LIBERDADE
A Liberdade vagava pelos campos longos e verdes quando
foi chamada. Saliências subiam do chão para apontar para o céu na tentativa de
formar grandes montanhas verdes aos pés, brancas de neve no alto. A Liberdade
estava sozinha, voando rápida, circulando o horizonte até onde o verde chegava.
Na sua função de percorrer o mundo observando o que de novo pudesse encontrar,
ela recebeu de bom grado a missão. Deveria ser elemento a constituir um novo
ser. Precisava viajar até um determinado local para contribuir a seu modo para
a construção de uma vida, uma história.
A viajem era longa e para completá-la precisaria
passar pelo seu pior inimigo: a Privação.
Seria difícil, mas deveria ter coragem para seguir em frente e assim
fazer por merecer seu chamado. E assim lá estava ela. Sofreu a tentativa de ser
barrada entre os dois últimos campos. O mesmo lugar onde nascera. Era um local
quase plano, com um estreito caminho de terra vermelha ao centro, delimitado
por duas enormes lagoas inquietas, das quais se erguiam duas lindas imagens
femininas gregas, levitadas acima de onde a água podia alcançar.
A Privação se posicionou à sua frente, ergueu os
braços e gritou: Eu não deixarei você
passar – sua voz era firme e falida ao mesmo tempo. Mas a Liberdade era acostumada a percorrer
florestas por dias contínuos sem nunca pestanejar, ou diminuir sua admiração
pelas coisas de Deus. O escapulário em
seu pescoço provava isso. Por tudo a
Liberdade ganhou a velocidade do vento e antes que a Privação pudesse reagir
ela correu rápida por sobre as águas sem precisar da mínima investida.
De lá foi para o lugar marcado encontrar-se com os
outros três. Havia um círculo de pedras deitadas ao chão com uma erguida ao
centro. Ela foi a última a chegar. Então aproximou-se e disse: Eu sou a Liberdade, e com toda a honra cedo
meus defeitos e virtudes para essa construção. E ajoelhou-se erguendo o
escapulário antes em seu pescoço, dizendo aos outros três:
- Eu prometo que serei a pura disposição, e que
estarei junto com vocês para todo o sempre ou até que seus fins sejam também o
meu fim.
E então...
AUTÊNTICA
A Autêntica era uma energia fracionada que emanava dos
úteros de todas as mulheres. Ela tinha várias personalidades, mas todas
compreendiam sua importância de dar a cada um, faces distintas. Sabia também
que mesmo com aquele chamado não podia deixar seu local de vivência, pois dela
dependiam as vidas ainda por vir. Então Autêntica decidiu doar uma ínfima parte
de sua energia em cada útero para no fim formar uma única, grande e forte,
capaz de chegar ao local marcado. Foi um processo rápido. Aconteceu no céu onde seu inimigo, o Plágio,
não pudesse testemunhar. Até ali tudo
foi tranqüilo, no entanto ela sabia que o encontro era inevitável, e se
aproximava, pois não podia se manter no alto por muito tempo.
Autêntica vislumbrou o horizonte a percorrer, se
posicionou, e deixou-se cair planando sobre as nuvens o máximo que pôde. Eram
tantas as formas brancas, invocando a nostalgia sobre as várias infâncias que
teve. O vento era frio e agradável, quase tão ao extremo quanto seu poder
criativo. Caindo viu as nuvens ficarem cada vez mais esparsas até que sobraram
apenas alguns vapores e a visão da terra lá embaixo. Ainda não havia prédios,
nem mesmo cidades, apenas alguns povoados indígenas que teimavam em não
desaparecer. Logo passou a planar junto ao chão chamando a atenção do Plágio,
que ciente da importância da missão passou a segui-la como um parasita.
O Plágio também era rápido e por muitas horas
acompanhou Autêntica. Insistente, comensal, o Plágio desejava encontrar o local
Marcão para estragar com sua inveja o novo ser. No entanto Autêntica, esperta e
tranquila, esperou com paciência o primeiro vacilo do inimigo para penetrar nas
flores e através do pólem viajar ao vento despercebida, até que estivesse
segura para voltar à sua antiga não-forma e assim alcançar o lugar marcado.
Logo na entrada havia um caminho feito de britas que
inexplicavelmente não machucavam os pés de ninguém. O círculo de pedras estava
logo adiante, e ajoelhada ao centro Impetuosa, sozinha, colocava seu cetro
sobre a grande pedra. Assim que se levantou Autêntica tomou o seu lugar rente a
ela, ajoelhando-se e dizendo:
- Eu sou Autêntica e com toda a honra cedo meus
defeitos e virtudes para essa construção.
Então rasgou a manga direita da sua camisa e a colocou
ao lado do cetro.
- Eu prometo que serei a pura disposição e que estarei
junto com você para todo o sempre ou até que nossos fins sejam os mesmos.
IMPETUOSA
A Impetuosa apoiada em seu cetro, estava sentada sobre
a barra de segurança erguida na extensão da borda do prédio mais alto. Era
calada, semblante sério como se irritada, ombros marcados em brasa com o
símbolo do infinito. Era noite e se dependesse dela passaria todo o tempo ali
olhando as luzes se movendo lá embaixo. Estava angustiada. Sentia em seu âmago
que algo iria acontecer. E foi no erguer sua mão repleta de calos ao rosto
quando soube que teria algo para fazer, algum lugar para ir. Olhou para a Lua e
disse: Eu aceito.
Permaneceu escondida por anos e só agora resolveu sair
de sua auto prisão. Era o que a ocasião pedia. Além disso, já havia pago pelos
seus erros, por isso não necessitava permanecer na casa de cubos.
No alto do prédio abaixo, o pára-raios era perfeito
para apoiá-la. Tinha pressa. Planeou um longo caminho até olhar para o
horizonte com olhos instintivos e perceber que a Depressão a observava
atentamente. Impetuosa lançou seu olhar enraivecido e sem muito analisar saltou
pra o prédio vizinho onde uma placa trazia as letras NE escritas. Ela foi até
lá num único salto, mudando seu curso pra não bater de frente com a Depressão.
Já se imaginava correndo por sobre os prédios, iluminada pela poluição dos
carros lá embaixo, seu oponente se erguendo veloz atrás dela tentando
alcançá-la e assim impedir o que teria de fazer.
Mas isso não aconteceu. Quando mais perto chegou da
Depressão percebeu que chorava silenciosa. Então ela cessou seu avanço e num
ato totalmente contraditório foi até lá. A Depressão a fitava com os olhos
vermelhos e inchados quando apenas um metro os separava. Porque você chora?, perguntou Impetuosa. Daí foi-lhe erguida uma
mão e com ela um convite à tristeza e solidão já conhecidas. Dizia que o mundo
era ruim, e o fato das coisas não acontecerem como planejamos nos deturpava,
nos feria e por isso aquela seria uma postura para se proteger. A Depressão se
vestia de Negro com uma camisa sem detalhes, discreta o suficiente para fazer
do escuro o perfeito esconderijo. A Impetuosa sentiu sua intenção e por se opor
à viajem ela negou. Impetuosa fechou os olhos por uns instantes e em sua
piedade ergueu também o braço para que seu oponente o segurasse, para assim
como ela se transformar em algo com objetivos na vida, com motivos para
caminhar em frente mesmo com as dificuldades. Para lembrar que seria possível retirar força
de cada obstáculo, e que para os seguidores dessa filosofia, após certo tempo,
a nada se permitiam abater. A Impetuosa olhava para os céus e via Deus,
enquanto a Depressão olhava para cima e subindo no parapeito não vi nada.
Impetuosa a seguiu certa de que conseguiria atrair seu
oponente para a luz, e os dois ficaram ali junto às correntes de ar e à imagem
do asfalto distante, com os braços estendidos um para o outro. Outra lágrima
caiu do olho esquerdo da Depressão e junto com ela seu corpo. Impetuosa então,
na sua nobreza, se jogou no intuito de impedir qualquer morte. Desistir não
fazia parte de seus planos.
O vento se fazia forte, a distância para o chão
diminuía, as janelas espelhadas passavam com velocidade absurda. Foi quando
Impetuosa segurou a mão de sua não-inimiga, e cravando seu cetro no concreto
barrou a investida. Logo ao chegarem ao chão, a Depressão havia desaparecido e
o caminho estava livre para chegar ao local marcado. Isso aconteceu ao amanhecer
quando o nevoeiro rasteiro cobria a parte inferior das pedras dispostas em círculo. A Impetuosa
estava sozinha, mas a confiança nos seus a tranqüilizava. Eles chegariam e
assim como ela fariam o que sabiam ter de fazer. A cada um cabia um ato e o seu
já estava sendo feito. Passou pela pedra marcada com a espada dos seus
ancestrais, seguiu até a do centro ajoelhou-se ao lado e colocou seu cetro
sobre ela.
- Eu sou impetuosa e com toda a honra cedo meus
defeitos e virtudes para essa construção. Prometo que serei a pura disposição,
e que estarei com os outros para todo o sempre ou até que seus fins seja também
o meu.
Daí olhou para o lado. Alguém estava chegando.
LENDA E LUZ
A Lenda e o Luz olhavam o mar quando foram chamados.
Eram irmãos e por isso eram dois e um só ao mesmo tempo. Entre eles a palavra eu nunca fora pronunciada, apenas nós. Assim os dois teriam um só lugar
para ir, um único objetivo. Ao seu caminho estava o mais impiedoso e destrutivo
dos inimigos: o Fúria. Imponente e tempestivo, supremo mesmo para os dois. Eles
sabiam que o Fúria não deveria ser combatido diretamente.
Esperaram a noite e atraíram propositadamente o Fúria,
que investia com força contra os dois. Mas a Lenda e o Luz não foram
apressados. Tinham tudo o que precisavam
para vencer não só ali, mas em todas as batalhas a seguir. A Lenda era rápida e
silenciosa como as águias que planam longe de todos. O Luz era quase o próprio
caminho. Era o discernimento, o bom
julgo, a sensatez. Enfim, era o guia de si e da irmã.
Acabaram correndo do Fúria entre as árvores da grande
e escura floresta. Uma floresta
labirinto, com as sombras jogadas ao chão e a falta de horizonte à frente. Seguindo-os
o Fúria fazia questão de não ser discreto. De mostrar sua força derrubando tudo
em seu caminho, sem imaginar que tudo o que fazia era sinalizar onde os outros
não desejavam estar. Com sua força erguia os braços e derrubava as árvores como
se fossem cipós. Ele era rápido. Houve um momento em que se aproximou dos dois,
mas a paciência os salvou. E onde ela existe o Fúria não há. No fim de agitado,
instintivo e impensado se perdeu, enquanto o Luz achava o caminho com a
sabedoria necessária para perceber que chegar onde se quer exige que se vá em
frente, ainda que tenha de dar alguns passos para o lado. Quanto ao Fúria só
lhe restou a lembrança de uma Lenda que sabia em quem confiar.
Na entrada do lugar marcado havia uma estaca erguida
com um véu na ponta, balançando ao vento.
Na frente Impetuosa e Autêntica de pé, com os braços voltados para trás,
os aguardavam ansiosamente. Balançaram a cabeça suavemente num sinal afável de
boas vindas. Daí penetrando no círculo de pedras foram se ajoelhar ao centro
para doar uma gota do sangue de cada um, e assim falar simultaneamente:
- Nós somos a lenda iluminada e com toda a honra cedemos
nossos defeitos e virtudes para essa construção. Prometemos que seremos a pura
disposição, e que estaremos juntos com os outros para que até mesmo nossos fins
sejam os mesmos.
???
???
Todos de mãos dadas fizeram outro círculo ao redor da
pedra-mor e num gesto de amizade, concentrados em suas boas intenções, reuniram
suas energias recheadas com seus defeitos e virtudes, para subirem aos céus e
de lá irem até uma grandiosa mulher, a qual todos chamariam de mãe. Eles se
dispuseram a se transformar em fruto para originar outra grande mulher e amiga.
Alguém com ideais de liberdade, autêntica, impetuosa em seu gênio e iluminada
em Deus, para que em nossos pensamentos seja uma lenda chamada LILLA.
L(liberdade); I(impetuosa); L(lenda); L(luz);
A(autêntica).
JAIRO LEÃO 16/08/07
REFERÊNCIA
Minha Imaginação.
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