quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

MIELOMA MÚLTIPLO: UM SUSTO MORTAL

MIELOMA MÚLTIPLO

Esta patologia é uma condição em que os linfócitos B diferenciados em plasmócitos são soltos na corrente sanguínea e terminam por adentrar nas medulas ósseas espalhadas pelo corpo, com efeito de inibição da hematopoese e destruição óssea. Os plasmócitos tem a função primordial de produzir imunoglobulinas e nos proteger contra infecções, mas neste caso é produzida uma proteína específica: a paraproteína M, que é uma imunoglobulina, porém não possui suas funções. 3% da população mundial possui a proteína M circulante, mas 60% desse total não manifesta sintoma algum.  O Mieloma corresponde a 10% de todas as doenças malignas hematológicas e 1% dentre todas as doenças malignas. A incidência é pouco maior sobre os homens e na raça negra. A média de acometimento é de 60 anos, com 2% de incidência sobre pessoas abaixo dos 40 anos.

Para compreender o Mieloma é necessário saber que na imunoglobulina existem duas cadeias pesadas e duas cadeias leves, tendo cada uma delas uma região constante e uma região variável que se modifica a partir dos estímulos. Existem dois tipos de cadeias leves e cinco tipos de cadeias pesadas, estas classificando as imunoglobulinas como conhecemos: IgG, IgM, IgA, IgD e IgE. Os dois tipos de cadeias leves são Kappa e Lambda.

A origem do problema é de ordem cromossômica, podendo haver modificações estruturais, perda ou ganho de cromossomos.  As anormalidades em sua maioria atingem os cromossomos 1 e 14, estando o primeiro envolvido em 40 a 50% dos casos. As células que detém tais modificações podem ser encontradas nos tecidos linfoides, mas apenas se prolifera na medula óssea, onde o microambiente lhe predispõe a tal. Os plasmócitos geralmente terão assincronia entre citoplasma e núcleo, podem ser maiores que o normal, binucleados, trinucleados ou até apresentar vacúolos no citoplasma. Dentro da medula os plasmócitos tomam local das células hematopoéticas normais e ainda liberam substâncias que diminuirão a produção de células sanguíneas e também ativam osteoclastos, justificando a pancitopenia e as lesões líticas nos ossos adjacentes. Elas também produzem interleucina-6 (IL-6) e seus respectivos receptores estimulando assim a própria proliferação, pois essa interleucina possui a capacidade de estimular o crescimento celular geral e inibir a apoptose.

Qualquer local onde exista medula poderá existir os plasmócitos modificados, produzindo sintomas na coluna vertebral, costelas, crista ilíaca, vértebras, clavícula, ossos do crânio, da pelve e das extremidades. As imunoglobulinas produzidas por esses plasmócitos estarão modificadas e por isso são chamadas de proteína M ou componente M. No geral as imunoglobulinas estarão aumentadas no sangue, porém a maioria corresponderá ao componente M, que é disfuncional, o que justifica a baixa imunidade dos pacientes e as recorrentes infecções que podem ser mortais.


QUADRO CLÍNICO E PATOGENIA

Lesões líticas com aspecto em saca-bocado.


O primeiro sintoma é a dor óssea, que leva o paciente a procurar auxílio médico para muitas vezes descobrir o mieloma por acidente. O sintoma se apresenta como uma dor reumática, mais comum na região lombar, depois na pelve e região torácica, sendo irradiada e com duração de dias e de remissão demorada. Como as plasmócitos vão estar estimulando a atividade dos osteoclastos sem, no entanto, ser acompanhado pelos osteoblastos, ocorrerá lesões líticas em diversas estruturas ósseas, e quando provocarem o colapso vertebral haverá diminuição evidente da estatura do indivíduo. A dor seguida é movimento dependente e responde bem ao uso de AINES, o que é um problema adicional às lesões renais acometidas pelas paraproteínas M. A dor decorrente das lesões líticas ocorrem em 90% dos pacientes e em 10% chega a ocorrer compressão medular. As radiografias de crânio demonstram diversas lesões líticas em saca bocado e nas costelas há uma imagem em pontilhado.  

As setas evidenciam algumas entre as múltiplas lesões radiolucentes que indicam Mieloma Múltiplo.


Apesar da dor óssea, a maior mortalidade é atribuída às infecções decorrente da baixa imunidade. Com dito antes as imunoglobulinas com o componente M não são funcionais, na realidade sendo até prejudiciais, sendo o motivo para a insuficiência renal nesses pacientes. Até mesmo a atividade de opsonização restante se encontra com menor eficácia. Os agentes infecciosos mais comuns são o estreptococcus pneumoniae, a Haemophylus influenzae e microorganismos gran-negativos, que em geral correspondem a 50% das infecções.

O envolvimento renal é evidente. No momento do diagnóstico 50% dos pacientes já tem alteração do clearence de creatinina e 25% já estão com aumento de ureia e creatinina. Rim do Mieloma é uma expressão de referência a problemas causados pelas proteínas M de cadeias leve. Para entender isso é necessário ter em mente que a imunoglobulina modificada ou proteína M pode ser uma imunoglobulina completa, com uma cadeia pesada ou uma cadeia leve. Essas cadeias leves, como próprio nome pode suscitar, tem um tamanho menor e por isso ela pode atravessar os capilares a deflagrar uma lesão renal ao serem reabsorvidas pelas células dos túbulos proximais. Tais imunoglobulinas são chamadas de proteínas de Bence Jones.

Quando elas estão na luz tubular elas são endocitadas pelas células do túbulo proximal e aí são extremamente lesivas, causando disfunção tubular. Isso causa a chamada síndrome de Fanconi, caracterizada por bicarbonatúria, acidose tubular, glicosúria, hipofosfatemia e hipouricemia. Com o avançar da doença o paciente evolui para insuficiência renal crônica porque na medida em que os seguimentos mais proximais dos túbulos vão sendo lesionados não mais conseguem reabsorver as proteínas de Bence Jones, permitindo que elas alcancem a alça de Henle e o néfrom distal para causar dois problemas: primeiro irá ocorrer nesse seguimento o mesmo em relação ao túbulos proximais; segundo, as proteínas Bence Jones irão se acoplar às proteínas chamadas  Tamm-Horsefall formando os cilindros de cadeia leve, que obstruirão os túbulos, lesionando outros seguimento e o interstício renal. Quanto maior for a excreção de cadeias leves maior será a obstrução, tendo a mesma consequência a baixa ingesta hídrica.

A hipercalcemia é advinda da reabsorção óssea geradora das lesões líticas. Como os pacientes estão hipoativios devido às dores, esta condição será agravada, facilitando com que o cálcio em excesso no sangue se deposite no parênquima renal e induza à insuficiência renal crônica. É a nefrocalcinose. Esse depósito de cálcio parece também facilitar a obstrução por cadeias leves descrita anteriormente e é também a principal causa de insuficiência renal aguda no Mieloma múltiplo. Se o paciente fizer uso de AINES para controlar a dor esse quadro será agravado, pois é uma medicação nefrotóxica.

As cadeias leves terão ainda outra repercussão, agora a nível sistêmico, que é sua deposição nos tecidos e posterior transformação em proteína amiloide, caracterizando a amiloidose AL ocorrida em 10 a 15% dos pacientes com Mieloma múltiplo. 20% dos pacientes evoluem para falência renal. Os órgãos mais acometidos são a língua, coração, nervos periféricos e por fim os glomérulos.

Os eventos neurológicos envolvem compressões radiculares e como consequência o paciente cursa com dores intensas, geralmente em coluna torácica, lombar e sacro. A compressão pode ser tamanha que o paciente pode evoluir para disfunção esfincteriana e plegia, pois as células do Mieloma nas vértebras invadem o espaço extradural comprimindo raízes. As dores iniciam como radiculares e podem ser agravadas por tosse e até mesmo espirros. A compressão pode ser secundária também à fratura vertebral.

A hipercalcemia também vai deflagrar sintomas neurológicos alterando o estado de consciência e podendo evoluir para o coma. Quando o nível de cálcio atinge 12 mg/dl já é suficiente para alterar a consciência. O paciente refere cefaleia, náusea e vômito, daí então vem a desorientação, convulsões e coma. Pode haver poliúria, mas com o avançar do quadro e a ocorrência da insuficiência renal surgirá a anúria.


REFERÊNCIA

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

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