quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ENTENDA A PANCREATITE

DEFINIÇÃO



É um processo inflamatório agudo do pâncreas que pode se disseminar para tecidos adjacentes e outros órgãos. Pode ocorrer necrose no pâncreas, fato esse ocorrido em 20% dos casos. Essa necrose é gordurosa e pode atingir área peripancreática, compondo os critérios de complicação, juntamente com choque, insuficiência pulmonar e renal. Pode ser formado um pseudocisto com coleção de enzimas pancreáticas que antecedem granulação e fibrose em aproximadamente quatro semanas. Caso esse pseudocisto se infecte origina-se o abcesso pancreático, havendo pouca ou nenhuma necrose, geralmente surgido aproximadamente depois de quatro a seis semanas do início da pancreatite aguda.

75% dos casos são causados por colelitíase ou por abuso do álcool, esse último ainda de mecanismo desconhecido. Quando se trata da doença biliar a proporção de homens e mulheres é de 1:3, contudo em se tratando do álcool como causa essa proporção se altera para 6:1. 80 a 90% dos casos de pancreatite aguda se trata de um quadro leve, também denominada intersticial. Nesse caso a doença é restrita ao pâncreas, autolimitada, possuindo uma mortalidade em torno de 2%, porém na dependência de um quadro de fragilidade prévia.


Todo o problema gira em torno da ativação das enzimas pancreáticas antes da chegada no duodeno. Essas enzimas são na realidade pró-enzimas e tripsinogênio e se ativadas dentro do pâncreas promovem autodigestão da glândula. Os mecanismos para evitar esse evento são: dependência das pró-enzimas de entrar em contato com as enteroquinases no duodeno para serem ativadas; essas enzimas, mesmo inativadas são separadas em compartimentos próprios; o pâncreas produz um inibidor de tripsina para que esse não venha a ter uma ativação precoce; entra em contato com inibidores enzimáticos produzidos pelo fígado, alfa-1-antitripsina e a alfa-2-macroglobulina.

A ativação do tripsinogênio precede a ativação de enzimas ativas, tais como a elastase, quimiotripsina e fosfolipase A2, sendo esses os autores da catástrofe pancreática que se segue. Essas enzimas degradam o pâncreas, podendo chegar à cavidade peritoneal. Isso causa perda de líquido repleto de proteínas para essa cavidade, o que desequilibra as pressões intravasculares e induz o indivíduo ao choque. Caso as mesmas enzimas atinjam a circulação, podem alcançar qualquer órgão e causar o que estaria ocorrendo no pâncreas.




Entendido que a ativação das enzimas pancreáticas antes do momento devido, precisa-se também entender que tal evento ocorre secundário a uma hipoperfusão pancreática, deflagrando uma lesão inicial que precede uma desorganização grave na glândula. A isquemia secundária à privação de oxigênio tem como consequência acúmulo de radicais livres e atração por células polimorfonucleares, ambos constituindo os agressores iniciais.

As principais interleucinas envolvidas serão a IL-1, 6, 8 e 12, além do fator ativador de plaquetas e TNF. Como os radicais livres regulam a quantidade de TNF dentro da glândula o aumento do TNF irá ativar eventos inflamatórios, incitar liberação de outras citocinas e atrair células de defesa que continuarão a agressão. A IL-6, por exemplo, é um importante marcador de comprometimento sistêmico, sendo bom indicativo de mortalidade e de tempo de permanência hospitalar, ou seja é um fator para avaliação de prognóstico, lembrando apenas de que deve ser dosado nas primeiras 24 horas após o início dos sintomas. Maior valor ainda se encontra na dosagem de IL-8, mas nesse caso será preditivo de lesão pancreática grave.

Dentre as causas para a pancreatite aguda estão: infecção por áscaris lumbricoides, que induz à obstrução pancreática, sendo um dos fatores etiológicos mais importantes em crianças nos países em desenvolvimento; trauma está relacionado ao surgimento de cistos após um período assintomático de semanas a meses; alteração anatômica da papila que desemboca no duodeno também está referida como fator etiológico, pois pode ocorrer que a papila de Vater tenha um diâmetro menor e com isso não consiga acompanhar a drenagem das enzimas pancreáticas, o que induz ao acúmulo das mesmas no pâncreas; litíase biliar; hipertrigliceridemia; atividade auto-imune, esta com quadro clínico semelhante à pancreatite crônica com dor e elevação de enzimas séricas discretas.

Nos casos ocorridos por litíase biliar, o evento que deflagra a pancreatite é sempre por obstrução, porém nem sempre por regurgitação. Ocorre regurgitação por impactação dos cristais litiásicos, ou pelo edema secundário ao trauma causado pela passagem dos mesmos pela papila de Vater. A produção contínua de enzimas, impedida de cair no duodeno, transbordaria para o ducto pancreático principal. Quando há pancreatite sem refluxo, ocorre que o acúmulo de sais biliares nos ductos pancreáticos leva a sua captação desses pelas células pancreáticas e com isso aumento do cálcio citoplasmático. O resultado seria, por exemplo, uma ativação de mitocôndrias e liberação de radicais livres que deflagrariam necrose.


DIGNÓSTICO

CLÍNICO

Na pancreatite o exame clínico tem grande importância, pois nas primeiras 24 horas possibilita identificar 30 a 40% dos casos e se passadas 48 horas esse valor aumenta para quase todos.

O primeiro sinal é a dor abdominal localizada em toda a porção superior do abdome com irradiação para o dorso (dor em faixa). Ocorre após as refeições e dura por 6 a 8 horas. Essa dor geralmente melhora quando o paciente se curva para frente. Quando a pancreatite é causada por álcool, costuma surgir com 24 a 72 horas após episódio de grande consumo. Mesmo assim inicialmente a palpação do abdome não é dolorosa. As náuseas e vômitos podem ser intensos o suficiente para agravar de maneira importante a hipovolemia ocorrida quando há extravasamento de líquido hiperproteico para o terceiro espaço.

Após 48 a 72 horas podem surgir eventos hemorrágicos, manifestados como os sinais de Cullen – equimose de coloração azul e preta na região periumbilical – e Grey Turner – equimose de mesma aparência em flancos. Essas manifestações evoluem quando há hemorragia retroperitoneal, o que indica pancreatite grave.


A icterícia ocorre em 25% dos casos, e praticamente todos ocorrem quando o paciente cursa com litíase biliar. Hemorragia digestiva alta pode ocorrer secundária a vômitos intensos por síndrome de Mallory-Weiss. Confusão mental geralmente se dá por conta da perda de eletrólitos pelo conteúdo emético.  
SINAL DE CULLEN

Os leucotrienos C4 e D4 juntamente com as cininas liberadas no processo inflamatório vão acrescer a tendência ao choque por conta da vasodilatação e do efeito depressor sobre a contratilidade cardíaca. Outra repercussão sistêmica é a ocorrida nos pulmões, onde a presença da fosfolipase A2 degradará o surfactante e induzirá a atelectasias e derrame pleural, e com isso o nível de oxigênio nas artérias também cairá. Com essa hipoxemia poderá suceder também a insuficiência renal com necrose tubular. Quando a tripsina chega aos rins também agrava a isquemia por ativar o sistema de coagulação, depositando fibrina nos gromérulos e obstruindo-os.

Como dito antes se as enzimas pancreáticas caíssem na corrente sanguínea, órgãos à distância iriam ser atingidos. Além do pulmão e rins, já citados, há também agressões na pele e articulações. Esse evento vai induzir à necrose de tecidos, e como os tecidos necrosados tem grande afinidade por íons de cálcio, muitos pacientes vão cursar com queda dos níveis desse eletrólito, chegando ao ponto de causar tetania.


LABORATORIAL

Em se tratando de avaliação laboratorial, a dosagem de amilase e lipase séricas tem grande valor. Caso o valor de qualquer um dos dois estiver três vezes acima do valor normal, tem-se indicativo de pancreatite aguda.  Caso os níveis estiverem pouco elevados, mesmo no início dos sintomas as patologias associadas serão a perfuração gástrica por úlcera ou doença de Crohn. No entanto, é pertinente saber que essa elevação não é proporcional ao nível de comprometimento pancreático. Se o aumento do nível de amilase sérica persistir por mais de sete dias, pode-se estar diante de um quadro de pseudocisto, principalmente na ocorrência de massa abdominal palpável.

De acordo com a fisiopatologia da pancreatite aguda, os outros exames que devem ser solicitados são: hemograma completo, dosagem de eletrólitos (especialmente o cálcio por sua afinidade com tecidos necrosados), uréia, creatinina, glicemia, proteínas totais e frações, enzimas hepáticas, gama-GT, fosfatase alcalina, bilirrubinas totais e frações e a gasometria arterial seriada nos casos graves.

Quando os níveis de AST e ALT estão aumentados sugere-se litíase biliar, principalmente se as crises de pancreatite aguda são recidivantes.

Para critérios de gravidade são dosados a metamalbumina, a alfa-2-macroglobulina e alfa-1-antitripsina, proteína C reativa, peptídeo ativador de pepsinogênio e elastase granulocítica. A fosfolipase A2, peptídeo ativador de tripsinogênio e peptídeo ativador das carboxipeptidases, testes de IL-6 e 8, além da proteína C reativa já citada são marcadores de gravidade específicos. Pode-se ainda avaliar o paciente 24 horas após o internamento através do sistema APACHE II. Nela uma pontuação de 0 a 6 adquirida a partir da faixa etária é somada aos seguintes critérios: temperatura retal, P.A. média, frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão de O2, pH arterial, sódio sérico, potássio sérico, creatinina sérica, hematócrito, leucócitos e coma, além do terceiro grupo de critérios que sáo doenças associadas.  As alterações fisiológicas são seguidas por existência ou não de doenças associadas. Caso o escore obtiver uma pontuação de 8 ou mais, haverá pancreatite aguda grave.

O raio-x é mais utilizado para diagnóstico diferencial, pois na pancreatite leve ele não vai estar alterado. O USG tem grande valia, pois possibilita a visualização de coleções líquidas, aumento segmentar do órgão, mas os pontos de necrose podem ser de difícil visualização devido à sobreposição das alças intestinais sobre o pâncreas.

A TC de abdome com contraste apresenta positividade de 15 a 30% dos casos de pancreatite leve, mas nos casos moderados a graves a acurácia é adequada. Possibilita a visualização do aumento do volume do pâncreas, coleções líquidas, borramento de gorduras e áreas não captantes de contraste, que são sugestivas de necrose.


TRATAMENTO

O primeiro pensamento após a chegada do paciente é o tratamento dos sintomas. Pode-se utilizar o cloridrato de tramadol na dose de 50 a 100 mg 6/6 horas com infusão lenta. Como a morfina causa contração esfíncter de Oddi, ela deve ser evitada.

Deve haver pronta reposição maciça de volume, com o uso de solução fisiológica ou ringer lactato, pois tal manobra irá favorecer a reperfusão do pâncreas. Caso a pancreatite seja grave deve-se utilizar cristaloides, tais como a albumina ou dextrano. Essa manobra promove nefroproteção e reperfusão pancreática. Caso o paciente curse com oligúria deve utilizar dopamina na dose de 3 a 5 microgramas/Kg/min.

O uso de antibióticos deve ser restrito aos idosos, imunodeprimidos e pancreatite aguda grave. O antibiótico que mais se distribui para o tecido pancreático é o imipenem 500 mg de 8/8 horas, pois ainda é eficaz tanto para aeróbios como anaeróbios, com sua função baseada na inibição da parede celular, além de ter efeito bactericida contra Gran-positivos também. Na segunda opção pode-se utilizar o ciprofloxacino 500 mg 12/12 horas e metronidazol 250 ou 500 mg 8/8 horas, lembrando que para esses casos a utilização da quinolona deve ocorrer por três semanas. No entanto, os estudos indicaram que mesmo diminuído a infecção, não houve diminuição dos índices de mortalidade.

Caso a pancreatite seja de origem biliar, estará indicada cirurgia de colecistectomia precoce, mas apenas após a normalização da amilase sérica.

A alimentação desses pacientes já foi priorizada a nutrição parenteral total, mas estudos recentes já concluíram, com grande margem de segurança, que os riscos de infecção superam os benefícios. O uso de sonda nasoenteral, com introdução na altura ou próximo ao ângulo de Treitz evita a indução da produção de enzimas pancreáticas.


REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;


COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

FIBROMIALGIA: QUANDO A DOR MUSCULAR É MAIS FORTE

FIBROMIALGIA

FIGURA 01: Localizações de dor mais características na fibromialgia. Disponívl em: http://amiceclinica.com.br/?p=256.

Condição crônica, não neuromuscular que se caracteriza basicamente por dor difusa, concentrada em pontos específicos bilaterais (tender points), sensação de fadiga e deturpação da qualidade do sono.  Incide principalmente em pessoas entre 35 e 60 anos, expressivamente mais em mulheres 9:1, com prevalência variando entre 2 a 11,5%. Não é comum em adolescentes, mas quando ocorre (frequência de 1,2 a 6,2% da população), em 71% dos casos há acometimento também da mãe.

A etiologia é desconhecida, embora haja teorias acerca do assunto. Sabe-se que o problema culmina numa hipersensibilidade a estímulos periféricos, tais como calor, pressão e corrente elétrica, sendo interpretados pelo sistema nervoso como sinais nociceptivos (dor). Fatores emocionais têm sido abordados como desencadeadores, assim como amplificadores das sensações dolorosas. Outra informação já conclusa é diminuição dos níveis de serotonina no soro e no LCR, além da diminuição da epinefrina no LCR e no aumento de substância P (subst. proteolítica) em 300 a 400% além do normal. Essas modificações ocorrerão onde os primeiros agem como inibidores da dor e o último como desencadeador. A diminuição do fluxo cerebral em áreas envolvidas na modulação da dor, tais como o núcleo caudado, o núcleo pontinho e o tálamo parece estar envolvida, mas ainda de forma indefinida.

Estudos já comprovaram que indivíduos portadores de fibromialgia (FBM) não possuem distúrbios na fibra muscular, apesar da manifestação evidente nela. As diversas teorias citadas tentam buscar algumas explicações para o problema, tais como a de que a fibromialgia seja resultado de distúrbios endócrinos envolvendo o hormônio tireoidiano e na secreção de hormônio do crescimento. O Sono se apresenta de difícil início, fácil interrupção, difícil de ser retomado, agitado, de despertar precoce e por isso não provedor de sensação restauradora. Ele é modificado por conta de alterações na secreção de serotonina e da substância proteolítica. O aumento no tônus simpático promove contração mantida de músculos com consequente redução de oxigenação e isquemia, o que aumenta a sensibilidade à dor nas áreas envolvidas.

Microtraumas vasculares aliados a uma predisposição genética de recolhimento de cálcio em excesso nas células aquém do ideal aumenta a contração muscular e diminui a oxigenação, assim como o mecanismo anterior. A diferença é que essa teoria adiciona uma diminuição da capacidade das mitocôndrias em gerar ATP, o que produz a fadiga. Traumas maiores como no chicote cervical também estão envolvidos no desencadeamento da fibromialgia.

Como os sintomas de hiperventilação reproduzem com semelhança os sintomas da fibromialgia, teoriza-se que possa ser resultado também de uma diminuição basal dos níveis de dióxido de carbono e consequentemente de ácidos sanguíneos. Isso é comprovado através da resposta positiva de alguns pacientes após a reeducação respiratória. Dentre outros sinais produzidos da FBM estão os tender points, que são pontos de contração muscular espalhados pelo corpo com sensibilidade alterada. Tais elementos poderiam ser causados por uma vasoconstricção sob sua área que poderia resultar numa hipóxia suficiente para a produção da dor. Uma alteração já identificada é a diminuição da velocidade de eritrócitos e da temperatura sob os tender points, comparados ao grupo controle.

Enfim essas teorias tentam explicar as manifestações e são utilizadas como critérios maiores e menores da FBM. Um critério maior é a presença de dor por um período não inferior a três meses nas regiões abaixo e acima da cintura, e de ambos os lados, além de dor localizada em 11 dos 18 tender points descritos adiante. Para fechar o diagnóstico é preciso também haver o sono não reparador, sensação de fadiga persistente e rigidez matinal. Pode ainda incluir cefaleia, irritação de bexiga, disminorreia, extrema sensibilidade ao frio, síndrome do cólon irritável, pernas inquietas, padrões indefinidos de parestesias e intolerância a exercícios.

Os 18 tender points (figura 01) se localizam nos seguintes locais :

·                    Inserção muscular suboccipital;

·                    Entre os forames transversos de C5 a C7;

·                    No ponto médio da borda superior do trapézio superior;

·                    Na origem do músculo supraespinhal, logo superior à espinha da escápula;

·                    Na segunda junção costocondral;

·                    Dois centímetros distais dos epicôndilos laterais do cotovelo;

·                    Nos quadrantes superiores externos das nádegas;

·                    À altura do trocânter maior;

·                    No coxim adiposo medial do joelho.

Lembrando que todos esses nove pontos ocorrem bilateral e simetricamente, totalizando 18 tender points.

Estudos indicam que rigidez matinal, distúrbios do sono e sensação de fadiga estão presentes em 75% dos pacientes. O Estudo realizado por HAUN et al. menciona um número 5% maior, além de afirmar que na presença de sintomas definidos não é mandatória a presença de 11 pontos para se fechar o diagnóstico, e sim nove. Os seguintes sintomas (Figura 02) são menos frequentes: palpitação, tontura, sensação de inchaço, cefaleia crônica, depressão, irritabilidade, zumbido, epigastralgia, dispneia, náuseas, dificuldade de deglutição, fenômeno de Raynaud e disminorréia.
FIGURA 02:  Sintomas de fibtomialgia. Disponívem em:  http://clubedafibromialgia.blogspot.com.br/2010/09/sintomas.html.


No início o paciente pode apresentar sintomas subjetivos, tais como a parestesia, dificuldade de concentração, tontura, lipotímia, perda de memória, ansiedade, humor deprimido e irritabilidade. Isso leva a outros sinais que confundem com outras patologias, tais como o aumento dos níveis tensionais, podendo confundir com hipertensão sistêmica. Alguns exames podem então facilitar o diagnóstico, mesmo que para a fibromialgia seja eminentemente clínico. Solicita-se a provas de atividade inflamatória (PCR e VHS), dosagens de hormônios tireoidianos, avaliação do metabolismo ósseo com calcitonina e paratormônio, potássio sérico, CPK, fator reumatoide e anticorpo antinuclear. Mas é necessário lembrar que, assim como afirma Góes em seu estudo sobre fibromialgia, exames laboratoriais não podem incluir ou excluir o diagnóstico de fibromialgia.

O tratamento pode ser feito com diversas classes de medicamentos. Pode ser utilizado um antidepressivo tricíclico, como a amitriptilina 25 mg, com dose a ser ajustada a cada caso. Assim pode-se restabelecer o humor e o sono, além de tratar a dor.  Os antidepressivos tricíclicos em geral trazem melhora após duas semanas de uso.

Os inibidores da receptação da serotonina também podem ser utilizados. Eles possuem a vantagem de não induzirem a dependência, agem sobre o alívio da dor em média em três semanas. Se o transtorno do sono for o sintoma mais forte, a trazadona pode ser utilizada. Ele aumenta a porcentagem de sono profundo, reduzindo a queixa de sono não-reparador ao inibir o receptor 5-HT2A. É apresentado em doses de 50 e 100 mg. Como antidepressivo ele é utilizado na dose de 300 mg, o que indica que para o tratamento da fibromialgia deva ser bem abaixo disso.

O alprazolan é o medicamento mais utilizado nas fases iniciais. É da classe dos benzodiazepínicos. Como psicotrópico é utilizado por via oral na dose de 0,25 a 0,5 mg por três vezes ao dia, sendo absorvido pela mucosa estomacal e alcançando concentração sérica máxima de uma a duas horas após a administração. Sua meia vida é de 11 a 15 horas, com uma ligação a proteínas plasmáticas em torno de 70 a 80%. Ele é metabolizado no fígado a uma forma inativa, a alfa-hidroxialprazolam, que também possui os mesmos efeitos, porém mais brandos.  É lentamente metabolizada, contudo sua excreção pela urina é eficaz. Uma de suas aplicações menos usuais, mas que apresentam boas respostas é no tratamento da síndrome pré-menstrual, embora nesses casos ele só deva ser utilizado na fase lútea, quando a liberação de progesterona tende a incitar maiores efeitos psicológicos.

Os benzodiazepínicos de maneira geral aumentam a quantidade de ácido gama-aminobutírico, promovem a inibição de estímulos excitatórios ao cérebro e aumentam a quantidade de serotonina. Isso promove relaxamento muscular, aliviando os sintomas decorrentes dos tender points. Mas é importante saber que, para todos esses medicamentos utilizados como psicotrópicos, aqui, são utilizados em doses subterapeuticas.

A pregabalina é um anticonvulsivante que demonstra boa resposta no tratamento da dor e dos distúrbios do sono. A dose diária é de 450 mg. O comprimido é apresentado em doses de 25mg, 50mg, 75mg, 100mg, 150mg, 200mg, 225mg e 300mg.  É um ansiolítico análago ao ácido gama-aminobutírico, que não atua nos receptores GABA-A ou B, mas bloqueia os canais de cálcio impedindo a liberação de neurotransmissores excitatórios, a saber o glutamato, aspartato e substância P, esta destacada na fisiopatologia da fibromialgia.

Para o tratamento não farmacológico se deve concentrar primordialmente no principal fator prevalente nos fibromialgicos, o sedentarismo. Os pacientes demonstram melhora da dor, do condicionamento físico, e dos sintomas em geral. Mas deve-se se ater que os exercícios são eminentemente aeróbicos e de alongamento. É comprovado que exercícios aeróbicos melhoram tanto as condições de preparo cardiovascular, como a sensibilidade à dor. Os exercícios devem ser seguidos sempre de relaxamento e de educação postural.

Os resultados acerca da acupuntura, nesses casos, são conflitantes, ao contrário de massoterapia, que é claramente eficaz, possibilitando até a diminuição do uso de analgésicos. Tem-se que essa terapia possua efeitos sobre a modulação supra-segmentar da dor e sobre a secreção de opióides endógenos.  Quanto aos distúrbios do sono é orientado que o paciente suspenda bebidas cafeinadas, evite exercícios físicos à noite, mantenha sempre a rotina do horário de se deitar, manter o quarto escuro e bem ventilado, além da realização de rituais que sinalizem ao cérebro que o momento é de descanso, como uma leitura ou uma oração.


QUESTÕES PSICOSSOCIAIS DA FIBROMIALGIA

Os déficits funcionais do paciente fibromialgico pode ser declarado como adequado ou não adequado. Trata-se do comportamento do paciente no sentido de se adaptar às novas exigências, trazidas pela doença. É adequada quando o paciente mantém suas atividades diárias e se comporta no sentido de controlar a dor, procurando tratamento farmacológico e não-farmacológico. É inadequado quando o paciente se isola do convívio social e do trabalho, ou até mesmo utilizando excessivamente o sistema de saúde, o que pode indicar uma evolução para transtorno psíquico. (RIBERTO, 2002).

Esse mesmo autor afirma que restringir a avaliação do paciente apenas ao sistema musculo-esquelético culmina em frustração do avaliador e do paciente, que termina por sofrer novo encaminhamento devido ao não fechamento do diagnóstico.

Um sintoma que diminui a qualidade de vida é a perda da qualidade de sono. Afflek (1996) afirma que sono não restaurador culmina em dia com sintomas de dor significativamente maiores, que é seguida por uma noite de sono não restauradora, formando um ciclo vicioso. Essa má qualidade de sono foi identificada em 99% dos pacientes avaliados em estudo realizado por Theadom et al. (2007), demonstrando a significância do problema.


REFERÊNCIAS

ELTZ, Rodrigo Sanguinetti. Revisão bibliográfica sobre síndrome da fibromialgia. Monografia apresentada ao curso de fisioterapia da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade de Tuiuti-Pr. Curitiba, 2005. (DESTAQUE)

FRAGA, Bianka Porto; et. al. Fribromialgia e disfunção temporomandibular: uma revisão de literatura. Revista Sul-Americana de odontologia. v. 1. n. 8. p. 89-96. Jan/mar, 2011.

GUI, M.; et. al. Distúrbios do sono em pacientes com fibromialgia. Neurobiologia. v. 73. n. 1. Jan/mar, 2010.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.


BRASIL. Pregabalina. Acessoria Jurídica/Advocacia Geral da União. Nota técnica N° 50/2012. Mai, 2012. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2012/Dez/12/pregabalina(Lyrica%C2%AE).pdf.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

DIFERENCIANDO ÚLCERA PÉPTICA DE CÂNCER DE ESTÔMAGO

A ÚLCERA PÉPTICA

Primeiramente devemos nos ater na definição de úlcera: perda de substância da pele ou mucosa, em particular quando ela mostra leve tendência à cicatrização e evolução crônica; ou simplesmente ferida de cicatrização difícil. Já úlceras pépticas são lesões crônicas no trato gastrointestinal que expõem a submucosa à ação de ácidos gástricos. Geralmente são únicas, de quatro centímetros e de localização predominante em duodeno e estômago (no antro). Outros locais menos acometidos são a junção gastroesofágica, dentro ou adjacente a um divertículo de Meckel com mucosa gástrica ectópica.

Sua ocorrência é dependente do desequilíbrio entre forças que agridem e protegem a mucosa gastroduodenal, não tendo relação direta com hiperacidez, como se pode pensar.  Muito direta é a eficiência dos mecanismos de restituição da mucosa, esta dependente do esvaziamento gástrico, que por sua vez é dependente do fluxo sanguíneo submucoso.  Nesse caso, se o fluxo cai a mucosa é agredida mais rápido do que reconstituída e assim a ferida se cronifica.

Dentre os fatores de risco importantes temos o uso crônico de AINES, pois inibiriam a sínteses de prostaglandinas protetoras da mucosa gástrica, essas indutoras de muco, secreção de bicarbonato e estimuladores da circulação sanguínea subcutânea. O fumo diminui o suprimento de oxigênio da mucosa gástrica. Cirrose alcoólica está ligada tanto a ulcera gástrica, quanto a duodenal. O peso genético parece não ser predominante na gênese da úlcera péptica, mas personalidade e estresse psicológico tem se mostrado de ligação íntima, embora não haja explicação.

FIURA (01): Helicobacter pylori infectando mucosa gástrica.

Uma grade ligação com esse problema é a infecção por Helicobacter pylori (figur 01), esta muito comum, atingindo cerca de metade da população mundial, variando de país e faixa etária, como ocorre na França, onde 7% da população está infectada, enquanto que na Costa do Marfim a prevalência chega a 64% na  mesma faixa etária. No Brasil em São Luiz capital do Maranhão a prevalência chega aos chocantes 96%. Apesar de apenas 10 a 20% dos pacientes portadores de H. pylori desenvolverem a úlcera péptica, essa infecção tem grande importância, pois ocorre em 70% daqueles com úlcera gástrica e em praticamente todos aqueles com úlceras duodenais.  A transmissão é via oral-fecal e oral-oral, sendo que o número mínimo de organismo deve ser de 300.000 unidades, apesar da infecção pós-endoscópica sugerir uma necessidade de um número bem menor. Na cavidade oral o H. pylori fica na placa dentária permanentemente, caso o indivíduo não realize uma boa higiene do local, pois o tratamento sistêmico não erradica o patógeno da cavidade oral. Como a via oral-oral ocorre, o copo previamente utilizado por alguém com o bacilo também se faz importante via de contaminação. a transmissão pós-endoscópica citada ocorre devido ao fato de, por vezes, a desinfecção com álcool ou glutaraldeido a 2% dos materiais utlizados na endoscopia não erradicarem os patógenos por completo.

A relação da presença do H. pylori com úlcera péptica se dá no fato das lesões ocasionadas por sua atividade ser justamente o “motor” para sua sobrevivência, já que a agressão da mucosa traz à superfície substâncias nutritivas para manter o bacilo viável (Figura 02). A regressão da úlcera péptica com o uso de antibióticos contra esse patógeno reforçam essa premissa.






As teorias que tentam explicar essa relação afirmam que embora o Helicobacter pylori não invada tecidos, produz uma intensa reação inflamatória a partir de grande secreção e IL-1, 6, TNF e especialmente a IL-8. Essa bactéria quebra a ureia em produtos tóxicos como cloreto de amônia, produz fosfolipases e proteases, todos agindo de maneira a quebrar os complexos lipídio-glicoproteína da mucosa, deixando-a exposta a agressão pelos ácidos do trato gastrointestinal. Acrescenta-se a isso o simples fato das próprias proteínas do corpo do patógeno induzirem a reação inflamatória através da secreção de IL-1 beta, IL-6, IL-8 e TNF alfa.

Outra teoria é que o H. pylori induz a um aumento de secreção de acido clorídrico, aliado a diminuição da secreção de bicarbonato duodenal. Isso acarreta numa agressão nas primeiras porções do duodeno enquanto o corpo recupera tais locais com a proliferação e avanço de células da mucosa gástrica (metaplasia), mais preparadas contra a acidez, porém facilitadoras da infecção pelo H. pylori. Sua presença crônica ainda inibe apoptose de células adjacentes. Com isso, a permanência de células por períodos maiores que o devido resulta na sobrevivência de células defeituosas e acúmulo de mutações, fatores esses essenciais, inclusive à ocorrência do câncer gástrico.       
 
Uma importante descoberta ocorreu a respeito de cepas positivas para um antígeno, o CagA (fragmento de DNA), indutor de grande resposta inflamatória. A presença de infecção por H. pylori CagA positivo está relacionada a maior número do microrganismo, lesão epitelial mais grave, maior possibilidade de evolução para ulceração e maior risco de câncer gástrico.

Enquanto o suco gástrico atinge a mucosa desprotegida, o H. pylori em nada é agredido pela mesma capacidade de quebrar ureia há pouco citada. Isso ocorre por conta da produção de urease e formação de cloreto de amônia e bicarbonato, que no interior do patógeno funcionam como receptores de íons hidrogênio, cancelando o que seria sua destruição. A entrada de uréia na bactéria é controlada por uma proteína presente na membrana externa chamada urel. Ela é acida-dependente, com maior entrada de ureia no organismo na medida em que o PH se reduz.

A anamnese indica grande relação familiar, pois 30 a 40% dos pacientes tem história positiva.   As manifestações predominantes são desconforto epigástrico, dor em queimação, dor aguda e contínua. Alguns casos o problema é descoberto por uma condição secundária como anemia ferropriva ou hemorragia significativa e perfuração gástrica. A dor predomina à noite, 1 a 3 horas após as refeições, melhorando com alimentos alcalinos. Podem ocorrer náuseas, vômitos, inchaço por flatulência, eructação e grande perda de peso. Quando a úlcera é penetrante a dor é referida nas costas, no quadrante superior esquerdo do abdome ou no tórax, o que pode levar a um diagnóstico errado de cardiopatia.  Ocorre também do paciente ser acordado por dor entre meia-noite e três da manhã, sintoma esse ocorrendo em dois terços dos pacientes, mas ocorrendo também na dispepsia funcional. As úlceras são de difícil resolução quando não tratadas (em média quinze anos), com tendência à cronicidade e recidiva. Os tratamentos disponibilizados hoje geralmente tem boa resposta e raramente há demanda por cirurgias de correção.

As complicações mais importantes são hemorragias, que ocorrem em 15 a 20% dos pacientes, sendo responsáveis por 25% dos óbitos secundários à ulceras. A perfuração ocorre em 5% dos pacientes não tratados e é motivo de peritonite. 30% dos pacientes não tratados também apresentam hemorragia digestiva alta. A obstrução por edema e cicatrização ocorre em 2% dos pacientes e evolui com vômitos intratáveis e cólicas incapacitantes. Dessas três, a hemorragia é o primeiro sinal do problema em 10% dos pacientes e em 30% o primeiro sintoma é a úlcera perfurada.

O diagnóstico é feito por endoscopia digestiva alta, que inclusive permite a realização de coleta de tecido para biopsia, o que identificará com certeza a presença de H. pylori se ali estiver. Pesquisa sorológica de anticorpos anti-HP também tem grande valor, já que a reação inflamatória irá estar ativa na presença do bacilo.


FIGURA 02: presença do H. pilory danificando a mucosa gástrico-intestinal.


TRATAMENTO DA ÚLCERA PEPTICA

Se a gênese do problema é a infecção por H. pylori inicialmente a intensão é restabelecer a mucosa gástrica. Pode-se então utilizar a associação de um inibidor da bomba de prótons, como o omeprazol 20 mg ou pantoprazol 40 mg VO + claritromicina 500 mg VO + amoxicilina 1.000 mg VO, tomados duas de 12/12 horas por sete a 14 dias (esquema preconizado, com resolução da infecção em 80% dos casos). Caso o paciente seja alérgico a amoxicilina deve-se substituir por tetraciclina 500 mg 6/6 h

Outro esquema é o omeprazol 20 mg ou pantoprazol 40 mg 1 vez ao dia, azitromicina 500 mg à noite por três dias e furazolidona 200 mg 8/8 horas, esquema esse utilizado por sete dias.

A claritromicina e a azitromicina pertencem à classe dos macrolídios, inibidores da produção de proteínas pelas bactérias. A claritromicina é semelhante á eritromicina, porém e mais eficaz contra a maioria dos staphiloccoccus e streptococcus.

Caso haja falha do esquema terapêutico- ocorrida em 2 a 3 % dos casos – pode ser utilizado o omeprazol 20 mg 12/12 horas, subsalicilato ou subcitrato de bismuto 120 mg quatro vezes ao dia, metronidazol 500 mg 12/12 horas e tatraciclina 500 6/6 horas.

As úlceras causadas pelo uso de AINES são mais simples e por isso causam menos sintomas. 30 a 40% dos pacientes com esse problema são assintomáticos. Nesse caso a redução do AINE e o emprego do inibidor de bomba de prótons, como o omeprazol 20 mg é eficaz, com o período de tratamento sendo reflexo da resposta do paciente.

Cerca de um a cada mil casos de úlcera péptica é causada pela síndrome de Zollinger-Ellison. É um tumor gástrico que cursa com hipersecreção gástrica estomacal e neoplasia pancreática da linhagem não-beta. Se o paciente é acometido por úlcera única ou múltipla, geralmente nas porções proximais do duodeno, úlceras essas de difícil controle clínico, H. pylori negativas e até recorrentes pós-operatórias, úlceras associadas a diarreia ou cálculo renal e história familiar de tumor de hipófise e paratireoide, o diagnóstico estará bem sugestivo, fechando-o com a pesquisa de gastrina sérica, estando muito mais alto que o normal de 150 para 1.000 pg/ml. Se os níveis chegam a 1.500 pg/ml já se suspeita de metástase.

Enfim aqui o omeprazol também é utilizado, porém na dose de 60 mg ao dia para o resto da vida após o tratamento definitivo, que é a cirurgia. Caso contrário, há grandes chances de recidiva da úlcera.
É importante ainda a hierarquia dos problemas quando se trata de uma úlcera péptica causada por H. pylori. Levando em conta que muitas pessoas possuem o bacilo e não apresentam sintomas é importante que se priorize o tratamento da úlcera com inibidores da bomba de prótons antes mesmo de ter o diagnóstico definitivo da contaminação. Por isso, pode-se instituir o tratamento com omeprazol 20 mg ou patoprazol 40 mg 12/12 horas por duas a seis semanas a depender da resposta do paciente e só então entra-se com o tratamento contra a bactéria, mantendo o inibidor como preconizado nos esquemas acimas especificados.


CÂNCER GÁSTRICO

Assim como na úlcera péptica, o Helicobacter pylori tem grande relação com o câncer gástrico, pois na presença desse bacilo ocorrem processos oxidativos indutores de condições pré-neoplásicas. Tais processos, a depender da cronicidade, podem induzir a mucosa gástrica a evoluir com gastrite atrófica, metaplasia, displasia e neoplasia. Se a infecção pelo H. pylori ocorrer em todo o corpo gástrico desencadeia a atrofia e redução do ácido clorídrico, eventos esses precursores do câncer. Mas esse processo não e fácil, pois menos de 1% dos pacientes com H. pylori desenvolvem o câncer gástrico, relevando o peso dos diversos graus de atividade inflamatória e danos no DNA que descontrolam a proliferação de células.

A saciedade precoce e os vômitos ocorrem por conta da obstrução dos casos de localização antral e por vagarosidade do trânsito gástrico. Os pacientes que referem dor epigástrica não melhoram com alimentação, nem com o uso de antiácidos. Na realidade a ingesta de alimentos induz o atrito destes com as células do tumor e ocasiona sangramentos e dor. Lembrando-se da relação inferior do estômago com as diversas estruturas, incluindo o pâncreas, entende-se a dor lombar como um sinal de metástases nesse órgão. Se a dor é no quadrante direito as metástases alcançaram o fígado, sendo seguido de icterícia e febre. Já a disfagia é sinal de localização do carcinoma na junção esofagogástrica ou mesmo no fundo. Como pode haver sangramento nas lesões, anemias podem ocorrer e por conta disso o paciente refere mal-estar, cansaço e fraqueza.

No início da doença o exame clínico pode nada apontar, mas no fim o paciente apresenta-se caquético e em 50% dos casos é encontrada massa palpável na região epigástrica. A depender de onde ocorram metástases pode ocorrer esplenomegalia ou hepatomegalia. Como o epitélio do estômago vai estar comprometido, e sendo este local de produção de vitamina B12, o paciente pode evoluir para anemia perniciosa e megaloblástica. Tem-se aqui então uma diferença entre a úlcera péptica e o câncer gástrico, pois ao hemograma a anemia ferropriva vai induzir à microcitose enquanto que a megaloblástica evolui com macrocitose.
Dentre os exames utilizados na detecção do câncer gástrico estão: 1- endoscopia digestiva, com sensibilidade de 60 a 84%; 2- teste do pepsinogênio sérico, com sensibilidade de 40 a 80%; 3- estudo radiográfico com contraste, este sendo considerado o padrão ouro, detendo uma sensibilidade de 60 a 80% e especificidade de 80 a 90%. 


REFERÊNCIAS

LADEIRA, Marcelo Sady Plácido; SAVADORI, Daisy Maria Fávero; RODRIGUES, Maria Aparecida Marchesan. Biopatologia do Helicobacter pylori. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. V. 39. N. 4. P. 335-342. Rio de Janeiro, 2003.

Federação Brasileira de Gastroenterologia. Úlcera péptica. Projeto Diretrizes. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/106.pdf. Acessado em: 05 de outubro de 2013.

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

KODAIRA, Márcia S.; ESCOBAR, Ana Maria Ulhôa; GRISI, Sandra. Aspectos epidemiológicos do Helicobacter pylori na infância e adolescência. Revista de Saúde Pública. v. 36. n. 3. p. 356-369, 2002.
COIMBRA, Felipe José Fernádez. Diagnóstico precoce em câncer gástrico – importância, desafios no Brasil e a experiência oriental. Revista Onco&. P. 26-29. Mai/jun, 2012.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CÂNCER GÁSTRICO E A IDENTIFICAÇÃO PELA CLÍNICA

UM POUCO SOBRE ANATOMIA DO ESTÔMAGO



O estômago é um órgão virtualmente em forma da letra “J”, com potencial de armazenamento de 2 a 3 litros de alimento, com função primordial de digestão. É dividida em quatro porções: cárdica, pilórica, fundo e corpo. A cárdia é um tecido muscular que envolve a entrada do estômago, o óstio cárdico. O piloro, da mesma forma é um tecido muscular – maior – que envolve a passagem do estômago pra o duodeno, o óstio pilórico. Possui uma porção mais dilatada – o antro pilórico – e uma porção mais estreita – o canal pilórico. O piloro está normalmente contraído, sendo relaxado somente nos momentos em que o peristaltismo chega até ele a fim de passar o alimento – nesse caso o quimo – adiante. O fundo é a porção superior do estômago, chegando geralmente até o 5° espaço intercostal. O corpo situa-se entre o fundo e o piloro.

O interior do estômago se transforma quando contraído, passando de ligeiramente lisa para repleto de rugas ou pregas. Externamente é coberto pelo peritônio, a não ser onde os vasos sanguíneos seguem as curvaturas maior e menor. Mais inferior e externamente há o omento menor e omento maior na altura da curvatura maior. Anteriormente ainda é encontrado o lobo esquerdo do fígado, a parede abdominal e o diafragma. Já posteriormente há a bolsa omental e o pâncreas. Na porção inferior estômago se relaciona com várias estruturas: diafragma, baço, colo transverso, rim esquerdo, pâncreas e artéria esplênica.

A vasculatura possui diversas origens. A artéria gástrica esquerda surge do tronco celíaco e corre o omento menor; a gástrica direita surge da hepática e corre sobre a curvatura menor; a gastromental direita é o ramo terminal da gastroduodenal e se direciona para a esquerda e percorre a curvatura menor; a gastromental esquerda surge da esplênica na curvatura maior; e no fim da artéria esplênica surgem quatro ou cinco artérias gástricas curtas.

As veias gástricas seguem as artérias de mesmo nome. As gástricas esquerda e direita drenam para a veia porta do fígado, as gástricas curtas e a gastromental esquerda drenam para a esplênica, que se une à mesentérica superior para formar a veia porta. Os vasos linfáticos acompanham as artérias e se dirigem para os linfonodos gástricos e gastromentais. Dois terços superiores do estômago são drenados para os linfonodos gástricos. A linfa drenada do fundo e da parte superior do corpo vai para os gânglios pancreáticos e esplênicos. Uma porção do terço inferior é drenado para os linfonodos pilóricos e a outra, o lado esquerdo, para os pancreaticoduodenais.

A inervação advém do décimo par de nervos, o vago. O tronco vagal anterior surge do nervo vago esquerdo, corre a curvatura menor e após se ramifica. O tronco vagal posterior surge do nervo vago direito e se distribui para as partes anterior e posterior do estômago. O suprimento simpático surge das vértebras T6 a T9 e se distribuem em torno das artérias gástricas e gastromentais.

Como o estômago muda de posição é necessário ter em mente os pontos de referência, que segundo Moore são: o óstio cárdico, que fica à altura da sétima cartilagem costal, o fundo se encontra ligeiramente superior à 5ª costela, a curvatura maior estende o estômago até a décima cartilagem, e na posição ereta o piloro situa-se à altura das vértebras L2 a L4.


INCIDÊNCIA DO CÂNCER DE ESTÔMAGO

O ocidente tem 10 casos por 100.000 habitantes, diferente do Japão que possui os maiores índices, chegando a 780 acometimentos por 100.000 habitantes. 70% dos casos ocorrem em pessoas maiores de 50 anos e é mais comum em negros. A presença de anemia perniciosa está associada a 10% dos casos, o que aumenta o risco em 20 vezes em relação à população normal. No Brasil é o quarto câncer maligno mais frequente entre os homens.

Alimentos defumados estão ligados à maior incidência por conter hidrocarbonetos policíclicos e dimetilnitrosaminas. Dieta pobre em proteína animal e vitaminas, e rica em amido é também considerada como fator carcinogênico. Trabalho com metais pesados e borracha, ter realizado cirurgia gástrica e presença de pólipos gástricos maiores que 2 cm, todos têm associação positiva.


A DOENÇA BENIGNA

Primeiramente é necessário saber que é mais comum o carcinoma no intestino do que de estômago. Qualquer lesão nodular que culmine em elevação além da altura do epitélio do tecido no trato gastrointestinal é chamado de pólipo, havendo a classificação em neoplásico e não-neoplásico, apesar de visualmente semelhantes à endoscopia. O não-neoplásico correspondem a 90% dos pólipos. Já o carcinoma de mucosa é mais comum que o estromal, e os adenomas, que possuem potencial de se tornarem malignos, chegam de 5 a 10% do total dos pólipos e geralmente se instalam no antro – 50 a 60%. Ao contrário dos pólipos não-neoplásicos em geral, que podem ser múltiplos e chegarem ao número de 20 unidades, o adenoma é uma lesão única.

Um tipo de lesão sem consenso sobre sua característica neoplásica ou inflamatória é o pólipo inflamatório fibrinóide, de instalação submucosa com tecido fibromuscular inflamado com infiltrado de eosinófilos e a mucosa esticada adjacente. Esse pólipo cresce na direção da superfície, podendo obstruir o canal pilórico impedindo o transito estômago/intestino.

Voltando aos adenomas e lembrando que um processo inflamatório crônico pode acarretar em surgimento de carcinoma, pode-se valer da informação de que as células do pólipo estão em constante agressão e regeneração, metaplasia e hiperplasia, para compreender como em 20% dos pacientes operados por tumores malignos haviam sido também acometidos por pólipos adenomatosos.



A DOENÇA MALIGNA

A maioria dos casos – 90 a 95% – trata-se de carcinoma, tumor de células epiteliais, seguidos do linfoma – 3%. Os principais fatores de risco para essa patologia são: ingesta de alimentos em conserva, alimentos defumados por conta do alto teor de hidrocarbonetos, alimentação pobre em frutas e verduras, gastrite crônica causando metaplasia precursora da lesão, gastrectomia parcial ao favorecer o refluxo de conteúdo intestinal e bilioso, esôfago de Barret na junção esôfago gástrica, além dos fatores genéticos.

A infecção pelo Helicobacter pilory aumenta as chances de acometimento em até seis vezes devido ao fato da indução à gastrite crônica, atrofia, metaplasia intestinal, displasia e carcinoma. A inflamação e a infecção pelo H. pilory se retroalimentam, pois nos locais lesionados há menor secreção de cloro, o que favorece a instalação de novos parasitas e novas lesões. Mesmo assim, como a grande maioria de infecções por H. pilory, o que é comum, não evolui com carcinomas, talvez o surgimento da patologia ocorra por conta de oncogenes. Aqui também estão envolvidas mutações nos genes p53 e naqueles que controlam a produção da proteína de adesão celular, a e-caderina.

Antônio Carlos Lopes indica a cárdia como local de maior incidência desses cânceres, chegando de 30 a 40% do total, o corpo fica com 15 a 30%, e o canal pilórico e antro com 35%. Ocorre também um maior acometimento na curvatura menor no antro – 40%, enquanto que na curvatura maior no antro a incidência fica em 12%. No geral o carcinoma gástrico é classificado segundo sua profundidade de invasão, crescimento macroscópico e subtipo histológico. Desses três dados a profundidade é o achado cujo agravamento possui maiores consequências. Quando é confinado à mucosa e submucosa é chamado de carcinoma precoce, podendo chegar até 10 cm sem evoluir com invasão de parede muscular. Quando o carcinoma se estende para o tecido muscular é chamado de carcinoma avançado, sendo provavelmente o destino de todo carcinoma precoce não tratado.

Em relação ao crescimento o carcinoma pode ser classificado em: a) exofítico, quando há crescimento em direção à luz gástrica; b) aplanado ao deprimido, quando o crescimento se dá dentro do tecido; c) escavado, quando se forma uma cratera na parede do estômago. Quando o carcinoma é exofítico é facilmente identificável, ao contrário do aplanado e do escavado, este último podendo ser confundido com a úlcera péptica. Quando na fase avançada, a lesão escavada torna-se mais distinta, ganhando um leito necrótico e rugoso, além de bordas elevadas e irregulares. O tipo histológico pode ser intestinal, composta por glândulas intestinais contendo mucina, tendem a difundir pela mucosa e via hematogênica e alcançar outros órgãos, é mais frequente em idosos e mantém sua diferenciação; ou pode ter padrão difuso, que é mais comum em jovens, possui pequeno grau de diferenciação, ocorre sem história de gastrite, é composto de células mucosas gástricas que se espalham até a parede como células individuais de padrão infiltrativo. OBS: atentar para a diferença entre difusão – padrão horizontal – e infiltração – padrão vertical. É desse tipo que surgem as células em anel de sinete, quando a mucina produzida por essas células as expande e desloca o núcleo para a periferia. A produção de mucina, infelizmente, não pode ser utilizada como parâmetro, pois em qualquer tipo a produção pode ser variada, podendo estar ausente em regiões pouco diferenciadas.


CLÍNICA DA DOENÇA

O paciente passa grande tempo sem perceber a dimensão do problema até seu avanço para níveis alarmantes. Os sintomas nesse caso são perda de peso, saciedade precoce, anorexia, dor abdominal, vômitos, hábitos abdominais alterados, disfagia e anemia. O prognóstico depende em grande parte da extensão da invasão e dos linfonodos acometidos.

A saciedade precoce e os vômitos ocorrem por conta da obstrução dos casos de localização antral e por vagarosidade do trânsito gástrico. Os pacientes que referem dor epigástrica não melhoram com alimentação, nem com o uso de antiácidos. Na realidade a ingesta de alimentos induz o atrito destes com as células do tumor e ocasiona sangramentos e dor. Lembrando-se da relação inferior do estômago com as diversas estruturas, incluindo o pâncreas, entende-se a dor lombar como um sinal de metástases nesse órgão. Se a dor é no quadrante direito as metástases alcançaram o fígado, sendo seguido de icterícia e febre. Já a disfagia é sinal de localização do carcinoma na junção esofagogástrica ou mesmo no fundo. Como pode haver sangramento nas lesões, anemias podem ocorrer e por conta disso o paciente refere mal-estar, cansaço e fraqueza.

No início da doença o exame clínico pode nada apontar, mas no fim o paciente apresenta-se caquético e em 50% dos casos é encontrada massa palpável na região epigástrica. A depender de onde ocorram metástases pode ocorrer esplenomegalia ou hepatomegalia. Como o epitélio do estômago vai estar comprometido, e sendo este local de produção de vitamina B12, o paciente pode evoluir para anemia perniciosa e megaloblástica.

Como foi dito, todos os carcinomas tem potencial para invasão da parede muscular. Daí eles invadem os linfonodos e por fim chegam a outros órgãos que são: duodeno, pâncreas, ovários, fígado, retroperitôneo e pulmões. O linfonodo sentinela aqui, o supraclavicular (Virchow), é a primeira manifestação clínica. Quando o linfonodo periumbilical é identificado ele é chamado de nódulo da Irmã Mary Joseph. O prognóstico de cinco anos se dá em 90 a 95% para os pacientes que sofreram retiradas cirúrgicas de carcinomas precoces, e os pacientes em que este carcinoma é avançado esse prognóstico ocorre em menos de 15%.

Segundo o Cecil (tratado de clínica médica), a endoscopia digestiva alta, associada à biopsia e citologia, TC de abdome, sangue oculto nas fezes, a ultrassonografia e a biopsia de medula óssea são de grande valia no diagnóstico do câncer gástrico. Segundo Antônio Carlos Lopes, a TC tem acerto de 90% para metástases hepáticas, 70% para nódulos regionais e 50% para acometimentos peritoneais.

Para a detecção do câncer estômago é necessário pesar as chances de vieses, o que diminui a acurácia de exames para determinada doença. Sendo assim a radiografia contrastada tem nível de evidência 2 ++, ou seja, embasado em estudos de coorte com reduzidas chances de vieses. O mesmo não ocorre com endoscopia digestiva, teste do pepsinogênio e pesquisa de anticorpos anti-helicobacter pylori possuem nível de evidência 2 -, ou seja, com grande probabilidade da existência de vieses.


REFERÊNCIAS

ZILBERSTEIN et al. Consenso brasileiro sobre câncer gástrico: diretrizes para o câncer gástrico no Brasil. Arquivo Brasileiro de Cirurgia Digestiva. v. 26. n. 1. p. 2-6, 2013.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patlógicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

Brasil. Câncer de Estômago: sintomas. Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: http://www.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/estomago/sintomas. Acessado em 07 de outubro de 2013.


COIMBRA, Felipe José Fernádez. Diagnóstico precoce em câncer gástrico – importância, desafios no Brasil e a experiência oriental. Revista Onco&. P. 26-29. Mai/jun, 2012.  Disponível em: http://revistaonco.com.br/wp-content/uploads/2012/05/MATERIA-GASTRICO.pdf. Acessado em 07 de outubro de 2010.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

CEFALEIAS PRIMÁRIAS E O TRATAMENTO DA ENXAQUECA



CEFALEIAS PRIMÁRIAS

Cefaleia é uma sensação de opressão subjetiva manifestada como dor na extremidade cefálica, que acomete, ao longo da vida, 93% dos homens e 99% das mulheres, sendo que 40% das pessoas são acometidas com regularidade. 5 a 10% da população procura ajuda médica por conta de cefaleias. Em ambulatório é o terceiro motivo mais frequentes de consulta em ambulatório de clínica médica.

São classificadas como primárias, quando não são demonstráveis por exames clínicos e laboratoriais usuais; e secundárias, quando são provocadas por doenças e com ligação demonstrável aos exames clínicos e laboratoriais. Segundo a instalação da dor elas podem ser explosivas, quando acometem o indivíduo subitamente, em fração de segundos; agudas, quando a instalação se dá dentro de minutos ou horas; subagudas, quando esse período se dá dentro de semanas ou meses; crônicas, que evoluem dentro de anos, podendo ainda ser progressivas e não progressivas. As não progressivas ainda tem a classificação de recorrente, que pode ocorrer na forma de qualquer tipo da cefaleia primária (migratória, tipo tensional e outras trigêmeo-autonômicas, em salvas e outras); e persistente, que ocorre geralmente 4 horas por dia.

A etiologia da cefaleia primária a relaciona a disfunções temporárias ou permanentes de sistemas não vitais. Alguns autores relacionam a etiologia da cefaleia primária com a fibromialgia, admitindo que é comum para as duas patologias um distúrbio negativo na secreção e serotonina, e positivo na  produção de óxido nítrico. Um fato que comprova epidemiologicamente essa premissa é o estudo de Okifuji et al., ao afirmar a prevalência da fibromialgia em pacientes acometidos por cefaleia primária é de 40%.

As cefaleias primárias são classificadas em migratória (também chamada de migrânea ou enxaqueca), cefaleia tipo tensional (CTT), em salvas e outras cefaleias. Vamos tratar aqui da enxaqueca, definida como desordem idiopática de localização no córtex ou tronco cerebral, caracterizada por crises recorrentes de dor de cabeça de intensidade variável. Na maioria das vezes é unilateral no início, por vezes acompanhada de modificações do humor e distúrbios sensoriais e motores, além de foto e fonofobia. 70% dos pacientes acometidos pela enxaqueca tem um familiar direto com o mesmo problema.

É dividida em cinco fases: sintomas premonitórios, aura, fase álgica, resolução da fase álgica e fase de recuperação. Os sintomas premonitórios indicam ao paciente a iminência da crise. Nessa fase ocorre irritação, raciocínio lento e dificuldade de memorização, desânimo, avidez por doces e sono agitado, inclusive com pesadelos. Esses sintomas ocorrem fidedignamente em 60% dos pacientes.

A primeira informação a se prender sobre a fisiopatologia da enxaqueca, é que o cérebro de pacientes portadores é hiperexcitado. Por isso qualquer situação do dia-a-dia pode desencadear uma crise de dor, nesse caso dita migranosa. Algumas possíveis explicações, certamente não isoladas, são o deficiência do íon magnésio, alta produção de neurotransmissores excitatórios – glutamato e aspartato, além de alterações nos canais de cálcio voltagem dependentes. A esses canais foram relacionadas alterações no braço curto do cromossomo 19, de pacientes que cursam com hemiplegia na fase da aura. Mas é importante saber que esses casos são raros.

Os sintomas premonitórios, no geral, seriam causados também por distúrbios no sistema límbico-hipotalâmico. Já a aura teria origem no córtex, ocorrida a partir de uma hipoperfusão e consequente depressão de atividade cortical iniciada no polo occipital, difundida em ondas para o restante do cérebro. Essa depressão culmina no aumento da secreção de noradrenalina, distúrbio nos canais de cálcio, deficiência de magnésio e aumento dos aminoácidos excitatórios. Caso a depressão dure pouco tempo, os sinais neurológicos desaparecerão em até uma hora. Caso a hipoperfusão se sustente, haverá acidente vascular isquêmico, evoluindo com sequelas definitivas.

A dor já seria resultado de alterações no sistema trigêmeo-vascular (sistema inervador de vasos cerebrais e dura-máter, e cujos corpos celulares estão localizados no gânglio trigêmeo). As alterações citadas resultam em inflamação de meninges. Isso ocorre da seguinte maneira: há ativação do gânglio trigeminal após os sintomas premonitórios e aura. O gânglio enviará sinais para os locais próximo aos vasos que suprem as meninges, comandando a liberação de substância proteolítica e peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP). Isso provoca vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular com consequente extravasamento de plasma e de outras substâncias contidas nos vasos, tais como a bradicinina, peptídeos vasoativos e óxido nítrico, que induzirão à inflamação. As aferências trigeminais que chegam nesse local serão então excitadas pela inflamação e levarão estímulos para o tálamo e córtex, onde haverá a interpretação de todo o processo como dor através dos distúrbios citados anteriormente, a saber, queda da serotonina, depressão do sistema opióide e noradrenérgico.


QUADRO CLÍNICO DA ENXAQUECA

A fase de enxaqueca com aura ocorre em 20% dos pacientes, se desenvolvendo num período de 5 a 20 minutos, e duração de aproximadamente uma hora. Essa fase pode ser de cinco tipos:

·                    Típica, apresenta-se como escotomas e escotomas cintilantes, muitas vezes associados a disfasia e parestesia unilateral. Algumas vezes ocorre hemiparesia ou hemiplegia de face e membros;

·                   Tipo basilar, ocorre escotomas nos dois olhos, disartria, vertigem, zumbido, hipoacusia, diplopia, ataxia, parestesia e diminuição do nível de consciência. Esse tipo segue eventos ocorridos no tronco cerebral;

·                    Aura sem infarto, aura com duração maior que uma hora e menor que sete dias, sem indicações nos exames de imagem;

·                    Aura típica sem cefaleia, geralmente em pacientes com mais de 50 anos;

·                    Aura retiniana, os sintomas visuais anteriormente referidos como os cintilos, diplopia, escotomas, etc., ocorrem unilateralmente.

A fase álgica é quando ocorre a cefaleia propriamente dita, sendo de forte intensidade, pulsátil, que piora com a execução das atividades diárias. Melhora quando o indivíduo fica em ambientes escuros e silenciosos. Em dois terços dos casos é unilateral, dura entre 4 e 72 horas e muda de um lado para outro na recorrência das crises, porém predominando na região frontotemporal e orbitária. Outros sintomas se associam, como náuseas e vômitos, além da fono e fotofobia.



SEMIOLOGIA

É necessário ter sempre em mente os sintomas clássicos: unilateralidade, dor pulsátil e associação com náuseas, vômito e foto/fonofobia. No entanto, como o corpo não é um livro, alguns quadros podem se apresentar de forma atípica, por exemplo, com a ausência da aura. A unilateralidade é frequente, tendendo à bilateralidade frontal com o evoluir da crise. A dor pulsátil realmente está na grande maioria dos casos, mas em alguns pode ser contínua ou se tornar assim no decorrer. Náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia podem estar ou não presentes.


TRATAMENTO

O tratamento tem os seguintes princípios segundo a Sociedade Brasileira de cefaleia:

·                    Cogitar o tratamento profilático;

·                    Avaliar o impacto do problema na vida na pessoa;

·                    Identificar morbidades associadas;

·                    Identificar fatores desencadeantes e agravantes;

·                    Avaliar o tipo de tratamento a ser seguido;

·                    Envolver o paciente no tratamento, incluindo a construção do diário de cefaleia;

·              Estabelecer critérios de tratamento e adaptação do mesmo a partir da resposta do paciente;

·                    Estabelecer expectativas realistas de tratamento.


TRATAMENTO NÃO-MEDICAMENTOSO

·                    Como a fisiopatologia, independente da origem da cefaleia, cita a vasodilatação, colocar gelo sobre a área dolorida pode aliviar os sintomas de alguns;

·                    Colocar os pés dentro de um balde com água morna aumenta a vasodilatação periférica e consequentemente diminui o fluxo sanguíneo cerebral o suficiente para diminuir os sintomas;

·                    Infusão concentrada de café, pois a cafeína inibe a degradação do AMP-c, que age no sistema de segundo mensageiros e induz a vasoconstricção intracraniana;

·                    Compressão da artéria temporal do lado doloroso;

·                    Provocar vômitos também melhora a crise devido a estimulação de serotonina pelas células cromafins – células secretoras de catecolaminas – do intestino.


MIGRÂNEA SEM AURA NA CRISE LEVE

A primeira conduta é separar o paciente de ambientes claros e não silenciosos. Pode-se utilizar bolsa de gelo e analgésicos comuns tais como dipirona ou paracetamol, ambos na dose de 1.000 mg, associados a outro anti-inflamatório não-esteroidal (AINE), como o diclofenaco sódico 50 a 100 mg. Se houver vômito pode-se utilizar a metoclopramida, que pode ser encontrada em frasco-ampola com 2 ml de 5 mg/ml, ou solução oral de 4 mg/ml. O paciente pode utilizar os medicamentos para dor para cessar a evolução dos sintomas, utilizando os antieméticos citados com 30 minutos de antecedência. Se o paciente já cursou com crise extra piramidal a metoclopramida não pode ser utilizada. Então usa-se a domperidona, disponível na forma de suspensão (1 mg/ml), podendo ser utilizada na dose de 10 mg e respeitando a dose máxima de 80 mg por dia.


NA MIGRÂNEA SEM AURA DE CRISE MODERADA

O mesilato de ergotamina pode ser utilizado nos primeiros momentos de dor. Geralmente vem associado a outros analgésicos. O cefalium, por exemplo, associa a ergotamina com o paracetamol na dose de 450 mg, a cafeína na dose de 75 mg e metoclopramida no dose de 10 mg. A posologia é de 1 a 2 comprimidos no início da enxaqueca, podendo fazer uso de outros comprimidos com intervalos de 30 minutos, no máximo oito por dia. O cefaliv tem, além da ergotamina, a dipirona (350mg) e cafeína (100 mg).  Se a crise de dor moderada já está intensa a ergotamina não será eficiente. Nesses casos podem ser utilizados os triptanos, que agem sobre os receptores serotoninérgicos aliviando a dor rapidamente. Um exemplo é o naratriptano, que pode ser utilizado como comprimidos de 2,5 mg, ou o rizatriptano na dose de 10 mg.

Nessa crise também se pode utilizar a dipirona IV 1.000 mg, ou seja, um frasco-ampola diluído em soro fisiológico ou glicosado, mantendo o paciente deitado.


MIGRÂNEA SEM AURA NA CRISE FORTE

Aqui também é utilizado os triptanos, clorpromazina ou indometacina. A clorpromazina está nas unidades públicas de saúde sob o nome de amplictil em ampolas de 5 ml com 25 mg do medicamento. Sua ação se concentra em bloquear os receptores dopaminérgicos na área mesofrontal e sistema límbido, sendo indicada primordialmente no tratamento antipsicótico, embora que para esse fim seja de baixa potência. Como também é bloqueador de receptores adrenérgicos e histaminérgicos induzem o paciente a cursar com hipotensão ortostática e sedação. É recomendado a associação com dexametasona para inibir a reação inflamatória, ou até mesmo um AINE.


MIGRÂNEA COM AURA

Aqui podem ser utilizados qualquer medicamento do tratamento da migrânea sem aura, com exceção dos triptanos e ergotamina. Ou seja, dipirona, paracetamol, diclofenaco, metoclopramida, inclusive ácido acetil salicílico 1.000 mg, lembrando do seu efeito antiagregante plaquetário.

 Se o paciente tem três crises ou mais no mês, é necessário o tratamento profilático, que é realizado com antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina ou nortriptilina 10 a 75 mg, uma vez ao dia. Pode também ser utilizado a fluoxetina 20 a 40 mg ao dia; com betabloqueadores, como o propranolol 40 a 120 mg VO ou metoprolol 100 a 200 mg; bloqueadores dos canais de cálcio, como a flunarizina 5 a 10 mg à noite; e por fim antiepiléticos como o valproato de sódio, (500 a 1.500 mg ao dia).




REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

STUGINSKI-BARBOSA, juliana; DACH, Fabíola; ESPECIALI, José Geraldo. Relação entre cefaleia primária e fibromialgia: revisão de literatura. Revista Brasileira de Reumatologia. v. 47. n. 2. p. 114-120. Mar/abr, 2007.

MONTEIRO, José M. Pereira. Cefaleias primárias: causas e consequências. Revista Portuguesa de Clinica Médica. v. 22. P. 455-459, 2006.

MALVEIRA, Carlo Luiz. Migrânea ou enxaqueca. Trabalho de conclusão de curso. Universidade Federal de Minas Gerais. Uberaba, 2011. Disponível em: http://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2561.pdf. Acessado em 12 de setembro de 2013.


Vicent, Maurice. Fisiologia da enxaqueca (ou migrânea). Medicina. Simpósio: cefaleia. Cap. II. v.30. p. 428-436. Ribeirão Preto. Out-dez, 1997. (DESTAQUE).