quinta-feira, 11 de outubro de 2012

LACTAÇÃO - FISIOLOGIA, VANTAGENS E CONDUTA DIANTE DAS AFECÇÕES DA MAMA DA NUTRIZ


ANATOMIA DA MAMA E FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO



A mama é composta basicamente por tecido conjuntivo, adiposo e por alvéolos responsíveis à prolactina. Dois terços das alvéolos mamários se encontram aproximadamente 30 mm próximos da base dos mamilos. O mamilo ou papila mamária é uma proeminência escurecida na altura do quarto espaço intercostal. Externamente possui células estratificadas queratinizadas, e no seu interior há fibras musculares que permitem a protusão da papila a partir da estimulação tátil ou sucção pelo bebê.

O mamilo possui diversas classificações segundo sua forma. Em 90% da população o mamilo é o protuso. Essa é a forma ideal para a lactação. As formas em escala crescente de dificuldade durante a amamentação são: curto (pouco saliente), plano (responde com a estimulação ficando protuso), pseudo-invertido (responde de diversas formas podendo ficar discretamente protuso dependendo da resposta das fibras musculares) e invertido (não responde ao estímulo tátil).

Dois terços da mama repousam sobre o músculo peitoral maior e um terço no músculo peitoral menor. A camada que recobre o peitoral menor, a fáscia peitoral, está separada do seio por um espaço, o espeço retromamário. Esse espaço possibilita uma melhor movimentação da mama.

Pouco acima da mama existe o local de fixação dos ligamentos que sustentam a mama, os ligamentos de Cooper. Eles são o motivo para a o uso de sutiãs largos durante a gestação e lactação, pois como as mamas aumentam de peso tracionado esses ligamentos a favorecendo a ptose mamária – popular mama caída. Os alvéolos são porções secretórias de leite estão dispostas como cachos de uva na mama. Eles drenam para os ductos lactíferos, que por sua vez drenam para os seios lactíferos. Os seios lactíferos são porções dilatadas dos ductos que armazenam gotículas de leite, extravasadas no momento em que o bebê pressiona a auréola com a boca.

Nos ciclos menstruais, um dos efeitos do estrogênio é aumentar o depósito de gordura mamária, além do aumento das ramificações dos ductos lactíferos. Durante a gravidez essa estimulação aumenta por conta da elevação na secreção de estrogênio sustentada pela placenta, culminando numa ramificação ainda maior desses ductos, além da maximização de todos os efeitos estrogênicos do ciclo menstrual normal. Contudo, o aumento dos ductos não é restrito aos efeitos advindos do estrogênio. Os outros hormônios participantes são a insulina, glicocorticoides adrenais, prolactina e hormônio do crescimento.
Todos esses hormônios juntos multiplicarão os alvéolos mamilares e os ductos lactíferos, no entanto, não comandarão a secreção de leite por conta da capacidade inibitória do estrogênio e progesterona. Essa secreção ocorrerá na presença dos níveis aumentados de prolactina, que se eleva gradualmente a partir da quinta semana de gestação. Ao termo esse aumento já chegou a 10 a 20 vezes mais. Essa estimulação da produção láctea tem a sinergia da somatomatropina coriônica humana, que é secretada pela placenta e têm propriedades lactogênicas.

Até o nascimento do bebê a progesterona e o estrogênio “vivem em queda de braço” com a prolactina e a somatomatropina coriônica humana, culminando numa secreção láctea discreta, quando essa existir. Já após o nascimento e com a perda da placenta – principal produtora de progesterona – a inibição da lactação não vai ocorrer e assim a prolactina estará livre para exercer suas propriedades. Por esse efeito a secreção de colostro se faz logo após o parto ou até mesmo durante ele, evoluindo para a secreção de leite sete dias depois. Os hormônios cortisol, insulina, paratormônio e hormônio do crescimento terão papel essencial na produção de leite ao fornecer aminoácidos, ácidos graxos, glicose e cálcio para a produção de leite pela mama.

A secreção de prolactina que se inicia com a gestação, tão essencial para a produção do leite, vai estar principalmente envolvida no desencadeamento da amamentação, pois a secreção dessa volta aos níveis não-gravídicos em poucas semanas, deixando a sua liberação na dependência da sucção da aréola pelo bebê. Essa sucção comanda o envio de sinais neurais até o hipotálamo, culminando num aumento das secreção de prolactina pela hipófise de 10 a 20 vezes acima do normal por aproximadamente uma hora. É interessante notar que a estimulação causada pela prolactina ocorre nas duas mamas simultaneamente, ainda que apenas uma tenha sido estimulada.

Esses sinais neurais na realidade vão inibir a produção do fator inibidor de prolactina pelo hipotálamo, por isso ocorrendo os picos de produção de prolactina, embora sem interferir em outros hormônios envolvidos na produção de leite como o hormônio do crescimento. Sendo assim, o bloqueio do sistema porta hipotálamo-hipofisário aumentaria a produção de prolactina e consequentemente de leite pelos alvéolos mamilares por cancelar a chegada na hipófise de um hormônio que prejudicaria a produção de leite pelos alvéolos mamilares.

Da mesma maneira vai haver também estimulação da secreção de ocitocina, que assim como na sua atividade de contração uterina vai induzir contração das células mioepiteliais dos alvéolos, culminando na passagem do leite para os ductos lactíferos. A partir daí, o responsável pela saída do leite da mama será a sucção do bebê, este recebendo o alimento após 30 segundos a um minuto de ordenha.

Outra característica dos sinais neurais originados com a sucção da mama é o seu poder de inibir o hormônio liberador de gonadotropina, também produzido pelo hipotálamo. Isso termina com supressão da liberação dos hormônios luteinizante e folículo estimulante (LH e FSH) pela hipófise, impedindo a ovulação e por isso funciona como método contraceptivo, ainda que de baixa segurança.


 COMPOSIÇÃO DO LEITE

A composição do leite engloba 88,5% de água, 3,3% de gorduras, 6,8% de glicose, 0,9% de caseína, 0,4% de lactoalbumina e outras proteínas e 0,2% de cinzas. A porcentagem de gordura, por exemplo, exige que sejam retiradas da mãe 50 gramas de gordura e 100 gramas de lactose todos os dias. 2 a 3 gramas de fosfato também são perdidas diariamente, além de grandes quantidades de cálcio que dependem muito do ritmo da amamentação, mas certamente custará muitas das reservas fisiológicas da mãe, a não ser que a ingestão de outros leites seja significativa e assim compense as perdas. Sobre essa questão é ainda recomendado que a mãe varie a ingesta dos tipos de leite, pois a grande ingesta de leite de vaca pode induzir intolerância no bebê, mesmo se em amamentação materna exclusiva.

A composição do leite materno atravessa três estágios e por isso ganha as denominações: colostro, leite de transição e leite maduro. Considerando uma puérpera que oferece amamentação exclusiva ao seu filho, a secreção de colostro irá perdurar por até sete dias após o parto. A maior parte de suas proteínas é constituída por imunoglobulinas necessárias à defesa nos primeiros dias de vida. Não apenas uma defesa já formada, as imunoglobulinas advindas do colostro também favorecem o amadurecimento do sistema imune da criança, além de favorecer o correto trânsito intestinal.

Do oitavo ao vigésimo dia o leite passa a ser denominado de leite de transição, pois as modificações, ainda que mais lentas em relação à última fase, caminham na direção do leite maduro. O leite de transição perde porção de proteínas, mas ganha concentração de gordura. A partir do vigésimo primeiro dia a alta concentração de gorduras permite a denominação de leite maduro.


MITOS

O mito do leite fraco envolve a coloração mais transparente em relação ao leite de vaca nos primeiros dias de lactação, além do fato de não levar a um peso elevado como deveria, afirmação essa muitas vezes atribuída por familiares próximos, como as avós. Pode-se orientar à mãe que seja observada a coloração do leite no início e fim da mamada, pois ela fica gradativamente mais espesso e de coloração forte com o passar da mamada. É recomendado também que a mãe repouse durante a tarde entre as mamadas e ingira líquidos em grande quantidade. Um sono de sete horas seguidas seria o necessário para que a mulher atingisse o pico de prolactina. Então quanto mais perto a mulher conseguir chegar desse período melhor.

Quando o leite não é produzido em quantidade suficiente, pode estar ocorrendo uma incorreta posição do bebê no momento da amamentação e por isso o bebê se irrita e a mãe acaba oferecendo alimentos alternativos. Com isso a frequência da oferta da mama ao bebê diminui e a estimulação por sucção dos mamilos é deprimida. A consequência é uma menor secreção de prolactina e com isso a secreção láctea realmente diminui. Se a hipogalactasia ocorrer é necessário que se estimule a mama de hora em hora, utilizando uma seringa de 20 ml. Para isso pode-se cortar o bico da seringa, inverter o lado de entrada do êmbolo e utilizar a entrada anterior do êmbolo para encaixá-la no mamilo. A retração do êmbolo irá simular a sucção do bebê e estimulará a produção de prolactina.  Atualmente não foi descoberta a relação entre ingesta de alimentos e aumento da secreção de prolactina. A ingestão de cerveja preta é falsa e inclusive deve ser evitada.

A ptose mamária (caída dos seios) não ocorre por conta da amamentação e sim por alterações do peso da mama ocorridos desde a gravidez. Nessa fase a embebição das mamas e aumento das glândulas eleva o peso das mesmas, aumentando a tração sobre os ligamentos de Cooper e tracionando as mamas para baixo. A utilização de sutiã largo durante a amamentação reduz a ptose mamária.


VANTAGENS DA AMAMENTAÇÃO PARA A MÃE E PARA O BEBÊ

As vantagens da amamentação são amplas. Devido às imunoglobulinas advindas da sucção as vias respiratórias estão protegidas e com isso os bebês ganham defesa contra otities, infecções intestinais e urinárias. O fator psicológico também tem grande peso, refletido na estimulação do vínculo mãe-filho e pelas diferenças entre a verdadeira ordenha e a ordenha por materiais artificiais. As crianças que exercem a verdadeira ordenha são mais ativas, personalidade mais estável e socialmente adaptadas.

Quanto a enterocolites, a proteção se dá não pela exposição a imunoglobulinas, mas também pela quebra da exposição à água, já que o leite materno nos primeiros seis meses de vida dispensa qualquer outro tipo de alimento. Também é vantajosa a alta disponibilidade de colesterol, que induz o amadurecimento do sistema enzimático. Se aliada essa evolução enzimática à presença de um carboidrato – o fator bífido – estimulador do crescimento do Lactobacillus bífidus, bactéria cuja atividade rebaixa o PH intestinal, a criança se transformará em um bom metabolizador de colesterol.

O leite humano tem alto teor de lactose, da qual se origina a glicose e a galactose. Essa última é essencial para a formação de estruturas amolecedoras das fezes do bebê, os cerebrosídeos. A ausência de constipação favorecida aqui é importante para que a criança não se esforce no momento da evacuação e assim não favoreça o aparecimento de herniações.

Uma grande vantagem para os bebês cujas mães não introduzem o leite de vaca precocemente é que o leite humano possui menor quantidade de sódio. Como a capacidade absortiva tubular é pequena, o aumento da concentração de solutos e assim da osmolaridade irá culminar em desidratação. Além disso, a proporção maior de caseína no leite de vaca produz um coágulo mais rígido em relação ao advindo do leite materno, facilitando o enchimento estomacal e por isso a ocorrência de refluxos.

Em relação às mães a amamentação aumenta o período interregne (ínterim entre duas gestações), na medida em que funciona como método contraceptivo. Ajuda também ao retorno aos contornos do corpo anteriores à gestação, pois o restante das reservas acumuladas durante a gestação serão utilizadas para a fabricação de leite, além de contribuir para a secreção de ocitocina e por isso previne hemorragias e agravamento de quadros de anemia.

A proteção contra os cânceres de mama e ovários provavelmente se dá pela redução da exposição de hormônios estrogênicos e outros hormônios esteroides. Já que a amamentação prolonga a anovulação isso inibiria a proliferação celular nos ovários e por isso a incidência da patologia cai. Sobre esse aspecto está bem estabelecida, ao menos, a associação entre amamentação e menor incidência desses cânceres.  


AFECÇÕES DA MAMA DURANTE A AMAMENTAÇÃO

As fissuras mamilares são uma solução de continuidade na superfície dos mamilos. A sua gênese está na incorreta pega da criança no mamilo, além da falta de preparação desse mamilo durante o período gestacional. Apresenta-se como eritema, fissura, bolhas ou equimoses, mas podem ainda evoluir para mastite caso não cuidadas. As queixas vão de dor após as mamadas, que podem ser aliviadas rapidamente ou não, até a dor intensa durante a própria sucção, comprometendo a amamentação. Nos casos mais graves pode haver sangramento.

O ingurgitamento mamário resulta de congestão vascular com obstrução da drenagem linfática e por conta disso o impedimento da expulsão láctea. O aumento de volume das mamas chega até mesmo a diminuir o tamanho do mamilo e dificultar a pega da criança, agravando o quadro. A sequencia de eventos é como segue: retenção de leite      distensão alveolar      compressão dos ductos      obstrução do fluxo de leite        piora da distensão alveolar   aumento da obstrução.

As causas associadas são a utilização de suplementos, restrição da duração das mamadas e aumento da frequência, a pega incorreta do bebê e início tardio da amamentação. A denominação popular “leite empedrado” não é à toa, já que há uma modificação na constituição do leite tornando-o mais denso. Manifesta-se com dor, mamas brilhantes e tensas, regiões tensas isoladas ou endurecimento geral da mama, podendo ocorrer febre.

Existe conduta com a compressa fria logo antes da amamentação e compressa quente entre as mamadas. No momento da compressa quente a mama não deve ser estimulada, sendo ideal que a mulher esteja de tórax desnudo e deitada sobre a cama, pois o sutiã também exerce fricção sobre a mama, culminando no envio de sinais para o hipotálamo. A mamada deve começar pelo seio mais túrgido já que o bebê suga mais no início da refeição. Caso o mamilo esteja túrgido, deve-se fazer uma ordenha manual breve antes da mamada, para causar um pequeno esvaziamento e aumentar a maciez, o que facilitaria a pega do bebê. Caso este não consiga sugar de modo algum, a ordenha manual deve ser realizada para oferecer alívio da dor à gestante. Se forem utilizadas medicações antiinflamatórias, o ibuprofeno deve ser priorizado por apresentar melhor resposta. Deve-se tomar cuidado com a temperatura da compressa fria, pois não deve ser de muito baixa para não aumentar a densidade do leite.

A mastite é inflamação do seio, na maioria das vezes causada pelo Staphylococcus aureus. Se caracteriza por sinais flogísticos em geral, por vezes causando vômitos. A conduta nesses casos também é de aplicar compressas quentes e uso de cefalexina, analgésicos e antitérmicos. Caso esse problema não seja tratado ou tratado ineficazmente poderá evoluir para abcesso mamário. Haverá presença de secreção purulenta que poderá ser drenado para o interior ou para o meio externo a depender da proximidade com a pele. A ultrassonografia poderá identificar as cavidades deixadas pela drenagem do pus. Haverá intensa dor, formação de nódulo perceptível à palpação e febre.

A candidíase será uma infecção bem mais branda em relação à mastite, ocorrendo pela Cândida albicans, geralmente transmitida pela boca do bebê, que por sua vez pode ter sido contaminado pelo canal do parto. É facilmente tratável com nistatina, miconazol ou cetoconazol com aplicação local por 14 dias.

Outro problema é a obstrução de ductos lactíferos. Não deve ser confundido com ingurgitamento mamário, pois essa obstrução é focal, não permitindo a drenagem de leito por aquele local. Os motivos são semelhantes ao ingurgitamento, tais como sutiãs muito apertados, amamentação breve e frequente, além do uso de cremes nas auréolas, que terminam por estimular a liberação dos sinais neurais sem a drenagem devida. A apresentação será por nódulos dolorosos numa mãe sem outras afecções e também não ocorre febre.


REFERÊNCIAS

GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed. 12. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011;

GIUGLIANI, Elsa R. J. Problemas comuns na lactação e seu manejo. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro. 2004; 80(5 Supl): S147-S154;

PINHO, Ana Luiza Neves. Prevenção e tratamento das fissuras mamárias baseada em evidências científicas: uma revisão integrativa de literatura. Trabalho de conclusão de curso de especialização em atenção básica em saúde da família pela Universidade Federal de Minas Gerais. Minas Gerais, 2011;

ZUGAIB, Marcelo et. al. Obstetrícia. ed. 1. Barueri , SP: Malone, 2008.

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