireoidismo. 

Pacientes que estão muito debilitados podem mascarar um quadro laboratorial de hipotireoidismo, pois nesses casos o corpo tenta se adaptar à falta de alimento, por exemplo, baixando o metabolismo e por isso o TSH estará baixo e consequentemente o T4 livre também. Pode-se então solicitar o T3 reverso, para esclarecer a dúvida.


TRATAMENTO

O tratamento é realizado basicamente com levotiroxina na dose entre 0,05 a 0,2 mg por dia com 1,6 microgramas/quilo/dia. A absorção intestinal é a nível de 80% e se utilizado de 24/24 horas as doses conseguem se manter estáveis. Inicia-se em pessoas sadias com 75 a 100 microgramas ao dia havendo reajuste gradual da dose a cada duas ou três semanas. Se o paciente for idoso ou tiver coronariopatias o início é com 12,5 a 25 microgramas ao dia. Exames laboratoriais de TSH, T3 e T4 livre devem ser solicitados, mantendo-se a dose quando os níveis desses hormônios estiverem dentro dos padrões. A justificativa para o aumento gradual é para evitar desequilíbrios orgânicos e descompensações cardíacas. Se a tireoide é completamente desfuncionante, a reposição deve ser realizada até a elevação dos níveis séricos de T4 acima da referência de normalidade e de T3 dentro da faixa normal. Isso porque não haverá a contribuição dos 20% produzidos pela tireoide. Caso o paciente faça uso de qualquer medicação que contenha alumínio a dose deverá ser aumentada, pois a absorção será menor. Exemplo dessas medicações são sulfato ferroso, rifampicina e antiácidos.

O TSH, T4 livre e T3 total deve ser avaliado a cada três semanas, e a normalização dos níveis de TSH e um bom padrão para definição de que a dose já está ajustada. O paciente deve ser informado que a reposição provavelmente será realizada por toda a vida, mas como uma parte dos casos a tireoide volta a atividade normalmente, após a estabilização dos quadros de higidez do paciente, na ausência de sintomas, o profissional pode diminuir a dose dos hormônios gradualmente, acompanhando a resposta com os mesmos exames laboratoriais citados.

OBS: a reposição concomitante de T4 e T3 não é recomendada e provou não ter vantagens sobre a reposição isolada com levotiroxina.


REFERÊNCIAS

NOGUEIRA, C. R. Hipotireoidismo. Sociedade Brasleira de Endocrinologia e Metabologia. Projeto Diretrizes. Jan, 2005. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/4_volume/17-Hipotireoidismo.pdf

KIMURA, E. T.et al. Hipotireoidismo: diagnóstico. Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabolismo. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Associação Brasileira de Psiquiatria. Projeto Diretrizes. Jan, 2011. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/hipotireoidismo-diagnostico.pdf

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.


LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.