HIPÓXIA FETAL
Hipóxia fetal é um sinônimo de
sofrimento fetal agudo, caracterizado por queda brusca das trocas
materno-fetais de gases, ocorrendo principalmente durante o trabalho de parto. É
responsável por 19% das mortes neonatais no mundo. A etiologia do sofrimento
fetal agudo se dá por alterações uteroplacentárias, quando há uma quebra do
equilíbrio entre a pressão arterial da mãe (maior) e do útero (menor). Isso
ocorre ou por questões uterinas (hipersistolia, taquissistolia ou hipertonia),
hipotensão materna ou hipovolemia.
Os fatores uterinos são muito comuns, já que
mesmo fora do trabalho de parto a pressão aminiótica chega a 40 mmHg,
conferindo uma pressão miometrial de 80 a 120 mmHg. Sendo assim, num evento de
maior atividade uterina, a pressão da parede do órgão vai ultrapassar a pressão
arterial da mãe, diminuindo ou até mesmo cessando o fluxo de sangue para o
feto, e consequentemente de oxigênio. Na
hiperssistolia a pressão de base do miométrio está aumentada, diminuindo o
fluxo para o feto. Se a causa for taquissistolia ou frequência de contrações
aumentada, o sangue oxigenado a adentrar nas vilosidades não dispõe de tempo
suficiente para levar quantidade adequada de oxigênio; se for hipertonia ou
contração sustentada, haverá tempo entre as contrações, porém a cada contração
o sangue demorará muito tempo para ser renovado e por isso os níveis de
oxigênio estarão em rápida decadência.
Na hipotensão materna haverá
queda no suprimento de oxigênio, mas a resistência vascular também cairá
equilibrando as demandas. No entanto, isso não irá se prolongar quando o motivo
da hipotensão for hipovolemia, sendo razoavelmente grave na desidratação e
grave na hemorragia.
Há também os fatores fetoplacentários,
quando a compressão do cordão umbilical por circulares de cordão ou até por
posição desfavorável do feto implicará em diminuição da perfusão placentária e
consequentemente a fetal. Pode ocorrer ainda por trombose, prolapsos e
indiretamente por oligodramnia. Quando há presença de sofrimento fetal crônico,
como nas mães fumantes, a hipóxia será facilitada, pois a adaptação dos vasos,
com diminuição da resistência estará diminuída.
A primeira resposta do feto é o
aumento da frequência cardíaca, com o limite da normalidade afixado em 160
batimentos por minutos. Segue-se a diminuição dos movimentos fetais, que pode
ser avaliada com a gestante deitada em decúbito dorsal esquerdo após
alimentação leve. A gestante deverá notar uma frequência mínima de movimentos
fetais de 5 a 10 vezes por hora.
A frequência cardíaca estará
aumentada por conta da estimulação do sistema nervoso simpático, com ativação
adrenérgica. Nesse caso é quase certa a ausência de cianose. Se a frequência
está abaixo de 120 batimentos por minuto já estará ocorrendo o fenômeno da
centralização, com hipoperfusão de rins, extremidades, músculos, pulmões,
intestinos e esfíncteres. Quando esta privação alcança o esfíncter anal, este
se relaxa e libera mecônio no líquido amniótico – aceitável em 10% das
gestações a termo – que poderá ser posteriormente aspirado pelo feto devido ao
reflexo de insuflação dos pulmões com o agravamento da hipóxia. O rebaixamento
na frequência cardíaca é uma segunda resposta à hipoperfusão persistente na
tentativa de economizar energia.
A privação do oxigênio no feto
ainda terá as seguintes consequências: hipercapnia (aumento dos níveis de gás
carbônico), acidemia (aumento de íons de hidrogênio no sangue), acidose
(diminuição do PH) e asfixia intraparto (acidose resultante da hipóxia
progressiva durante o trabalho de parto). As consequências podem envolver
ausência de danos, morte, ou permanente dano neurológico a depender da idade
gestacional e da intensidade da injúria. A facilidade com que as sequelas neurológicas
se instalam é relacionada com a alta concentração de lipídios, alta taxa de
consumo de oxigênio, baixos níveis de antioxidantes e pouca disponibilidade de ferro
livre. Com a permanência da condição hipoxêmica se dará início a eventos que
determinam alterações nas mitocôndrias, liberação de glutamato que induz a
liberação de cálcio intracelular com ativação de enzimas e elementos reativos
do oxigênio. Caso a injúria seja temporária também poderá haver grandes danos,
pois a reperfusão determina a difusão de radicais livres e injúria celular.
Durante o trabalho de parto há
maiores chances de o feto cursar com hipóxia. 70% dos fetos hipóxicos são
acometidos pelo quadro durante o parto, podendo levar o feto ao óbito em 10
minutos. Esse quadro poderá se instalar por conta de compressão do cordão
umbilical no canal do parto, falha de troca gasosa via placenta, perfusão
ineficaz da mãe e também por deficiência em inflar os pulmões após o nascimento
por existência de conteúdo amniótico nas vias respiratórias, condição essa que
demanda a aspiração, ou até mesmo por imaturidade da produção do surfactante,
como pode ocorrer em partos prematuros.
Nas gestantes de baixo risco a
ausculta dos batimentos cardiofetais (BCFs) deve ser realizada de meia em meia
hora no segundo período do trabalho de parto. Nos casos de gestação de alto
risco esse período deve ser diminuído para 15 minutos. Caso seja identificada a
bradicardia, já será um indicativo de que a criança nascerá cianótica e que
demandará intervenções imediatas após o nascimento.
TRANSIÇÃO CARDIOCIRCULATÓRIA FETAL
APÓS O NASCIMENTO
Visão anterior
Visão do ducto arterioso
A vida intrauterina é marcada por drásticas transformações, principalmente nas primeiras oito semanas, quando ocorre a organogênese. Essas transformações se tornam mais discretas no fim da gestação, mas não deixam de exigir uma readaptação imediatamente após o parto. Os pulmões precisam estar fechados durante a vida intrauterina, pois a aspiração de líquido amniótico dificultaria a respiração pulmonar após o nascimento, além de ter maiores chances de levar mecônio até os alvéolos. Pode ocorrer expansão pulmonar durante a vida intrauterina, mas apenas como um reflexo do feto às condições de hipoxemia. Ocorre então uma inibição da expansão pulmonar por razões não esclarecidas.
Se a mãe não foi deprimida por
anestésicos, a criança alcança o ritmo respiratório normal em um minuto após o
nascimento, apesar de ter a capacidade de se manter sem respirar por até dez
minutos. Ele passa primeiramente por estado transitório de asfixia, que é um
dos motivadores para a expansão pulmonar. Outro fator que induz o início da
respiração é a influência de impulsos surgidos da pele quando entra em contato
com a temperatura mais baixa do ambiente.
É importante compreender que a
hipóxia citada não ocorre somente após o parto, pois devido às contrações
uterinas, compressão do cordão umbilical no canal do parto, compressão torácica
no mesmo local e a separação prematura da placenta, quando ocorrer, já irão
contribuir para a baixa da PO2, estimulando a expansão pulmonar.
A primeira respiração é bastante
forçosa em relação à segunda e assim por diante até sua normalização, ocorrendo
com movimentos pulmonares suaves. Nessa primeira insuflação é necessária a
pressão negativa em relação à atmosfera de 30 mmHg. Isso ocorre porque no
nascimento há conteúdo proteico dentro dos alvéolos que provocam a tensão
superficial indutora do colabamento da estrutura. Após 40 minutos as pressões
normalizam ao nível da necessidade de 25 mmHg para que ocorra a inspiração.
As repercussões circulatórias
após o nascimento precisam desviar sangue para os pulmões e fígado. Ambos
recebem pequena quantidade de sangue durante a vida fetal, sangue este que é
desviado da placenta para sofrer redistribuição em todo o corpo do bebê após o
parto. Após o nascimento, parte dos 55% de todo o sangue antes direcionado para
a placenta será utilizado para a redistribuição após aumento da demanda
funcional do fígado e pulmões.
Três estruturas são
importantíssimas para entender as peculiaridades da circulação fetal: ducto
venoso (estrutura adjacente ao hilo do fígado), ducto arterioso (ligação entre
a veia pulmonar e a aorta) e forame oval (comunicação entre os átrios). A
circulação começa com o sangue penetrando no tecido fetal pelo cordão umbilical
e toma dois caminhos: uma pequena porção vai para o fígado e a maior parte vai
cair na veia cava. Adentrando no átrio direito o sangue passa pelo forame oval
para o átrio esquerdo, e para o ventrículo direito pela válvula tricúspide. O
sangue que vai para o ventrículo direito vem desoxigenado da cabeça pela veia
cava superior, e o sangue que vai para o átrio esquerdo é oxigenado e
proveniente da veia cava inferior. Como o pulmão está fechado apenas 12% do
sangue o irriga, em contraste com o adulto, em quem o sangue passa totalmente.
O sangue que flui pela veia
pulmonar segue quase todo pelo ducto arterioso para a aorta. O sangue que flui
pelo forame oval, do átrio direito para o esquerdo, segue pelo ventrículo
esquerdo e aorta normalmente. A perda da placenta e a abertura dos pulmões são
o motivo para as alterações físicas ocorridas nas três estruturas enfatizadas.
Quando a mulher engravida a presença da placenta aumenta os locais de fuga de
sangue e por isso a resistência vascular diminui, diminuindo também a pressão
arterial. Quando o bebê nasce um efeito contrário acontece quando a placenta é
perdida. O aumento da resistência vascular subsequente aumenta a pressão
aórtica e nos átrios. A pressão no átrio esquerdo aumenta 2 a 4 mmHg em relação
ao direito, o suficiente para fechar o forame oval, pois este só permite
passagem de sangue no sentido da direita para a esquerda. Dentro de alguns
meses a alguns anos a válvula se adere à parede do forame permanecendo fechada.
A expansão dos pulmões reduz a
resistência vascular local e por isso o sangue advindo do cordão umbilical não
passa mais para o fígado. Em 1 a 3 horas após o nascimento as paredes do ducto
venoso se contraem culminando num aumento de pressão de até 6 mmHg sobre o
sistema porta do fígado e com isso o sangue acaba fluindo pelos hepatócitos.
Quanto ao ducto arterioso, seu
fechamento se apoia no aumento da pressão aórtica, que aumenta de 15 a 20 mmHg
na vida intrauterina para 100 mmHg após o nascimento. Essa pressão conduz o
fechamento fisiológico do ducto arterioso poucas horas após o parto. Esse ducto
se mantém aberto na vida uterina por conta da vasodilatação determinada por
prostaglandinas e por isso os inibidores da cicloxigenase são extremamente
contra-indicada durante a gravidez.
REFERÊNCIAS
ANDINA, Elsa. Hipoxia fetal intraparto. Revista del Hospital Materno infantil Ramón Sardá. Ano 22. vol 03.
pp 124-130. Buenos Aires, 2003. Acessada em 23/09/2012, no endereço: http://redalyc.uaemex.mx/pdf/912/91222307.pdf;
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed 12. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011;
MARGOTTO, Paulo Roberto. Avaliação da idade gestacional. Sem referência a publicações.
Acessado em 25/09/2012 às 22:37, endereço: www.paulomargotto.com.br/documentos/avalia.doc.
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