quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

TRANSTORNO DA ANSIEDADE GENERALIZADA E SEU TRATAMENTO


TRANSTORNO DA ANSIEDADE GENERALIZADA (TAG)



A ansiedade é um fenômeno inerente ao ser humano, ocorrendo com fins de antecipação de perigos. A ansiedade é uma característica normal, deixando de sê-la quando a intensidade das sensações começa a interferir no funcionamento social, familiar e profissional do indivíduo, sendo secundário a algum evento ao qual os mecanismos de adaptações do indivíduo falham.
O transtorno da ansiedade engloba os planos da consciência, quando sentimentos desagradáveis deflagram a sudorese, palpitações e inquietações; e engloba também no plano visceral, ativando o sistema simpático e parassimpático (gênese da disfunção sexual).
A falência dos mecanismos de adaptação pode ter diversos graus de gravidade, podendo ocorrer até mesmo morte, exemplificado na seguinte sequência: primeiramente ocorre a reação de alarme com aumento da pressão arterial, aumento dos glóbulos vermelhos e do açúcar no sangue, dilatação dos brônquios e das pupilas; segue-se uma fase de resistência, com aumento do córtex suprarrenal, irritabilidade, insônia, doenças do humor e disfunção sexual; por último segue a fase de exaustão, com retorno parcial e breve à reação de alarme, falha dos mecanismos de adaptação, esgotamento por sobrecarga fisiológica e morte.
Isso pode ocorrer no transtorno da ansiedade generalizada, visto que sua definição é expectativa apreensiva ou preocupação excessiva, ocorrendo na maioria dos dias e com duração de pelo menos seis meses. Para ser diagnosticado o paciente necessita ter, pelo período anteriormente citado, três dos seguintes sintomas: fadiga, dificuldade de concentração, insônia, pontos de tensão muscular mantida, preocupação excessiva e prejuízo ocupacional ou social. É importante notar que para crianças apenas um desses sintomas é suficiente para o diagnostico. Os alvos das preocupações para os adultos geralmente são: responsabilidades no emprego, finanças, saúde da família, atrasos e compromissos, infortúnio dos filhos      e até mesmo tarefas domésticas. Já para as crianças as preocupações geralmente tratam do desempenho escolar.
Margis e cols, afirmaram que na gênese da TAG é envolvida uma propensão genética em lidar ineficazmente com seus problemas e que na realidade o fator imperante é a subjetividade do indivíduo ao enxergar a dimensão dos eventos e qual o peso estressante para si. Esses eventos podem ser estressantes ou traumáticos. Quando estressantes podem ser dependentes, quando o indivíduo é participativo, ou independentes, quando os acontecimentos estão alheios ao indivíduo. A diferença entre o evento traumático e estressor é que no segundo, o afastamento do evento devolve o equilíbrio ao indivíduo, enquanto que no segundo, o evento inevitavelmente provoca danos no indivíduo por longo tempo. 
A principal característica da TAG é que a preocupação é desproporcional ao evento deflagrador. É de difícil controle e geralmente impede que o indivíduo manifeste suas funções cotidianas normalmente, com agravamento crescente e caminho para outros transtornos, tais como a síndrome do pânico, quando o indivíduo passa de crises focais para viver com ansiedade e medo da própria ansiedade. Como o indivíduo quer evitar a crise, ele acaba evitando locais e situações que estão associados a crises anteriores e é nesse aspecto que sua vida social é atingida. Os sintomas são: palpitações, sudorese, tremores, dispneia, sensação de asfixia, dor, náuseas, tontura, despersonalização, medo de enlouquecer, medo de morrer, parestesias e calafrios. Ainda na TAG, por muitas vezes o indivíduo não reconhece a fonte de suas preocupações.

REAÇÃO DO CORPO AO ESTRESSE
A reação ao estresse é deflagrada pelo hipotálamo, mas esta glândula precisa receber primeiro um sinal das amigdalas, estruturas situadas abaixo do córtex anterior e em ambos os lobos cerebrais. Essa informação surge das amigdalas, que é parte do sistema límbico, justamente onde estão as informações sobre o que consideramos ameaças. Quando existe a ansiedade generalizada, ocorre uma exacerbação da atividade desse sistema por um desequilíbrio entre a os sinalizadores excitatórios e inibitórios, tais como a noradrenalina e a serotonina respectivamente. O córtex manda então um sinal estimulatório para as amigdalas, que o distribui para diversos locais, mas principalmente para o hipotálamo, onde serão liberadas os neurotransmissores que comandarão os seguintes efeitos: aumento da pressão arterial, aumento da frequência cardíaca, diminuição da motilidade gástrica, dilatação pupilar, piloereção e secreção de gonadrotopinas e hormônio adenocorticotropico pela hipófise.
O sono leve e insônia é um exemplo de reações do corpo à ansiedade, ocorrendo devido à ligação de neurônios do sistema límbico com o locus ceruleus, porção cerebral participativa na manutenção do sono REM, que é um estado de sono mais passível de ser despertado. Ou seja, quanto mais eventos estressores ocorrerem, maior será a estimulação do locus ceruleos, já que a produção dos sinalizadores excitatórios (noradrenalina como no exemplo anterior) será maior. Por conta disso o mais discreto ruído pode estar interrompendo o sono, mesmo durante a madrugada, explicando a falta da qualidade de sono das pessoas ansiosas e o estresse diurno que se segue. Outras reações envolvem a inibição da liberação de serotonina, o que causa rebaixamento do limiar de dor, pois este neurormônio é inibitório e está envolvido com a inibição da sensação de dor.
Selye, na década de 1930, descreveu toda ocorrência do estresse sob o nome de Síndrome Geral de Adaptação, com três fases sucessivas: alarme, resistência , esgotamento . A fase de alarme é crônica, com a pessoa vivendo em função do futuro, sempre em conflitos entre o poder e não querer, dever e não querer, fazer e não poder. Após a fase de esgotamento, observava o surgimento de algumas doenças, tais como a úlcera péptica, a hipertensão arterial, artrites e lesões miocárdicas.  Nesse caso, chama-se de distúrbios somatizadores, quando um problema psicológico causa alterações orgânicas, podendo ainda ocorrer dor, dificuldade respiratória, febres inespecíficas e fraqueza. Os sintomas são reais, embora sejam uma resposta secundária ao estado mental do paciente.
Alguns casos são mais graves, como o que se vê no distúrbio de conversão, ao que pode se seguir cegueira, surdez ou convulsões simuladas. 

TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS DA ANSIEDADE
Os pacientes relacionados a essa patologia são comuns. Cerca de 24% dos pacientes que utilizam ambulatórios sofrem com algum distúrbio da ansiedade. A primeira linha de tratamento dos transtornos da ansiedade são os inibidores da recaptação da serotonina. Outra boa de escolha são os antidepressivos tricíclicos e benzodiazepínicos.
Antidepressivos tricíclicos
Dentre os antidepressivos tricíclicos uma escolha razoável é o alprazolam. Ele é administrado via oral, em dose de 0,25 a 0,5 mg por três vezes ao dia, sendo absorvido pela mucosa estomacal e alcançando concentração sérica máxima de uma a duas horas após a administração. Sua meia vida é de 11 a 15 horas, com uma ligação a proteínas plasmáticas em torno de 70 a 80%. Ele é metabolizado no fígado a uma forma inativa, a alfa-hidroxialprazolam, que também possui os mesmos efeitos, porém mais brandos.  É lentamente metabolizada, contudo sua excreção pela urina é eficaz. Uma de suas aplicações menos usuais, mas que apresentam boas repostas é no tratamento da síndrome pré-menstrual, embora nesses casos ele só deva ser utilizado na fase lútea, quando a liberação de progesterona tende a incitar maiores efeitos psicológicos.
Seu uso em pacientes com insuficiência hepática e renal deve ser conduzido com cuidado. Em grávidas esse cuidado nunca deve ser esquecido, pois esse medicamento possui a capacidade de atravessar a placenta e até ser excretado no leite materno. Nos estudos envolvendo o alprazolam não foram observados efeitos teratogênicos, mesmo quando em ratos se infundiu dose 150 vezes maior que a diária humana.

Inibidores da recaptação da serotonina
A serotonina possui um grande número de receptores. São eles: 5HT1A, 1B, 1D, 1E, 1F, 5HT2A, 5HT2B, 5HT2C, 5HT3, 5HT4, 5HT5A, 5HT5B, 5HT6 e 5HT7. Esse neurotransmissor pode ter um efeito inibitório ou excitatório a depender de qual receptor esteja envolvido. No sistema límbico, que regula as emoções, os receptores serão os 5-HT1A, que são inibitórios e por isso quando há acoplamento da serotonina os estímulos são lentificados. Como outros neurotransmissores, ela é recaptado para o neurônio de origem, e sua inibição é justamente o que vai tornar o neurônio menos ativo e o indivíduo mais calmo.

Benzodiazepínicos
O mecanismo de ação dos BZD se encontra na ligação com receptores próprios, ou seja, BZD, e nos canais de cloro, facilitando a ligação com o GABA e por isso produzindo inibição neuronal por hiperpolarização. Geralmente o tratamento deve transcorrer por seis semanas e o desmame deve ser gradual, com retirada de ¼ da dose a cada uma ou duas semanas. É recomendado também que seja mantida a dose mínima possível após a estabilização dos primeiros sintomas. Infelizmente mesmo com o seguimento desses critérios uma grande parte dos pacientes cursa com recaída durante o desmame, o que demanda tratamento por longo prazo.
Muitos criticam a utilização dessa classe de medicamentos devido aos riscos de dependência e tolerância, além da necessidade do desmame cuidadoso. Por isso a escolha deve ser cuidadosa. Uma opção de medicamento é o diazepam, sendo justificado pelo fato da meia vida longa e por isso uma menor gama de reações entre as doses, além da menor intensidade dos sintomas de abstinência. Estudos mostram, inclusive, que o uso da buspirona associado a um antidepressivo reduz a chances de reincidência das crises após o desmame.

Buspirona
Única medicação da classe das azapironas comercializado no Brasil. Uma das hipóteses de ação deste fármaco é a de agir como agonista dos receptores 5-HT, que são serotonérgicos e sua atuação em somatodentritos pré-sinápticos, diminuindo a frequência de disparos dos neurônios relacionados; a outra hipótese é de ser agonista parcial dos receptores de serotonina pós-sináptico, reduzindo a frequência de estimulação. A ação dos seus princípios ativos vão diminuir a secreção de serotonina, mas o efeito agonista nos receptores 5-HT são muito maiores e compensam essa diminuição, determinando seus efeitos inibitórios.
 Seus efeitos são correspondentes ao alprazolam, aparentemente não apresentando risco de síndrome de abstinência ou dependência, nem interação com álcool ou outras drogas hipnóticas e sem prejuízo psicomotor. A dose terapêutica varia de 30 a 60 mg/dia por quatro semanas, não apresentando melhora em relação aos benzodiazepínicos no tratamento do transtorno da ansiedade generalizada. Sua melhor resposta ocorre quando os sintomas envolvem irritação, tensão e preocupações.
Essa medicação deve ser utilizada com precaução em pacientes com hepatopatias, pois, por exemplo, foi identificada uma concentração sérica 16 vezes maior em pacientes cirróticos. As mesmas precauções devem ser tomadas com relação à insuficiência renal, porém para os dois casos as doses séricas estacionam seja qual for o grau de comprometimento após o terceiro dia de uso. Se for administrada junto com rifamicina, as doses séricas caem, pois este antibiótico é indutor enzimático do CY3A4, um componente do complexo citocromo P450 que está envolvido na metabolização da bruspirona.
É altamente absorvido no trato digestivo, alcançando concentração sérica máxima em 40 a 90 minutos.  O efeito do metabolismo de primeira passagem diminui drasticamente a biodisponibilidade, mas o uso junto com a comida ajuda a manter os efeitos, pois diminui a velocidade de absorção. A ligação com as proteínas hepáticas é de ordem de 95%, a meia-vida é de 2 a 4 horas, com metabolização hepática dando origem a metabólitos inativos e ativos (proporção de 25%), esses tão eficazes quanto o próprio medicamento. A excreção se faz tanto pela urina, como pelas fezes.
Este medicamento tem um início dos efeitos em 2 a 4 semanas, e parece não ter efeito sobre o transtorno do pânico.

Tratamento fitoterápico
Dentre os medicamentos fitoterápicos indicados para o tratamento da ansiedade generalizada, o único que realmente passou por estudos foi o Kava-kava. Ele age como agonista GABA-érgico, inibindo a ação excitatória do glutamato e da dopamina, além de diminuir as concentrações de serotonina. A dose usual é de 300 mg, tomada via oral por três vezes ao dia.

Beta-bloqueadores
Essas medicações também podem ser utilizadas no tratamento da ansiedade, sendo mais indicadas quando se trata de pacientes com extrema preocupação. Seu mecanismo não está bem explicado, mas seus efeitos terminam por diminuir a erceção dos sintomas somáticos periféricos, tais como tremor, taquicardia e sudorese.


REFERÊNCIAS
Regina Margis; Patrícia Picon; Annelise Formel Cosner; Ricardo de Oliveira Silveira- Relação entre estressores, estresse e ansiedade - Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul v.25  supl.1 Porto Alegre abr. 2003 in: http://www.psiqweb.med.br, acessado em 07/12/2012, às 08:00.

CASTILLO, Ana Regina GL; RECOMBO, Rogéria; ASBAHR, Fernando R; MANFRO, Gisele G. Transtorno da Ansiedade. Revista Brasileira de Psiquiatria. N° 22 (supl II): 20-3. 2000.

M. Versiane. Diagnóstico e tratamento dos transtornos da ansiedade. Projeto Diretrizes. Associação Brasileira de Psiquiatria. Março, 2001.

ANDREATINI, Roberto; BOERNGEN-LACERDA, Roseli; ZORZETTO FILHO, Dirceu. Tratamento farmacológico da transtorno da ansiedade generalizada: perspectivas futuras. Revista Brasileira de Psiquiatria. N° 23: 233-42. 2001.




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