domingo, 9 de junho de 2013

RECONHECENDO O DELIRIUM

DELIRIUM

É uma síndrome mental de início abrupto, ou ao menos de fácil identificação, flutuante, transitória, marcada por transtorno global da cognição, redução do nível de consciência, ciclo vigílio-sono perturbado, distúrbios de atenção e atividade psicomotora aumentada ou diminuída. Dados indicam uma prevalência entre todos os pacientes internados de 10 a 15%, chegando a 20% se a população considerada for idosa. No entanto, esse é um dado variável nos diversos estudos. Pessoa e Nácul afirmam que pode o delirium pode ocorrer em 80% dos pacientes internados em unidade de cuidados críticos, com apenas 32 a 66% dos pacientes sendo corretamente diagnosticados. Geralmente são precipitados por eventos de grande estresse, tais como cirúrgias de grande porte, quando o idoso irá ficar muito tempo internado, infecções e uso de drogas. Mais fatores predisponentes incluem gravidade da doença de base, déficit visual e auditivo, alta relação BUN-creatinina – relação entre nitrogênio ureico do sangue e creatinina, marcador de desidratação. Sobre essa relação convém esperar que nos casos do homem a quantidade de creatinina deverá ser maior que em mulheres devido à maior massa muscular. Por isso o mesmo valor de BUN nessa relação, estando maior que a creatinina, é mais grave quando se trata do homem.

Relacionam-se ainda como fatores de risco a restrição física, idade maior que 65 anos, sexo masculino, desnutrição, uso de mais de três medicações no dia anterior, doenças crônicas em geral, uso de cateter urinário, privação do sono, mudanças de ambiente e qualquer evento iatrogênico. Por fim, os fatores mais evidentes são o uso de medicamentos, que se relacionam com 40% dos casos de delirium, e a demência, pois essa aumenta as chances de deflagração em 2 a 5 vezes.

Tomando nota do declínio das reservas fisiológicas do idoso consequente à diminuição da massa cerebral em 5% e da queda da circulação cerebral em torno de 28%, perda neuronal no neocórtex e hipocampo, além do declínio geral das capacidades fisiológicas, essa população será intimamente exposta ao delirium. As concentrações e capacidade de liberação de neurotransmissores, tais como o ácido gama aminobutírico (GABA), acetilcolina, serotonina e dopamina, vão estar alteradas e por isso a capacidade do cérebro de se recuperar de transtornos causados por fármacos e seus metabólitos estará deprimida.

O principal mecanismo de deflagração do delirium envolve a acetilcolina, sistema particularmente exposto à deficiência de oxigênio e glicose. Geralmente a relação é com a queda dos níveis desse neurotransmissor, sendo indicada pela boa resposta ao uso de drogas colinérgicas. A idade e modificações nos receptores muscarínicos predispõem pessoas idosas a este tipo de patologia. O medicamento de grande aceitação nesses casos é a fisostigmina.

O efeito anticolinérgico pode aumentar na presença de alguns fármacos e de metabólitos de fármacos. Drogas tipicamente anticolinérgicas são: furosemida, cimetidina e digitálicos, e deve ser considerada sua redução ou retirada na presença do delirium. Classes de medicamentos que sabidamente inibem pré-sinápticamente a liberação da acetilcolina são os opiáceos, os beta-adrenérgicos, os barbitúricos e os dopaminérgicos. É importante também saber que, paradoxalmente, drogas de função primordial anticolinérgica não estão estatisticamente ligadas à maior incidência de delirium.

Presença de febre diminui de maneira sustentada a liberação de acetilcolina. Estudos em pacientes internados em casas de repouso identificou que um mês após a ocorrência da febre, os níveis do neurotransmissor ainda estavam aquém do nível base, independente do uso de qualquer medicação. Hipoglicemia também diminui a síntese de acetilcolina no córtex e estriatum.

A serotonina, neurotransmissor envolvido no sono, vigilância e cognição, também está evolvida na ocorrência de delirium. O aumento do metabólito da serotonina, o ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA) foi encontrado em LCRs de pacientes que cursaram com delirium. A síndrome serotoninérgica decorrente da ativação excessiva desse neurotransmissor produz inquietação, tremor, confusão e diaforese. É muito comum que ela ocorra secundária a interações medicamentosas, muitas envolvendo a fluoxetina – inibidor da receptação da serotonina, L-dopa e inibidores da mono-aminoxidase.

Ainda há os casos em que a queda dos níveis de serotonina também deflagram a ocorrência de delirium, geralmente ocorrendo na queda dos níveis de tripotofano, que é um precursor desse neurotransmissor, necessário para que exista serotonina na área cerebral, já que esse passa pela barreira hematoencefálica somente na forma de triptofano. Uma das formas da depleção ocorrer é porque os sítios de entrada pela barreira do triptofano, da fenilalanina, da isoleucina, leucina e metionina são os mesmos, estando todos em competição pelos mesmos sítios de entrada. Por conta disso quando a concentração de um aumenta, por equilíbrio entre dois espaços ele vai passar em maior quantidade pela barreira hematoencefálica e como consequência algum outro vai passar menos. Ou seja, a quantidade de triptofano equilibra a passagem desse para o sistema nervoso central e como consequência mantém a homeostase do nível de serotonina.

A fenilalanina também tem importante papel no delirium e por isso quando a concentração de triptofano cai, a de fenilalanina aumenta e precipita o delirium. Já dentro do sistema nervoso, os metabólitos da fenilalanina, em maior número, também competem por descarboxilações para sintetizar neurotransmissores, o que agrava a problemática da baixa de serotonina.

A dopamina também causa o delirium. Inibidores dopaminérgicos, como o haloperidol melhoram os sintomas de delirium. Na encefalopatia hepática, substâncias semelhantes aos benzodiazepínicos aumentam a função dos receptores GABA e acabam precipitando o delirium. Quinolonas, principalmente se utilizados juntamente com AINES, induzem ao mesmo efeito dos receptores GABA, assim como as síndromes de abstinência. Outras situações estressantes, como hipóxia, acidose e isquemia transitória determinam o aumento de epinefrina e norepinefrina, sendo encontrados geralmente nos casos de delirium tremens.

Citocinas também afetam os neurotransmissores acetilcolina, GABA, noradrenalina e serotonina. Dentre as citocinas, a mais bem evidenciada é a IL-2. Num estudo citado por Santos, numa pesquisa em pacientes recebendo terapias com IL-2, 30% apresentaram delirium (ROSEMBERG et al, 1982).  Os sintomas mais comuns são desorientação e problemas de concentração. O mecanismo não está bem esclarecido, mas a IL-2 está ligada ao aumento do conteúdo líquido cerebral. Ao menos presume-se que a citotoxidade irreversível não seja o caso, pois não há perda neuronal. Estresse oxidativo reversível pode ocorrer e ocasionar danos devido ao teor de gordura das membranas cerebrais, que são facilmente oxidadas. Outro estudo comprovou a presença de substâncias tiobarbitúricas ácidas reativas no sangue de pacientes com encefalopatia hepática séptica. Essas substâncias são marcadores reativos de peroxidação lipídica.


CLÍNICA

É necessário se ter em mente os três cursos de apresentação do delirium: alterações no pensamento, percepção e memória. As maiores características são o início abrupto, curso flutuante e déficit de atenção. As alterações evoluem na ordem de horas a dias, distintamente da demência, que evolui em semanas a meses sem início evidente. Como é flutuante, não é incomum os intervalos de lucidez.

O paciente com delirium pode ser hiper ou hipoativo. A falta de atenção é reconhecida com dificuldade de focar e manter a atenção, geralmente com insistência em responder perguntas anteriormente solicitadas, além da dificuldade seguir comandos. A desorganização do pensamento se manifesta com raciocínios ilógicos para o médico. Alterações do nível de consciência podem evoluir para letargia. Segue-se irritabilidade, labilidade emocional, alucinações – geralmente visuais, delírios e alterações do sono-virgília. Sobre esse último, o paciente encontra-se sonolento durante o dia e à noite o sono é breve e facilmente interrompido.  Alterações na linguagem são evidentes, com disgrafia sendo bastante sensível.

Como pode se ver os sintomas hiper e hipoativos são facilmente distintos. A forma hipoativa está relacionada ao rebaixamento do nível de consciência e possui pior prognóstico. Pode ocorrer alternância entre as duas formas ou co-existência, caracterizando um evento de ordem mista. No hiperativo o paciente fala alto e rápido, e movimenta-se com grande inquietude.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial mais abordado é a respeito da demência. A principal diferença é o curso crônico e menos flutuante dessa última. É preciso também se ater que um o paciente portador de demência detém a maior prevalência de delirium. Quando os quadros se sobrepõe o delirium se inicia normalmente, mas se arrasta por semanas e se cronifica.

Se o paciente que apresenta o delirium cursa com tristeza, raiva ou apatia, pode confundir o diagnóstico com o maníaco-depressivo. No entanto, com uma história clínica bem estruturada e uma investigação junto àqueles que convivem com o paciente, essa distinção não será problema. A identificação dos medicamentos a seguir pode ajudar no diagnóstico.
FONTE: Artigo: FURLANETTO e CAVALCANTI in: delírio ou dlirium?



TRATAMENTO

A primeira medida é identificar a causa base, podendo ser de fácil identificação ou não. O tratamento de qualquer causa não deve ser desvinculada da analgesia. O tratamento direto também engloba ações não medicamentosas, tais como o contato com objetos de uso pessoal, atenção dos familiares, afastamento de áreas muito claras, evitar sons altos e abruptos, tudo conspirando para manter a familiaridade do paciente com a realidade. Atividades não essenciais devem ser deixadas para períodos noturnos. Se o paciente cursar com agitação importante, deve-se restringir os movimentos, porém não deve-se restringir demais ou apertar excessivamente as faixas para conter movimentos, pois poderia aumentar a agitação do paciente.

Sedativos em geral possuem boa resposta. Como não se quer uma ação sedativa potente, o medicamento de preferência é o haloperidol, que inclusive não predispõe a depressão respiratória e seu poder de modificação hemodinâmica é limitado. Pode precipitar a reação extrapiramidal com manifestações incluindo rigidez. Com menos frequência causa arritmias cardíacas. A dose é de 0,5 mg por via oral de 12/12 horas.  Os benzodiazepínicos e seus metabólitos não são indicados em idosos pela chance de deflagrar o próprio delirium nos pacientes que não o tem ou piorar os quadros em curso, contudo, nos casos de abstinência alcóolica ele pode ser utilizado, embora com cautela. A dose é de 5 ou 10 mg via oral.


REFERÊNCIAS

SANTOS, Flanklin Santana. Mecanismos fisiopatológicos do delirium. Revista de Psiquiatria Clínica. v. 32. n.3. p. 104-112, 2005; (DESTAQUE)

CAVALCANTI, Alexandre Bias; FURLANETTO, Letícia Maria. Delírio ou delirium? Encontrado em: http://www.ccs.ufsc.br/psiquiatria/98dest-deli.html. Acessado em 06 de junho de 2013 às 10:00;

LÔBO, Rômulo R.; FILHO, Silvio R. B. da Silva; LIMA, Nereida K. C.; FERRIOLLI, Eduardo; MORIGUTI, JULIO C. Delirium in: condutas em enfermaria de clínica médica de hospital de média complexidade - parte 2. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. v. 43. n. 3. p. 249-257, 2010;

PESSOA, Renata Fittipaldi. NÁCUL, Flávio Eduardo. Delirium em pacientes críticos. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. V. 18. N. 2. Abr-Jun, 2006;

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;




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