A ÚLCERA PÉPTICA
Primeiramente
devemos nos ater na definição de úlcera: perda de substância da pele ou mucosa,
em particular quando ela mostra leve tendência à cicatrização e evolução
crônica; ou simplesmente ferida de cicatrização difícil. Já úlceras pépticas
são lesões crônicas no trato gastrointestinal que expõem a submucosa à ação de
ácidos gástricos. Geralmente são únicas, de quatro centímetros e de localização
predominante em duodeno e estômago (no antro). Outros locais menos
acometidos são a junção gastroesofágica, dentro ou adjacente a um divertículo
de Meckel com mucosa gástrica ectópica.
Sua
ocorrência é dependente do desequilíbrio entre forças que agridem e protegem a
mucosa gastroduodenal, não tendo relação direta com hiperacidez, como se pode
pensar. Muito direta é a eficiência dos
mecanismos de restituição da mucosa, esta dependente do esvaziamento gástrico,
que por sua vez é dependente do fluxo sanguíneo submucoso. Nesse caso, se o fluxo cai a mucosa é agredida
mais rápido do que reconstituída e assim a ferida se cronifica.
Dentre os
fatores de risco importantes temos o uso crônico de AINES, pois inibiriam a
sínteses de prostaglandinas protetoras da mucosa gástrica, essas indutoras de
muco, secreção de bicarbonato e estimuladores da circulação sanguínea
subcutânea. O fumo diminui o suprimento de oxigênio da mucosa gástrica. Cirrose
alcoólica está ligada tanto a ulcera gástrica, quanto a duodenal. O peso genético
parece não ser predominante na gênese da úlcera péptica, mas personalidade e
estresse psicológico tem se mostrado de ligação íntima, embora não haja
explicação.
FIURA (01): Helicobacter pylori infectando mucosa gástrica.
FIURA (01): Helicobacter pylori infectando mucosa gástrica.
Uma grade
ligação com esse problema é a infecção por Helicobacter pylori (figur 01), esta muito comum, atingindo cerca de metade da população mundial, variando
de país e faixa etária, como ocorre na França, onde 7% da população está
infectada, enquanto que na Costa do Marfim a prevalência chega a 64% na mesma faixa etária. No Brasil em São Luiz
capital do Maranhão a prevalência chega aos chocantes 96%. Apesar de apenas 10
a 20% dos pacientes portadores de H. pylori desenvolverem a úlcera péptica,
essa infecção tem grande importância, pois ocorre em 70% daqueles com úlcera
gástrica e em praticamente todos aqueles com úlceras duodenais. A transmissão é via oral-fecal e oral-oral, sendo que o número mínimo de organismo deve ser de 300.000 unidades, apesar da infecção pós-endoscópica sugerir uma necessidade de um número bem menor. Na cavidade oral o H. pylori fica na placa dentária permanentemente, caso o indivíduo não realize uma boa higiene do local, pois o tratamento sistêmico não erradica o patógeno da cavidade oral. Como a via oral-oral ocorre, o copo previamente utilizado por alguém com o bacilo também se faz importante via de contaminação. a transmissão pós-endoscópica citada ocorre devido ao fato de, por vezes, a desinfecção com álcool ou glutaraldeido a 2% dos materiais utlizados na endoscopia não erradicarem os patógenos por completo.
A relação da presença do H. pylori com úlcera péptica se dá no fato das lesões ocasionadas por sua atividade ser justamente o “motor” para sua sobrevivência, já que a agressão da mucosa traz à superfície substâncias nutritivas para manter o bacilo viável (Figura 02). A regressão da úlcera péptica com o uso de antibióticos contra esse patógeno reforçam essa premissa.
A relação da presença do H. pylori com úlcera péptica se dá no fato das lesões ocasionadas por sua atividade ser justamente o “motor” para sua sobrevivência, já que a agressão da mucosa traz à superfície substâncias nutritivas para manter o bacilo viável (Figura 02). A regressão da úlcera péptica com o uso de antibióticos contra esse patógeno reforçam essa premissa.
As teorias
que tentam explicar essa relação afirmam que embora o Helicobacter pylori não
invada tecidos, produz uma intensa reação inflamatória a partir de grande
secreção e IL-1, 6, TNF e especialmente a IL-8. Essa bactéria quebra a ureia
em produtos tóxicos como cloreto de amônia, produz fosfolipases
e proteases, todos agindo de maneira a quebrar os complexos lipídio-glicoproteína
da mucosa, deixando-a exposta a agressão pelos ácidos do trato
gastrointestinal. Acrescenta-se a isso o simples fato das próprias proteínas do
corpo do patógeno induzirem a reação inflamatória através da secreção de IL-1
beta, IL-6, IL-8 e TNF alfa.
Outra teoria
é que o H. pylori induz a um aumento de secreção de acido clorídrico, aliado a
diminuição da secreção de bicarbonato duodenal. Isso acarreta numa agressão nas
primeiras porções do duodeno enquanto o corpo recupera tais locais com a
proliferação e avanço de células da mucosa gástrica (metaplasia), mais
preparadas contra a acidez, porém facilitadoras da infecção pelo H. pylori. Sua
presença crônica ainda inibe apoptose de células adjacentes. Com
isso, a permanência de células por períodos maiores que o devido resulta na
sobrevivência de células defeituosas e acúmulo de mutações, fatores esses
essenciais, inclusive à ocorrência do câncer gástrico.
Uma
importante descoberta ocorreu a respeito de cepas positivas para um antígeno, o
CagA (fragmento de DNA), indutor de grande resposta inflamatória. A presença de
infecção por H. pylori CagA positivo está relacionada a maior número do microrganismo,
lesão epitelial mais grave, maior possibilidade de evolução para ulceração e
maior risco de câncer gástrico.
Enquanto o
suco gástrico atinge a mucosa desprotegida, o H. pylori em nada é agredido pela
mesma capacidade de quebrar ureia há pouco citada. Isso ocorre por conta da
produção de urease e formação de cloreto de amônia e bicarbonato, que no
interior do patógeno funcionam como receptores de íons hidrogênio, cancelando o
que seria sua destruição. A entrada de uréia na bactéria é controlada por uma
proteína presente na membrana externa chamada urel. Ela é
acida-dependente, com maior entrada de ureia no organismo na medida em que o PH
se reduz.
A anamnese
indica grande relação familiar, pois 30 a 40% dos pacientes tem história
positiva. As manifestações
predominantes são desconforto epigástrico, dor em queimação, dor aguda e
contínua. Alguns casos o problema é descoberto por uma condição secundária como
anemia ferropriva ou hemorragia significativa e perfuração gástrica. A dor
predomina à noite, 1 a 3 horas após as refeições, melhorando com alimentos
alcalinos. Podem ocorrer náuseas, vômitos, inchaço por flatulência, eructação e
grande perda de peso. Quando a úlcera é penetrante a dor é referida nas
costas, no quadrante superior esquerdo do abdome ou no tórax, o que pode levar
a um diagnóstico errado de cardiopatia. Ocorre
também do paciente ser acordado por dor entre meia-noite e três da manhã,
sintoma esse ocorrendo em dois terços dos pacientes, mas
ocorrendo também na dispepsia funcional. As úlceras são de difícil resolução
quando não tratadas (em média quinze anos), com tendência à cronicidade e
recidiva. Os tratamentos disponibilizados hoje geralmente tem boa resposta e
raramente há demanda por cirurgias de correção.
As complicações
mais importantes são hemorragias, que ocorrem em 15 a 20%
dos pacientes, sendo responsáveis por 25% dos óbitos secundários à ulceras.
A perfuração
ocorre em 5% dos pacientes não tratados e é motivo de peritonite. 30%
dos pacientes não tratados também apresentam hemorragia digestiva alta.
A obstrução
por edema e cicatrização ocorre em 2% dos pacientes e evolui com
vômitos intratáveis e cólicas incapacitantes. Dessas três, a hemorragia é o
primeiro sinal do problema em 10% dos pacientes e em 30% o primeiro sintoma é a
úlcera perfurada.
O diagnóstico
é feito por endoscopia digestiva alta, que inclusive permite a realização de
coleta de tecido para biopsia, o que identificará com certeza a presença de H.
pylori se ali estiver. Pesquisa sorológica de anticorpos anti-HP também tem
grande valor, já que a reação inflamatória irá estar ativa na presença do
bacilo.
TRATAMENTO DA
ÚLCERA PEPTICA
Se a gênese
do problema é a infecção por H. pylori inicialmente a intensão é restabelecer a
mucosa gástrica. Pode-se então utilizar a associação de um inibidor da bomba de
prótons, como o omeprazol 20 mg ou pantoprazol 40 mg VO + claritromicina 500 mg VO + amoxicilina 1.000
mg VO, tomados duas de 12/12 horas por sete a 14 dias (esquema preconizado, com resolução da infecção em 80% dos casos). Caso o paciente seja alérgico a amoxicilina deve-se substituir por tetraciclina 500 mg 6/6 h
Outro esquema
é o omeprazol 20 mg ou pantoprazol 40 mg 1 vez ao dia, azitromicina 500 mg à
noite por três dias e furazolidona 200 mg 8/8 horas, esquema esse utilizado por
sete dias.
A
claritromicina e a azitromicina pertencem à classe dos macrolídios, inibidores
da produção de proteínas pelas bactérias. A claritromicina é semelhante á
eritromicina, porém e mais eficaz contra a maioria dos staphiloccoccus e
streptococcus.
Caso haja
falha do esquema terapêutico- ocorrida em 2 a 3 % dos casos – pode ser
utilizado o omeprazol 20 mg 12/12 horas, subsalicilato ou subcitrato de bismuto
120 mg quatro vezes ao dia, metronidazol 500 mg 12/12 horas e tatraciclina 500
6/6 horas.
As úlceras
causadas pelo uso de AINES são mais simples e por isso causam menos sintomas.
30 a 40% dos pacientes com esse problema são assintomáticos. Nesse caso a
redução do AINE e o emprego do inibidor de bomba de prótons, como o omeprazol
20 mg é eficaz, com o período de tratamento sendo reflexo da resposta do
paciente.
Cerca de um a
cada mil casos de úlcera péptica é causada pela síndrome de Zollinger-Ellison.
É um tumor gástrico que cursa com hipersecreção gástrica estomacal e neoplasia pancreática
da linhagem não-beta. Se o paciente é acometido por úlcera única ou múltipla,
geralmente nas porções proximais do duodeno, úlceras essas de difícil controle
clínico, H. pylori negativas e até recorrentes pós-operatórias, úlceras
associadas a diarreia ou cálculo renal e história familiar de tumor de hipófise
e paratireoide, o diagnóstico estará bem sugestivo, fechando-o com a pesquisa
de gastrina
sérica, estando muito mais alto que o normal de 150 para 1.000 pg/ml.
Se os níveis chegam a 1.500 pg/ml já se suspeita de metástase.
Enfim aqui o
omeprazol também é utilizado, porém na dose de 60 mg ao dia para o resto da
vida após o tratamento definitivo, que é a cirurgia. Caso contrário, há grandes
chances de recidiva da úlcera.
É importante
ainda a hierarquia dos problemas quando se trata de uma úlcera péptica causada
por H. pylori. Levando em conta que muitas pessoas possuem o bacilo e não
apresentam sintomas é importante que se priorize o tratamento da úlcera com
inibidores da bomba de prótons antes mesmo de ter o diagnóstico definitivo da
contaminação. Por isso, pode-se instituir o tratamento com omeprazol 20 mg ou
patoprazol 40 mg 12/12 horas por duas a seis semanas a depender da resposta do
paciente e só então entra-se com o tratamento contra a bactéria, mantendo o
inibidor como preconizado nos esquemas acimas especificados.
CÂNCER GÁSTRICO
Assim como na
úlcera péptica, o Helicobacter pylori tem grande relação com o câncer gástrico,
pois na presença desse bacilo ocorrem processos oxidativos indutores de
condições pré-neoplásicas. Tais processos, a depender da cronicidade, podem
induzir a mucosa gástrica a evoluir com gastrite atrófica, metaplasia,
displasia e neoplasia. Se a infecção pelo H. pylori ocorrer em todo o corpo
gástrico desencadeia a atrofia e redução do ácido clorídrico, eventos esses
precursores do câncer. Mas esse processo não e fácil, pois menos de 1% dos
pacientes com H. pylori desenvolvem o câncer gástrico, relevando o peso dos
diversos graus de atividade inflamatória e danos no DNA que descontrolam a
proliferação de células.
A saciedade
precoce e os vômitos ocorrem por conta da obstrução dos casos de localização
antral e por vagarosidade do trânsito gástrico. Os pacientes que referem dor
epigástrica não melhoram com alimentação, nem com o uso de antiácidos. Na
realidade a ingesta de alimentos induz o atrito destes com as células do tumor
e ocasiona sangramentos e dor. Lembrando-se da relação inferior do estômago com
as diversas estruturas, incluindo o pâncreas, entende-se a dor lombar como um
sinal de metástases nesse órgão. Se a dor é no quadrante direito as metástases
alcançaram o fígado, sendo seguido de icterícia e febre. Já a disfagia é sinal
de localização do carcinoma na junção esofagogástrica ou mesmo no fundo. Como
pode haver sangramento nas lesões, anemias podem ocorrer e por conta disso o paciente
refere mal-estar, cansaço e fraqueza.
No início da
doença o exame clínico pode nada apontar, mas no fim o paciente apresenta-se
caquético e em 50% dos casos é encontrada massa palpável na região epigástrica.
A depender de onde ocorram metástases pode ocorrer esplenomegalia ou
hepatomegalia. Como o epitélio do estômago vai estar comprometido, e sendo este
local de produção de vitamina B12, o paciente pode evoluir para anemia
perniciosa e megaloblástica. Tem-se aqui então uma diferença entre a úlcera
péptica e o câncer gástrico, pois ao hemograma a anemia ferropriva vai induzir
à microcitose enquanto que a megaloblástica evolui com macrocitose.
Dentre os exames utilizados na detecção do câncer gástrico estão: 1- endoscopia digestiva, com sensibilidade de 60 a 84%; 2- teste do pepsinogênio sérico, com sensibilidade de 40 a 80%; 3- estudo radiográfico com contraste, este sendo considerado o padrão ouro, detendo uma sensibilidade de 60 a 80% e especificidade de 80 a 90%.
Dentre os exames utilizados na detecção do câncer gástrico estão: 1- endoscopia digestiva, com sensibilidade de 60 a 84%; 2- teste do pepsinogênio sérico, com sensibilidade de 40 a 80%; 3- estudo radiográfico com contraste, este sendo considerado o padrão ouro, detendo uma sensibilidade de 60 a 80% e especificidade de 80 a 90%.
REFERÊNCIAS
LADEIRA, Marcelo Sady Plácido; SAVADORI, Daisy Maria Fávero; RODRIGUES, Maria Aparecida Marchesan. Biopatologia do Helicobacter pylori. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. V. 39. N. 4. P. 335-342. Rio de Janeiro, 2003.
Federação Brasileira
de Gastroenterologia. Úlcera péptica. Projeto Diretrizes. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/106.pdf.
Acessado em: 05 de outubro de 2013.
COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T.
Robbins. Bases Patológicas das
Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
LOPES,
Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica.
2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.
KODAIRA, Márcia S.; ESCOBAR, Ana Maria Ulhôa; GRISI, Sandra. Aspectos epidemiológicos do Helicobacter pylori na infância e adolescência. Revista de Saúde Pública. v. 36. n. 3. p. 356-369, 2002.
COIMBRA, Felipe José Fernádez. Diagnóstico precoce em câncer
gástrico – importância, desafios no Brasil e a experiência oriental. Revista Onco&. P. 26-29. Mai/jun,
2012.
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