sábado, 26 de abril de 2014

MANEJO HORMONAL DO SANGRAMENTO UTERINO DISFUNCIONAL



ALGUNS CONCEITOS

Sangramento uterino corresponde a 21% das queixas ginecológicas. 20% das pacientes são adolescentes e 50% estão dentro da faixa entre 40 e 50 anos. Mas antes de adentrar na área do sangramento disfuncional, é necessário compreender que o ciclo menstrua normal vai do primeiro dia de sangramento até um dia anterior à próxima menstruação, com intervalo de 25 a 35 dias e volume de 100 a 150 ml de sangue, ou o correspondente entre 8 e 12 absorventes por mês. Quando ocorre um aumento no número de dias de sangramento em relação à quantidade rotineira da mulher tem-se a hipermenorragia, sendo que o contrário, a diminuição, é denominada oligomenorreia. O primeiro termo costuma ocorrer em miomatoses e o segundo na menopausa. Caso o ciclo menstrual tenha uma duração inferior a 15 dias tem-se a polimenorreia, e quando esse sangramento não tem padrão o quadro é denominado de metrorragia, geralmente ocorrido nos cânceres uterinos. Já Espaniomenorreia se refere ao contrário, com o ciclo menstrual ocorrendo num período maior que 45 dias, mas se esse período for maior de 60 dias, passa a ser denominado de amenorreia. Dismenorreia é quando a menstruação ocorre junto com fortes sensações dolorosas, e menóstase se refere à supressão abruta da menstruação, geralmente ocorrendo por traumas psicológicos importantes.

Dito isso pode-se conceituar a hemorragia uterina como um sangramento excessivo relacionado ou não com menstruação, e caracterizada pela perda sanguínea pontual aumentada, assim como também a perda em pequenas quantidades por muitos dias.


FISOPATOLOGIA

O sangramento uterino disfuncional possui um complexo de fatores etiológicos. Dentre as causas hormonais podemos citar a ausência ou diminuição da progesterona, que é mais comum na puberdade e nos anos antecedentes à menopausa. Como o aumento da progesterona é necessário para manter o útero proliferativo, a condição de baixa da progesterona precipita a descamação precoce das células endometriais e com isso há encurtamento do ciclo menstrual. Como resultado a mulher irá apresentar o sangramento pré-menstrual, manifestado como sangue escurecido ou em borra de café. Alterações nos níveis de estrogênio também podem acarretar em endométrio proliferativo além do normal e com isso o sangramento também aumenta. Alterações nesses dois hormônios concomitantemente ocorre quando a mulher faz uso de anticontraceptivos orais combinados, resultando em sangramento em geral de pequena quantidade.

A hemorragia uterina também pode estar envolvida com distúrbios da coagulação e geralmente é o primeiro sinal. Ao contrário do sangramento por contraceptivos orais, aqui a perda de sangue pode ser de grande monta e causar morte da indivídua. Causas obstétricas também podem levar ao sangramento, sendo mais frequente o aborto, seguido de gestação ectópica.

O sangramento uterino disfuncional pode ser classificado em duas categorias gerais: ocorridos em mulheres com ovulação ativa e mulheres com ciclos anovulatórios. Os ciclos ovulatórios, como o próprio nome diz ocorre nesse momento, com o sangramento durante cerca de três dias. Pode ser percebido pela modificação da mucosa vaginal característica do período , assim como a secreção vaginal clara misturada com sangue. Possivelmente é secundário a formação de trombos devido a atividade estrogênica, ou ainda por rotura folicular.

A descamação irregular do endométrio se apresenta como sangramento abundante e regular. Caso a biopsia do endométrio seja realizada no quinto dia de sangramento, será evidenciado um endométrio com áreas de maturações diversas, evidenciando regressão retardada do corpo lúteo do ciclo anterior, ou seja, no ciclo atual há hormônios do ciclo anterior mantendo a maturação de locais do endométrio que deveriam ter sido descamados. A persistência do corpo lúteo também precipita uma condição denominada de sínbdrome de Halban, quando a mulher apresenta atraso menstrual seguido de perdas de pequeno volume, dor em baixo ventre e massa em trompa, o que induz aos desavisados á confusão com gravidez ectópica. A evolução  ocorre sem maiores problemas e por isso raramente a síndrome é percebida.

O sangramento anovulatório corresponde a 80% dos casos, ocorrendo em sua maioria nos extremos da vida reprodutiva. Ocorre geralmente por mecanismo inadequado de feddback que comanda a regularidade da menstruação. Como consequência a paciente vai apresentar dericiência de estrogênio e por isso o endométrio não prolifera como deveria porque descama antes do que deveria. Como consequência o endométrio cresce sem o suporte estrutural adequado, flutuando entre proliferação e descamação, tornando-se frágil e suscetível a soluções de continuidade e consequentemente ao sangramento. Outro problema é a queda na tortuosidade das artérias espiraladas, retardando a hemostasia. A consequência disso tudo são sangramentos completamente irregulares.


QUADRO CLÍNICO

Nesses casos a história é bem caracterizada. A paciente refere sangramento intenso com aspecto de sangue vivo ou em coágulos. Pode também referir sangramento menstrual com duração de sete a dez dias, em grande volume nos primeiros dias e com aspecto gradativamente mais marrom na medida em que o mesmo vai diminuindo. A sinusiorragia também pode ser relatada, sendo o sangramento após a relação sexual, com odor fétido e corrimento sanguinolento ou purulento.

Procede-se então com a anamnese e exame físico. É imprescindível questionar a paciene sobre o inicio do sangramento, intensidade, número de absorventes necessários, características do sangue e sobre antecedentes clínicos.

No exame físico observa-se sinais de anemia, aferição dos sinais vitais, presença de sangue na região genital, aspecto da vagina e do colo uterino e odor. O toque vaginal deve ser utilizado para avaliar a consistência do colo uteriono, assim como seu tamanho, presença de massas e a permeabilidade do orifício uterino. Com essa manobra também é possível analisar os ovários. Caso sejam identificadas massas que determinam a suspeição de câncer, deve-se realizar também o toque retal para avaliar infiltrações.


DIAGNÓSTICO

A primeira ação para definir o sangramento disfuncional é afastar o sangramento orgânico. Depois é necessário definir se a paciente está ou não ovulando através de anamnese e dados físicos, tais como o acompanhamento da temperatura basal, cristalização do muco cervical e dosagem de progesterona. A idade é muito importante, pois os sangramentos na puberdade tendem a ser disfuncionais. Obesidade, baixo peso e hirsutíssimo podem dar ideia de uma paciente com distúrbios endócrinos. Caso pacientes nessa idade apresentem sangramento abundante é necessário pesquisar distúrbios de coagulação.

OS EXAMES NECESSÁRIOS SÃO:

Hemograma completo, prova de coagulação (TP, TTPA, tempo de sangramento, dosagem de fibrinogênio e fator VIII), FSH, LH, estrogênios totais e progesterona, Beta-HCG.

Os exames de imagem são muito úteis. A USG pélvica ou transvaginal pode identificar o sangramento por causas não-funcionais, apontando a presença de tumores e gravidez. Se identificada alguma massa, solcita-se a histeroscopia e biopsia do endométrio pra avaliação do tecido e potencial confirmação de carcinoma.


TRATAMENTO

Antes de qualquer informação deve se ater que sangramento disfuncional é sempre corrigido com hormônios. Caso os hormônios não promovam melhora, o sangramento é dito orgânico, ocorrendo por outras causas, tais como cânceres.

O tratamento deve suceder ao estudo e definição diagnóstica. De antemão, nos casos de hipovolemia ela é a primeira ação a se pensar. Hemoglobina inferior a 7 mg/dl, ou de sete a dez com comprometimento do estado geral ou sangramento abundante, exigem internação. Deve ser infundido solução fisiológica para expansão de volume com prescrição de 10 mg de acetato de noretisterona (primolut-nor) por via oral de 8/8 h por três dias. Geralmente o sangramento diminui substamcialmente ou para em 48 horas. Depois a dose do primolut-nor deve ser reduzida para 20 mg ao dia por mais três a cinco dias e dose de 10 mg por mais 20 dias. Daí começa-se a alternar dias de uso para a completa retirada a partir da resposta do paciente. A suspensão abrupta não deve ocorrer, e no momento do desmame um sangramento deve ocorrer, sendo discreto e sem necessidade de intervenções adicionais.

Se essa manobra não for suficiente para parar o sangramento, ainda internada a paciente deve receber estrogênio oral na dose de 1,25 mg por via oral ao dia, diminuindo progressivamente até alcançar 0,625. O tratamento também pode começar pelo estrogênio e caso o sangramento continue pode-se introduzir o primolut-nor ou 10 mg de medroxiprogesterona. O seguimento pode ser em casa, com a paciente fazendo uso de um comprimido de etilenestradiol na dose de 0,035 mg de 8/8 h por dois dias e a partir daí fazer uso de um comprimido ao dia por 14 dias. Essa dosagem de etilinestradiol pode ser conseguido através de contraceptivos orais comuns como o Selene. Como o estrogênio aumenta a espessura do endométrio, caso ele venha a ser utilizado individualmente, na sua retirada é costumeira um sangramento significativo. Assim, o tratamento combinado como primolut-nor ou etilinestradiol é o mais indicado. Após a alta hospitalar a paciente também deverá seguir com o uso de sulfato ferroso por conta da perda contínua de sangue. O uso deve se no mínimo de trinta dias.

Nas hemorragias sem repercussão hemodinâmica o tratamento pode ser realizado em domicílio, à base de noretisterona (primolut-nor) 10 mg via oral ao dia, associado a algum AINE como a nimesulida 100 mg de  12/12 horas. Esse anti-inflamatório deve ser interrompido com o cessar do sangramento, mas o primolut-nor deve ser mantido por 30 dias ou nesse período deve ser utilizado o ACO com etilinestradiol.

O tratamento de manutenção nos casos de diminuição ou ausência de progesterona deve ser realizado com o primolut-nor na dose de 10mg entre o 15° e 25° dia do ciclo. Se o problema envolva apenas ciclos irregulares o acetato de medroxiprogesterona é suficiente na dose de 5 a 10 mg por dia no mesmo período. Esse medicamento também deve ser a primeira escolha em pacientes obesas.

Se a doença base é a diminuição de estrogênio o recomendado é o uso de estrogênio nos primeiros 15 dias do ciclo e a partir daí acrescentar a medroxiprogesterona parando o uso como antes citado, no 25° dia do ciclo. O medicamento a ser acrescentado também pode ser a acetato de ciproterona. A medroxiprogesterona pode ser encontrada e prescrita no medicamento provera 10 mg, e a ciproterona pode ser encontrada emc contraceptivos como o diane 35.

Nos sangramentos em ciclos menstruais sem ciclicidade, há dois caminhos: se a paciente não  tiver vida sexual ativa, prescreve-se a medroxiprogesterona por dez dias a partir do 15° dia do ciclo;  aquelas com vida sexual ativa pode ser prescrito um anticoncepcional oral com maiores quantidades de etilinestradiol (30 a 35 microgramas), tais como o Selene, tantin ou o Tâmisa.


REFERÊNCIAS

Machado, Lucas V. Sangramento uterino disfuncional. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia Metabólica. V. 45. N4. Agosto, 2001.

CRUZ, T. S.; R. Simões. Sangramento Uterino Disfuncional em Mulheres Usuárias de Contraceptivos de Progestagênio: Tratamento. Projeto Diretrizes. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Março, 2010. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/diretrizes10/sangramento_uterino_disfuncional_em_mulheres_usuarias.pdf.


LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

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