quinta-feira, 22 de maio de 2014

LAISHIMANIOSE VISCERAL (CALAZAR)



LEISHIMANIOSE VISCERAL

É uma patologia de repercussão visceral causada por um parasita do complexo leishimania donovani (l. donovani, l. infantum e l. chagásica), sendo que no Brasil a doença é causada apenas pelo terceiro tipo.  Está presente em 65 países e todos os anos ocorrem aproximadamente 500 mil casos novos e 59 mil óbitos em todo o mundo. A leishimaniose visceral surgiu na África e lá detém a denominação de Kala-Azar ou doença negra, de grande mortalidade caso não tratada. Nas américas a doença é causada pela Leishimaia chagasi e se caracteriza por febre irregular moderada a intensa de longa duração, anemia, leucopenia, trombocitopenia, hipergamaglobulinemia e hipoalbuminemia, além da hepatoesplenomegalia, com debilidade progressiva. É importante saber que o aumento do baço ocorre antes e é mais intenso. Ainda pode haver a micropoliadenia ou aumento generalizado dos linfonodos. Tais eventos levam o paciente a um emagrecimento caquético e ao óbito na ausência do tratamento. Existem pacientes infectados recuperados espontaneamente, assim como há aqueles com evolução muito mais agressiva, como no caso dos imunossuprimidos.

Existem três formas para a L. chagasi: amastigotas, promastigota, promastigotas metacíclica  e paramastigotas. O parasita é transmitido pelo inseto denominado lutzomia longipalpis através da picada, quando então transmite a forma promastigota metacíclica. Como durante a picada o inseto inocula uma saliva com potenciais de antiagregação  plaquetária e vasodilatadora, o sangramento é fluido e com isso facilita a passagem dos parasitas. Na realidade o vasodilatador presente na saliva do lutzomia é o mais potente que existe: o maxidilan. Dentro do corpo as formas infectantes escapariam da ação dos macrófagos por terem em  sua membrana plasmática o polimorfismo intraespecífico do lipofosfoglicano (LPG), que dificulta a agregação das frações C3b do complemento, havendo ainda a proteína gp63, com papel de clivagem do C3b.  

As formas infectivas então conseguem se aderir à membrana do macrófago para ser logo endocitado. Enquanto a vesícula lisossomal fica em processo de fusão com a membrana do vacúolo contendo o parasita, esse se transforma na forma amastigota, que por conta da proteína gp63 e produção de proteases, consegue sobreviver ao derrame ácido dos lisossomos. Naqueles em que a doença não se manifesta os lisossomos conseguem vencer esses dois mecanismos, mas na maioria das vezes ocorre a intensa reprodução do parasita até que a célula hospedeira se rompa liberando as formas para infectarem outros macrófagos.


Todo esse processo pode ocorrer em qualquer animal vertebrado. Quando o inseto realiza o repasto nos animais com formas amastigotas no sangue, o alimento vai até seu intestino e então é cercado por uma membrana quitinosa que protege o parasita. Na membrana desse então vai desenvolvendo a proteía gp63 e o LPG para que rompam a quitina e resistam às enzimas digestivas quando forem liberadas. Após três a quatro dias de intensa proliferação eles se transformam em formas flageladas paramastigotas  que dotadas de flagelo conseguem se fixa na parede do intestino até que seu flagelo tenha capacidade de arraste, a forma promastigota metacíclica. Nessa fase o parasita é puxado pelo flagelo para as porções superiores do trato digestivo e adentra no corpo do humano durante o repasto. Acredita-se que com a alimentação do parasita e a digestão do próprio mosquito o estômago desse fique vazio e ácido, deflagrando a transformação para a forma paramastigotas.

A imunidade envolvida na infecção pela leishimania envolve a sinalização em macrófagos por moléculas de MHC de classes I e II nas membranas dos linfócitos. Nos linfócitos TH 1 liberam INF-gama e citocinas pró-inflamatórias diretamente, enquanto que os linfócitos TH 2 liberam IL-4, que estimulam linfócitos B a produzirem imunoglobulina. A grande importância nessa informação é que a resposta TH 1 consegue debelar a infecção, enquanto que a TH 2 está relacionado com a doença progressiva, porque, nesse caso, as imunoglobulinas produzidas pelos linfócitos B são inespecíficas. A propensão genética de cada indivíduo, prepoderando uma resposta ao invés da outra vai determinar a suscetibilidade para a doença ou para a cura.

Uma das funções da saliva do mosquito não mencionada é a sua atividade inflamatória, tendo o efeito de atrair macrófagos que servirão de sítio de replicação para o Laishimania. Por vezes essa inflamação é mais proeminente e no local de inoculação se forma um nódulo hiperemiado, o leishimanioma, normalmente regredido sem maiores problemas. Os macrófagos contaminados são levados para a corrente sanguínea até os demais órgãos disseminando a presença do parasita. Quando um macrófago infectado se aloja em um órgão ele secreta citocinas que atraem outros macrófagos não infectados para serem invadidos e assim perpetuar a infecção.  Os órgãos mais cometidos são o fígado, o baço, linfonodos e medula óssea.





A alteração visceral mais comum é o aumento do baço, onde a grande quantidade de macrófagos obstruem vasos e promovem congestão e infarto. A superfície ganha uma cor avermelhada e marrom, além de friável. O Fígado também ganha alterações importantes, ficando também congesto, infiltrado difuso de células inflamatórias que causam fibrose septal e portal.  No início da infecção a produção de células sanguíneas é normal, mas com o tempo a medula torna-se parasitada e é aos poucos substituída por macrófagos  parasitados, repercutindo numa diminuição gradual da hematopoese. Primeiro ocorre uma hiperplasia do setor histiocitário (que contém células predecessoras do monócito), depois hiperplasia do setor de células vermelhas e por fim ambas as áreas entram em colapso deflagrando uma anemia grave.

Ainda mais frequente que a alteração esplênica é a alteração hematológica, pois nesse caso são diversas. A anemia formada é normocítica e normocrômica, mas ocorre rebaixamento de eritrócitos, ficando entre 2 e 3 milhões por conta da hemólise. Pode ocorrer ausência de eosinófilo, neutrófilos com redução importante, assim como linfócitos, construindo a leucopenia evidente. As plaquetas estarão diminuídas nos quadros graves e adiantados, e como vai haver grande produção de células sanguíneas compensatórias, o RDW estará aumentado em alguma fase da evolução, podendo, inclusive estar acima de 16. As lesões renais ocorrem por deposição de imunocomplexos, além de fibrinogênio e proteínas do complemento. Isso determina um ataque aos glomérulos, assim como na glomerulonefrite pós-estreptocócica, quando a agressão da barreira glomerular permite a passagem de proteínas causando grave depleção de proteínas. Contudo, esse fenômeno não é comum, sendo a hipoproteinúria causada pelo comprometimento hepático – pois o fígado é responsável pela produção de albumina – e o grande gasto para manter a intensa reposição de células sanguíneas destruídas (um efeito comum em infecções intensas e prolongadas), aliada à desnutrição.


QUADRO CLÍNICO



A doença se inicia com febre intermitente, palidez de mucosas e hepatoesplenomegalia. O paciente entra numa fase de emagrecimento progressivo chegando até a caquexia. O paciente pode evoluir com tosse seca (até 81% dos casos), diarreia e dor abdominal, geralmente na fase aguda. Por conta do comprometimento da medula o paciente evolui com anemia, sangramento gengival e epistaxe. A hemólise de hemácias culmina na icterícia. Ainda ocorrem o edema e a ascite. No caso da icterícia, junto com hemorragias digestivas, tem-se sinais de gravidade. Esses dois sinais são os principais indicativos de gravidade em pacientes portadores de HIV, nos quais o óbito pode ocorrer mesmo antes dos sintomas descritos.

Dentro desses sintomas gerais os pacientes são divididos entre aqueles assintomáticos ou oligossintomática, e sintomáticos de forma aguda ou crônica, esta dita clássica.

Na forma assintomática ou aligossintomática o paciente pode apresentar sintomas discretos e inespecíficos, tais como febre baixa recorrente, tosse seca, diarreia, sudorese e prostração, e por fim evoluir para cura ou ausência de sintomas por toda a vida como ocorre com a maioria dos infectados das áreas endêmicas. Esse equilíbrio pode ser quebrado, no entanto, por um estado imunossupressivo importante, como a infecção pelo HIV ou uso de medicamentos imunossupressores.

Na forma aguda ocorre a febre alta, palidez de mucosas e hepatoesplenomegalia discretas, com evolução não maior que dois meses e podendo apresentar diarreias e tosse seca. A febre continua intermitente ao mesmo tempo em que ocorre desnutrição proteico-calórica e caquexia se mantém mesmo naqueles com apetite preservado. Como o paciente irá cursar com baixa de proteínas é comum o edema generalizado. Há também dispneia, cefaleia, dores musculares, diarreia, epistaxes e atraso da puberdade. A hepatoesplenomegalia aliada à ascite culminam num abdome com grande dilatação.

Como a leishimania vai destruir células de defesa, abre então passagem para infecções oportunistas, tais como as pneumonias, tuberculose e diarreias, na maioria dos casos por Shigellose e amebíase, podendo ser a última complicação antes do óbito. Há também concomitância com a esquistossomose.


DIAGNÓSTICO

Se baseia em três parâmetros: anamnese e exame físico, quando se avalia o contato com área endêmica e os sintomas já descritos; exames sorológicos e imunológicos, quando se solicita a pesquisa por anticorpos anti-leishimania e ainda há o teste com o antígeno rK39 fixado em papel; punção aspirativa ou biopsia esternal  em adultos ou crista ilíaca em crianças. O problema dos testes sorológicos e imunológicos é que eles possuem pouca especificidade, a exceção do rK-39, que é indicativo de doença em atividade. Como a doença pode se manifestar muitos dias após a infecção, não há como saber se o IgG é de três meses ou de um ano, ou seja, pode ser de uma infecção já curada. A aspiração pode ser realizada no fígado, que tem pouca expressão das formas amastigotas, no baço, que oferece risco de sangramento, ou na medula do esterno ou crista ilíaca. A intensão é visualizar o parasita.


TRATAMENTO

Sem tratamento a mortalidade da leishimaniose pode chegar a 90%. Por isso as medicações utilizadas são utilizadas mesmo apresentando grande toxicidade. A primeira escolha é o antimoniato de metilglucamina, vendido sobre o nome Glucantime. Ele é aplicado na dose de 20 mg/Kg/dia por via parenteral, com dose plena de 850 mg.  O tratamento é realizado por um período mínimo de 20 dias. Nos pacientes que não toleram esse medicamento ou estão gestantes  é utilizada a anfotericina B em 15 a 20 mg/Kg/dia por via intramuscular, e período de 30 a 40 dias. Pode-se ainda fazer o tratamento por via intravenosa, e como a anfotericina tem maior eficácia contra a patologia, no esquema parenteral são necessárias uma dose de 5 mg/Kg/dia por apenas cinco dias.

O glucantime é utilizado na dose de 12 a 20 ml para o paciente de 60 Kg, diluídos em solução glicosada na quantidade de 2 a 3 ml por 10 quilos de peso, correndo o medicamento na velocidade de na velocidade de 1 ml  por minuto. Cada ampola contém 5 ml e também pode ser utilizada por via intramuscular. Nesse esquema são dadas de 10 a 20 injeções em duas séries com intervalo de quinze dias.

Os critérios de cura são a melhora dos sintomas, ganho de peso e retorno a algum nível de eosinófilos, que durante a doença costuma zerar. Também é necessário haver redução significativa do volume do baço, embora deverão passar vários meses para voltar ao normal. A normalização da hipoproteninemia também pode durar meses e por isso não é critério de cura. A recidiva é considerada se houver retorno dos sintomas num período menor que 12 meses.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Leishimaniose visceral: recomendações clínicas para redução da mortalidade. Série A: Normas e Manuais técnicos. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Brasília, 2011.

SOUZA, Marcos Antonio de. Leishimaniose visceral humana: do diagnóstico ao tratamento. Disponível em: http://www.facene.com.br/wp-content/uploads/2010/11/Leishmaniose-visceral-humana_com-corre-%E2%94%9C%C2%BA%E2%94%9C%C3%81es-dos-autores_25.10.12-PRONTO.pdf.


NEVES, David Pereira. Parasitologia Humana. Ec. 11. Arheneu: São Paulo, 2005.

Um comentário:

Anônimo disse...

Acho que o nome esta errado... é Leishmanioses