ANATOMIA DA MAMA E FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO
A mama é composta basicamente por tecido conjuntivo, adiposo e por alvéolos responsíveis à prolactina. Dois terços das alvéolos mamários se encontram aproximadamente 30 mm próximos da base dos mamilos. O mamilo ou papila mamária é uma proeminência escurecida na altura do quarto espaço intercostal. Externamente possui células estratificadas queratinizadas, e no seu interior há fibras musculares que permitem a protusão da papila a partir da estimulação tátil ou sucção pelo bebê.
O mamilo possui diversas
classificações segundo sua forma. Em 90% da população o mamilo é o protuso.
Essa é a forma ideal para a lactação. As formas em escala crescente de
dificuldade durante a amamentação são: curto (pouco saliente), plano (responde
com a estimulação ficando protuso), pseudo-invertido (responde de diversas
formas podendo ficar discretamente protuso dependendo da resposta das fibras
musculares) e invertido (não responde ao estímulo tátil).
Dois terços da mama repousam
sobre o músculo peitoral maior e um terço no músculo peitoral menor. A camada
que recobre o peitoral menor, a fáscia peitoral, está separada do seio por um espaço,
o espeço retromamário. Esse espaço possibilita uma melhor movimentação da mama.
Pouco acima da mama existe o
local de fixação dos ligamentos que sustentam a mama, os ligamentos de Cooper. Eles
são o motivo para a o uso de sutiãs largos durante a gestação e lactação, pois como as mamas aumentam de peso tracionado esses ligamentos a
favorecendo a ptose mamária – popular mama caída. Os alvéolos são porções
secretórias de leite estão dispostas como cachos de uva na mama. Eles drenam
para os ductos lactíferos, que por sua vez drenam para os seios lactíferos. Os seios
lactíferos são porções dilatadas dos ductos que armazenam gotículas de leite,
extravasadas no momento em que o bebê pressiona a auréola com a boca.
Nos ciclos menstruais, um dos
efeitos do estrogênio é aumentar o depósito de gordura mamária, além do aumento
das ramificações dos ductos lactíferos. Durante a gravidez essa estimulação
aumenta por conta da elevação na secreção de estrogênio sustentada pela
placenta, culminando numa ramificação ainda maior desses ductos, além da
maximização de todos os efeitos estrogênicos do ciclo menstrual normal.
Contudo, o aumento dos ductos não é restrito aos efeitos advindos do estrogênio.
Os outros hormônios participantes são a insulina, glicocorticoides adrenais,
prolactina e hormônio do crescimento.
Todos esses hormônios juntos
multiplicarão os alvéolos mamilares e os ductos lactíferos, no entanto, não
comandarão a secreção de leite por conta da capacidade inibitória do estrogênio
e progesterona. Essa secreção ocorrerá na presença dos níveis aumentados de
prolactina, que se eleva gradualmente a partir da quinta semana de gestação. Ao
termo esse aumento já chegou a 10 a 20 vezes mais. Essa estimulação da produção
láctea tem a sinergia da somatomatropina coriônica humana, que é secretada pela
placenta e têm propriedades lactogênicas.
Até o nascimento do bebê a
progesterona e o estrogênio “vivem em queda de braço” com a prolactina e a
somatomatropina coriônica humana, culminando numa secreção láctea discreta,
quando essa existir. Já após o nascimento e com a perda da placenta – principal
produtora de progesterona – a inibição da lactação não vai ocorrer e assim a
prolactina estará livre para exercer suas propriedades. Por esse efeito a
secreção de colostro se faz logo após o parto ou até mesmo durante ele,
evoluindo para a secreção de leite sete dias depois. Os hormônios cortisol,
insulina, paratormônio e hormônio do crescimento terão papel essencial na produção
de leite ao fornecer aminoácidos, ácidos graxos, glicose e cálcio para a
produção de leite pela mama.
A secreção de prolactina que se
inicia com a gestação, tão essencial para a produção do leite, vai estar principalmente
envolvida no desencadeamento da amamentação, pois a secreção dessa volta aos
níveis não-gravídicos em poucas semanas, deixando a sua liberação na dependência
da sucção da aréola pelo bebê. Essa sucção comanda o envio de sinais neurais até
o hipotálamo, culminando num aumento das secreção de prolactina pela hipófise
de 10 a 20 vezes acima do normal por aproximadamente uma hora. É interessante
notar que a estimulação causada pela prolactina ocorre nas duas mamas
simultaneamente, ainda que apenas uma tenha sido estimulada.
Esses sinais neurais na realidade
vão inibir a produção do fator inibidor
de prolactina pelo hipotálamo, por isso ocorrendo os picos de produção de
prolactina, embora sem interferir em outros hormônios envolvidos na produção de
leite como o hormônio do crescimento. Sendo assim, o bloqueio do sistema porta
hipotálamo-hipofisário aumentaria a produção de prolactina e consequentemente
de leite pelos alvéolos mamilares por cancelar a chegada na hipófise de um
hormônio que prejudicaria a produção de leite pelos alvéolos mamilares.
Da mesma maneira vai haver também
estimulação da secreção de ocitocina, que assim como na sua atividade de
contração uterina vai induzir contração das células mioepiteliais dos alvéolos,
culminando na passagem do leite para os ductos lactíferos. A partir daí, o
responsável pela saída do leite da mama será a sucção do bebê, este recebendo o
alimento após 30 segundos a um minuto de ordenha.
Outra característica dos sinais
neurais originados com a sucção da mama é o seu poder de inibir o hormônio
liberador de gonadotropina, também produzido pelo hipotálamo. Isso termina com
supressão da liberação dos hormônios luteinizante e folículo estimulante (LH e
FSH) pela hipófise, impedindo a ovulação e por isso funciona como método
contraceptivo, ainda que de baixa segurança.
COMPOSIÇÃO DO LEITE
A composição do leite engloba
88,5% de água, 3,3% de gorduras, 6,8% de glicose, 0,9% de caseína, 0,4% de
lactoalbumina e outras proteínas e 0,2% de cinzas. A porcentagem de gordura,
por exemplo, exige que sejam retiradas da mãe 50 gramas de gordura e 100 gramas
de lactose todos os dias. 2 a 3 gramas de fosfato também são perdidas
diariamente, além de grandes quantidades de cálcio que dependem muito do ritmo
da amamentação, mas certamente custará muitas das reservas fisiológicas da mãe,
a não ser que a ingestão de outros leites seja significativa e assim compense
as perdas. Sobre essa questão é ainda recomendado que a mãe varie a ingesta dos
tipos de leite, pois a grande ingesta de leite de vaca pode induzir
intolerância no bebê, mesmo se em amamentação materna exclusiva.
A composição do leite materno
atravessa três estágios e por isso ganha as denominações: colostro, leite de
transição e leite maduro. Considerando uma puérpera que oferece amamentação
exclusiva ao seu filho, a secreção de colostro irá perdurar por até sete dias
após o parto. A maior parte de suas proteínas é constituída por imunoglobulinas
necessárias à defesa nos primeiros dias de vida. Não apenas uma defesa já formada,
as imunoglobulinas advindas do colostro também favorecem o amadurecimento do
sistema imune da criança, além de favorecer o correto trânsito intestinal.
Do oitavo ao vigésimo dia o leite
passa a ser denominado de leite de transição, pois as modificações, ainda que
mais lentas em relação à última fase, caminham na direção do leite maduro. O
leite de transição perde porção de proteínas, mas ganha concentração de
gordura. A partir do vigésimo primeiro dia a alta concentração de gorduras
permite a denominação de leite maduro.
MITOS
O mito do leite fraco envolve a
coloração mais transparente em relação ao leite de vaca nos primeiros dias de
lactação, além do fato de não levar a um peso elevado como deveria, afirmação essa
muitas vezes atribuída por familiares próximos, como as avós. Pode-se orientar
à mãe que seja observada a coloração do leite no início e fim da mamada, pois
ela fica gradativamente mais espesso e de coloração forte com o passar da
mamada. É recomendado também que a mãe repouse durante a tarde entre as mamadas
e ingira líquidos em grande quantidade. Um sono de sete horas seguidas seria o
necessário para que a mulher atingisse o pico de prolactina. Então quanto mais
perto a mulher conseguir chegar desse período melhor.
Quando o leite não é produzido em
quantidade suficiente, pode estar ocorrendo uma incorreta posição do bebê no
momento da amamentação e por isso o bebê se irrita e a mãe acaba oferecendo
alimentos alternativos. Com isso a frequência da oferta da mama ao bebê diminui
e a estimulação por sucção dos mamilos é deprimida. A consequência é uma menor
secreção de prolactina e com isso a secreção láctea realmente diminui. Se a
hipogalactasia ocorrer é necessário que se estimule a mama de hora em hora,
utilizando uma seringa de 20 ml. Para isso pode-se cortar o bico da seringa,
inverter o lado de entrada do êmbolo e utilizar a entrada anterior do êmbolo
para encaixá-la no mamilo. A retração do êmbolo irá simular a sucção do bebê e
estimulará a produção de prolactina. Atualmente
não foi descoberta a relação entre ingesta de alimentos e aumento da secreção
de prolactina. A ingestão de cerveja preta é falsa e inclusive deve ser
evitada.
A ptose mamária (caída dos seios)
não ocorre por conta da amamentação e sim por alterações do peso da mama
ocorridos desde a gravidez. Nessa fase a embebição das mamas e aumento das
glândulas eleva o peso das mesmas, aumentando a tração sobre os ligamentos de
Cooper e tracionando as mamas para baixo. A utilização de sutiã largo durante a
amamentação reduz a ptose mamária.
VANTAGENS DA AMAMENTAÇÃO PARA A MÃE E PARA O BEBÊ
As vantagens da amamentação são
amplas. Devido às imunoglobulinas advindas da sucção as vias respiratórias
estão protegidas e com isso os bebês ganham defesa contra otities, infecções
intestinais e urinárias. O fator psicológico também tem grande peso, refletido
na estimulação do vínculo mãe-filho e pelas diferenças entre a verdadeira ordenha
e a ordenha por materiais artificiais. As crianças que exercem a verdadeira
ordenha são mais ativas, personalidade mais estável e socialmente adaptadas.
Quanto a enterocolites, a
proteção se dá não pela exposição a imunoglobulinas, mas também pela quebra da
exposição à água, já que o leite materno nos primeiros seis meses de vida
dispensa qualquer outro tipo de alimento. Também é vantajosa a alta
disponibilidade de colesterol, que induz o amadurecimento do sistema
enzimático. Se aliada essa evolução enzimática à presença de um carboidrato – o
fator bífido – estimulador do crescimento do Lactobacillus bífidus, bactéria cuja atividade rebaixa o PH
intestinal, a criança se transformará em um bom metabolizador de colesterol.
O leite humano tem alto teor de
lactose, da qual se origina a glicose e a galactose. Essa última é essencial
para a formação de estruturas amolecedoras das fezes do bebê, os cerebrosídeos.
A ausência de constipação favorecida aqui é importante para que a criança não
se esforce no momento da evacuação e assim não favoreça o aparecimento de
herniações.
Uma grande vantagem para os bebês
cujas mães não introduzem o leite de vaca precocemente é que o leite humano
possui menor quantidade de sódio. Como a capacidade absortiva tubular é
pequena, o aumento da concentração de solutos e assim da osmolaridade irá
culminar em desidratação. Além disso, a proporção maior de caseína no leite de
vaca produz um coágulo mais rígido em relação ao advindo do leite materno, facilitando
o enchimento estomacal e por isso a ocorrência de refluxos.
Em relação às mães a amamentação
aumenta o período interregne (ínterim entre duas gestações), na medida em que
funciona como método contraceptivo. Ajuda também ao retorno aos contornos do
corpo anteriores à gestação, pois o restante das reservas acumuladas durante a
gestação serão utilizadas para a fabricação de leite, além de contribuir para a
secreção de ocitocina e por isso previne hemorragias e agravamento de quadros
de anemia.
A proteção contra os cânceres de
mama e ovários provavelmente se dá pela redução da exposição de hormônios
estrogênicos e outros hormônios esteroides. Já que a amamentação prolonga a
anovulação isso inibiria a proliferação celular nos ovários e por isso a
incidência da patologia cai. Sobre esse aspecto está bem estabelecida, ao
menos, a associação entre amamentação e menor incidência desses cânceres.
AFECÇÕES DA MAMA DURANTE A AMAMENTAÇÃO
As fissuras mamilares são uma
solução de continuidade na superfície dos mamilos. A sua gênese está na
incorreta pega da criança no mamilo, além da falta de preparação desse mamilo
durante o período gestacional. Apresenta-se como eritema, fissura, bolhas ou
equimoses, mas podem ainda evoluir para mastite caso não cuidadas. As queixas
vão de dor após as mamadas, que podem ser aliviadas rapidamente ou não, até a
dor intensa durante a própria sucção, comprometendo a amamentação. Nos casos
mais graves pode haver sangramento.
O
ingurgitamento mamário resulta de congestão vascular com obstrução da drenagem
linfática e por conta disso o impedimento da expulsão láctea. O aumento de
volume das mamas chega até mesmo a diminuir o tamanho do mamilo e dificultar a
pega da criança, agravando o quadro. A sequencia de eventos é como segue:
retenção de leite distensão
alveolar compressão dos ductos obstrução do fluxo de leite piora da distensão alveolar aumento da obstrução.
As
causas associadas são a utilização de suplementos, restrição da duração das
mamadas e aumento da frequência, a pega incorreta do bebê e início tardio da
amamentação. A denominação popular “leite empedrado” não é à toa, já que há uma
modificação na constituição do leite tornando-o mais denso. Manifesta-se com
dor, mamas brilhantes e tensas, regiões tensas isoladas ou endurecimento geral
da mama, podendo ocorrer febre.
Existe conduta com a compressa
fria logo antes da amamentação e compressa quente entre as mamadas. No momento
da compressa quente a mama não deve ser estimulada, sendo ideal que a mulher
esteja de tórax desnudo e deitada sobre a cama, pois o sutiã também exerce
fricção sobre a mama, culminando no envio de sinais para o hipotálamo. A mamada
deve começar pelo seio mais túrgido já que o bebê suga mais no início da
refeição. Caso o mamilo esteja túrgido, deve-se fazer uma ordenha manual breve
antes da mamada, para causar um pequeno esvaziamento e aumentar a maciez, o que
facilitaria a pega do bebê. Caso este não consiga sugar de modo algum, a
ordenha manual deve ser realizada para oferecer alívio da dor à gestante. Se
forem utilizadas medicações antiinflamatórias, o ibuprofeno deve ser priorizado
por apresentar melhor resposta. Deve-se tomar cuidado com a temperatura da compressa
fria, pois não deve ser de muito baixa para não aumentar a densidade do leite.
A mastite é inflamação do seio,
na maioria das vezes causada pelo Staphylococcus aureus. Se caracteriza por
sinais flogísticos em geral, por vezes causando vômitos. A conduta nesses casos
também é de aplicar compressas quentes e uso de cefalexina, analgésicos e
antitérmicos. Caso esse problema não seja tratado ou tratado ineficazmente
poderá evoluir para abcesso mamário. Haverá presença de secreção purulenta que
poderá ser drenado para o interior ou para o meio externo a depender da
proximidade com a pele. A ultrassonografia poderá identificar as cavidades
deixadas pela drenagem do pus. Haverá intensa dor, formação de nódulo
perceptível à palpação e febre.
A candidíase será uma infecção
bem mais branda em relação à mastite, ocorrendo pela Cândida albicans, geralmente transmitida pela boca do bebê, que por
sua vez pode ter sido contaminado pelo canal do parto. É facilmente tratável
com nistatina, miconazol ou cetoconazol com aplicação local por 14 dias.
Outro problema é a obstrução de
ductos lactíferos. Não deve ser confundido com ingurgitamento mamário, pois
essa obstrução é focal, não permitindo a drenagem de leito por aquele local. Os
motivos são semelhantes ao ingurgitamento, tais como sutiãs muito apertados,
amamentação breve e frequente, além do uso de cremes nas auréolas, que terminam
por estimular a liberação dos sinais neurais sem a drenagem devida. A
apresentação será por nódulos dolorosos numa mãe sem outras afecções e também
não ocorre febre.
REFERÊNCIAS
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed. 12. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011;
GIUGLIANI, Elsa R. J. Problemas
comuns na lactação e seu manejo. Jornal
de Pediatria. Rio de Janeiro. 2004; 80(5 Supl): S147-S154;
PINHO, Ana Luiza Neves. Prevenção
e tratamento das fissuras mamárias baseada em evidências científicas: uma
revisão integrativa de literatura. Trabalho
de conclusão de curso de especialização em atenção básica em saúde da família
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Minas Gerais, 2011;
ZUGAIB, Marcelo et. al. Obstetrícia.
ed. 1. Barueri , SP: Malone, 2008.
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