segunda-feira, 22 de abril de 2013

DOENÇA DE CHAGAS



Figura 01: imagem do Triatoma infestans, o popular barbeiro. Imagem encontrada em http://cukabiologica.blogspot.com.br/2011/03/parasitismos-os-protozoarios-e-saude.html


EPIDEMIOLOGIA E AS VIAS DE TRANSMISSÃO DA DOEMÇA DE CHAGAS

Estima-se a existência de 3 milhões de infectados no Brasil. A infecção se dá pelos seguintes tipos: transmissão pelo vetor; transfusão sanguínea, transmissão congênita, pois são identificados ninhos de tripanosomas nas placentas, transmissão oral pelo leite materno na fase aguda e ingesta carnes derivadas de animais contaminados, e por fim transplante.


CICLO DO TRIPANOSSOMA
Figura 02: ciclo do tripanossoma cruzi. Imagem encontrada em: http://miriamsalles.info/wp/archives/3512
O agente etiológico dessa patologia é o protozoário chamado Tripanossoma cruzi, possuidor de ciclo heteroxêmico, ou seja, seu ciclo reprodutivo precisa infectar mais de uma espécie de hospedeiro. O invertebrado relacionado é apenas o triatomíneo (barbeiro), enquanto haja um razoável número de vertebrados suscetíveis à infecção. O protozoário, da classe Kinetoplastida, é identificado pela presença de uma mitocôndria modificada rica em DNA, o cinetoplasto. O polimorfismo deste parasita se relaciona com a capacidade infectiva e resistência a anticorpos, pois a forma larga terá menor virulência e maior resistência a anticorpos, enquanto as formas delgadas são mais infectantes e com maior exposição aos mecanismos de defesa. Essas formas também tem preferência por infectar as células do sistema fagocitário do baço, fígado e medula óssea, enquanto as formas largas têm preferência por células musculares, por exemplo, as cardíacas.

As formas infectantes serão distintas nos diversos hospedeiros. No invertebrado existirão as três formas: esferomastigotas no estômago e intestino, epimastigotas no intestino e tripomastigotas no reto, sendo esta última a forma contaminante.


CICLO NO VERTEBRADO

As formas tripomastigotas são as formas infectantes, ocorrendo através das fezes do triatomíneo depositadas junto ao local do repasto. Essas formas penetram e interagem com células do sistema monomorfonuclear fagocitário (SMF), onde se multiplicam por divisão binária. A partir daí seguem três caminhos: são destruídas, ficam na corrente sanguínea ou infectam algum órgão.

Quando as formas tripomastigotas invadem o organismo terminam por interagir com receptores de membrana no macrófago, o que induz a formação do vacúolo fagocitário e consequente contato com enzimas lisossômicas. Se houver alguma forma epimastigota ela será destruída, enquanto que a forma tripomastigota migrará para o citoplasma e se transformará em amastigotas três horas depois da infecção celular. Essa se reproduzirá continuamente até o rompimento da célula, assim como ocorre na malária.  Posteriormente essa forma irá retornar à tripomastigota, da qual muitos exemplares não poderão ser destruídos.

A proteção contra os linfócitos se dá pela inibição das moléculas CD3+, CD4+ e CD8+, embora essa última tenha eficácia discretamente maior em relação às outras. Os macrófagos, naturalmente com função imunitária, servem aqui de sítio de replicação, assim como na dengue.  A presença de IL-10 no sangue do hospedeiro indica a inibição de interferon-gama, expressão de óxido nítrico e de MHC de classe II.

A partir daí, se a resposta imune for eficaz, a parasitemia consegue controlar o número de tripanossomas e por isso o indivíduo não apresentará sintomas, caracterizando a forma indeterminada da doença.

O triatomíneo se infecta com as formas tripomastigotas durante o repasto em animais previamente contaminados. No estômago os protozoários com essa forma se transformam em esferomastigotas e então epimastigotas, que irão migrar até o reto do inseto e se transformar em tripomastigotas para serem exteriorizados na defecação pós-repasto.


CARDITE CHAGÁSICA

É a complicação mais comum, de padrão biventricular, apresentando infiltrado linfocitário, miocitólise, edema, hipertrofia e flacidez. Com a passagem para a forma crônica o coração apresenta arritmias e fenômenos tromboembólicos, grande hipertrofia e fibrose muscular. A lesão mais característica é a lesão apical, com substituição do miocárdio por fibrose em aurícula direita e ponta do ventrículo esquerdo. Agregação plaquetária sobre os leitos vasculares formam uma barreira e é o motivo para a lesão de microcirculação e posterior fibrose. A patologia também cursa com vasodilatação via mediadores inflamatórios e do próprio parasita, com perda da oxigenação em regiões limítrofes aos endotélios vasculares de consequências fibróticas importantes. Em resumo, a fibrose ocorre por hipóxia ocasionada pelo impedimento da passagem do oxigênio através do epitélio vascular, e não por trombos.
 
Na forma crônica o coração evolui com insuficiência cardíaca por sua flacidez e dilatação, tomando forma arredondada, vasos congestos com dilatação proeminente do lado direito, alterando tanto a frequência quanto a motilidade do órgão. O afilamento da ponta do ventrículo é motivo para o aneurisma cardíaco. Essa mesma lesão também ocorre em outros locais, como a parede látero-posterior do ventrículo esquerdo.

Um fato interessante sobre o infiltrado inflamatório é que seu principal agente, os linfócitos,  agridem também células não parasitadas, sugerindo a existência de outros mediadores do ataque às fibras cardíacas no Chagas. Um exemplo é a presença do fator de crescimento transformante beta, sem o qual não há introdução do parasita nas células. Ocorre também reação cruzada entre antígenos dos T. cruzi e das fibras cardíacas levando à reação autoimune não-dependente da carga de parasitas, pois a agressividade inflamatória na fase crônica não é desproporcional ao número de tripanossomas nas células. Os tripanossomas, então, funcionam como um disparador da reação inflamatória, cuja agressão atinge fibras não parasitadas. A gravidade da cardiopatia chagásica, é também inversamente proporcional à idade, sendo mais grave em crianças menores de dois anos.


HABITAT E VETOR DA TRIPANOSSOMÍASE

Os hospedeiros do ciclo silvestre são o tatu e o gambá. Os mais importantes do ciclo domiciliar é o cachorro, o gato e o rato.

A colonização brasileira e o tipo de moradia construída pelos colonos foi o início da sinantropia (adaptação do animal à moradia humana após alteração do ambiente silvestre). O caso dos Estados Unidos, onde as moradias mais antigas não foram feitas de pau-a-pique e barro conservou o ciclo silvestre do triatomíneo. No Brasil, onde o poder aquisitivo é pequeno, casas de construção com frestas se tornam moradias para o triatomíneo, que se pré-infecta no ciclo silvestre e repassa a infecção através do repasto no humano.


DIAGNÓSTICO

O exame solicitado após o paciente informar ser vítima do repasto sanguíneo pelo triatomíneo é “sorologia para chagas”, ou seus sinônimos “sorologia para T. cruzi” ou apenas “tripanossoma cruzi”. A sorologia atualmente não é mais realizada pelo método Machado Guerreiro, pois tanto a especificidade quanto a sensibilidade deste exame são baixos. Os métodos atuais se aproximam de 100% na detecção da patologia, inclusive em casos de doença de Chagas crônica não identificada.  

Caso seja realizado a radiografia de tórax na fase crônica será identificada a cardiomegalia de discreta a importante, congestão pulmonar, ou até aumento isolado do ventrículo esquerdo.


SINTOMAS

Da fase aguda para a crônica o paciente passa por diversas manifestações até entrar em equilíbrio parcial com a quantidade de parasitas em seu organismo. As manifestações da fase aguda se iniciam nos primeiros dias e abramgem febre, mal-estar, astenia e hipertrofia de linfonodos. O paciente pode apresentar o sinal de Romoña, que é um edema bipalpebral elástico e indolor de aparecimento abrupto. As pálpebras terão uma coloração violácea e aumento de linfonodos satélites, nesse caso os pré-auriculares, parotídeos ou submaxilares. Pode surgir também o chagoma de inoculação na pele, que é uma saliência redonda, quente e ruborizada. O ECG já vai apresentar modificações, com alargamento do espaço P-R, inversã ou baixa voltagem da onda de repolarização ventricular, a onda T. poderão ocorrer extrassístoles também.

A fase crônica é dividida em diversas formas a saber: indeterminada, que é uma fase assintomática, quando ocorre o equilíbrio parcial entre hospedeiro e parasita; a forma cardíaca é a mais incapacitante e a mais relacionada com os casos de evolução para a morte, englobando a dor precordial, tosse tonturas, síncopes, além de hipofonese e desdobramento de segunda bulha; A forma digestiva se caracteriza por lesões em plexos nervosos simpáticos, alterando a morfologia em todo o trato digestivo. O megaesôfago e o megacólon são as manifestações mais comuns. Do primeiro surge a regurgitação, epigastralgia, dor retroesternal e odinofagia (dor no momento da deglutição) e emagrecimento. Do megacólon advém a constipação com evolução para o fecaloma e o meteorismo.

A forma mista envolve o comprometimento do coração e intestino. A forma crônica congênita sempre cursará com hepatomegalia e icterícia, tendo também casos de hipoglicemia importante.




TRATAMENTO

Caso a infecção ocorra pode-se fazer o tratamento com o rochagan. Este medicamento é administrado via oral na dose de 5 a 7 mg/Kg de peso por dia divididos em duas administração de 12/12h, preferencialmente após o café e jantar. Em crianças a dose é de 5 mg/Kg de 12/12h pelo mesmo período. Seu uso deve ser feito de 30 a 60 dias, possui uma ligação a proteínas plasmáticas muito baixa, em torno de 44%. Infelizmente sua eficácia é comprovada apenas na fase aguda ou início da fase crônica.

A OMS faz a recomendação da administração de 30 a 60 dias, mas alguns especialistas o recomendam por até 90 dias. Nos pacientes que utilizaram esse medicamento por logo tempo demonstraram uma melhora da parasitemia e da função cardíaca. O tratamento só estará fechado quando os exames diagnósticos estiverem negativos por um ano. A caixa contém comprimidos birranhudos de 100 mg.

Os problemas desse medicamento são os efeitos adversos, que fazem muitas vezes o médico esperar o resultado dos exames sorológicos para iniciar a terapia de em paciente picado pelo triatomínio. Esses efeitos não ocorrem na maioria dos pacientes que fazem uso da dose adequade, e englobam: na primeira e segunda semana podem surgir reações cutâneas que não exigem interrupção do tratamento. Por vezes essas reações podem ser mais intensas, acompanhadas de febre e púrpura, nesse caso exigindo interrupção e reintrodução gradual, quando no geral não aparece sintoma algum. Distúrbios gastrointestinais quase sempre aparecem no início do tratamento, mas com o tempo o organismo se adapta às doses e esses sintomas desaparecem. Leucopanie e trombocitopenia pode surgir com o tratamento mas desaparece com sua interrupção. Cefaleia, vertigem e fadiga são manifestações raras.

Afecções renais, hepáticas e hematológicas são as únicas contra-indicações, porém não são absolutas. A ingesta de álcool deve ser evitada e o paciente deve ter seu hemograma e coagulograma controlado de perto.

Outra opção é o nifurtimox, mas os efeitos adversos são mais complicados, tais como, insônia, sonolência, excitação de sistema nervoso central, distúrbios gastrointestinais, anorexia, dor abdominal, cefaleia, mialgia, artralgia, vertigem, náuseas e vômitos, vertigem e manifestações cutâneas como erupções e reações alérgicas. É altamente contraindicado em gestates, pois foi identificado alterações cromossômicas. A dose para adultos é de 8 a 10 mg/Kg/dia por 60 a 120 dias; para crianças de 1 a 10 anos é de 15 a 29 mg/Kg/dia por 90 dias; de 11 a 16 anos é de 12,5 a 15 mg/Kg/dia durante 90 dias. A dose de 10 mg/Kg/dia também provou ser eficaz contra a leishimaniose.


REFERÊNCIAS

Cardiopatia Chagásica Humana - Aspectos Anátomopatológicos e Patogenia, disponível em http://www.fiocruz.br/chagas/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=94, acessado em 22 de abril de 2013; (DESTAQUE)
VIOTTI, et al. Tratamento f cronic chagas disease wicth benznidazole: clinical and serologic evolution of pacientes wicth long-term follow-up. Am Heart  J. Cap 127. p. 151-162, 1994;
MARIN-NETO, José Antônio; SIMÔES, Marcus Vinícius; SARABANDA, Álvaro V. Lima. Cardiopatia Chagásica. Arquivo Brasileiro de Cardiologia. v. 72. n. 3. Ribeirão Preto, 1999;
GURGEL, Cristina Brandt Friedrich; FERREIRA, Maria Cristina Furian; MENDES, Cleyde Regina; 
COUTINHO, Elaine; FAVORITTO, Priscila; CARNEIRO, Fernanda. A lesão apical em cardiopata chagásicos crônicos: estudo necroscópico. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. v. 43, n. 6. p. 709-712. Nov-dez, 2010;
ALMEIDA, Rodrigues Dirceu. Insuficiência Cardíaca na doença de chagas. Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul. n. 03. Set-out-nov-dez, 2004;
Doença de Chagas, disponível em: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2093/doenca_de_chagas.htm, acessado em 22 de abril de 2013. 

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