domingo, 31 de março de 2013

PORQUÊ TRANSPLANTES INDUZEM O SURGIMENTO DE NEOPLASIAS?


Figura 01: httpwww.cryst.bbk.ac.ukpps97assignmentsprojectscoadwell003.htm



ENTENDENDO A RELAÇÃO ENTRE TRANSPLANTES E INCIDÊNCIA DE NEOPLASIAS
É definitiva a ligação entre transplantados e maior incidência de neoplasias. Nesse sentido a única neoplasia que foge à regra é o câncer de ovário, este possuindo maior incidência na população geral em relação à população de transplantados. Numa pesquisa realizada na escola paulista de medicina da Universidade Federal de São Paulo no período de novembro de 1986 a setembro de 2002, quando 106 pacientes transplantados foram acompanhados, foi identificada uma incidência de neoplasias na ordem de 23% secundários a transplantes de coração, sendo mais frequente o câncer de pele, com 56% do total. É importante notar que segundo o Ministério da Saúde esse é o câncer mais frequente no Brasil. Outro dado importante é que em pacientes transplantados, o câncer de pulmão, assim como o câncer de mama, geralmente apresenta comportamento agressivo, com metástases precoces e consequente aumento da incidência de óbitos.

Segundo o American Journal of Trnasplantation, deve haver uma rotina de acompanhamento dos transplantados por meio de exames, devendo-se solicitar: raio-x de tórax anual, Papanicolau anual, mamografia bianual nas mulheres acima de quarenta anos e acima de cinquenta anos naquelas com menor risco, colonoscopia a partir dos cinquenta anos, com repetição a cada cinco anos, análise anual de próstata através do toque digital e antígeno prostático, além do exame físico rigoroso na busca de lesões cutâneas.

A sociedade Europeia de Cardiologia também descobriu uma associação interessante entre o uso de estatinas e prevenção de câncer em pacientes que receberam transplantes cardíacos. A menor incidência recaiu justamente para os cânceres secundários a transplantes que são os de pele, intestino, próstata e linfomas. A redução do risco alcançou níveis altos, chegando a 65% a menos em relação a pacientes que não fazem uso de estatinas pós-transplante.

A incidência de cânceres na população transplantada mostra para esses um risco até 100 vezes maior, apresentando ainda maior agressividade e malignidade. Esse fato faz do câncer secundário a transplante a terceira maior causa de morte nesses pacientes, ficando aquém das infecções e enfermidades cardíacas. Uma das maiores causas é a infecção por vírus com ativação de proto-oncogene em oncogene, sendo que os mais relacionados são o vírus Epistein-Barr por causar doenças linfoproliferativas, HPV por causar o câncer de colo uterino, o herpes vírus humano tipo oito por causar o sarcoma de Kaposi e os vírus da hepatite B e C relacionadas com o hepatocarcinoma. Para que essas afecções se instalem a idade do paciente transplantado e do doador tem grande peso, pois haverá, nos doadores abaixo de 45 anos, um valor 2,8 menor de incidência do câncer em relação aos doadores entre 46 a 60 anos, e um valor 5 vezes menor em relação aos doadores acima de 60 anos.

Toda essa incidência de neoplasias em transplantados se deve ao uso de imunossupressores, que inativam a ação do sistema imune sobre células tumorais. Em se tratando do papel desse sistema deve-se se ater primeiramente aos aspectos fisiológicos: o organismo exerce o papel de imunovigilância sobre as próprias células, matando células tumorais, ou ao menos realizando uma seleção de células com menor poder carcinogênico, modificando o que deveria ser uma manifestação mais agressiva da neoplasia. O ataque às células neoplásicas se dá em três fases, ocorrendo primeiramente o reconhecimento de células alteradas, liberação de moléculas pró-inflamatórias e apresentação de antígenos pelas células dendríticas em algum linfonodo, o que estimula linfócitos a migrarem para o local onde as células neoplásicas se encontram. A fase seguinte possui duas possibilidades: ou as células tumorais são mortas, ou há uma seleção de células, podendo inclusive ocorrer resistência. Nesse período também há um relativo equilíbrio dinâmico entre as células tumorais e o sistema imune, quando não há progressão nem regressão do tumor até que as células cancerígenas passam a driblar a atividade imune – terceira fase ou fase de evasão – através da liberação de citocinas inibitórias, como a interleucina (IL)-10, e modificações estruturais que culminam na perda dos antígenos e insensibilidade ao interferom-gama. Nessa fase é quando ocorre crescimento considerável do tumor.

O principal mecanismo de controle imune dos cânceres é através da resposta adaptativa via células T com moléculas CD8+ expressas nas superfícies, e sua interação com o complexo maior de histocompatibilidade humana (MHC) de classe I. Assim pode-se inferir que distúrbios da imunidade, como na AIDS, haverá uma maior propensão à ocorrência de carcinomas. O interferon-gama é um exemplo de produto orgânico utilizado no reconhecimento das células tumorais pelo sistema imune, embasando a utilização do seu sintético no tratamento de algumas neoplasias, inclusive alcançando resultados positivos em 16 a 40% dos pacientes. Sua atividade se concentra na ativação de uma molécula citosólica, a TAP 1, que transporta peptídeos até a molécula MHC I para que haja apresentação de peptídeos marcadores da célula como tumoral, possibilitando seu reconhecimento e morte pelos linfócitos. Nas células tumorais a proteína TAP estará inibida e por isso o organismo perde um importante mecanismo de proteção antitumoral.

Todo esse processamento dos antígenos tumorais ocorre dentro das células apresentadoras de antígeno (APCs), como as células dendríticas, que podem, além disso, expressar os mesmos antígenos nas moléculas MHC II para estimular linfócitos T CD4+. Esses linfócitos, por sua vez, estimulam os macrófagos e linfócitos CD8+ através da liberação de TNF e interferom-gama, e ocasionam aumento da expressão das moléculas MHC I e a sensibilidade da célula tumoral à lise. Tais produtos, quando secretados pelos linfócitos T CD4, são chamados de co-estimuladores, pois a atividade antitumoral é indireta.

A imunidade inata também vai agir contra células cancerígenas através das células NK não-dependente de interferon ou de outro mediador compatível.   Essas células estão sempre sendo balanceados por sinais estimulatórios e inibitórios via moléculas de MHC, que detém as duas possibilidades. Uma célula somática normal não é atacada porque receptores chamados KIR na célula NK inibem as moléculas MHC quando a ela acoplados, ao contrário da célula neoplásica, onde tais sinais inibitórios estarão bloqueados. É importante notar que a principal via de ataque das células NK é por inibição dos receptores KIR e por isso, quando os linfócitos não conseguem reconhecer as células neoplásicas (escape) por falha do mecanismo envolvendo a apresentação de antígenos via MHC, é a NK quem protegerá o organismo.

As células NK agem liberando perforinas e granzimas que lisam a célula a ser destruída. A perforina cria poros transmembranas e permite a entrada de outros produtos como a água – que mata a célula por entrada excessiva de água – e as granzimas ativam a cascata das caspases e com isso a célula entra em processo de apoptose.

Todas essas informações acima servem para embasar a forma como os imunodepressores irão favorecer o aparecimento de neoplasias, já que o reconhecimento das células tumorais vai estar comprometido. Nesse caso as moléculas TAP, aquelas estimuladas pelo interferon-gama a marcar a célula como tumoral, vão estar inibidas.

Uma relação interessante que pode se fazer com o dia-a-dia é a cerca do dito popular de que quando as pessoas se descobrem portadoras de neoplasias, a evolução é muito rápida. Isso pode ser explicado pelo alto teor de estresse nessas pessoas, culminando em elevados níveis de cortisol e estímulo à imunodepressão e menor atividade imune contra as células neoplásicas. Outra explicação biológica já comprovada nos estados de estresse psicológico crônico é a liberação de catecolaminas que induzem a angiogênese e favorecem a nutrição dos tumores, além da estimulação de receptores betaadrenérgicos que favorecem migração e invasão celular. Lillberg et. al. APUD Athanazio e Torrezini citam pesquisa em que a depressão está relacionada com o aumento duas vezes maior da incidência de câncer de mama.

REFERÊNCIAS
COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;

ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; PILLAI, Shiv. Imunologia Celular e Molecular. Ed. 6. Rio de Janeiro: Elservier, 2008;

Torrezini, Thaissa; ATHANAZIO, Daniel Abensur. Imunovigilância e imunoedição de neoplasias: implicações clínicas e potencial terapêutico. Revista Brasileira de Cancerologia. N. 54. P. 63-77, 2008. (DESTAQUE);

SILVA, Arthur; TAVARES, Lucas; PIRAINE, Renan; SCHUCH, Rodrigo. Interpretando a base genética do câncer. Universidade Estadual de Pelotas. Pelotas, 2011. Disponível em:... acessado em 10 de dezembro de 2012;

MELLO JUNIOR, Walter Teixeira de; BRANCO, João Nelson R.; CATANI, Roberto; AGUIAR, Luciano de Figueredo; PAEZ, Rodrigo Pereira; Buffolo, Enio. Transplante cardíaco e neoplasias: experiência na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. 2006. V. 86. N° 2.

quarta-feira, 27 de março de 2013

CÂNCER DO COLO DO ÚTERO







ANATOMIA DO ÚTERO

O útero é um grande tecido muscular que está situado na pelve verdadeira ou menor, com seu colo situado entre o reto e a bexiga e o corpo em contato com a bexiga. Sua parede, quando não gravídico e nuligesto, alcança 2 cm, tendo 5 cm de largura e 7,5 de comprimento. Ele é dividido em corpo, colo e cérvix. O corpo é dividido em outras duas porções: intestinal e vesical, esta última tendo contato com a bexiga. Após a puberdade o corpo totaliza dois terços do útero. O fundo é a porção superior do útero, situado acima dos cornos, que são os locais de inserção das tubas.  O colo também é dividido em suas porções: supravaginal e vaginal. A supravaginal é separada da bexiga por tecido conectivo frouxo e do reto pela escavação retouterina. A porção vaginal é aquela que vai entrar em contato com o canal vaginal.

O ligamento largo do útero é uma camada dupla de peritônio que sai das laterais do órgão até o assoalho da pelve, tendo a função de manter o útero no lugar. Entre essas duas camadas está o ligamento redondo. Outra estrutura que também auxilia na manutenção da posição do útero é o diafragma da pelve. Ele está ligado aos órgãos adjacentes, ao útero e à fáscia visceral da pelve, transmitindo o aumento do tônus quando a mulher senta ou se levanta, por exemplo.

O suprimento arterial se dá principalmente pelas artérias uterinas e ováricas. As artérias entram no ligamento largo juntamente com as veias, para constituir o plexo vascular do útero. As veias menores então drenam para as veias ilíacas internas. Os linfáticos drenam predominantemente para os linfonodos ilíacos externos, e uma pequena porção é drenada para os sacrais.

A camada muscular é dividida em três porções, de fora para dentro: perimétrio, miométrio e endométrio. Esta última é revestida por células colunares secretoras ciliadas e não ciliadas. O miométrio é a camada média, a maior das três, e é constituída por fibras musculares em direções longitudinais e circulares que predominam até que o útero comece a se constringir em direção a cérvix, passando a ter a predominância de fibras elásticas, complementadas por pequeno número de fibras musculares. A porção interna da cérvix é composta por células colunares simples produtoras de muco, as mesmas formadoras do tampão mucoso da gravidez. Aqui também há grande predominância de fibras elásticas sobre musculares. A superfície externa a cérvix é revestida por epitélio pavimentoso (escamoso) estratificado não-queratinizado.






O CÂNCER DE COLO

Primeiramente é necessário se ater à localização das células colunares e escamosas citadas anteriormente. Tais células estão em constante interação no sentido de que na medida em que as células colunares vão sendo exteriorizadas na ectocérvix e por isso entram em contato com o ambiente vaginal, as células vão se tornando escamosas. Esse é o processo de metaplasia, ou seja, o processo fisiológico de transformação de uma célula em outra, o que aqui dá origem à junção escamocolunar, também chamada JEC. O local ideal da JEC é no orifício externo do colo, mas pode haver modificações de acordo com a paridade. Essas células escamosas podem se proliferar além do ideal e obstruir a abertura das glândulas cervicais, com consequente formação cística, os ovos de Naboth. Esse acúmulo pode levar a um infiltrado inflamatório que, a depender da intensidade e duração, causa perda do revestimento epitelial ou ulceração.


Todo esse processo é detectado com o exame Papanicolau, que por sinal foi o responsável pela grande queda das mortes ligadas ao câncer de colo uterino. Mas antes de continuar é preciso dissertar sobre os fatores de risco para o câncer de colo. Em 99% dos casos esse câncer é causado pelo papilomavírus humano (HPV). Os fatores de risco mais conhecidos e fechados são: início precoce das relações sexuais, troca frequente de parceiros, tabagismo por conta dos níveis de nicotina e cotinina no muco cervical e seu potencial carcinógeno, deficiência de vitamina A – que seria um composto participante na construção do epitélio da cérvix, detecção precoce do HPV, imunodepressão – ocasionando em menor vigília do organismos a processos tumorais e sua defesa contra esses eventos, infecção persistente e não tratada por HPV de alto risco e infecções genitais.

Diversas fontes convergem ao afirmar que 50% das mulheres sexualmente ativas estão infectadas ou já tiveram contato com o HPV, mas apenas uma pequena porcentagem desenvolve lesões dignas de nota. 75% de todos os indivíduos com vida sexual ativa se infectam em algum momento da vida, sendo por isso a DST viral mais comum. Esse vírus possui 100 subsorotipos, podendo ser de baixo risco: 6, 11, 42, 44, 53 e 54; ou de auto risco: 16, 18, 31, 33, 35, 45 e 51. O problema desses últimos é que interferem no ciclo celular, não só por inibir a apoptose ao se ligarem à proteína p53, mas também por induzir a proliferação celular quando aceleram a duplicação do centrossomo. A proteína p53, que deveria induzir a apoptose, sofre proteólise por meio da ubiquitina com redução drástica. Uma proteína do HPV, a E7, se liga e degrada a proteína RB hipofosforilada, que normalmente inibe a entrada da célula na fase S, motivo esse que leva as células exibirem um núcleo aumentado de tamanho. Então se entende que não apenas a apoptose vai estar inibida, como também vai haver acréscimo no tempo de vida disponível à duplicação celular, culminando em aumento focal do número de determinadas células.
É viável a crença de que apenas a infecção por HPV não é suficiente para conduzir o aparecimento do Câncer de colo do útero, já que muitas das mulheres infectadas não apresentam o problema. Outras apresentam um problema que é indicativo de um câncer futuro, a lesão pré-cancerosa. Essas lesões podem ou não se tornar um câncer, e se não, podem involuir espontaneamente. Elas possuem também grande associação com o HPV de alto risco.

Uma classificação de lesões de colo que engloba as pré-cancerosas é a de neoplasia intraepitelial cervical (NIC), com displasias leves sendo denominadas de NIC I, e as lesões de carcinoma in situ são denominadas NIC III. Elas também podem ser simplificadas em lesões intraepiteliais de baixo e alto grau. Um paradoxo aqui, é que as lesões de relevo, como o condiloma, geralmente apresentam HPVs de baixo risco, e as lesões planas apresentam HPVs de alto risco. Ou seja, no condiloma, apesar do aspecto disforme e aumentado em tamanho, se constitui uma lesão de menor gravidade em relação a determinadas lesões planas. Após a implantação do vírus ocorre surgimento de células atípicas na base do epitélio escamoso, tendendo a células em queratinização. Com essas células variando a relação núcleo/citoplasma, aumento do número de células em processo mitótico e hipercromasia, pode-se dizer que ganham características malignas. Segue a perda progressiva de diferenciação e atipia nas demais camadas até alcançarem a superfície, quando então a lesão é classificada como NIC III.

Existe um local na cérvix que engloba os dois tipos de células normais do colo: as colunares e as escamosas. Como essa é uma área de intensa metaplasia, pode-se inferir que as lesões NIC I apenas estão progredidas quando ultrapassam esse local. Como a evolução é variável para cada paciente, ficam em voga a interação parasita/hospedeiro, o tipo de HPV e fatores ambientais. Caso a lesão alcança o nível de NIC III é muito provável que se transforme em um câncer, mas o tempo para que isso ocorra vai de meses a 20 anos.



CARCINOMA INVASIVO

Esse tipo de câncer se manifesta de três tipos: exofítico, ulcerativo ou infiltrativo. As lesões por eles criadas podem ser: tipo couve-flor, ou crescimento com vegetação para a ectocérvice; de aspecto nodular, com lesões infiltrativas e endurecidas; barrel-Shaped, ou lesões em forma de barril que podem se disseminar para a endocérvice; e ulcerações, nesse caso podendo haver presença de áreas necrosadas, o que determina odor fétido. No câncer avançado, a infiltração se alastra para o peritônio, a bexiga, os ureteres, o reto e a vagina, além de linfonodos diversos. Metástases ocorrem para o fígado, medula óssea e outros órgãos em menor incidência.

A grande maioria (95%) dos carcinomas escamosos são compostos por unidades grandes, bem diferenciados ou próximos disso, podendo ou não estar em processo de queratinização. Os carcinomas pouco diferenciados com células pequenas correspondem a praticamente o restante dos casos e raramente ocorre carcinoma com células indiferenciadas, quase sempre associado ao HPV tipo 18.

Nesses casos o estadiamento é feito como a seguir: estádio I se refere à lesão NIC III, ou in situ; estádio I ainda pode ser Ia, quando o carcinoma é subclínico e detectado somente em exames microscópicos, Ia1 quando a invasão não ultrapassa 3 mm de profundidade e 7 mm de largura, Ia2 quando a lesão alcança profundidade de 4 mm e largura de 7 mm, e no Ia3 o carcinoma é invasivo, mas está confinado ao colo.

No grau II o carcinoma se estende para além do colo, porém sem alcançar a cavidade pélvica. Caso alcance essa cavidade tem-se o grau III, podendo ainda invadir o terço superior da vagina; grau IV se refere ao carcinoma que invadiu a pelve menor ou a mucosa da bexiga ou do reto. Esse último estágio engloba as metástases que porventura ocorram.

Como o curso do carcinoma do colo pode durar anos, é correto o rastreamento periódico pelo exame Papanicolau, pois as lesões desprendem células na cavidade vaginal, justificando a coleta para o esfregaço também do Fundo de Saco de Douglas. No momento do exame também é necessário o coramento com ácido acético, que mostrará áreas lesionadas. Quando são encontrados padrões vasculares anormais há também indicativo de carcinoma invasivo, geralmente quando a aparência é evidente. Nesses casos é necessária realização da biopsia. Por imunohistoquímica é possível identificar marcadores específicos, como a ciclina-E e Ki-67, inclusive nas lesões pré-cancerosas servindo de diferenciação de lesões não neoplásicas.

Identificada lesão NIC I, a paciente somente precisa ser acompanhada com o exame Papanicolau, mas caso sejam encontradas lesões de nível II e III, é necessário o tratamento com laser, crioterapia, exérese de alça diatérmica. Quando há presença de carcinoma invasivo é necessária a realização de histerectomia com dissecção de linfonodos, e de radioterapia para os casos mais graves.

Como esses tratamentos são eficazes, a taxa de sobrevida de cinco anos é de 95% ou mais  para os cânceres de estádio Ia, de 80 a 90% para os carcinomas nos estágio Ia1, 75% para o estágio II, e 50% para os pacientes com lesões de estádio III ou IV. É interessante saber que nessa último classificação, a mais grave, a morte não ocorre por conta das metástases e sim por conta do acometimento dos tecidos próximos ao útero.


SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER DE COLO

Como já foi dito, este tipo de câncer pode se encontrar na forma subclínica por anos. Quando os sintomas se iniciam geralmente o fazem através de corrimentos e sangramentos anormais não associados à menstruação, ocorrendo muitas vezes a sinusiorrgia – sangramento após relação sexual. Em casos avançados pode ocorrer dor ciática e lombar. Se ocorrer invasão vesical pode haver hematúria.

A infecção por HPV pode ser subclínica, clínica ou latente. Latente corresponde à infecção com manifestações a nível celular, e subclínica quando não há nenhum sinal, diagnosticada apenas por exames moleculares. Quando a infecção é clínica a manifestação usual é o condiloma, que são lesões verrucosas múltiplas de tecido queratinizado, surgidas preferencialmente em áreas sem pelos. É preciso se ater que a lesão verrucosa raramente se inicia no colo.

Na gravidez a infecção por HPV expõe o feto invariavelmente, pois os vírus possuem a capacidade de disseminação placentária, de maneira que o parto cesário só é colocado em questão estrita quando as lesões verrucosas modificam o trajeto do parto.

Duas vacinas contra os tipos mais oncogênicos de HPV – 1ª: 6, 11, 16 e 18 e 2ª 16 e 18 – estão sendo comercializadas no Brasil, com promessa de incremento ao programa nacional de imunização (PNI). A eficácia da vacina já foi comprovada, inclusive seu custo-benefício, mesmo comprometendo 25% do orçamento atual do programa. Como a eficácia da vacina diminui caso a pessoa já tenha entrado em contato com o vírus, a vacina será disponibilizada especialmente para as mulheres de 9 a 12 anos, embora seja indicada para a faixa de 9 a 25. Essas vacinas utilizam uma proteína do capsídeo viral, a L1, desprovida de DNA e por isso não sendo capaz de produzir a doença. O esquema é feita com três doses de 0,5 ml em via intramuscular, com a segunda dose 1 a 2 meses após a primeira e a terceira 6 meses após a primeira, assim como acorre atualmente com a vacinação de adultos contra a hepatite B.


REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;

BEMFAM. Câncer de colo do útero e nomenclatura para laudos citopatológicos cervicais: para médicos e enfermeiros. Curso de Atualização. DEC-DEMEC, 2008;

Neoplasia intraepitelial cervical – NIC. Disponível em http://extranet.saude.prefeitura.sp.gov.br/areas/crsleste/regulacao/protocolos-arquivos/ame-itaquera/AME_Itaquera_Protocolo_Colposcopia_NIC_4.pdf. Acessado em 25 de fevereiro de 2013;

Ministério da Saúde: Falando sobre câncer do colo do útero. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/falando_cancer_colo_utero.pdf, acessado em 24 de fevereiro de 2013.


domingo, 24 de março de 2013

TEXTO/CONTO - TEIMOSIA



Um olhar no branco, um arrepio penetrante, uma lança marcada com sangue, uma força que a leva onde ninguém ergue, um instinto arredio que as ruínas do mundo não dominavam, uma história de quem jamais possuiu lar. Um branco aparentemente infinito cortado por um caminho de água, a qual clima nenhum conseguia congelar, duas árvores no horizonte indicando o caminho ao lado do leito do rio, e um coração que não aceitava os erros de outrora. Uma persistência infinita em se redimir, uma força de vontade autossuficiente, um caminho que, de tão longo e mortal, ninguém mais ousaria percorrer. Mas onde dinheiro não possuía valor, a amizade de poucos não poderia ser comprada mesmo se a moeda existisse.





Do outro lado alguém sem força física ofereceu sua beleza por uma morte sem sofrimento. Uma troca realizada por um povo a viver da injúria, da caça humana, da certeza de sua força a obrigar a protegida a se entregar. Ela havia vislumbrado a paz numa terra de guerra, mas a viu esvair nas mãos do ladrão de falsa piedade. Uma mão de unhas quebradas, virgindade tirada à força, cabelo vermelho lembrando o calor interior emanado tão naturalmente a ponto de despertar a inveja e cobiça dos de coração impuro. Uma distância daquele cuja morte deu-se por certo, culminando num desespero sem fim.

Entre eles os escombros das aldeias erguidas por centenas de quilômetros enfeitavam uma terra com potencial falido para a prosperidade chamada de NUNKA, onde os únicos respeitados eram os idosos, pois a sobrevivência era uma das poucas qualidades reconhecidas dentro do inferno frio. Nesse mesmo lugar a força levava à guerra e a guerra levava à força. Na grande batalha a maioria morreu e a harmonia tornou-se tão rara quanto a visão livre do sol. Nas montanhas brancas os deslizamentos antesseguidos de gritos era sinal do suicídio consentido dos menos fortes, e as pontas das árvores erguidas do chão elevado faziam-nas parecer ter um metro ao invés de dez, ao mesmo tempo em que distantes à frente pedaços de verde davam ideia da vida teimosa em existir. Algumas aldeias de pessoas raivosas se desorganizavam ao longo do caminho de água que não congelava.  Se uma crescia demais deparava com outra a enxergar sua prosperidade como uma afronta, e assim se erguiam as guerras e a involução do mundo que se retroalimentava.

Esse era o caminho: um revezamento entre o verde e o gelo, um frio que não respeitava distâncias, uma disputa contínua entre arrogâncias. Era o traçado entre o protetor e a protegida.

Uma pele de animal morto respeitosamente servira contra o frio, óculos improvisado como proteção do vento, uma lança que se dobrava, uma astúcia ímpar a elevar uma força de mediana a descomunal, e por fim a certeza de que se afastar do rio por muito tempo significaria morrer congelado. Um olhar para o horizonte, uma despedida em cumprimento marcial, passo dado para frente e o medo proposital para transformar a sobrevivência em regra. Os quilômetros traziam a primeira aldeia vazia e a segunda, deleitada sobre a estátua de guerreiro com arco nas costas, punhos cerrados, vestes escocesas e a ideia falsa da justiça há muito derrubada. O protetor se escondeu, percorreu as seis primeiras moradias sem problemas quando então deparou-se com a mão levantada contra uma criança. Uma mão que varria o ar enquanto suas lembranças de posturas injustas lhe vinham à mente junto com a imagem daquela a lhe mostrar como amor confronta a dor sem amarras, como a mão estendida fazia valer viver até mesmo naquele mundo. Lembrava a fé inconteste. Então seguiu-se a primeira batalha, a primeira gota derramada ao lado de um sorriso de agradecimento e uma mostra da direção a seguir.




Do outro lado a protegida se mantinha de pé enquanto a opressão se erguia diante dos seus olhos. Chegava numa aldeia onde o idoso se valia de sabedoria egoísta para apontar o dedo e mentir em função de seus interesses. Lembrava como fez a vida ressurgir no protetor aparentemente caído, como o amava, ou quando o fez enxergar a força oculta dos que sabem falar o que se precisa ouvir. Numa visão distante arrastava seu protetor em esforço supremo para longe da batalha perdida. Foi quando o viu pela primeira vez e instintivamente acreditou no seu potencial para a paz. Curou suas feridas, criou uma fidelidade perene, ganhou um irmão. Recordou tudo enquanto provava, numa discussão exaltada por homens cegos, a fraqueza das vozes altivas diante de um suspiro calmo.

A protegida constantemente se via diante de questões exaltadas por seus opressores, até quando teve coragem de expor seus pensamentos e de repente estava diante de uma plateia imóvel, iluminada por pequenas labaredas penduradas nas paredes que deixavam a mostra as mais variadas expressões, desde concordância a ódio pela percepção do sussurro do ser de sexo oposto. Porém, sua razão, seu queixo erguido em ousadia explicada pela anterior convivência com o mais forte a manteve viva, contudo não oprimida. Sua jaula tornou-se casa e ao menos parou de viajar para ser consultada discretamente por homens limitados, mas com sensibilidade suficiente para saber que os pensamentos daquela mulher os faria crescer. Seu principal opressor estava sempre alí, não alto demais nem de menos, boa postura, verdadeira beleza física, verdadeira maldade num coração cheio de princípios obscuros que o fizera ser respeitado pela força.

Bem atrás seu protetor seguia o rio na certeza de ser aquele o único caminho possível para os raptores. Havia pessoas no seu rastro, predadores hábeis, tristes sem saber. Roupas semelhantes às suas, diferentes formas de aquisição. Um olhar concentrado, instinto atento, adrenalina exaltada, insensibilidade momentânea ao frio, uma lança erguida, um confronto direto, gota de sangue sobre a grama ascendida do gelo, grito de persistência ao ar e mais metros a percorrer. Quando o branco ficou para trás o verde entre as montanhas destacava o rio quente não mais a lhe interessar. O caminho deixara de ser óbvio e por isso as pistas deveriam ser conquistadas. À frente uma grande pedra esculpida em forma de lobo servira de ponto de vista a observar indícios da passagem daqueles a alcançar, mas servia também de aviso dos limites de homens que se armavam como ele, com lanças. Os mais perigosos.

Apesar do preparo físico ele cansou, no sexto dia de caminhada, das dormidas em posição de meditação, das pernas dormentes ao amanhecer, da parca comida, mas sua força de vontade não o deixava pestanejar por segundo sequer. Sua força interior era alimentada pela chama das lembranças de um sorriso que destoava do mundo ao redor, do cabelo vermelho por demais em contato com a água, da linda nudez sem conotação sexual, do primeiro sorriso arrancado de seus lábios desde que a vida tirou-lhe a inocência como preço para sobreviver.

Tudo isso dava-lhe o controle para enxergar na natureza a fonte renovadora de ânimo. Então a água doce do riacho límpido e a carne pura dos coelhos mortos com ética e reverência devolveram-lhe o que faltava. Iria precisar, pois estava em terra de lobos, onde a fúria de seu corporativismo e habilidade de suas mãos os mantinham temidos e afastados de qualquer outra aldeia. Tencionava rastejar sem ser percebido, mas infelizmente não foi assim.

O som do mar demonstrava seu choque com as pedras no fim do despenhadeiro ao lado da mata fechada em que se escondia. As árvores soltavam um cheiro agradável que lembrava feno, o chão era coberto pelas mesmas folhas a lhe obrigar percorrer os grandes braços de madeira para não deixar rastros no chão. E foi diminuindo lenta e silenciosamente a distância da protegida que a brisa do mar concentrou seu cheiro para ser percebido por outro guerreiro a percorrer o alto das árvores. E de repente eles estavam de rostos encarados. Um olhar ao redor, um plano, a visão das folhas caindo devagar como se o tempo transpassasse a noção que se tem dele. O couro de animal arrancado dos ombros para dar mais leveza, tórax despido, base montada, o reconhecimento mútuo do oponente que nasceu na dor e aprendeu a não só extrair dela os ingredientes para sobreviver, mas também as lições para tornar-se aprendiz permanente para não cair em batalha. Uma reverência discreta com a mão aberta ao longo da coxa, uma lança desdobrada lentamente, a espera angustiante do confronto inevitável. Um salto à árvore vizinha, metros avançados, respirações controladas, mundo inaudível, uma mão sobre o pescoço enquanto outra fazia a lança viajar em vão até o pescoço do protetor. Lanças em choque, saltos para o lado, galhos de árvores servindo de apoio, pés viajando no ar, uma perseguição breve, a imagem de ser alcançado pelo oponente hábil, um pé transpassado e finalmente um corpo no chão. Seguiram-se a respiração ofegante incontrolável e uma lembrança turva de uma lição de valor da vida antes erguida de uma figura vermelha.



O protetor ficou de pé sobre o corpo do oponente certo de sua morte, mas assim não foi. Então outra reverência fora feita, lanças trocadas, segredo confesso, um companheiro ganho, uma indicação cedida e a certeza de qual direção seguir. Criou-se então outra fidelidade eterna. Vinte horas depois veio o último sono, enterrado para não ser percebido, respirando por uma graça em forma de galho oco.
Enquanto isso a protegida olhava para a chama na parede tentando reunir concentração para focar a imagem que lhe representava força. A ideia era: se o fogo tudo queima, ela tudo pode suportar. Seu nariz quebrado simbolizava o poder da verdade a derrubar músculos, a coragem exótica em manter-se de pé, uma saudade insuportável embebida de infinita ânsia por vingança. Uma raiva acrescida a cada agressão, uma falsa colaboração em dizer o que o opressor precisava ouvir, uma certeza de vida até o dia em que escolhesse perecer.

Mas de repente tambores tocam, gritos estridentes de aviso ecoam pelos muros seguidos a sua jaula. O rosto do opressor mostrava olhos de quem não gosta do mundo sem saber, o que não lhe tirava nem a maldade, nem a culpa de suas costas. Ele correu, subiu as escadas de madeira em espiral que davam para uma espécie de torre de observação para se deparar com o que seus olhos nunca esperavam enxergar: ao longo do bosque castigado pela friagem, erguido das árvores um povo com couro de lobos nos ombros e lanças nas mãos surgia furiosa ao centro. Ele sabia que a maioria não estava alí, pois assim como era experiente em guerrear, aquele povo também era. No alto de uma das árvores da última fileira se erguia uma figura que destoava de todo o resto. Roupas diferentes, mesma lança, olhar a procurar, objetivos diferentes, um sumisso repentino. Algo estava diferente, pois os lobos não guerreavam a toa, e por isso provavelmente alguém os convencera de que com o tempo seu povo os atacaria também.

Do outro lado o protegido, de hábil e sagaz descobrira os meios para entender onde precisava ir, e assim o fez para então estar de frente com o opressor. O inimigo o permitira ver o estado da protegida, pois acreditava que a raiva cresceria dentro do protetor e assim tiraria sua concentração. Mas infelizmente, para ele, não foi assim, pois naquele momento o protetor havia voltado a ser o que era antes de ser salvo. Havia voltado a ser o que a protegida era agora: alguém que vivia para matar.

Ausência de reverência, tórax inflado, expiração calma pela boca, esforço em acompanhar os rápidos movimentos do inimigo. Lança contra espada, distância friamente calculada, pés à frente, fogo no coração, teimosia a não cair. Instinto frio, percepção de defesa aberta, um ombro oferecido de propósito, uma faca transpassada seguido de um coração atingido e a protegida divisou o opressor caindo ao chão, vivo ainda por alguns segundos para encarar os olhos saciados com seu sangue. Lá fora a guerra evoluía para o reinado dos lobos, enquanto alí dentro um abraço e um beijo antecedia a visão do sol não deparada há dez dias.

Do lado de fora lanças foram ofertadas ao ar juntos com gritos de vitória, um chão manchado, referência coletiva, sorrisos de alívios misturados entre o protetor e a protegida, uma passeata no meio dos guerreiros que percebiam enxergar pela primeira vez tão grande amor e amizade. No fim, um olhar para onde o sol estaria escondido, o vislumbre das mãos sujas, da lança quebrada, e a certeza crescente no protetor de ter encontrado seu verdadeiro povo.
JAIRO LEÃO 24/03/2013. 00:23