Sinal do cinto de segurança
Trauma é a
principal causa de morte dos indivíduos dentre 15 e 45 anos, perdendo apenas
para as doenças cardiovasculares e o cancro. Já o trauma abdominal tem grande
relevância dentre os traumas em geral, sendo a terceira região mais
frequentemente afetada, e de grande importância devido à possibilidade de
peritonite e hemorragias depois da lesão visceral ou de grandes vasos, como a
aorta abdominal.
Existem duas
classificações para este trauma: o aberto e o fechado, que será tratado aqui. O
fechado pode ser ainda direto se for causado por impactos, ou indiretos quando
causado por aceleração ou desaceleração. O trauma direto por veículos é o mais
frequente. Um dos motivos aparentemente banais, mas não na prática, é o
posicionamento errado do cinto de segurança, que é colocado sobre o abdome ao
invés da pelve. Isso justifica a queda dos casos graves e mortalidade após
acidentes de carro, em contraponto com o aumento dos casos de lesões de
intestinos.
Existem três
forças passíveis de gerar o TAF: a força de constrição produz a lesão através
do impacto sobre a superfície óssea; força tangencial modifica o posicionamento
de algum órgão, tracionando-o além do limite; força de compressão súbita,
quando geralmente as vísceras ocas são atingidas. Essa pode ser causada na
desaceleração abrupta, quando as vísceras saem do seu posicionamento e são
também esmagadas entre a parede abdominal e a coluna vertebral. Os órgãos mais
frequentemente afetados são o baço, o fígado, o intestino delgado, rins,
bexiga, cólon, reto, diafragma e pâncreas. Segundo Von Bathen 39% dos casos
envolvem o baço e 5% envolvem o fígado. Fraturas de costelas, equimoses
hematomas são indicativos de TAF, e quando há envolvimento das costelas as
chances são ainda maiores, geralmente com fígado ou baço atingidos.
Hematoma em
saco escrotal, sangramento por vagina ou reto, além de hematúria macroscópica é
indicativo de fratura de pelve e comprometimento dos órgãos dessa região. O
sinal de Gray Turner e/ou Cullen tão indicativos de pancreatite aguda, aqui
indicam hemorragia retroperitoneal, surgindo após horas ou dias, o que traduz os
50% dos pacientes com hemoperitôneo importante sem quaisquer sinais no momento
da admissão. Sensibilidade dolorosa à
palpação também se relaciona com lesão peritoneal. Ruídos hidroaéreos na atura
do tórax indica lesão de diafragma.
Sinal de Cullen
A hemorragia
pode ser a evolução mais óbvia, mas ocorrem também infecções quando há
extravasamento de vísceras ocas, tais como o intestino, onde a flora bacteriana
é abrangente. O sangue, bile, fezes, suco gástrico e urina são produtos que
podem extravasar desses órgãos gerando sintomas de diversas intensidades, embora
sempre prejudicado pelos estados de inconsciência da vítima, quando a avaliação
inicial terá respostas mal expressas. Isso pode ocorrer não apenas pelo impacto
causador do trauma, mas também por álcool, pois esse deprime o sistema nervoso
e induz a respostas mascaradas durante o exame físico da vítima de TAF.
Algo que os
profissionais de saúde devem ter muito cuidado é com a hemorragia em dois
tempos, uma sucessão de eventos limitantes do sangramento num primeiro momento,
mas não resistentes e por isso o paciente pode cursar com um novo sangramento
durante o transporte até a unidade hospitalar, por exemplo. Nesse caso então o
paciente refere dores difusas devido a irritação causada pelo contato das
secreções já citadas com o peritônio, causadores de dores não restritas ao
local de impacto. Essa irritação é muito comum quando o baço é traumatizado,
geralmente evoluindo para uma rigidez abdominal denominada abdômen em tábua. Se
houve grande extravasamento de sangue o paciente pode evoluir para choque caso
não atendido rapidamente. Como é provável que os pacientes candidatos a esse
quadro podem estar inconscientes, a hemorragia então será reconhecida por
taquicardia, pulso fino e rápido ou ausente, palidez, pele pegajosa, sudorese
fria, cianose de extremidades e hipotensão arterial.
Com a
hemorragia também sobrevém a hipotermia, que é um grande problema nesses casos,
pois as chances de morte são 100% quando a temperatura atinge 32 graus. Nesse
estado é significativo quando o corpo se mantém e 36° por mais de quatro horas.
O oxigênio livre estará diminuído, retardando ainda mais a produção de calor
pela gordura marrom, haverá indução a arritmias cardíacas, aumento da
resistência vascular e desvio para a esquerda da curva de dissociação do
oxigênio. Ocorre também disfunção plaquetária e de fatores de coagulação,
ativação do sistema fibrinoítico, causando hemodilução.
A queda do
oxigênio nos tecidos vai alterar o metabolismo, aumentando a anaerobiose e
causando acidose metabólica pelo aumento do lactato. Estudos indicam que se o
lactato não for eliminado do organismo dentro de 24 horas, as chances de
sobrevivência são gradativamente menores.
O tratamento
aqui é muito dependente do fator causal, ou mecanismo de trauma, que nesse caso
podem ser: invasão do habitáculo do veículo em colisão lateral, deformação do
volante, cinto de segurança mal posicionado ou por desaceleração súbita por
colisões em alta velocidade ou contra barreiras fixas, tal como postes.
DIAGNÓSTICO
Nesses casos
a radiografia é limitada para definir o local de lesão, mas é útil para
identificar projéteis como balas de revolver. Pelo contrário a ultrassonografia
tem sido cada vez mais utilizada, possuído uma sensibilidade de 69 a 99% e
especificidade de 86 a 100%. O problema da técnica é sua dependência do
examinador e sua dificuldade quando há grandes coleções de líquido, pois dessa
forma a condução do som estará dificultada. Outra vantagem da USG é o caráter
portátil do aparelho, seu baixo custo, além da possibilidade da realização
repetida.
Tais condições
não se encaixam, por exemplo, na tomografia computadorizada, que possibilita a
visualização bem definida de lesões em órgãos parenquimatosos, coleções
líquidas e fraturas em costelas, mas possui alto custo, exige transporte do
paciente, uso de contrastes, necessidade de cooperação do paciente quanto ao
posicionamento e quietude, além de não ter boa definição para lesões
intestinais. Mesmo assim a sensibilidade e especificidade desse exame ficam
acima de 97%, provavelmente devido a sua indicação correta. O procedimento
exige o uso de contraste preferencialmente por via venosa. Quando essa via
estiver impossibilitada é utilizado um contraste oral iodado 1 a 2% dentro de
um volume de 500 ml 30 minutos antes do exame e 250 ml imediatamente antes.
Para visualização de intestino grosso, usa-se 150 ml do contraste por via retal
imediatamente antes do exame. Já para estômago e duodeno usa-se por via oral
120 a 180 ml imediatamente antes do exame.
O espaço de
Morrison fica entre o rim direito e o fígado, devendo sempre fazer parte da
avaliação no TAF, pois em 97% dos casos de laceração pancreática ou esplênica,
há acúmulo de líquido nesse espaço. A tomografia e a USG podem visualizar esse
achado, mas esse último – como ecografia ou FAST – tem vantagem de não prover
nenhum risco ao paciente e ser passível de realização no próprio leito. O FAST
pode ser bem sensível quanto a identificações de líquidos, mas não o é na
distinção deles, não definindo bile de sangue, urina ou ascite. É então que
entra em cena o Lavado peritoneal diagnóstico com a principal função de
identificar presença de hemorragia na cavidade intra-peritoneal, o que indicará
a necessidade de laparotomia exploradora.
Lesões no
fígado ocorrem em qualquer porção, porém a mais afetada é o lobo direito.
Hematoma subcapsular e apresenta como uma imagem hipodensa, e exerce poder de
massa sobre o parênquima hepático. Pode ainda se apresentar como lesão
destrutiva lobas. Sugiro ler “DIAGNÓSTICO POR IMAGEM NO TRAUMA ABDOMINAL”
(artigo). A necessidade
evidente para laparotomia exploradora é a única contraindicação do FAST, e
também o é para a Tomografia.
CONDUTA
Todo o ATLS é
direcionado para uma rápida avaliação da necessidade ou não de procedimento
cirúrgico de urgência. A avaliação
primária tem por base a mnemônica ABCDE, com a seguinte sequencia de
procedimentos: 1- avaliação da via aérea com rápida observação para obstruções
ou alterações do padrão respiratório, estabilização da coluna e oxigenoterapia;
2- deve-se estar atento aos sinais de insuficiência respiratória, a saber a
cianose, o adejo nasal (ou batimento de asa do nariz) e sons respiratórios
ausentes ou tendente a isso, jamais deixando de esperar uma potencial parada
respiratória e posterior ventilação mecânica; 3- controle da hemorragia, reposição
do oxigênio e manutenção da temperatura corporal – uma alternativa é a expansão
de volume com fluidos aquecidos; 4- avaliação através da escala de coma de
Glosgow, lembrando que os números baixos nessa avaliação podem mascarar traumas
importantes não demonstráveis num primeiro momento; 5- despir o paciente
tentando ao máximo evitar a hipotermia, por essa induz ao aumento do consumo de
oxigênio, vasoconstricção periférica e diminuição do débito cardíaco e da
perfusão periférica. Mantas isotérmicas, assim como os fluidos aquecidos,
também ajudam.
A avaliação
secundária se direciona para a investigação do trauma, quando é colhida a
história clínica, realizado o exame físico e indicado os exames diagnósticos.
Aqui a mnemônica é AMPLE: A para alergias, M para medicações usuais, P para
história pregressa, L para última refeição e E para a medicações utilizadas
durante o atendimento. É imperante a especificação do mecanismo de lesão – como
os já citados – para o correto direcionamento de exames e redução das do número
de lesões não diagnosticadas. Durante o exame físico é importante considerar
lesões abdominais qualquer evento traumático abaixo da linha que une os mamilo
com os vértices dos omoplatas.
Dentre os
exames pode-se começar com o FAST prosseguindo com a Lavagem Peritoneal
Diagnóstica com as seguintes condições: dor abdominal de origem duvidosa por
conta de fraturas em costelas, coluna ou pelve; exame difícil por conta do
rebaixamento do nível de consciência por trauma nervoso ou por uso qualquer substância
depressora. O FAST ainda permite a identificação de líquido no espaço hepatorrenal,
esplenorrenal, fundo de saco de Douglas e saco pericárdico. Se o paciente está
hemodinamicamente instável a TC não pode ser realizada.
Agora é o
momento do DAMAGE CONTROL em três etapas: 1- se o paciente tem instabilidade
hemodinâmica com evidência de hemorragia, sinais peritoneais como o de Cullen,
e imagem indicando rotura de diafragma a indicação é de laparotomia para
correção. Durante a cirurgia deve-se fazer manobras de rotação visceral para
avaliar o estado das vísceras. 2- transferência do paciente para enfermaria de
atenção intensiva, com ênfase na reposição de volume, na manutenção da
temperatura corporal, correção da acidose, controle da coagulopatia e
ventilação mecânica se for necessário; 3- regresso ao bloco operatório entre 12
e 48 horas quando o paciente já estiver hemodinamicamente estável, ou seja, com
maior teto cirúrgico. Alguns profissionais priorizam esse retorno após o
estabelecimento da temperatura acima de 36°, outros apenas quando o paciente
tiver maior capacidade de redistribuição de líquidos para o terceiro espaço e
com boa saturação de oxigênio. O certo é que a espera aumenta as chances de
infecção tardia.
REFERÊNCIAS
Trauma de abdome. Manual de atendimento Pré-hospitalar - SIATE/CBPR.
Disponível em: http://www.defesacivil.pr.gov.br/arquivos/File/primeiros_socorros_2/cap_16_trauma_abdome.pdf
LUCCHESI, Fabiano R.; LAGUNA Claudio B.; MONTEIRO, Carlos R.; PRADO,
Cecília H. M. A.; ELIAS JR, Jorge. DIAGNÓSTICO
POR IMAGEM NO TRAUMA ABDOMINAL. Medicina.
Simpósio: trauma II. Capítulo III. v. 32. p. 401-418. Ribeirão Preto. Out/dez,
1999.
COSTA, Cleinaldo de Almeida; BAPTISTA-SILVA,
José Carlos Costa; SOUZA, Raymison Monteiro de; BURIHAN, Emil. Traumatismos de
Grandes Vasos Abdominais in: Angiologia
e cirurgia vascular: guia ilustrado. Maceió: UNCISAL/ECMAL & LAVA;
2003. Disponível em: URL:http://www.lava.med.br/livro.
FREITAS, Ana Sofia Gonçalves
Dias. Trauma abdominal fechado. Mestrado Integrado em Medicina. Área: Cirurgia
Geral. Revista Portuguesa de Cirurgia.
Faculdade de Medicina. Universidade do Porto. Abril, 2010.
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