terça-feira, 24 de março de 2015

MIASTENIA GRAVIS: QUANTO MENOS MIELINA, PIOR

MIASTENIA GRAVIS

A incidência de miastenia gravis é de 1 a 2 por 10.000 habitantes no mundo, sendo a prevalência de 20 a 50 por 100.000 com mortalidade entre 3 e 8% ao ano. No Brasil sabe-se que a grande maioria é de mulheres (85%), estando de acordo com o que ocorre no mundo, que seriam nas mulheres e idosos.




FISIOPATOLOGIA

Doença muscular autoimune ocasionada pela perda de receptores de acetilcolina na junção neuromuscular, causando redução nos potenciais elétricos e lentidão na atividade muscular. Ocorre por três mecanismos adiante discutidos: internalização dos receptores por linfócitos ou demais células de defesa; degradação dos receptores após ligação com proteínas do complemento; ligação dos receptores de acetilcolina aos anticorpos, nesse momento já impedidos de se ligarem à acetilcolina. As formas são: do recém-nascido, congênita, mediada por medicamentos e autoimune, a mais comum.

A forma autoimune envolve o papel de anticorpos e nesse caso o timo é largamente relacionado. A hipótese de que o timo produz anticorpos imunocompetentes contra os receptores de acetilcolina (AChRs) se baseia no fato de 75% dos pacientes apresentarem modificações importantes no timo, mais frequentemente hiperplasia e timona. Tudo ocorreria com a falha de uma possível supressão de linfócitos T helper mediada pelo timo, o qual começaria a produzir linfócitos B secretores de anticorpos contra os AChRs. Nesse caso um equilíbrio é quebrado: a produção desses linfócitos T regulatórios que suprimem a atividade de outros linfócitos T CD4+ e CD25+ com atividade antireceptor. A partir do momento em que haja uma disfunção na produção dos linfócitos regulatórios pelo timo a tolerância aos AChRs é quebrada e então o ataque se torna efetivo. Outro possível mecanismo seria a presença de infecções virais e bacterianas com indução a modificações nas proteínas da placa motora tornando-a sensibilizadora do sistema de complemento e dos linfócitos T já citados.

Vários são os resultados. Após a ligação com os anticorpos os receptores são endocitados e destruídos por enzimas lisossomais diminuído o número de receptores nas placas motoras. Quando trata-se do sistema de complemento, as proteínas se ligam à superfície das membranas e ativam a cascata de ataque atraindo células fagocitárias em geral que destroem porções da membrana da placa motora onde estariam os AChRs. Além disso, a própria ligação dos anticorpos à região MIR dos AChRs já ocupa os sítios onde a acetilcolina se acopla para disparar o potencial elétrico. Ou seja, a diminuição da atividade muscular já começa mesmo antes da destruição dos receptores.

Estudos também indicam um mecanismo indireto na gênese da MG, quando linfócitos T exercem uma função natural de degradação de AChRs através da enzima granzima, que degradaria os receptores e os subprodutos dessa ação desencadeariam a sensibilização dos linfócitos do timo.

Existem também os anticorpos. Daqueles 10% dos pacientes com MG generalizada e 50% com a forma extraocular que não apresentam anticorpos contra AChRs, quase metade apresenta anticorpos contra MUSK (proteína de membrana ligada ao AChR).  Existem ainda nos pacientes sem sensibilidade contra AChR a produção de anticorpos contra outras proteínas da placa motora, tais como a titina, actina, rapsina  e miosina.


CLASSIFICAÇÃO

QUANTO AOS AUTOANTÍGENOS

·                    Soropositiva: 90% dos casos. Do restante 40 a 50% daqueles com miastenia extraocular e 10% daqueles com miastenia generalizada possui anticorpos contra MUSK.
·                    Soronegativa: esses possuem menor resposta com o tratamento imunossupressor.
QUANTO A GRAVIDADESEGUNDO TURNER (2007)
·                    I: fraqueza muscular ocular com ptose e diplopia;
·                    IIa: soma-se comprometimento de músculos das extremidades e da orofaringe com modificação da voz;
·                    IIb: fraqueza moderada com comprometimento respiratório e orofaringe;
·                    III: sinais generalizados agudos e fulminantes com envolvimento bulbar e crise miastênica;
·                    IV: condição severa, com sintomas generalizados, comprometimento respiratório e necessidade de intubação.
ETIOLOGIA
·                    Autoimune adquirido: a mais comum no adulto;
·                    Induzida por drogas: fenitoína, amnoglicosideos, anestesia local. É classificada como autoimune;
·                    Neonatal: ocorre por transmissão passiva de anticorpos da mãe pela placenta. Surge sintomas ao nascer ou até 72 horas e tem remissão até seis semanas, mais comum até três;
·                    Congênita: mutação nas proteínas da placa motora.

SINTOMAS

A crise miastenica é uma piora da função respiratória tão grande que impede a respiração. Ocorre mais nas 3ª e 4ª décadas de vida e nos primeiros anos de aparecimento da doença, sendo precipitado por infecções respiratórias ou medicamentos.

Fraqueza e fadiga depois de qualquer atividade sustentada como dirigir por longo período ou corrigir provas, exercícios, estresse e temperaturas elevadas, melhorando após repouso.  O acometimento dos músculos extra-oculares ocorrem em 90% dos casos após um período longo de leitura ou dirigindo. Os primeiros músculos a serem atingidos são os levantadores da pálpebra superior, facial, extensores do pescoço e dos membros superiores.

O acometimento extra-ocular ocorre em 50% dos pacientes e causa a diplopia e a ptose palpebral de ocorrência assimétrica e flutuante, que melhora após a aplicação de gelo na pálpebra e após o sono. Face pouco expressiva, modificação na voz por conta da perda do tônus dos músculos do palato, da mastigação e da laringe, causando abertura aumentada das cordas vocais e estridor laríngeo. O acometimento dos músculos da mastigação causa disfagia e por vezes é tão severa a ponto de haver impossibilidade de manter a boca fechada. A fraqueza da musculatura do palato pode ocasionar regurgitação alimentar. Ainda pode ocorrer o lid twich, quando solicita-se ao paciente para olhar de baixo para cima, quando então a pálpebra faz um movimento exagerado, logo depois caindo um pouco.

Apesar de não ser incomum os pacientes apresentarem depressão, não há relação direta com a patologia, pois apenas a junção neuromuscular é acometida. Já o emagrecimento ocorre pela dificuldade de mastigar, que compromete alimentação.



DIAGNÓSTICO

Anamnese e exame físico são de extrema importância, mas são confundidores pela raridade da ocorrência e pela exuberância de diagnósticos diferenciais. O quadro pode remeter o raciocínio para AVC, hipotireoidismo, compressão de nervos por massas intracranianas, miopatias mitocondriais, histeria, botulismo e síndrome de Eaton Lambert. Tanto essa como a miastenia produzem uma clínica semelhante, porém na  Eaton-Lambert as alterações ocorrem no neurônio pré-sináptico, com inibição da liberação das vesículas de acetilcolina por bloqueio de canais cálcio dependentes. No exame físico o teste de Mingazzini avalia os membros inferiores ao solicitar ao paciente que se mantenha a postura por dois minutos, além da análise dos músculos da respiração. Ao exame físico a contagem do paciente de um a 50 demonstra uma mudança progressiva de diminuição de volume, seguida de voz anasalada ou até mesmo ter e segurar a mandíbula para falar. Fadiga sem fraqueza não combina com MG, enquanto que sintomas que pioram no decorrer do dia são bem consistentes com a patologia.

O teste complementar mais importante é a pesquisa de anticorpos anti-AChR. No teste anticolinesterase o paciente é medicado com inibidores da acetilcolinesterase apresentando melhora pela maior permanência da ACh na placa motora. O mais utilizado é o cloridrato de edrofônio, que tem início de efeito em 30 segundos e duração de cinco minutos. Se constatada melhora é feita uma injeção de atropina para não sensibilizar os agentes anticolinesterásicos latentes. Dois minutos após a injeção da atropina a fraqueza retorna e então é dada nova dose de cloridrato de edrofônio. Se o paciente referir melhora da fraqueza o teste é positivo, podendo ainda ser realizada uma terceira dose caso a melhora não ocorra após a segunda.

Como 70% dos pacientes apresentam hiperplasia do timo e 20% apresentam timona a TC de tórax com contraste é indispensável, devendo ser precedido da radiografia de tórax. Outro exame é a eletromiografia repetida e em um ou dois conjuntos musculares. Na MG a amplitude dos potenciais de ação vai diminuindo gradativamente, já iniciando a partir do décimo estímulo. Por fim e menos específico pode-se dosar os níveis de haptoglobina, uma alfa-2-glicoproteína que se liga à hemoglobina livre no sangue, sendo também marcador de processos inflamatórios, infecciosos e hemolíticos. Estudos identificaram que este composto está aumentado no sangue de pacientes com MG. 


TRATAMENTO

A timectomia é considerada tratamento de primeira linha nos casos de MG generalizada (mesmo sem alterações no timo) e timona com potencial invasor. Os pacientes devem estar entre 10 e 50 anos com início recente da doença. A resposta é gradual e chega ao máximo de 2 a 5 anos. Os pacientes anti-MUSK positivos e AChR negativos também apresentam boa resposta à retirada do timo.

A pasmaferese é uma técnica utilizada para separar do plasma elementos com potencial patológico, nesse caso aqui, anticorpos anti-AChR. Tem sido utilizada há mais de trinta anos nos pacientes com MG. É indicada para o controle rápido dos sintomas, geralmente após dois dias e mantendo efeito satisfatório entre 4 e 10 semanas. A indicação principal é para a crise. Uso de imunoglobulina possui a mesma indicação e por isso é uma alternativa, tendo efeito de retirada do sangue de imunoglobulinas anti AChR e de linfócitos T sensibilizados. O efeito é o mesmo da plasmaferese, contudo é mais lenta, ocorrendo em torno de 4 a 5 dias e durando várias semanas.

O tratamento farmacológico ocorre com inibidores da acetilcolinesterase juntamente com imunossupressores, embora 10% dos pacientes apresentam piora da MG ao uso de glicocorticoides.


REFERÊNCIAS

BRANCO, Alessandra Camillo Da Silveira Castello. Atualizações e Perspectivas na Miastenia gravis. Revista Brasileira de Ciências da Saúde. v. 15. n. 4. p. 493-506, 2011. (DESTAQUE)

Clínica médica: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. v. 6. Barueri, SP: Manole, 2009.


COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

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