A contaminação, ao contrário do
que a cultura popular ensina, não é restrita a metais enferrujados. Os esporos,
levados pela poeira, podem estar em qualquer local, inclusive em metais pontiagudos, que por terem esporos depositados sobre sua superfície termina por
introduzi-los mediante ferimento perfurante.
De maneira geral a patogenia
cursa em três períodos: 1°- ocorre a penetração do Clostridium tetani por pele, mucosas ou músculo. Após a entrada dos
esporos, esses mudam para a forma vegetativa, produtoras da tetanospasmina; 2°- ocorre disseminação da toxina por via linfática ou nervosa; 3°- ocorre fixação
da toxina na membrana do segundo neurônio motor e nos núcleos dos pares
cranianos. Age bloqueando a liberação pré-sinaptica de glicina e ácido
gama-butírico. Em qualquer desses locais a toxina é estável e uma vez fixada
não pode ser neutralizada por medicamentos. Sua ação se baseia em inibir a repolarização
do neurônio após a passagem do estímulo, ocasionando contratura sustentada.
O quadro após a instalação do
tétano pode ser dividido em períodos:
1° - incubação: geralmente com
duração de cinco a quinze dias. Sua duração pode ir de horas até meses, mas
quanto menor a incubação, pior é o prognóstico. Nesse período não há sintomas;
2° - invasão: caracteriza-se por
trismo (contração das maxilas devido à contratura sustentada dos masseteres),
disfagia (dificuldade de deglutição), rigidez nucal, dificuldade na deambulação
e contratura no local de inoculação;
3° - estado: período de
gravidade: Cursa com contratura generalizada descendente causando o opistótomos
(contratura sustentada dos músculos dorsais, causando uma postura curvada
invertida da coluna) e o riso sardônico, onde as hemifaces se dividem em
sorriso e choro. A contratura pode ser permanente ou tônica, e clônica, também
chamada de paroxística ou intermitente. Quando é paroxística, é desencadeada
por estímulos visuais ou táteis mínimos (inclusive no exame físico ao toque de
pele), sonoros, variação de temperatura e micção. Na medida do agravamento
ocorre taquicardia, hipertermia, desidratação, hiperreflexia, vasoconstricção
periférica, todos cursando com total lucidez do paciente. Os espasmos têm
intensidade suficiente para causar fratura de vértebras.
4° - convalescença: podendo durar
de 40 a 50 dias, nesse período há desorientação, labilidade emocional e depressão,
felizmente com desaparecimento ainda que lento.
O tétano é analisado por diversos
ângulos:
Segundo gravidade, podendo ser
subagudo, com incubação de 12 dias, cujos sintomas se estringem ao trismo e
disfagia, com bom prognóstico; agudo, com incubação de 6 a 11 dias, causando
contratura generalizada e mortalidade elevada; sobreagudo, com incubação menor
que 5 dias, com evolução para o opistótomo em 24 horas, com acometimento
cardiorrespiratório, facilmente evoluindo para a morte.
Pela topografia pode ser
generalizada ou cefálica, embora esta última seja rara, mas deve ser classificada
em paralítica ou não-paralítica, quando ocorre paralisia facial por inibição da
liberação de acetilcolina pela tetanospasmina. Pode também ser local, em que
apenas a musculatura perilesão é afetada. Esta forma é muito rara.
Pela idade se pode constatar o
tétano no adulto, a mais comum; a neonatal, acometida através da contaminação
da cicatriz umbilical, com os sintomas surgindo geralmente no sétimo dia de
vida. Nesse caso a criança fica agitada, sem dormir e sem capacidade de
succionar a mama da mãe, mantendo os lábios contraídos como se fosse beijar. A
mortalidade deste tipo chega a 50%; há também a contaminação puerperal,
geralmente consequência de aborto séptico não assistido; traumático, através de
fraturas ou queimaduras; iatrogênicos, através de cirurgias; por úlceras
crônicas; e por fim idiopáticas.
VIRULÊNCIA DO C. TETANI E AÇÃO DA
TETANOSPASMINA
O tétano costuma ser mais grave
em recém-nascidos e idosos. Existem 10 cepas de Clostridium tetani a partir de antígenos dos seus flagelos. A
tetanospasmina tem peso de 150.000 unidades, sendo liberada após morte da
bactéria e sofrendo lise por mecanismo desconhecido. Essa lise divide a
tetanospasmina em uma porção de 100.000 e outra de 50.000 unidades. Para manter
seu poder patogênico essas duas porções necessitam estar ligadas por pontes
sulfídricas.
O efeito principal da
tetanospasmina é inibir as secreções de neurotransmissores pelos neurônios,
tendo uma interação especial com neurônios inibitórios e por isso, a priori,
inibindo a secreção de glicina e GABA, o que acarreta diretamente a contratura muscular
sustentada, ou paralisia espástica. A tetanospasmina se liga aos neurônios
próximos ao ferimento e se dissemina até o sistema nervoso central e pelo resto
do periférico numa velocidade de 750 mm/dia, além de se disseminar também pela
corrente sanguínea. Por onde passa a neurotoxina, os neurônios inibitórios,
secretores de ácido gama-aminobutírico (GABA) e glicina vão ser inibidos, não
exercendo o papel de enfraquecer o estímulo nervoso para assim prover o
relaxamento muscular. Essa não-inibição pode perdurar por várias semanas.
Outros efeitos da tetanospasmina
incluem o de induzir a liberação de catecolaminas e mimetizar o efeito da ECA,
fato esse comprovado pela inibição, mesmo limitada, da toxina com o uso do
captopril.
O Clostridium tetani possui duas formas: esporo e vegetativa. Ele
pode habitar o intestino dos humanos sem causar dano, pois não tem poder
invasivo, sendo dependente da solução de continuidade de tegumento para atingir
os tecidos. Por estar na forma de esporo na poeira, essa costuma ser a forma
infectante, embora não seja capaz de produzir a neurotoxina.
Para que a tetanospasmina seja
produzida, o meio de inoculação do Clostridium
tetani precisa estar em estado de baixo óxido-redução, sendo necessário
algum nível de necrose, além de ter a profundidade como um fator facilitador ao
restringir a entrada de oxigênio. É também necessário a co-infecção com outras
bactérias aeróbicas que consumam parcialmente esse oxigênio local. A difusão
neurotóxica se dá através da captação da tetanospasmina pelos neurônios e assim
se acumular.
Quanto menor o tempo de incubação
e menor o tempo de progressão – tempo entre o primeiro sintoma e primeiro
espasmo – pior o prognóstico. Quando essa for inferior a 48 horas, estima-se
estar diante de um quadro grave.
TRATAMENTO
A abordagem inicial é a procura
da porta de entrada e o seu debridamento. Depois, para bloquear a toxina livre
é utilizada imunoglobulina antitetânica. São aplicados 500 a 1.000 unidades
próximas da lesão, e os 4.000 a 4.500 divido entre os demais membros. Nos recém-nascidos
deverá ser aplicada a dose perilesão de 250 a 500 unidades e 1.000 a 2.500
divididos entre os demais membros.
A antibioticoterapia pode ser
realizada com metronidazol ou penicilina, embora a primeira opção é mais viável
pela chances de inibição do diazepam pela penicilina. O metronidazol deve ser
utilizado de 6/6 h na dose de 500 mg.
Deverá transcorrer a vacinação em
três doses, a primeira já no primeiro atendimento, seguida de nova dose a cada
dois meses. O reforço para adultos é a cada cinco anos na ocorrência de lesão
suspeita ou dez anos na ausência desta. Para crianças são utilizados dois
reforços, uma dose com 18 meses após a terceira e nova dose cinco anos após. Morfina
vem sendo utilizada para diminuir os sintomas, porém, a eficácia para esses
casos é pequena.
REFERÊNCIAS
COTRAN,
R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases
Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2005;
LOPES,
Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;
MESQUITA,
Francisco Carlos Lopes; MIRANDA, Ester Castello Branco Mello. Tétano in: Doenças infecciosas e parasitárias:
enfoque amazônico. Belém: Cejup: UEPA: Instituto Evandro Chagas, 1997.;
BRAUNER,
Janete Salles. Estudos de tétano
em UTI: modificações da mortalidade em duas décadas e análise neuro-humoral e
cardiovascular de pacientes com tétano grave. Tese de Doutorado em
cardiologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2002.
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