sexta-feira, 6 de março de 2015

PNEUMONIA COMUNITÁRIA E HOSPITALAR


PNEUMONIA

A definição não é complexa, sendo uma inflamação do parênquima pulmonar, geralmente ocorrendo após um desequilíbrio imunológico. Condições predisponentes são uso de imunossupressores, perda do reflexo da tosse após um avc, perda da função ciliar por defeito genético ou por ingestão de substâncias cáusticas, congestão pulmonar ou introdução de bactérias resistentes durante procedimentos hospitalares. É possível relacionar esses eventos com a proteção das vias aéreas superiores que ocorre através do movimento ciliar e de uma camada de gel produzida na intenção de aderir partículas externas posteriormente expelidas através do movimento ciliar e do reflexo da tosse. Caso essa defesa esteja prejudicada os patógenos alcançam os alvéolos, que prontamente aumentam a produção de surfactante por conta de sua ação bactericida. O exsudado inflamatório a priori defende o organismo, contudo por ser intenso dificulta gradativamente a hematose.

Se a pneumonia atinge todo o lobo ela é dita lobar. Já quando a origem da inflamação possui vários focos é dita broncopneumonia. Na lobar ocorrem quatro estágios: a congestão, quando o pulmão fica pesado pelo líquido inflamatório alveolar, num momento de maior colonização e menos neutrófilos; segue a hepatização vermelha, um exsudato repleto de hemácias preenchendo os espaços alveolares numa congestão repleta de neutrófilos e fibrina; a hepatização cinzenta se caracteriza por desintegração dessas hemácias; na resolução há absorção do exsudato por digestão enzimática produzindo grânulos que podem ser expelidos na tosse, degradados por macrófagos ou organizados numa rede de fibroblastos.  

A pneumonia adquirida no dia a dia é denominada comunitária, possuindo três grandes padrões: alveolar, broncopneumonia e intersticial. Geralmente tem origem bacteriana e dentre os agentes comunitários o mais comum é o Streptococcus pnaumoniae ou pneumococo, que inclusive faz parte da flora normal de 20% dos indivíduos. O streptococcus infecta as áreas periféricas do pulmão e induz uma resposta inflamatória centrífuga a partir dos alvéolos. Este é o primeiro dos grandes grupos de pneumonia, o alveolar, termo em substituição para lobar.

O segundo agente mais comum é o staphilococcus aureus, que contamina os condutos aéreos, sendo por isso chamada de broncopneumonia ou pneumonia lobular. O terceiro padrão pertence aos vírus, que costumam infectar o interstício, criando a pneumonite intersticial.

O Haemophilus influenzae é relacionado com casos graves. É uma bactéria gran-negativa, naturalmente colonizadora da faringe que existe sobre duas formas: não encapsuladas (95%) e encapsuladas. Apesar da diferença das populações as encapsuladas produzem um produto tóxico para as outras, o haemocin. As formas graves da pneumonia, que inclusive podem causar meningite envolvem as encapsuladas, em especial um dentre os seis sorotipos, o tipo B, alvo das campanhas de vacinação.  O H. influenzae secreta produtos que desorganizam o movimento ciliar e também degradam as IgAs presentes na mucosa aérea. Ademais a cápsula confere resistência à bactéria por sua proteção contra a opsonização facilitando a disseminação sanguínea. Com tal resistência a bactéria consegue produzir a laringotraqueíte a partir do entupimento dos brônquios com exsudato repleto de fibrina e uma consolidação geralmente esparsa, apesar de também poder acometer todo o lobo. Tudo começa na faringe de onde pode haver ascensão da infecção causando otite média e conjuntivite purulenta nas crianças. Já nos idosos pode causar endocardite, pielonefrite e artrite supurativa.

A Mycoplasma pneumoniae é a terceira causa mais comum. Robins cita a Moraxela catarralis como um agente cada vez mais comum na população idosa. Staphilococcus está associada a complicações como o abcesso pulmonar e o empiema. Com o advento da vacinação a pneumonia causada por Haemophilus vem decaindo, ao contrário da Klebsiella peneumoniae. Ela produz um quadro característico por conta de um produto espesso e gelatinoso, por ela produzido, muito difícil de ser expelido pelo paciente. Geralmente ocorre em pacientes mal nutridos e alcoólatras crônicos. Já a Legionella pneumophyla é um organismo de ambientes aquáticos artificiais, tais como tubulações de fontes de água potável. Ela geralmente acomete imunossuprimidos e produz quadros graves, mas felizmente é facilmente identificável por anticorpos específicos na urina.


SINTOMAS

Certo! Por isso aí podemos entender os sintomas que são febre – de início abrupto, tosse purulenta ou sanguinolenta, dispneia e calafrios. O escarro expelido é espesso amarelado, ferruginoso ou esverdeado. A percussão identifica áreas de macicez ou submacicez próximo às consolidações. Na ausculta ocorrem estertores creptantes e diminuição do murmúrio vesicular. Ocorre também sopro brônquico, broncofonia aumentada e pterilóquia fônica ou afônica.  Quando a pleura é acometida ocorre a dor pleurítica com ausculta característica. Na fase de resolução ocorre grande aumento dos estertores, porém logo voltando ao normal. A febre pode atingir mais de 40° e na maioria dos casos a história clínica identifica um resfriado pregresso. Nos lactentes os sintomas são dispneia, cianose e febre alta.

As bactérias possuem predominância em alguns grupos de pacientes: o pneumococo atinge mais os adultos e idosos, staphilococcus aureos é mais comum em pessoas em uso de insulina subcutânea, usuários de drogas injetáveis e abcessos em pele, com as bactérias alcançando o pulmão por via hematogênica. Klebsiella acomete mais adultos alcoólatras e com DPOC. Mycoplasma sp ocorre mais em pacientes acima de 50 anos e com doenças associadas.

Existem manifestações incomuns da pneumonia que caracterizam a pneumonia atípica. O termo vai indicar inflamações bem confinadas, ausência de exsudato e consolidação, moderada quantidade de escarro e neutrófilos. Os agentes envolvidos são a Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophilia pneumoniae e Legionella pneumophila, além de alguns vírus tais como o influenza tipo A e B, rinovírus, vírus sincicial respiratório, adenovírus, vírus da rubéola e da varicela. A infecção por esses agentes pode causar um resfriado comum que pode agravar para o estado de pneumonia. Em todos os casos há adesão à mucosa aérea que culmina em necrose local abrindo passagem para infecções por outras bactérias que causam a pneumonia comum, que é onde mora todo o problema.

Os sintomas são incomuns, muitas vezes nem ocorrendo tosse. O quadro simula um resfriado qualquer, com febre, dores de cabeça, musculares e nas pernas. O edema e exsudato ocorrem de maneira pontual, exatamente onde ocorre a hematose, com desproporção entre o estado do pulmão e a dificuldade de respirar. Tais sintomas são tão inespecíficos que o termo pneumonia atípica está ficando em desuso, já que dificilmente se suspeita de pneumonia apenas pela clínica. De qualquer forma 25% dos casos de pneumonia por pneumococo tem concomitância com infecção por algumas dessas bactérias, justificando a conduta de muitos protocolos de sempre incluir no tratamento da pneumonia típica antibióticos de cobertura também para as atípicas. A infecção pelo Staphilococcus é a mais encontrada na pneumonia secundária.


PNEUMONIAS HOSPITALARES

A diferença aqui é a forma de contaminação e o nível de resistência dos patógenos. É definida como uma infecção respiratória ocorrida após 48 a 72 horas de internação hospitalar. Se ocorrer até o quarto dia de internação é dita recente e após esse dia é tardia. Os fatores de risco são coma, desnutrição, acidose metabólica, doenças do sistema nervoso, alcoolismo, diabetes, idade avançada, insuficiência respiratória e uremia.

O maior mecanismo de contaminação é na intubação orotraqueal, que dificulta a expectoração do gel contaminado no epitélio brônquico e também pelo represamento das secreções acima do balonete inflado com posterior aspiração. Também pode ocorrer por aspirações durante o sono, que ocorre em pequena quantidade, mas a aspiração se dá com produtos colonizados pela flora hospitalar resistente. A introdução de sondas nasogástricas fragiliza o esfíncter esofágico inferior e facilita aspirações, além de que esse tipo de alimentação eleva o conteúdo gástrico. Nas aspirações por conteúdo gástrico as bactérias geralmente são gran-negativas e da porção superior do esôfago são gran-positivas.

Os agentes mais comuns são pseudomonas e acinetobacter (gran -), envolvidos em até 85% dos casos. A pneumonia recente geralmente é causada por bactérias da comunidade (streptococcus pneumoniae, hemophilus influenza e staphilococcus aureos oxacilino sensível) e após esse período costuma ocorrer com bactérias da própria flora hospitalar (pseudomonas, enterobacter, acinetobacter e staphilococcus aureus oxacilino resistente). Os procedimentos com suas bactérias relacionadas são:

·                    Aspiração ou cirurgia abdominal recente – anaeróbios;
·                    Coma, trauma, usuários de drogas, diabéticos e episódio gripal antecedente – staphilococcus aureus;
·                    Corticoide em alta dose – Legionella;
·                    Ventilação mecânica, internação prolongada em uti, desnutrição e uso de corticoides – pseudomonas aeruginosa;
·                    Antibioticoterapia prolongada e ventilação mecânica – staphilococcus aureus oxacilino resistente.



DIAGNÓSTICO

COMUNITÁRIA

O recomendado a título de diagnóstico inicial é radiografia de tórax e broncoscopia. Cultura de escarro não deve ser feita após iniciar antibioticoterapia e é pouco sensível nos casos de pneumococo. Antígenos urinários podem ser solicitados para diagnosticar infecção por Legionella. A broncoscopia então é o exame de maior sensibilidade e especificidade. Feito isso existem cinco pontos que norteiam a identificação da gravidade: confusão mental, ureia elevada, taquipneia, hipertensão e idade acima de 65 anos, além do escore PORT, o principal norteador de seguimento.

HOSPITALAR

Por conta da presença de outras patologias os exames diagnósticos para pneumonia hospitalar deve ser bem correlacionado com a condição clínica. O primeiro passo pode ser a radiografia de tórax, que poderá demonstrar infiltrado intersticial e o broncograma aéreo, que é preditivo de pneumonia em 64% dos casos. O CDC estabelece o diagnóstico a partir da ausculta de estertores, macicez à percussão e infiltrado pulmonar surgido durante internamento. Esses dados devem se combinar com um dos seguintes critérios: escarro purulento; agente infeccioso isolado no sangue, biopsia pulmonar, aspirado traqueal ou escovado brônquico; isolamento do vírus nas secreções brônquicas; e anticorpos de agente infecciosos.

Para o paciente não estiver entubado pode-se fazer a coleta de escarro, cultura qualitativa ou quantitativa do conteúdo brônquico, sendo a quantitativa mais adequada e sendo positiva quando ocorre 1.000.000 de unidades formadoras de colônias. O lavado broncoalveolar é aquele com melhor valor preditivo positivo. Podem ainda ser realizados cultura de escarro, aspirado endotraqueal, punção aspirativa transcutânea (métodos não broncoscópicos), lavado broncoalveolar protegido e convencional, além do escovado brônquico protegido.


TRATAMENTO

O primeiro passo é definir se o tratamento será domiciliar ou hospitalar. Deve-se utilizar o escore PORT. IV e V exigem internamento, III demanda breve estadia. Considere a internação se: 1- o paciente tiver comorbidades respiratórioas, desnutrição, alcoolismo, IC ou diabetes; 2- FR > 30 inc/min, FC > 125 bpm, T° < 35 ou > 40; 3- leucócitos < 4.000 ou > 30.000; 4- coagulopatia, acidose e radiografia apontamento comprometimento difuso; 5- Saturação < 60; 6- TA sist < 90 mmHg.

Para internamento em UTI podem ser usados os critérios, devendo haver um maior ou dois menores. Maiores: choque ou necessidade de ventilação mecânica; Menores: acometimento de dois ou mais lobos, TA sist. < 90 mmHg e a relação pressão de O2/Fração inspiratória de O2 < 250.

Caso a FR >30 inc/min, TA sistólica < 90 mmHg e diastólica < 60 mmHg, e confusão de início recente está indicado internamento em UTI. Com esses sinais o risco de morte aumenta 21 vezes.

Daí se o paciente for PORT I ou II a primeira escolha é amoxicilina (uma penicilina), já que o germe mais comum é o pneumococo. Aliado a isso, na intensão de cobrir germes atípicos pode-se utilizar um macrolídeo, como eritromicina 500 mg a cada 12 horas. Nos casos de PORT III, IV ou V pode-se utilizar ceftriaxone (cefalosporina de terceira geração) junto com um macrolídeo. Esquema específico para o POTR III é um macrolídeo ou quinolona respiratória (levofloacino), para os PORT IV e V é uma quinolona respiratória, atentando para a necessidade de internamento em UTI para o PORT V . Caso o paciente tenha feito uso de antibiótico de amplo espectro por mais de sete dias nos últimos trinta dias deve-se considerar infecção por pseudomonas e utilizar cefepime (cef de 4° ger), com opção de imipenem ou meropenem (carbapenens) em monoterapia ou associado a ciprofloxacino. Em caso de cepas resistentes deve ser utilizada a polimixina (atentando para a efeitos indesejáveis da droga).

Na classificação PORT III considera-se uso de quinolona isolada, a levofloxacina. Em PORT V é consenso utilizar a cefalosporina associada a quinolona respiratória, a levofloxacina, lembrando que paciente em tratamento ambulatorial deve ser tratado por sete dias e internados por 14 dias. Nos casos de Legionella deve ser utilizada a quinolona respiratória por 21 dias.

Na pneumonia aspirativa ainda devem ser consideradas se os eventos são infecciosos ou meramente inflamatórias por aspiração química. Se for química deve-se prover sintomáticos e aguardar por 24 a 48 horas. Se persistirem os sintomas considera-se pneumonia aspirativa e entra-se em duas vertentes: se não houver fatores de risco trata-se com ceftriaxona 2 g ao dia; se houver fatores de risco acrescenta-se ceftriaxona ou metronidazol.

REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.


MARTINS, HERLAN SARAIVA ET AL. EMERGÊNCIAS CLÍNICAS DA USP. 8. ED. Barueri: Manole, 2013. p. 572-592.

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