segunda-feira, 2 de setembro de 2013

FACILITANDO DOR: EVENTOS FISIOLÓGICOS DA DOR COMO MECANISMO DE DEFESA



A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável relacionada lesão tissular. Possui dois componentes: nociceptivo, que se relaciona com apercepção da dor; efetivo, relacionado com a ação reflexa ou comportamental em busca de proteção contra o estímulo causador da dor. Segundo a Sociedade Brasileira de Estudos para Dor, 15 A 25% da população adulta sofreu com dores crônicas em algum momento, com aumento para 65% quando considerada a população idosa. Segundo International Association for the Study of Pain, registrado na portaria 1.083 de 02 de outubro de 2012, essa dor crônica somente é assim considerada quando a sensação perdura por mais de trinta dias.

Isso conclui que a dor é uma reação de defesa, mas é preciso a atenção para classifica-la como tal apenas quando a dor é aguda, pois quando crônica o problema se encontra a nível de sistema nervoso e por ser a longo prazo contribui para o mal estar do paciente, inclusive diminuindo a eficácia imunitária e alterando o equilíbrio endócrino-metabólico, principalmente nos idosos. As consequências desse tipo de dor podem incluir afastamento social, crises familiares, distúrbios do sono, depressão e até suicídio.

 Em se tratando de qualidade de dor podemos dividi-la em rápida, ocorrida até 0,1 segundo após o estímulo, e lenta, ocorrida em período além de 1 segundo. A dor rápida também pode ser anotada como aguda, pontual, em agulhada e dor elétrica. A dor lenta pode ser descrita como crônica, em queimação, persistente, pulsátil e nauseante. Ela pode ser ainda considerada de três formas: nociceptiva, quando está relacionada à lesão tecidual; neuropática, quando está relacionada a lesões nas fibras aferentes; psicogênica, quando não há evidência de lesões orgânicas, presentes em quadros depressivos ou demais quadros de sofrimento psicológicos.


NOCICEPÇÃO

Como dito, é a percepção da dor. É dividido em quatro etapas: transdução é a transformação do estímulo nocivo em elétrico, para posterior condução pelas fibras do sistema nervoso. O primeiro estímulo é detectado pelos receptores nociceptivos, distribuídos em todo o organismo ativados em baixo limiar e não passíveis de adaptação ou fadiga, como acontece com os receptores olfativos. Os estímulos podem ser térmicos, táteis ou químicos, esses últimos abrangendo substâncias liberadas no processo inflamatório, tais como a bradicinina, prostaglandinas, substância P, leucotrieno, o tramboxana, fator de ativação plaquetária, serotonina, ATP, acetilcolina, histamina e íons potássio e hidrogênio. A intensidade da estimulação é proporcional à quantidade de fibras que estarão agindo no próximo passo: a transmissão.

Quando o receptor nociceptivo é despolarizado o impulso segue por fibras aferentes chamadas de fibras A-delta, mielinizadas e por isso de condução rápida – 6 a 30 m/s, o que possibilita a sensação da dor aguda e bem definida, na maioria das vezes em resposta a estímulos mecânicos e térmicos. Outro caminho se dá por outro tipo de fibra, a C, não possuidora de mielina, transmitindo o impulso lentamente – a 0,5 a 2 m/s, resultando numa sensação dolorosa difusa e sustentada mesmo quando o estímulo é retirado, ocorrendo basicamente em estímulos químicos e mecânicos prolongados. Essas duas fibras fazem parte dos nervos periféricos, por onde conduzem o estímulo até o sistema nervosos central.  Os neurônios secundários que irão receber o estímulo das fibras podem ser específicos (quando a sinapse se dá apenas com fibras A), multirreceptivos (fibras A e C), e neurônios internunciais, que se projetam entre outros neurônios a fim de modular o impulso transmitido. Nesse processo os principais neurotransmissores envolvidos serão o glutamato e aspartato.

A modulação é o evento de aumento ou diminuição da dor. Isso ocorre na origem do estímulo nocivo. Quando há diminuição do limiar de dor estarão envolvidos principalmente as prostaglandinas, sendo participativas também a bradicinina, serotonina, histamina e os íons potássio e hidrogênio. Quando o estímulo é prolongado há uma modificação no equilíbrio dos sistemas de segundo mensageiros, acarretando a diminuição do limiar de dor por aumento da excitabilidade, do número de descargas desproporcional aos estímulos, da eficácia sináptica, recrutamento de novas vias sinápticas, todos levando à chamada alodínia, caracterizada por sensação dolorosa acarretada por estímulos que normalmente não o fazem. Também pode ocorrer inibição da sensação dolorosa através dos receptores opióides e da substância cinzenta próxima ao aqueduto do cérebro, que seguem até os neurônios pré e pós-sinápticos na medula para liberar serotonina e noradrenalina, que agem como inibidores.

A percepção se dá em dois locais: sistema límbico e hipotálamo, onde haverá uma resposta emocional; e no córtex, onde possibilitará a sensação física da dor.

Em todo esse processo as prostaglandinas tem papel importante, principalmente por estarem envolvidos com uso de medicações comuns pela população, como o diclofenaco. Essa substância é advinda de ácidos graxos da membrana das células quando são quebradas pela fofolipase A2. Nesse processo é formado o ácido aracdônico, que é transformado pelas enzimas cicloxigenases em prostaglandina G2 e posteriormente em H2, a qual poderá ser também transformada, só que em diversos substratos, a saber a prostaglandina PGE2 – a mais comum na sensação dolorosa, PGD2, PGF2, prostaciclinas (PGI2) ou tramboxano (TXA2). Nem todas as prostaglandinas estão envolvidos na mediação da dor, mas as que a fazem se conectam por receptores específicos, como os EP1 a 4. Quando ocorre a união dos dois há uma liberação de cálcio e de AMPc intracelulares, que ativa os nociceptrores e conduz o impulso que origina a sensação de dor.

Existem dois tipos de enximas cicloxigenases: COX-1 e 2. A COX-1 promove a formação de prostaglandinas envolvidas na proteção da mucosa gástrica, homeostasia renal e plaquetária. A COX-2 age na ocorrência de um estímulo inflamatório. Inicialmente acreditou-se que apenas as COX-2 originava prostaglandinas mediadoras do processo de percepção da dor, porém hoje se sabe que existe uma isoforma derivada da COX-1, a COX-3, que é sensível a analgésicos e antitérmicos, levando a crer, embora não elucidado, que a COX-1 também está envolvida na mediação da dor.

Em se tratando de população, então é correto imaginar que, quando se faz uso indiscriminado de inibidores da COX, como os citados e comuns diclofenacos, se estará inibindo a formação de ambas as COX, por isso as prostagandinas que protegem a mucosa gastrintestinal também serão inibidas, causando efeitos adversos principalmente naqueles com tendência a gastrites. Por isso existem analgésicos que são seletivos para agirem a nível de COX-2 e assim não influenciarem nas funções não relacionadas à sensação dolorosa, mas é importante que se atente para a maior tendência a processos alérgicos dessas outras medicações.


OS ESTÍMULOS

São três os tipos de estímulos: químicos, que geralmente são originados nas reações inflamatórias, com destaque às prostaglandinas e substância proteolítica, que aumentam a sensibilidade das terminações nervosas. O mecanismo da substância proteolítica se dá pela lesão das terminações nervosas, o que aumenta a permeabilidade dos neurônios e consequentemente sua despolarização. Há ainda os estímulos mecânicos e térmicos, esses últimos sentidos quando se aquece o tecido acima de 45 °C. Quando ocorre a isquemia a dor também vai ser estimulada como forma de proteção do organismo. A justificativa se faz pelo acúmulo de ácido lático advindo do processo anaeróbico, causando dano celular e o aumento de permeabilidade citada, assim como ocorre com a substancia proteolítica.

Daí esses estímulos vão seguir por duas vias distintas, uma para a dor rápida e uma para a dor lenta. Já quando o estímulo é súbito, a sensação dolorosa ocorre através das duas fibras, acarretando numa sensação dolorosa dupla que se traduz como dor pontual rápida, seguida após 1 segundo por uma dor lenta transmitida pelas fibras C. Esses dois tipos de sinais vão para o encéfalo através de duas vias: o trato neoespinotalâmico para a dor rápida, e pelo trato paleoespinotalâmico para a dor lenta. O primeiro chega até o corno dorsal da medula e se comunica com neurônios de segunda ordem, que decursam e seguem para o tronco cerebral ou para o tálamo – a maioria. O trato paleoespinotalâmico, mesmo conduzindo a dor lenta, conduz o impulso também por algumas fibras A. Tais fibras ao chegarem na medula, também no corno dorsal, vão até um local específico chamado de substância gelatinosa, passam o impulso para uma série de neurônios internunciais até os neurônios longos. Esses se unem às fibras A, decursam e seguem para o tronco cerebral ou tálamo – um décimo a um quarto.

No exemplo da agulhada, pode-se concluir que há uma sensação pontual e uma dor perdurada difusa na região próxima à lesão. Isso é a tradução da sensação dupla, ocorrida pela estimulação dos dois tipos de fibras, com as fibras C, por exemplo, liberando o glutamato, que promove uma sensação mais rápida, e a substância proteolítica, cuja liberação é lenta e sua concentração aumenta em segundos ou minutos. Mesmo assim, pode crer que, apesar da fibra tipo C liberar o glutamato, este neurotransmissor está mais envolvido na dor rápida.


ANALGESIA

O limiar de dor é variável entre as pessoas. Isso porque o organismo possui um sistema de analgesia de eficácia variada. Esse sistema se constitui da seguinte forma: neurônios da área periventricular, da substância cinzenta ao redor do aqueduto de Sylvius e do terceiro e quarto ventrículos – como o hipotálamo – enviam sinais para os núcleos da rafe nas regiões inferior da ponte e superior e lateral do bulbo. Dos núcleos da rafe os neurônios conduzem sinais pela coluna dorsal da medula até o complexo inibitório da dor nos cornos dorsais da medula espinhal, mesma região por onde os sinais aferentes precisaram percorrer para chegar até o cérebro. Essa inibição ocorre tanto nos complexos como nos núcleos da rafe, que o fazem através da liberação de neurotransmissores inibitórios: serotonina, encefalina e noradrenalina. A encefalina, por exemplo, inibi tanto o neurônio pré como o pós-sináptico.

Receptores opióides possibilitariam também a inibição dos neurônios transmissores da dor através de vários produtos derivados de degradação proteica, dentre as quais as mais importantes são a beta-endorfina, metancefalina, leuencefalina e dinorfina. A inibição também ocorre, embora com menor eficácia, nos núcleos da rafe, nas  amigdalas, nas substância cinzenta periaquedutal, hipotálamo e núcleo caudado.

Outro fator importante na interpretação da dor são as experiências passadas. As pessoas bem humoradas, com posições positivas frente às situações tendem a ter limiares de dor maiores.  Isso porque as experiências se manifestam no indivíduo através do sistema límbico (que contém a substância negra, produtora de dopamina, o hormônio do bom humor), e levando em conta que a dinorfina também é produzida pela substância negra, pode-se entender essa influência subjetiva e como consequentemente indivíduos mal humorados tem o limiar de dor mais baixo.

Portanto, para a resultante da sensação de dor estarão envolvidas alterações orgânicas e respostas emocionais de negação e aceitação, estado momentâneo, valor simbólico da dor, ansiedade, raiva, depressão, impotência e necessidade de proteção.

Outro fato interessante são os neuromas, que são novas formações nervosas (tumores nervosos) secundárias a locais amputados. A partir dos cotos, os neurônios seccionados são degenerados alguns milímetros acima, e após algum tempo voltam a crescer com conexões exageradas, hiperresponsivas a estímulos mecânicos e ação da adrenalina. Felizmente o crescimento é limitado por ação enzimática, no entanto, focos ectópicos de dor surgem alguns dias depois, aumentam na primeira semana e a partir daí começam a regredir. Isso gera dor sem motivos aparente que não cede à anestesia periférica, pois provavelmente há mecanismos centrais envolvidos. Ademais, a nível da neuropatia periférica ocorrerá aumento e sensibilização dos receptores nociceptivos, proliferação de terminações axonais, hipoatividade das vias inibitórias, dentre outros fenômenos que deflagrem dor crônica.


REFERÊNCIAS

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