quinta-feira, 27 de setembro de 2012

DA HIPÓXA FETAL À PRIMEIRA RESPIRAÇÃO


HIPÓXIA FETAL
Hipóxia fetal é um sinônimo de sofrimento fetal agudo, caracterizado por queda brusca das trocas materno-fetais de gases, ocorrendo principalmente durante o trabalho de parto. É responsável por 19% das mortes neonatais no mundo. A etiologia do sofrimento fetal agudo se dá por alterações uteroplacentárias, quando há uma quebra do equilíbrio entre a pressão arterial da mãe (maior) e do útero (menor). Isso ocorre ou por questões uterinas (hipersistolia, taquissistolia ou hipertonia), hipotensão materna ou hipovolemia.
 Os fatores uterinos são muito comuns, já que mesmo fora do trabalho de parto a pressão aminiótica chega a 40 mmHg, conferindo uma pressão miometrial de 80 a 120 mmHg. Sendo assim, num evento de maior atividade uterina, a pressão da parede do órgão vai ultrapassar a pressão arterial da mãe, diminuindo ou até mesmo cessando o fluxo de sangue para o feto, e consequentemente de oxigênio.  Na hiperssistolia a pressão de base do miométrio está aumentada, diminuindo o fluxo para o feto. Se a causa for taquissistolia ou frequência de contrações aumentada, o sangue oxigenado a adentrar nas vilosidades não dispõe de tempo suficiente para levar quantidade adequada de oxigênio; se for hipertonia ou contração sustentada, haverá tempo entre as contrações, porém a cada contração o sangue demorará muito tempo para ser renovado e por isso os níveis de oxigênio estarão em rápida decadência.
Na hipotensão materna haverá queda no suprimento de oxigênio, mas a resistência vascular também cairá equilibrando as demandas. No entanto, isso não irá se prolongar quando o motivo da hipotensão for hipovolemia, sendo razoavelmente grave na desidratação e grave na hemorragia.
Há também os fatores fetoplacentários, quando a compressão do cordão umbilical por circulares de cordão ou até por posição desfavorável do feto implicará em diminuição da perfusão placentária e consequentemente a fetal. Pode ocorrer ainda por trombose, prolapsos e indiretamente por oligodramnia. Quando há presença de sofrimento fetal crônico, como nas mães fumantes, a hipóxia será facilitada, pois a adaptação dos vasos, com diminuição da resistência estará diminuída.
A primeira resposta do feto é o aumento da frequência cardíaca, com o limite da normalidade afixado em 160 batimentos por minutos. Segue-se a diminuição dos movimentos fetais, que pode ser avaliada com a gestante deitada em decúbito dorsal esquerdo após alimentação leve. A gestante deverá notar uma frequência mínima de movimentos fetais de 5 a 10 vezes por hora.
A frequência cardíaca estará aumentada por conta da estimulação do sistema nervoso simpático, com ativação adrenérgica. Nesse caso é quase certa a ausência de cianose. Se a frequência está abaixo de 120 batimentos por minuto já estará ocorrendo o fenômeno da centralização, com hipoperfusão de rins, extremidades, músculos, pulmões, intestinos e esfíncteres. Quando esta privação alcança o esfíncter anal, este se relaxa e libera mecônio no líquido amniótico – aceitável em 10% das gestações a termo – que poderá ser posteriormente aspirado pelo feto devido ao reflexo de insuflação dos pulmões com o agravamento da hipóxia. O rebaixamento na frequência cardíaca é uma segunda resposta à hipoperfusão persistente na tentativa de economizar energia.
A privação do oxigênio no feto ainda terá as seguintes consequências: hipercapnia (aumento dos níveis de gás carbônico), acidemia (aumento de íons de hidrogênio no sangue), acidose (diminuição do PH) e asfixia intraparto (acidose resultante da hipóxia progressiva durante o trabalho de parto). As consequências podem envolver ausência de danos, morte, ou permanente dano neurológico a depender da idade gestacional e da intensidade da injúria. A facilidade com que as sequelas neurológicas se instalam é relacionada com a alta concentração de lipídios, alta taxa de consumo de oxigênio, baixos níveis de antioxidantes e pouca disponibilidade de ferro livre. Com a permanência da condição hipoxêmica se dará início a eventos que determinam alterações nas mitocôndrias, liberação de glutamato que induz a liberação de cálcio intracelular com ativação de enzimas e elementos reativos do oxigênio. Caso a injúria seja temporária também poderá haver grandes danos, pois a reperfusão determina a difusão de radicais livres e injúria celular.
Durante o trabalho de parto há maiores chances de o feto cursar com hipóxia. 70% dos fetos hipóxicos são acometidos pelo quadro durante o parto, podendo levar o feto ao óbito em 10 minutos. Esse quadro poderá se instalar por conta de compressão do cordão umbilical no canal do parto, falha de troca gasosa via placenta, perfusão ineficaz da mãe e também por deficiência em inflar os pulmões após o nascimento por existência de conteúdo amniótico nas vias respiratórias, condição essa que demanda a aspiração, ou até mesmo por imaturidade da produção do surfactante, como pode ocorrer em partos prematuros.
Nas gestantes de baixo risco a ausculta dos batimentos cardiofetais (BCFs) deve ser realizada de meia em meia hora no segundo período do trabalho de parto. Nos casos de gestação de alto risco esse período deve ser diminuído para 15 minutos. Caso seja identificada a bradicardia, já será um indicativo de que a criança nascerá cianótica e que demandará intervenções imediatas após o nascimento.

TRANSIÇÃO CARDIOCIRCULATÓRIA FETAL APÓS O NASCIMENTO
                     

Visão anterior                                                  






Visão do ducto arterioso





A vida intrauterina é marcada por drásticas transformações, principalmente nas primeiras oito semanas, quando ocorre a organogênese. Essas transformações se tornam mais discretas no fim da gestação, mas não deixam de exigir uma readaptação imediatamente após o parto. Os pulmões precisam estar fechados durante a vida intrauterina, pois a aspiração de líquido amniótico dificultaria a respiração pulmonar após o nascimento, além de ter maiores chances de levar mecônio até os alvéolos. Pode ocorrer expansão pulmonar durante a vida intrauterina, mas apenas como um reflexo do feto às condições de hipoxemia. Ocorre então uma inibição da expansão pulmonar por razões não esclarecidas.
Se a mãe não foi deprimida por anestésicos, a criança alcança o ritmo respiratório normal em um minuto após o nascimento, apesar de ter a capacidade de se manter sem respirar por até dez minutos. Ele passa primeiramente por estado transitório de asfixia, que é um dos motivadores para a expansão pulmonar. Outro fator que induz o início da respiração é a influência de impulsos surgidos da pele quando entra em contato com a temperatura mais baixa do ambiente. 
É importante compreender que a hipóxia citada não ocorre somente após o parto, pois devido às contrações uterinas, compressão do cordão umbilical no canal do parto, compressão torácica no mesmo local e a separação prematura da placenta, quando ocorrer, já irão contribuir para a baixa da PO2, estimulando a expansão pulmonar.
A primeira respiração é bastante forçosa em relação à segunda e assim por diante até sua normalização, ocorrendo com movimentos pulmonares suaves. Nessa primeira insuflação é necessária a pressão negativa em relação à atmosfera de 30 mmHg. Isso ocorre porque no nascimento há conteúdo proteico dentro dos alvéolos que provocam a tensão superficial indutora do colabamento da estrutura. Após 40 minutos as pressões normalizam ao nível da necessidade de 25 mmHg para que ocorra a inspiração.
As repercussões circulatórias após o nascimento precisam desviar sangue para os pulmões e fígado. Ambos recebem pequena quantidade de sangue durante a vida fetal, sangue este que é desviado da placenta para sofrer redistribuição em todo o corpo do bebê após o parto. Após o nascimento, parte dos 55% de todo o sangue antes direcionado para a placenta será utilizado para a redistribuição após aumento da demanda funcional do fígado e pulmões.
Três estruturas são importantíssimas para entender as peculiaridades da circulação fetal: ducto venoso (estrutura adjacente ao hilo do fígado), ducto arterioso (ligação entre a veia pulmonar e a aorta) e forame oval (comunicação entre os átrios). A circulação começa com o sangue penetrando no tecido fetal pelo cordão umbilical e toma dois caminhos: uma pequena porção vai para o fígado e a maior parte vai cair na veia cava. Adentrando no átrio direito o sangue passa pelo forame oval para o átrio esquerdo, e para o ventrículo direito pela válvula tricúspide. O sangue que vai para o ventrículo direito vem desoxigenado da cabeça pela veia cava superior, e o sangue que vai para o átrio esquerdo é oxigenado e proveniente da veia cava inferior. Como o pulmão está fechado apenas 12% do sangue o irriga, em contraste com o adulto, em quem o sangue passa totalmente.
O sangue que flui pela veia pulmonar segue quase todo pelo ducto arterioso para a aorta. O sangue que flui pelo forame oval, do átrio direito para o esquerdo, segue pelo ventrículo esquerdo e aorta normalmente. A perda da placenta e a abertura dos pulmões são o motivo para as alterações físicas ocorridas nas três estruturas enfatizadas. Quando a mulher engravida a presença da placenta aumenta os locais de fuga de sangue e por isso a resistência vascular diminui, diminuindo também a pressão arterial. Quando o bebê nasce um efeito contrário acontece quando a placenta é perdida. O aumento da resistência vascular subsequente aumenta a pressão aórtica e nos átrios. A pressão no átrio esquerdo aumenta 2 a 4 mmHg em relação ao direito, o suficiente para fechar o forame oval, pois este só permite passagem de sangue no sentido da direita para a esquerda. Dentro de alguns meses a alguns anos a válvula se adere à parede do forame permanecendo fechada.
A expansão dos pulmões reduz a resistência vascular local e por isso o sangue advindo do cordão umbilical não passa mais para o fígado. Em 1 a 3 horas após o nascimento as paredes do ducto venoso se contraem culminando num aumento de pressão de até 6 mmHg sobre o sistema porta do fígado e com isso o sangue acaba fluindo pelos hepatócitos.
Quanto ao ducto arterioso, seu fechamento se apoia no aumento da pressão aórtica, que aumenta de 15 a 20 mmHg na vida intrauterina para 100 mmHg após o nascimento. Essa pressão conduz o fechamento fisiológico do ducto arterioso poucas horas após o parto. Esse ducto se mantém aberto na vida uterina por conta da vasodilatação determinada por prostaglandinas e por isso os inibidores da cicloxigenase são extremamente contra-indicada durante a gravidez.

REFERÊNCIAS
ANDINA, Elsa. Hipoxia fetal intraparto. Revista del Hospital Materno infantil Ramón Sardá. Ano 22. vol 03. pp 124-130. Buenos Aires, 2003. Acessada em 23/09/2012, no endereço: http://redalyc.uaemex.mx/pdf/912/91222307.pdf;

GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed 12. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011;

MARGOTTO, Paulo Roberto. Avaliação da idade gestacional. Sem referência a publicações. Acessado em 25/09/2012 às 22:37, endereço: www.paulomargotto.com.br/documentos/avalia.doc.

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