segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CÂNCER GÁSTRICO E A IDENTIFICAÇÃO PELA CLÍNICA

UM POUCO SOBRE ANATOMIA DO ESTÔMAGO



O estômago é um órgão virtualmente em forma da letra “J”, com potencial de armazenamento de 2 a 3 litros de alimento, com função primordial de digestão. É dividida em quatro porções: cárdica, pilórica, fundo e corpo. A cárdia é um tecido muscular que envolve a entrada do estômago, o óstio cárdico. O piloro, da mesma forma é um tecido muscular – maior – que envolve a passagem do estômago pra o duodeno, o óstio pilórico. Possui uma porção mais dilatada – o antro pilórico – e uma porção mais estreita – o canal pilórico. O piloro está normalmente contraído, sendo relaxado somente nos momentos em que o peristaltismo chega até ele a fim de passar o alimento – nesse caso o quimo – adiante. O fundo é a porção superior do estômago, chegando geralmente até o 5° espaço intercostal. O corpo situa-se entre o fundo e o piloro.

O interior do estômago se transforma quando contraído, passando de ligeiramente lisa para repleto de rugas ou pregas. Externamente é coberto pelo peritônio, a não ser onde os vasos sanguíneos seguem as curvaturas maior e menor. Mais inferior e externamente há o omento menor e omento maior na altura da curvatura maior. Anteriormente ainda é encontrado o lobo esquerdo do fígado, a parede abdominal e o diafragma. Já posteriormente há a bolsa omental e o pâncreas. Na porção inferior estômago se relaciona com várias estruturas: diafragma, baço, colo transverso, rim esquerdo, pâncreas e artéria esplênica.

A vasculatura possui diversas origens. A artéria gástrica esquerda surge do tronco celíaco e corre o omento menor; a gástrica direita surge da hepática e corre sobre a curvatura menor; a gastromental direita é o ramo terminal da gastroduodenal e se direciona para a esquerda e percorre a curvatura menor; a gastromental esquerda surge da esplênica na curvatura maior; e no fim da artéria esplênica surgem quatro ou cinco artérias gástricas curtas.

As veias gástricas seguem as artérias de mesmo nome. As gástricas esquerda e direita drenam para a veia porta do fígado, as gástricas curtas e a gastromental esquerda drenam para a esplênica, que se une à mesentérica superior para formar a veia porta. Os vasos linfáticos acompanham as artérias e se dirigem para os linfonodos gástricos e gastromentais. Dois terços superiores do estômago são drenados para os linfonodos gástricos. A linfa drenada do fundo e da parte superior do corpo vai para os gânglios pancreáticos e esplênicos. Uma porção do terço inferior é drenado para os linfonodos pilóricos e a outra, o lado esquerdo, para os pancreaticoduodenais.

A inervação advém do décimo par de nervos, o vago. O tronco vagal anterior surge do nervo vago esquerdo, corre a curvatura menor e após se ramifica. O tronco vagal posterior surge do nervo vago direito e se distribui para as partes anterior e posterior do estômago. O suprimento simpático surge das vértebras T6 a T9 e se distribuem em torno das artérias gástricas e gastromentais.

Como o estômago muda de posição é necessário ter em mente os pontos de referência, que segundo Moore são: o óstio cárdico, que fica à altura da sétima cartilagem costal, o fundo se encontra ligeiramente superior à 5ª costela, a curvatura maior estende o estômago até a décima cartilagem, e na posição ereta o piloro situa-se à altura das vértebras L2 a L4.


INCIDÊNCIA DO CÂNCER DE ESTÔMAGO

O ocidente tem 10 casos por 100.000 habitantes, diferente do Japão que possui os maiores índices, chegando a 780 acometimentos por 100.000 habitantes. 70% dos casos ocorrem em pessoas maiores de 50 anos e é mais comum em negros. A presença de anemia perniciosa está associada a 10% dos casos, o que aumenta o risco em 20 vezes em relação à população normal. No Brasil é o quarto câncer maligno mais frequente entre os homens.

Alimentos defumados estão ligados à maior incidência por conter hidrocarbonetos policíclicos e dimetilnitrosaminas. Dieta pobre em proteína animal e vitaminas, e rica em amido é também considerada como fator carcinogênico. Trabalho com metais pesados e borracha, ter realizado cirurgia gástrica e presença de pólipos gástricos maiores que 2 cm, todos têm associação positiva.


A DOENÇA BENIGNA

Primeiramente é necessário saber que é mais comum o carcinoma no intestino do que de estômago. Qualquer lesão nodular que culmine em elevação além da altura do epitélio do tecido no trato gastrointestinal é chamado de pólipo, havendo a classificação em neoplásico e não-neoplásico, apesar de visualmente semelhantes à endoscopia. O não-neoplásico correspondem a 90% dos pólipos. Já o carcinoma de mucosa é mais comum que o estromal, e os adenomas, que possuem potencial de se tornarem malignos, chegam de 5 a 10% do total dos pólipos e geralmente se instalam no antro – 50 a 60%. Ao contrário dos pólipos não-neoplásicos em geral, que podem ser múltiplos e chegarem ao número de 20 unidades, o adenoma é uma lesão única.

Um tipo de lesão sem consenso sobre sua característica neoplásica ou inflamatória é o pólipo inflamatório fibrinóide, de instalação submucosa com tecido fibromuscular inflamado com infiltrado de eosinófilos e a mucosa esticada adjacente. Esse pólipo cresce na direção da superfície, podendo obstruir o canal pilórico impedindo o transito estômago/intestino.

Voltando aos adenomas e lembrando que um processo inflamatório crônico pode acarretar em surgimento de carcinoma, pode-se valer da informação de que as células do pólipo estão em constante agressão e regeneração, metaplasia e hiperplasia, para compreender como em 20% dos pacientes operados por tumores malignos haviam sido também acometidos por pólipos adenomatosos.



A DOENÇA MALIGNA

A maioria dos casos – 90 a 95% – trata-se de carcinoma, tumor de células epiteliais, seguidos do linfoma – 3%. Os principais fatores de risco para essa patologia são: ingesta de alimentos em conserva, alimentos defumados por conta do alto teor de hidrocarbonetos, alimentação pobre em frutas e verduras, gastrite crônica causando metaplasia precursora da lesão, gastrectomia parcial ao favorecer o refluxo de conteúdo intestinal e bilioso, esôfago de Barret na junção esôfago gástrica, além dos fatores genéticos.

A infecção pelo Helicobacter pilory aumenta as chances de acometimento em até seis vezes devido ao fato da indução à gastrite crônica, atrofia, metaplasia intestinal, displasia e carcinoma. A inflamação e a infecção pelo H. pilory se retroalimentam, pois nos locais lesionados há menor secreção de cloro, o que favorece a instalação de novos parasitas e novas lesões. Mesmo assim, como a grande maioria de infecções por H. pilory, o que é comum, não evolui com carcinomas, talvez o surgimento da patologia ocorra por conta de oncogenes. Aqui também estão envolvidas mutações nos genes p53 e naqueles que controlam a produção da proteína de adesão celular, a e-caderina.

Antônio Carlos Lopes indica a cárdia como local de maior incidência desses cânceres, chegando de 30 a 40% do total, o corpo fica com 15 a 30%, e o canal pilórico e antro com 35%. Ocorre também um maior acometimento na curvatura menor no antro – 40%, enquanto que na curvatura maior no antro a incidência fica em 12%. No geral o carcinoma gástrico é classificado segundo sua profundidade de invasão, crescimento macroscópico e subtipo histológico. Desses três dados a profundidade é o achado cujo agravamento possui maiores consequências. Quando é confinado à mucosa e submucosa é chamado de carcinoma precoce, podendo chegar até 10 cm sem evoluir com invasão de parede muscular. Quando o carcinoma se estende para o tecido muscular é chamado de carcinoma avançado, sendo provavelmente o destino de todo carcinoma precoce não tratado.

Em relação ao crescimento o carcinoma pode ser classificado em: a) exofítico, quando há crescimento em direção à luz gástrica; b) aplanado ao deprimido, quando o crescimento se dá dentro do tecido; c) escavado, quando se forma uma cratera na parede do estômago. Quando o carcinoma é exofítico é facilmente identificável, ao contrário do aplanado e do escavado, este último podendo ser confundido com a úlcera péptica. Quando na fase avançada, a lesão escavada torna-se mais distinta, ganhando um leito necrótico e rugoso, além de bordas elevadas e irregulares. O tipo histológico pode ser intestinal, composta por glândulas intestinais contendo mucina, tendem a difundir pela mucosa e via hematogênica e alcançar outros órgãos, é mais frequente em idosos e mantém sua diferenciação; ou pode ter padrão difuso, que é mais comum em jovens, possui pequeno grau de diferenciação, ocorre sem história de gastrite, é composto de células mucosas gástricas que se espalham até a parede como células individuais de padrão infiltrativo. OBS: atentar para a diferença entre difusão – padrão horizontal – e infiltração – padrão vertical. É desse tipo que surgem as células em anel de sinete, quando a mucina produzida por essas células as expande e desloca o núcleo para a periferia. A produção de mucina, infelizmente, não pode ser utilizada como parâmetro, pois em qualquer tipo a produção pode ser variada, podendo estar ausente em regiões pouco diferenciadas.


CLÍNICA DA DOENÇA

O paciente passa grande tempo sem perceber a dimensão do problema até seu avanço para níveis alarmantes. Os sintomas nesse caso são perda de peso, saciedade precoce, anorexia, dor abdominal, vômitos, hábitos abdominais alterados, disfagia e anemia. O prognóstico depende em grande parte da extensão da invasão e dos linfonodos acometidos.

A saciedade precoce e os vômitos ocorrem por conta da obstrução dos casos de localização antral e por vagarosidade do trânsito gástrico. Os pacientes que referem dor epigástrica não melhoram com alimentação, nem com o uso de antiácidos. Na realidade a ingesta de alimentos induz o atrito destes com as células do tumor e ocasiona sangramentos e dor. Lembrando-se da relação inferior do estômago com as diversas estruturas, incluindo o pâncreas, entende-se a dor lombar como um sinal de metástases nesse órgão. Se a dor é no quadrante direito as metástases alcançaram o fígado, sendo seguido de icterícia e febre. Já a disfagia é sinal de localização do carcinoma na junção esofagogástrica ou mesmo no fundo. Como pode haver sangramento nas lesões, anemias podem ocorrer e por conta disso o paciente refere mal-estar, cansaço e fraqueza.

No início da doença o exame clínico pode nada apontar, mas no fim o paciente apresenta-se caquético e em 50% dos casos é encontrada massa palpável na região epigástrica. A depender de onde ocorram metástases pode ocorrer esplenomegalia ou hepatomegalia. Como o epitélio do estômago vai estar comprometido, e sendo este local de produção de vitamina B12, o paciente pode evoluir para anemia perniciosa e megaloblástica.

Como foi dito, todos os carcinomas tem potencial para invasão da parede muscular. Daí eles invadem os linfonodos e por fim chegam a outros órgãos que são: duodeno, pâncreas, ovários, fígado, retroperitôneo e pulmões. O linfonodo sentinela aqui, o supraclavicular (Virchow), é a primeira manifestação clínica. Quando o linfonodo periumbilical é identificado ele é chamado de nódulo da Irmã Mary Joseph. O prognóstico de cinco anos se dá em 90 a 95% para os pacientes que sofreram retiradas cirúrgicas de carcinomas precoces, e os pacientes em que este carcinoma é avançado esse prognóstico ocorre em menos de 15%.

Segundo o Cecil (tratado de clínica médica), a endoscopia digestiva alta, associada à biopsia e citologia, TC de abdome, sangue oculto nas fezes, a ultrassonografia e a biopsia de medula óssea são de grande valia no diagnóstico do câncer gástrico. Segundo Antônio Carlos Lopes, a TC tem acerto de 90% para metástases hepáticas, 70% para nódulos regionais e 50% para acometimentos peritoneais.

Para a detecção do câncer estômago é necessário pesar as chances de vieses, o que diminui a acurácia de exames para determinada doença. Sendo assim a radiografia contrastada tem nível de evidência 2 ++, ou seja, embasado em estudos de coorte com reduzidas chances de vieses. O mesmo não ocorre com endoscopia digestiva, teste do pepsinogênio e pesquisa de anticorpos anti-helicobacter pylori possuem nível de evidência 2 -, ou seja, com grande probabilidade da existência de vieses.


REFERÊNCIAS

ZILBERSTEIN et al. Consenso brasileiro sobre câncer gástrico: diretrizes para o câncer gástrico no Brasil. Arquivo Brasileiro de Cirurgia Digestiva. v. 26. n. 1. p. 2-6, 2013.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patlógicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

Brasil. Câncer de Estômago: sintomas. Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: http://www.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/estomago/sintomas. Acessado em 07 de outubro de 2013.


COIMBRA, Felipe José Fernádez. Diagnóstico precoce em câncer gástrico – importância, desafios no Brasil e a experiência oriental. Revista Onco&. P. 26-29. Mai/jun, 2012.  Disponível em: http://revistaonco.com.br/wp-content/uploads/2012/05/MATERIA-GASTRICO.pdf. Acessado em 07 de outubro de 2010.

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