segunda-feira, 17 de setembro de 2012

TÉTANO

O Tétano é uma patologia causada por uma neurotoxina – a tetanospasmina – sintetizada por uma bactéria gran-positiva anaeróbia, o Clostridium tetani, que também produz uma hemolisina, a tetanolisina, cuja atividade patogênica, até onde se sabe, não detém grande importância. Por ser anaeróbica os ferimentos perfurantes contaminados pelos esporos do Clostridium facilitam a instalação do tétano. Essa bactéria é bastante sensível ao calor, mas quando assume a forma de esporo no solo ou nas fezes de animais se tornam bastante resistentes.
A contaminação, ao contrário do que a cultura popular ensina, não é restrita a metais enferrujados. Os esporos, levados pela poeira, podem estar em qualquer local, inclusive em metais pontiagudos, que por terem esporos depositados sobre sua superfície termina por introduzi-los mediante ferimento perfurante.
De maneira geral a patogenia cursa em três períodos: 1°- ocorre a penetração do Clostridium tetani por pele, mucosas ou músculo. Após a entrada dos esporos, esses mudam para a forma vegetativa, produtoras da tetanospasmina; 2°- ocorre disseminação da toxina por via linfática ou nervosa; 3°- ocorre fixação da toxina na membrana do segundo neurônio motor e nos núcleos dos pares cranianos. Age bloqueando a liberação pré-sinaptica de glicina e ácido gama-butírico. Em qualquer desses locais a toxina é estável e uma vez fixada não pode ser neutralizada por medicamentos. Sua ação se baseia em inibir a repolarização do neurônio após a passagem do estímulo, ocasionando contratura sustentada.
O quadro após a instalação do tétano pode ser dividido em períodos:
1° - incubação: geralmente com duração de cinco a quinze dias. Sua duração pode ir de horas até meses, mas quanto menor a incubação, pior é o prognóstico. Nesse período não há sintomas;
2° - invasão: caracteriza-se por trismo (contração das maxilas devido à contratura sustentada dos masseteres), disfagia (dificuldade de deglutição), rigidez nucal, dificuldade na deambulação e contratura no local de inoculação;
3° - estado: período de gravidade: Cursa com contratura generalizada descendente causando o opistótomos (contratura sustentada dos músculos dorsais, causando uma postura curvada invertida da coluna) e o riso sardônico, onde as hemifaces se dividem em sorriso e choro. A contratura pode ser permanente ou tônica, e clônica, também chamada de paroxística ou intermitente. Quando é paroxística, é desencadeada por estímulos visuais ou táteis mínimos (inclusive no exame físico ao toque de pele), sonoros, variação de temperatura e micção. Na medida do agravamento ocorre taquicardia, hipertermia, desidratação, hiperreflexia, vasoconstricção periférica, todos cursando com total lucidez do paciente. Os espasmos têm intensidade suficiente para causar fratura de vértebras.
4° - convalescença: podendo durar de 40 a 50 dias, nesse período há desorientação, labilidade emocional e depressão, felizmente com desaparecimento ainda que lento.
O tétano é analisado por diversos ângulos:
Segundo gravidade, podendo ser subagudo, com incubação de 12 dias, cujos sintomas se estringem ao trismo e disfagia, com bom prognóstico; agudo, com incubação de 6 a 11 dias, causando contratura generalizada e mortalidade elevada; sobreagudo, com incubação menor que 5 dias, com evolução para o opistótomo em 24 horas, com acometimento cardiorrespiratório, facilmente evoluindo para a morte.
Pela topografia pode ser generalizada ou cefálica, embora esta última seja rara, mas deve ser classificada em paralítica ou não-paralítica, quando ocorre paralisia facial por inibição da liberação de acetilcolina pela tetanospasmina. Pode também ser local, em que apenas a musculatura perilesão é afetada. Esta forma é muito rara.
Pela idade se pode constatar o tétano no adulto, a mais comum; a neonatal, acometida através da contaminação da cicatriz umbilical, com os sintomas surgindo geralmente no sétimo dia de vida. Nesse caso a criança fica agitada, sem dormir e sem capacidade de succionar a mama da mãe, mantendo os lábios contraídos como se fosse beijar. A mortalidade deste tipo chega a 50%; há também a contaminação puerperal, geralmente consequência de aborto séptico não assistido; traumático, através de fraturas ou queimaduras; iatrogênicos, através de cirurgias; por úlceras crônicas; e por fim idiopáticas.

VIRULÊNCIA DO C. TETANI E AÇÃO DA TETANOSPASMINA
O tétano costuma ser mais grave em recém-nascidos e idosos. Existem 10 cepas de Clostridium tetani a partir de antígenos dos seus flagelos. A tetanospasmina tem peso de 150.000 unidades, sendo liberada após morte da bactéria e sofrendo lise por mecanismo desconhecido. Essa lise divide a tetanospasmina em uma porção de 100.000 e outra de 50.000 unidades. Para manter seu poder patogênico essas duas porções necessitam estar ligadas por pontes sulfídricas.
O efeito principal da tetanospasmina é inibir as secreções de neurotransmissores pelos neurônios, tendo uma interação especial com neurônios inibitórios e por isso, a priori, inibindo a secreção de glicina e GABA, o que acarreta diretamente a contratura muscular sustentada, ou paralisia espástica. A tetanospasmina se liga aos neurônios próximos ao ferimento e se dissemina até o sistema nervoso central e pelo resto do periférico numa velocidade de 750 mm/dia, além de se disseminar também pela corrente sanguínea. Por onde passa a neurotoxina, os neurônios inibitórios, secretores de ácido gama-aminobutírico (GABA) e glicina vão ser inibidos, não exercendo o papel de enfraquecer o estímulo nervoso para assim prover o relaxamento muscular. Essa não-inibição pode perdurar por várias semanas.
Outros efeitos da tetanospasmina incluem o de induzir a liberação de catecolaminas e mimetizar o efeito da ECA, fato esse comprovado pela inibição, mesmo limitada, da toxina com o uso do captopril.
O Clostridium tetani possui duas formas: esporo e vegetativa. Ele pode habitar o intestino dos humanos sem causar dano, pois não tem poder invasivo, sendo dependente da solução de continuidade de tegumento para atingir os tecidos. Por estar na forma de esporo na poeira, essa costuma ser a forma infectante, embora não seja capaz de produzir a neurotoxina.
Para que a tetanospasmina seja produzida, o meio de inoculação do Clostridium tetani precisa estar em estado de baixo óxido-redução, sendo necessário algum nível de necrose, além de ter a profundidade como um fator facilitador ao restringir a entrada de oxigênio. É também necessário a co-infecção com outras bactérias aeróbicas que consumam parcialmente esse oxigênio local. A difusão neurotóxica se dá através da captação da tetanospasmina pelos neurônios e assim se acumular.
Quanto menor o tempo de incubação e menor o tempo de progressão – tempo entre o primeiro sintoma e primeiro espasmo – pior o prognóstico. Quando essa for inferior a 48 horas, estima-se estar diante de um quadro grave.

TRATAMENTO
A abordagem inicial é a procura da porta de entrada e o seu debridamento. Depois, para bloquear a toxina livre é utilizada imunoglobulina antitetânica. São aplicados 500 a 1.000 unidades próximas da lesão, e os 4.000 a 4.500 divido entre os demais membros. Nos recém-nascidos deverá ser aplicada a dose perilesão de 250 a 500 unidades e 1.000 a 2.500 divididos entre os demais membros.
A antibioticoterapia pode ser realizada com metronidazol ou penicilina, embora a primeira opção é mais viável pela chances de inibição do diazepam pela penicilina. O metronidazol deve ser utilizado de 6/6 h na dose de 500 mg.
Deverá transcorrer a vacinação em três doses, a primeira já no primeiro atendimento, seguida de nova dose a cada dois meses. O reforço para adultos é a cada cinco anos na ocorrência de lesão suspeita ou dez anos na ausência desta. Para crianças são utilizados dois reforços, uma dose com 18 meses após a terceira e nova dose cinco anos após. Morfina vem sendo utilizada para diminuir os sintomas, porém, a eficácia para esses casos é pequena.

REFERÊNCIAS
COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;
MESQUITA, Francisco Carlos Lopes; MIRANDA, Ester Castello Branco Mello. Tétano in: Doenças infecciosas e parasitárias: enfoque amazônico. Belém: Cejup: UEPA: Instituto Evandro Chagas, 1997.;
BRAUNER, Janete Salles. Estudos de tétano em UTI: modificações da mortalidade em duas décadas e análise neuro-humoral e cardiovascular de pacientes com tétano grave. Tese de Doutorado em cardiologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2002.

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