FISIOPATOLOGIA
O LES é uma
doença inflamatória autoimune de causa desconhecida, cujo indivíduo passa a
responder exageradamente a antígenos próprios que normalmente não
desencadeariam nenhuma resposta maléfica. Sua prevalência no mundo é de até 76
casos por 100.000 habitantes, com mortalidade três a cinco vezes maior em
relação à população geral, na maioria das vezes devido ao acometimento renal. A
incidência no Brasil é de 8,7 casos novos por ano por 100.000 habitantes.
Existem três
tipos de anticorpos envolvidos: antinucleares (ANA), contra estruturas citoplasmáticas e contra
estruturas de membranas. Existem quatro tipos de anticorpos nucleares: contra
DNA, contra histonas, contra proteínas não-histônicas ligadas ao RNA e contra
antígenos nucleolares. A presença dos ANAs não serve como diagnóstico de
LES, pois eles aparecem em diversas outras patologias auto-imunes, porém, sua
ausência vai servir como diagnóstico de afastamento de grande valor. Já os
anticorpos contra moléculas de membranas são mais diversos. Eles podem se
agregar nos fosfolipídios, na beta-2-glicoproteína I, na proteína S, na
proteína C e na cardiolipina, a qual será solta após morte da estrutura que a
contém e consequentemente irá positivar o exame VDRL.
A doença se
manifesta em qualquer porção do organismo, podendo culminar em febre, eritema, perda de cabelo, artrite,
pleurite, pericardite anemia, nefrite, leucopenia, trombocitopenia e doença do
sistema nervoso central. Dentre as suspeitas etiológicas estão os fatores
genéticos, hormonais, imunológicos e ambientais. Foi observada a presença de
genes em comuns nos pacientes envolvidos, e o fato do LES estar mais presente
nas mulheres em idade fértil levanta a suspeição do peso hormonal. Distúrbios
no metabolismo do estrogênio foram encontrados em homens e mulheres doentes, e
a concordância entre gêmeos homozigotos reforça o envolvimento genético.
O modelo da
reação imune pode ser observado na gromerulonefrite proliferativa difusa,
evento parecido com a glomerulonefrite pós-estreptococcica, quando antígenos se
depositam na membrana dos glomérulos ativando o sistema de complemento e
fatores quimiotáticos para leucócitos que destroem locais onde os antígenos se
depositaram. Enquanto o glomérulo é lesionado, as células de defesa liberam
outros agentes quimiotáticos e com isso a inflamação continua a causar lesão
até a completa perda da função dos rins. Existe também a gromerulonefrite
lúpica, que possui mecanismo semelhante, mas as manifestações são mais brandas.
Isso ocorre porque a reação depende do anticorpo envolvido – IgG nesse caso – e
sua menor disponibilidade de sítios ligantes.
Como os
anticorpos terão afinidade por superfícies celulares em geral, hemácias, leucócitos
e as plaquetas poderão estar sendo destruídas pelo sistema de complemento e com
isso o paciente acaba cursando com anemia hemolítica, leucopenia e trombocitopenia.
Anticorpos contra o complexo fosfolipídeos-beta-2-glicoproteína I presente nos
vasos, interfere na ação anticoagulante da beta-2-glicoproteína I causando
tromboses arteriais e venosas, inclusive no cérebro e nas placentas, induzindo
ao abortamento.
Como estamos
falando de anticorpos soltos na corrente sanguínea, as manifestações podem
ocorrer em qualquer local. Nas manifestações cutâneas um dos desencadeadores é
a exposição ao sol, quando os raios ultravioleta (UV) promovem lesão de DNA e
por conseguinte o organismo produz anticorpos anti-DNA. Os raios-ultravioleta também induzem a liberação de interleucina 1 pelos ceratinócitos, induzindo inflamação em locais próximos
a eles. As agressões causadas pelos
raios UV culminam em manifestações eritematosas, sendo a mais comum as lesões em asa de borboleta, um eritema
único espalhado na altura dos zigomáticos e nariz. A fotossensibilidade, assim como o sinal em asa de borboleta ocorre em 50% dos pacientes.
As lesões
vasculares causam obliteração da luz dos vasos, aumento das células endoteliais
e trombos, mas normalmente não há necrose. No
pulmão a atividade imune lesa a parede alveolar causando hemorragia e edema. É
a pneumonia lúpica. No coração
trombos de fibrina e plaquetas
secundários ao acúmulo de imunocomplexos causa a endocardite de Libman-Sacks, quando esses trombos formam vegetações e se configuram na manifestação cardíaca
mais característica do LES.
Queixas articulares se apresentam em 95%
dos pacientes sendo assimétricas e
migratórias, desaparecendo de um a três dias. Os locais mais frequentes são dedos,
mãos, punhos e joelhos, mas podendo surgir também em outros locais
inclusive em quadris. Aqui também há rigidez
matinal, mas se limita a minutos. Outra manifestação que também ocorre na
artrite reumatoide, porém mais branda, é a deformação em pescoço de cisne nos doentes de longa data. Necrose pode ocorrer na
cabeça do fêmur e do úmero. A osteoporose
costuma ocorrer, sendo agravada quando o paciente faz uso de corticoides.
Cabelo lúpico
Outra
manifestação cutânea importante é o eritema
discoide, ocorrendo em 25% dos pacientes após a estimulação dos queratinócitos. São placas redondas, de bordas
definidas, cobertas por uma escama aderente que se estende para os folículos
pilosos. Nas bordas é apresentada uma lesão inflamatória em expansão que vai
cicatrizando e deixando para trás uma cicatriz atrófica e despigmentada,
semelhante à lesão da psoríase. Os
locais mais comuns são o couro cabeludo, pescoço, ombros, face e orelhas.
Quando a doença se manifesta apenas como discoide o quadro é denominado de
lúpus discoide, e nos pacientes que apresentam lesão única, as chances de
evoluir para LES é de 10%. Nas lesões discoides a perda de cabelo consequente é
permanente, mas a perda de cabelo
não-discoide que ocorre em 71% dos pacientes geralmente retorna com o
chamado cabelo lúpido, diferente do
cabelo natural. É secundário a um
período de estresse, gravidez, recrudescência do LES e uso de esteroides.
Lesão discóide.
Lesões
cutâneas também podem ocorrer difusamente sobre a pele, manifestadas como pápulas pequenas, eritematosas e
discretamente descamativas, ocorridas geralmente em antebraço e parte
superior do dorso. Os pacientes que apresentam esse tipo de lesão estão
relacionados com anticorpos anti-Ro e
HLA-DR3.
Manifestações
vasculares são comuns, como o fenômeno
de Raynaud, que é benigno, mas também pode causar ulcerações quando ocorre
um vasoespasmo que oclui a luz dos vasos. As telangiectasias podem ocorrer quando o paciente está sob a
influência de um vasodilatador, como temperaturas elevadas e etilismo. Quando
as manifestações são de vasoespasmo o
gatilho pode ser o frio, a cafeína, tabagismo, descongestionante e estresse.
A pleurite ocorre em 50% dos pacientes,
podendo estar acompanhada de tosse e
dispneia. A ausculta vai identificar atrito
pleural e o raio-x mostrará derrame pleural. Esses sintomas também se
constituem em pneumonite lúpica, ocorrida
em até 12% dos pacientes, nos quais ocorrerá fibrose de estruturas
pulmonares e por isso o prognósticos
desses casos é ruim.
As
manifestações cardíacas são ricas. Haverá ataque inflamatório do tecido cardíaco
e com isso é observado dor retroesternal, derrame e atrito pericárdico. As
valvas, assim como as coronárias, também podem ser atingidas produzindo
alterações auscultatórias.
Por conta da
agregação dos antígenos IgM às membranas das células sanguíneas, o indivíduo
com LES vai cursar com anemia,
geralmente normocítica e normocrômica,
manutenção dos níveis de ferro e contagem
de reticulócitos baixa. Leucopenia
é muito comum, mas a contagem não é muito baixa. 50% dos pacientes se encontram
abaixo de 4.500 e 17% se encontram abaixo de 4.000. De maneira semelhante a trombocitopenia abaixo de 150.000 por
milímetro cúbico é encontrada em de 50% dos paciente e abaixo de 50.000 é
encontrada em 10%. Isso é tão prevalente
que a púrpura trombocitopenica é muitas
vezes o primeiro sinal do LES e quando integra o quadro de pacientes com
anemia hemolítica constitui-se um quadro muito sugestivo de lúpus.
Na púrpura
trombocitopenica, as moléculas IgG se ligam à superfície das plaquetas, o que
acaba induzindo ao ataque por macrófagos e queda das plaquetas numa velocidade
a qual o corpo não consegue compensar. Daí instala-se a trombocitopenia,
ocorrendo sangramentos espontâneos quando as plaquetas ficam abaixo de 20.000.
Mesmo sendo
uma doença inflamatória os linfonodos e o baço apresentarão poucas mudanças.
Alguns linfonodos poderão estar levemente aumentados, não são dolorosos à
palpação, são amolecidos e geralmente identificáveis no pescoço. Já o baço estará aumentado em apenas 10 a 20%
dos pacientes, geralmente na doença ativa. Hepatomegalia também pode ocorrer. A anemia pode ocorrer ainda por
via intestinal. Acometimento do trato gastrointestinal pode chegar a 40% dos
pacientes, os quais geralmente referem dor e dificuldade de engolir. Na
presença de dor a vasculite sempre deve ser lembrada devido às chances do
ataque inflamatório a vasos sanguíneos. Se a dor for no hepigastro, cursando
com náuseas e vômitos, pode-se estar diante de pancreatite, que tem a vasculite
como fator desencadeante.
Pacientes com
LES quase que invariavelmente irão cursar com algum nível de ansiedade e/ou depressão, estando ai
envolvido o peso patológico da doença e o medo do paciente em perder suas capacidades
funcionais. Outros sintomas neurológicos incluem insônia, anorexia, mialgia, artralgia, palpitação, perda de memória e
labilidade emocional. Outros sintomas mais preocupantes envolvem a psicose, com incidência em 24% dos pacientes. Esse sintoma infelizmente
também pode ser causado pelos esteroides utilizados na terapêutica do LES, além
de outros medicamentos comuns que precipitam problemas inusitados, como a
meningite asséptica causada pelo ibuprofeno. Como se fala de ataque
inflamatório a vasos sanguíneos quando os problemas envolvem a vasculite,
pode-se imaginar o peso desse evento no tecido cerebral e assim entender porque
até 15% dos pacientes cursam com
acidente vascular cerebral.
Outros
eventos relacionados são os abortos presentes em até 30% das mulheres com LES,
e a origem ou exacerbação da doença devido ao uso de alguns medicamentos, tais
como a hidralazina ou a procainamida. Trata-se de uma forma branda e reversível
do LES, mas há estudos que demonstram que até 100% dos pacientes que previamente
possuem os antígenos anti-nucleares evoluem para lúpus ao uso da procainamida.
Resumindo, o LES se inicia de maneira
inespecífica, geralmente com fadiga, febre, perda de peso e mialgia e/ou
artralgica. O indivíduo não se preocupa como deveria e na ausência de
tratamento segue as manifestações específicas, tais como a artrlagia, as manifestações cutâneas (com destaque para o eritema em
asa de borboleta e lesão discoide), úlceras nas mucosas em geral, lesões
renais, pleurite, derrame pleural e pneumonia lúpica, atrito pericárdico,
esplenomegalia, hepatomegalia e sintomas neurológicos, como a psicose. Presença
de anemia, azotemia, trombocitopenia, leucopenia, hematúria, piúria em algum
nível de associação levanta a suspeita de LES. Crianças tendem a apresentar
mais o comprometimento renal, idosos tem sintomas mais brandos, mas apresentam
maior ceraconjuntivite seca.
Como os
sintomas iniciais são inespecíficos a doença se confunde com outras e por isso
pode ser realizada a pesquisa de anticorpos anti-nucleares (ANA), mas apenas o resultado negativo tem um valor
preditivo satisfatório, ou seja, de realmente ser negativo. Caso venha ser positivo deve-se solicitar
as proteínas nucleares Sm, anti-Ro/SSA e anti-La/SSB, e RNP. Outro exame
complementar é a determinação do nível das proteínas do complemento, que
raramente estão deprimidos em outras doenças reumáticas, mas assim estão na LES
quando se trata de C3, C4 e CH50 (complexo hemolítico total), principalmente
quando o rim é atingido.
LISTA DE EXAMES DIAGNÓSTICOS E
COMPLEMENTARES:
- hemograma
completo;
- contagem de
reticulócitos;
- teste de
Coombs direto;
- velocidade
de hemossedimentação (VHS);
- proteína C
reativa;
-
eletroforese de proteínas;
-
aspartato-aminotransferase (AST/TGO);
-
alanina-aminotransferase (ALT/TGP);
- fosfatase
alcalina;
-
bilirrubinas total e frações;
-
desidrogenase láctica (LDH);
- ureia e
creatinina;
- eletrólitos
(cálcio, fósforo, sódio, potássio e cloro);
- exame
qualitativo de urina (EQU);
- complementos (CH50, C3 e C4);
- albumina
sérica;
- proteinúria de 24 horas;
- VDRL;
- avaliação
de autoanticorpos (FAN, anti-DNA nativo,
anti- Sm, anticardiolipina IgG e IgM, anticoagulante lúpico, anti-La/SSB,
anti-Ro/SSA e anti-RNP).
TRATAMENTO
1.
Exercício físico;
2.
Prednisona 0,5 a 2 mg/Kg/dia.
Comprometimento
hematológico: prednisona em dose alta ou muito alta por quatro a seis semanas e
a partir daí faz-se a redução gradual seguindo a resposta do paciente. A
prednisolona é utilizada nos casos graves independente do órgão atingido. 25%
dos pacientes não aceitam bem a corticoidoterapia. Nesses casos pode ser
utilizada a azatioprina na dose de 1 a 3 mg/Kg/dia ou danazol associados a
prednisona em baixas doses. A dose de manutenção do danazol é de 200 a 400
mg/Kg/dia, sendo que a dose inicial pode ser mais alta a critério do médico.
Nas anemias
hemolíticas ou nas plaquetopenias graves que não respondem bem ao corticoide
pode ser prescrita a imunoglobulina intravenosa na dose de 400 mg/Kg/dia. O
problema dessa terapêutica é seu custo extremamente elevado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Portaria Nº 100: Aprovação do Protocolo Clínico e
Diretrizes Terapêuticas do Lúpus Eritematoso Sistêmico. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília, 2013.
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt0100_07_02_2013.html
LOPES, Antônio Carlos. Tratado
de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.
COTRAN,
R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases
Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2005.
Goldman L, Ausiello
D. Cecil: Tratado de Medicina Interna.
22ªEdição. Rio de Janeiro: elsevier, 2005.
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