Cefaleia é
uma sensação de opressão subjetiva manifestada como dor na extremidade
cefálica, que acomete, ao longo da vida, 93% dos homens e 99% das mulheres,
sendo que 40% das pessoas são acometidas com regularidade. 5 a 10% da população
procura ajuda médica por conta de cefaleias. Em ambulatório é o terceiro motivo
mais frequentes de consulta em ambulatório de clínica médica.
São
classificadas como primárias, quando não são demonstráveis por exames clínicos e
laboratoriais usuais; e secundárias, quando são provocadas
por doenças e com ligação demonstrável aos exames clínicos e laboratoriais. Segundo
a instalação da dor elas podem ser explosivas, quando acometem o
indivíduo subitamente, em fração de segundos; agudas, quando a
instalação se dá dentro de minutos ou horas; subagudas, quando esse
período se dá dentro de semanas ou meses; crônicas, que evoluem dentro de
anos, podendo ainda ser progressivas e não progressivas. As
não progressivas ainda tem a classificação de recorrente, que pode
ocorrer na forma de qualquer tipo da cefaleia primária (migratória, tipo
tensional e outras trigêmeo-autonômicas, em salvas e outras); e persistente,
que ocorre geralmente 4 horas por dia.
A etiologia
da cefaleia primária a relaciona a disfunções temporárias ou permanentes de
sistemas não vitais. Alguns autores relacionam a etiologia da cefaleia
primária com a fibromialgia, admitindo que é comum para as duas patologias um
distúrbio negativo na secreção e serotonina, e positivo na produção de óxido nítrico. Um fato que
comprova epidemiologicamente essa premissa é o estudo de Okifuji et al., ao
afirmar a prevalência da fibromialgia em pacientes acometidos por cefaleia primária
é de 40%.
As cefaleias
primárias são classificadas em migratória (também chamada de
migrânea ou enxaqueca), cefaleia tipo tensional (CTT), em salvas
e outras cefaleias. Vamos tratar aqui da enxaqueca, definida como desordem
idiopática de localização no córtex ou tronco cerebral, caracterizada
por crises recorrentes de dor de cabeça de intensidade variável. Na
maioria das vezes é unilateral no início, por vezes acompanhada de modificações do
humor e distúrbios sensoriais e motores, além de foto e fonofobia. 70% dos
pacientes acometidos pela enxaqueca tem um familiar direto com o mesmo
problema.
É dividida em
cinco fases: sintomas premonitórios, aura, fase álgica, resolução da fase álgica
e fase de recuperação. Os sintomas premonitórios indicam ao
paciente a iminência da crise. Nessa fase ocorre irritação, raciocínio lento e
dificuldade de memorização, desânimo, avidez por doces e sono agitado,
inclusive com pesadelos. Esses sintomas ocorrem fidedignamente em 60% dos
pacientes.
A primeira
informação a se prender sobre a fisiopatologia da enxaqueca, é que o cérebro de
pacientes portadores é hiperexcitado. Por isso qualquer
situação do dia-a-dia pode desencadear uma crise de dor, nesse caso dita
migranosa. Algumas possíveis explicações, certamente não isoladas, são o deficiência
do íon magnésio, alta produção de neurotransmissores excitatórios –
glutamato e aspartato, além de alterações nos canais de cálcio
voltagem dependentes. A esses canais foram relacionadas alterações no braço curto
do cromossomo 19, de pacientes que cursam com hemiplegia na fase da aura. Mas é
importante saber que esses casos são raros.
Os sintomas
premonitórios, no geral, seriam causados também por distúrbios
no sistema límbico-hipotalâmico. Já a aura teria origem no
córtex, ocorrida a partir de uma hipoperfusão e consequente depressão de
atividade cortical iniciada no polo occipital, difundida em ondas para o
restante do cérebro. Essa depressão culmina no aumento da secreção de
noradrenalina, distúrbio nos canais de cálcio, deficiência de magnésio e
aumento dos aminoácidos excitatórios. Caso a depressão dure pouco tempo, os
sinais neurológicos desaparecerão em até uma hora. Caso a hipoperfusão se sustente,
haverá acidente vascular isquêmico, evoluindo com sequelas definitivas.
A dor
já seria resultado de alterações no sistema trigêmeo-vascular (sistema
inervador de vasos cerebrais e dura-máter, e cujos corpos celulares estão
localizados no gânglio trigêmeo). As alterações citadas resultam em inflamação de meninges.
Isso ocorre da seguinte maneira: há ativação do gânglio trigeminal após os
sintomas premonitórios e aura. O gânglio enviará sinais para os
locais próximo aos vasos que suprem as meninges, comandando a liberação
de substância proteolítica e peptídeo relacionado ao gene da
calcitonina (CGRP). Isso provoca vasodilatação e aumento da permeabilidade
vascular com consequente extravasamento de plasma e de outras
substâncias contidas nos vasos, tais como a bradicinina, peptídeos vasoativos e
óxido nítrico, que induzirão à inflamação. As aferências
trigeminais que chegam nesse local serão então excitadas pela inflamação e
levarão estímulos para o tálamo e córtex, onde haverá a interpretação de todo o
processo como dor através dos distúrbios citados anteriormente, a saber, queda
da serotonina, depressão do sistema opióide e noradrenérgico.
QUADRO CLÍNICO DA ENXAQUECA
A fase de
enxaqueca com aura ocorre em 20% dos pacientes, se desenvolvendo num período de
5 a 20 minutos, e duração de aproximadamente uma hora. Essa fase pode ser de
cinco tipos:
·
Típica, apresenta-se como escotomas
e escotomas cintilantes, muitas vezes associados a disfasia e parestesia
unilateral. Algumas vezes ocorre hemiparesia ou hemiplegia de face e membros;
· Tipo basilar, ocorre escotomas nos
dois olhos, disartria, vertigem, zumbido, hipoacusia, diplopia, ataxia,
parestesia e diminuição do nível de consciência. Esse tipo segue eventos
ocorridos no tronco cerebral;
·
Aura sem infarto, aura com duração
maior que uma hora e menor que sete dias, sem indicações nos exames de imagem;
·
Aura típica sem cefaleia, geralmente
em pacientes com mais de 50 anos;
·
Aura retiniana, os sintomas visuais
anteriormente referidos como os cintilos, diplopia, escotomas, etc., ocorrem
unilateralmente.
A fase álgica
é quando ocorre a cefaleia propriamente dita, sendo de forte intensidade,
pulsátil, que piora com a execução das atividades diárias. Melhora quando o
indivíduo fica em ambientes escuros e silenciosos. Em dois terços dos casos é
unilateral, dura entre 4 e 72 horas e muda de um lado para outro na recorrência
das crises, porém predominando na região frontotemporal e orbitária. Outros
sintomas se associam, como náuseas e vômitos, além da fono e fotofobia.
SEMIOLOGIA
É necessário
ter sempre em mente os sintomas clássicos: unilateralidade, dor pulsátil e
associação com náuseas, vômito e foto/fonofobia. No entanto, como o corpo não é
um livro, alguns quadros podem se apresentar de forma atípica, por exemplo, com
a ausência da aura. A unilateralidade é frequente, tendendo à bilateralidade
frontal com o evoluir da crise. A dor pulsátil realmente está na grande maioria
dos casos, mas em alguns pode ser contínua ou se tornar assim no decorrer. Náuseas,
vômitos, fotofobia e fonofobia podem estar ou não presentes.
TRATAMENTO
O tratamento
tem os seguintes princípios segundo a Sociedade Brasileira de cefaleia:
·
Cogitar o tratamento profilático;
·
Avaliar o impacto do problema na vida na pessoa;
·
Identificar morbidades associadas;
·
Identificar fatores desencadeantes e agravantes;
·
Avaliar o tipo de tratamento a ser seguido;
·
Envolver o paciente no tratamento, incluindo a
construção do diário de cefaleia;
· Estabelecer critérios de tratamento e adaptação
do mesmo a partir da resposta do paciente;
·
Estabelecer expectativas realistas de
tratamento.
TRATAMENTO
NÃO-MEDICAMENTOSO
·
Como a fisiopatologia, independente da origem da
cefaleia, cita a vasodilatação, colocar gelo sobre a área dolorida pode aliviar
os sintomas de alguns;
·
Colocar os pés dentro de um balde com água morna
aumenta a vasodilatação periférica e consequentemente diminui o fluxo sanguíneo
cerebral o suficiente para diminuir os sintomas;
·
Infusão concentrada de café, pois a cafeína
inibe a degradação do AMP-c, que age no sistema de segundo mensageiros e induz
a vasoconstricção intracraniana;
·
Compressão da artéria temporal do lado doloroso;
·
Provocar vômitos também melhora a crise devido a
estimulação de serotonina pelas células cromafins – células secretoras de
catecolaminas – do intestino.
MIGRÂNEA SEM
AURA NA CRISE LEVE
A primeira
conduta é separar o paciente de ambientes claros e não silenciosos. Pode-se
utilizar bolsa de gelo e analgésicos comuns tais como dipirona ou paracetamol,
ambos na dose de 1.000 mg, associados a outro anti-inflamatório não-esteroidal
(AINE), como o diclofenaco sódico 50 a 100 mg. Se houver vômito pode-se
utilizar a metoclopramida, que pode ser encontrada em frasco-ampola com 2 ml de
5 mg/ml, ou solução oral de 4 mg/ml. O paciente pode utilizar os medicamentos
para dor para cessar a evolução dos sintomas, utilizando os antieméticos
citados com 30 minutos de antecedência. Se o paciente já cursou com crise extra
piramidal a metoclopramida não pode ser utilizada. Então usa-se a domperidona,
disponível na forma de suspensão (1 mg/ml), podendo ser utilizada na dose de 10
mg e respeitando a dose máxima de 80 mg por dia.
NA MIGRÂNEA
SEM AURA DE CRISE MODERADA
O mesilato de
ergotamina pode ser utilizado nos primeiros momentos de dor. Geralmente vem
associado a outros analgésicos. O cefalium, por exemplo, associa a ergotamina
com o paracetamol na dose de 450 mg, a cafeína na dose de 75 mg e
metoclopramida no dose de 10 mg. A posologia é de 1 a 2 comprimidos no início
da enxaqueca, podendo fazer uso de outros comprimidos com intervalos de 30
minutos, no máximo oito por dia. O cefaliv tem, além da ergotamina, a dipirona
(350mg) e cafeína (100 mg). Se a crise
de dor moderada já está intensa a ergotamina não será eficiente. Nesses casos
podem ser utilizados os triptanos, que agem sobre os receptores serotoninérgicos
aliviando a dor rapidamente. Um exemplo é o naratriptano, que pode ser
utilizado como comprimidos de 2,5 mg, ou o rizatriptano na dose de 10 mg.
Nessa crise
também se pode utilizar a dipirona IV 1.000 mg, ou seja, um frasco-ampola
diluído em soro fisiológico ou glicosado, mantendo o paciente deitado.
MIGRÂNEA SEM
AURA NA CRISE FORTE
Aqui também é
utilizado os triptanos, clorpromazina ou indometacina. A clorpromazina está
nas unidades públicas de saúde sob o nome de amplictil em ampolas de 5
ml com 25 mg do medicamento. Sua ação se concentra em bloquear os receptores
dopaminérgicos na área mesofrontal e sistema límbido, sendo indicada
primordialmente no tratamento antipsicótico, embora que para esse fim seja de
baixa potência. Como também é bloqueador de receptores adrenérgicos e
histaminérgicos induzem o paciente a cursar com hipotensão ortostática
e sedação. É recomendado a associação com dexametasona para inibir a reação inflamatória,
ou até mesmo um AINE.
MIGRÂNEA COM
AURA
Aqui podem ser
utilizados qualquer medicamento do tratamento da migrânea sem aura, com exceção
dos triptanos e ergotamina. Ou seja, dipirona, paracetamol, diclofenaco,
metoclopramida, inclusive ácido acetil salicílico 1.000 mg, lembrando do seu
efeito antiagregante plaquetário.
Se o paciente tem três crises ou mais no mês,
é necessário o tratamento profilático, que é realizado com antidepressivos
tricíclicos, como a amitriptilina ou nortriptilina 10 a 75 mg, uma vez ao dia.
Pode também ser utilizado a fluoxetina 20 a 40 mg ao dia; com betabloqueadores,
como o propranolol 40 a 120 mg VO ou metoprolol 100 a 200 mg; bloqueadores dos
canais de cálcio, como a flunarizina 5 a 10 mg à noite; e por fim antiepiléticos
como o valproato de sódio, (500 a 1.500 mg ao dia).
REFERÊNCIAS
LOPES,
Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca,
2011;
STUGINSKI-BARBOSA, juliana; DACH,
Fabíola; ESPECIALI, José Geraldo. Relação entre cefaleia primária e
fibromialgia: revisão de literatura. Revista
Brasileira de Reumatologia. v. 47. n. 2. p. 114-120. Mar/abr, 2007.
MONTEIRO, José M. Pereira.
Cefaleias primárias: causas e consequências. Revista Portuguesa de Clinica
Médica. v. 22. P. 455-459, 2006.
MALVEIRA, Carlo Luiz. Migrânea ou
enxaqueca. Trabalho de conclusão de curso. Universidade Federal de Minas
Gerais. Uberaba, 2011. Disponível em: http://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2561.pdf.
Acessado em 12 de setembro de 2013.
Vicent, Maurice. Fisiologia da
enxaqueca (ou migrânea). Medicina.
Simpósio: cefaleia. Cap. II. v.30. p. 428-436. Ribeirão Preto. Out-dez,
1997. (DESTAQUE).
4 comentários:
Parabéns pelo informativo...assim vc ajuda a mim e a milhares de pessoas!!!
Ficou muito interessante, bem claro! Um tema que é bastante comum . Faltou falar da alimentação, que nesse caso, é importante para ajudar a aliviar os sintomas ( puxar a sardinha pra meu lado rsrs)!Parabéns!
Bem puxado Milena Lima. Mas aí só sei o básico. Aí que a senhorita entra. Beijos.
Obrigado Bianca Lima.
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