Sangramento
uterino corresponde a 21% das queixas ginecológicas. 20% das pacientes são
adolescentes e 50% estão dentro da faixa entre 40 e 50 anos. Mas antes de
adentrar na área do sangramento disfuncional, é necessário compreender que o
ciclo menstrua normal vai do primeiro dia de sangramento até um dia anterior à
próxima menstruação, com intervalo de 25 a 35 dias e volume de 100 a 150 ml de
sangue, ou o correspondente entre 8 e 12 absorventes por mês. Quando ocorre um
aumento no número de dias de sangramento em relação à quantidade rotineira da
mulher tem-se a hipermenorragia, sendo que o contrário, a diminuição, é
denominada oligomenorreia. O primeiro termo costuma ocorrer em miomatoses e o
segundo na menopausa. Caso o ciclo menstrual tenha uma duração inferior a 15
dias tem-se a polimenorreia, e quando esse sangramento não tem padrão o quadro
é denominado de metrorragia, geralmente ocorrido nos cânceres uterinos. Já
Espaniomenorreia se refere ao contrário, com o ciclo menstrual ocorrendo num
período maior que 45 dias, mas se esse período for maior de 60 dias, passa a
ser denominado de amenorreia. Dismenorreia é quando a menstruação ocorre junto
com fortes sensações dolorosas, e menóstase se refere à supressão abruta da
menstruação, geralmente ocorrendo por traumas psicológicos importantes.
Dito isso
pode-se conceituar a hemorragia uterina como um sangramento excessivo
relacionado ou não com menstruação, e caracterizada pela perda sanguínea
pontual aumentada, assim como também a perda em pequenas quantidades por muitos
dias.
FISOPATOLOGIA
O sangramento
uterino disfuncional possui um complexo de fatores etiológicos. Dentre as
causas hormonais podemos citar a ausência ou diminuição da progesterona, que é
mais comum na puberdade e nos anos antecedentes à menopausa. Como o aumento da
progesterona é necessário para manter o útero proliferativo, a condição de
baixa da progesterona precipita a descamação precoce das células endometriais e
com isso há encurtamento do ciclo menstrual. Como resultado a mulher irá apresentar
o sangramento pré-menstrual, manifestado como sangue escurecido ou em borra de
café. Alterações nos níveis de estrogênio também podem acarretar em endométrio
proliferativo além do normal e com isso o sangramento também aumenta.
Alterações nesses dois hormônios concomitantemente ocorre quando a mulher faz
uso de anticontraceptivos orais combinados, resultando em sangramento em geral
de pequena quantidade.
A hemorragia
uterina também pode estar envolvida com distúrbios da coagulação e geralmente
é o primeiro sinal. Ao contrário do
sangramento por contraceptivos orais, aqui a perda de sangue pode ser de grande
monta e causar morte da indivídua. Causas obstétricas também podem levar ao sangramento, sendo mais frequente o aborto, seguido de gestação ectópica.
O sangramento
uterino disfuncional pode ser classificado em duas categorias gerais: ocorridos
em mulheres com ovulação ativa e mulheres com ciclos anovulatórios. Os ciclos
ovulatórios, como o próprio nome diz ocorre nesse momento, com o sangramento
durante cerca de três dias. Pode ser percebido pela modificação da mucosa
vaginal característica do período , assim como a secreção vaginal clara
misturada com sangue. Possivelmente é secundário a formação de trombos devido a
atividade estrogênica, ou ainda por rotura folicular.
A descamação
irregular do endométrio se apresenta como sangramento abundante e regular. Caso
a biopsia do endométrio seja realizada no quinto dia de sangramento, será
evidenciado um endométrio com áreas de maturações diversas, evidenciando
regressão retardada do corpo lúteo do ciclo anterior, ou seja, no ciclo atual
há hormônios do ciclo anterior mantendo a maturação de locais do endométrio que
deveriam ter sido descamados. A persistência do corpo lúteo também precipita
uma condição denominada de sínbdrome de Halban, quando a mulher apresenta
atraso menstrual seguido de perdas de pequeno volume, dor em baixo ventre e
massa em trompa, o que induz aos desavisados á confusão com gravidez ectópica.
A evolução ocorre sem maiores problemas
e por isso raramente a síndrome é percebida.
O sangramento
anovulatório corresponde a 80% dos casos, ocorrendo em sua maioria nos extremos
da vida reprodutiva. Ocorre geralmente por mecanismo inadequado de feddback que
comanda a regularidade da menstruação. Como consequência a paciente vai
apresentar dericiência de estrogênio e por isso o endométrio não prolifera como
deveria porque descama antes do que deveria. Como consequência o endométrio
cresce sem o suporte estrutural adequado, flutuando entre proliferação e
descamação, tornando-se frágil e suscetível a soluções de continuidade e
consequentemente ao sangramento. Outro problema é a queda na tortuosidade das
artérias espiraladas, retardando a hemostasia. A consequência disso tudo são
sangramentos completamente irregulares.
QUADRO CLÍNICO
Nesses casos
a história é bem caracterizada. A paciente refere sangramento intenso com
aspecto de sangue vivo ou em coágulos. Pode também referir sangramento
menstrual com duração de sete a dez dias, em grande volume nos primeiros dias e
com aspecto gradativamente mais marrom na medida em que o mesmo vai diminuindo. A sinusiorragia também pode ser relatada, sendo o sangramento
após a relação sexual, com odor fétido e corrimento sanguinolento ou purulento.
Procede-se
então com a anamnese e exame físico. É imprescindível questionar a paciene sobre
o inicio do sangramento, intensidade, número de absorventes necessários,
características do sangue e sobre antecedentes clínicos.
No exame
físico observa-se sinais de anemia, aferição dos sinais vitais, presença de
sangue na região genital, aspecto da vagina e do colo uterino e odor. O toque
vaginal deve ser utilizado para avaliar a consistência do colo uteriono, assim
como seu tamanho, presença de massas e a permeabilidade do orifício uterino.
Com essa manobra também é possível analisar os ovários. Caso sejam
identificadas massas que determinam a suspeição de câncer, deve-se realizar
também o toque retal para avaliar infiltrações.
DIAGNÓSTICO
A primeira
ação para definir o sangramento disfuncional é afastar o sangramento orgânico.
Depois é necessário definir se a paciente está ou não ovulando através de
anamnese e dados físicos, tais como o acompanhamento da temperatura basal,
cristalização do muco cervical e dosagem de progesterona. A idade é muito
importante, pois os sangramentos na puberdade tendem a ser disfuncionais.
Obesidade, baixo peso e hirsutíssimo podem dar ideia de uma paciente com
distúrbios endócrinos. Caso pacientes nessa idade apresentem sangramento
abundante é necessário pesquisar distúrbios de coagulação.
OS EXAMES
NECESSÁRIOS SÃO:
Hemograma
completo, prova de coagulação (TP, TTPA, tempo de sangramento, dosagem de
fibrinogênio e fator VIII), FSH, LH, estrogênios totais e progesterona,
Beta-HCG.
Os exames de
imagem são muito úteis. A USG pélvica ou transvaginal pode identificar o
sangramento por causas não-funcionais, apontando a presença de tumores e
gravidez. Se identificada alguma massa, solcita-se a histeroscopia e biopsia do
endométrio pra avaliação do tecido e potencial confirmação de carcinoma.
TRATAMENTO
Antes de
qualquer informação deve se ater que sangramento disfuncional é sempre
corrigido com hormônios. Caso os hormônios não promovam melhora, o sangramento
é dito orgânico, ocorrendo por outras causas, tais como cânceres.
O tratamento
deve suceder ao estudo e definição diagnóstica. De antemão, nos casos de
hipovolemia ela é a primeira ação a se pensar. Hemoglobina inferior a 7 mg/dl,
ou de sete a dez com comprometimento do estado geral ou sangramento abundante,
exigem internação. Deve ser infundido solução fisiológica para expansão de
volume com prescrição de 10 mg de acetato de noretisterona (primolut-nor) por
via oral de 8/8 h por três dias. Geralmente o sangramento diminui
substamcialmente ou para em 48 horas. Depois a dose do primolut-nor deve ser
reduzida para 20 mg ao dia por mais três a cinco dias e dose de 10 mg por mais
20 dias. Daí começa-se a alternar dias de uso para a completa retirada a partir
da resposta do paciente. A suspensão abrupta não deve ocorrer, e no momento do
desmame um sangramento deve ocorrer, sendo discreto e sem necessidade de
intervenções adicionais.
Se essa
manobra não for suficiente para parar o sangramento, ainda internada a paciente
deve receber estrogênio oral na dose de 1,25 mg por via oral ao dia, diminuindo
progressivamente até alcançar 0,625. O tratamento também pode começar pelo
estrogênio e caso o sangramento continue pode-se introduzir o primolut-nor ou
10 mg de medroxiprogesterona. O seguimento pode ser em casa, com a paciente
fazendo uso de um comprimido de etilenestradiol na dose de 0,035 mg de 8/8 h
por dois dias e a partir daí fazer uso de um comprimido ao dia por 14 dias.
Essa dosagem de etilinestradiol pode ser conseguido através de contraceptivos
orais comuns como o Selene. Como o estrogênio aumenta a espessura do
endométrio, caso ele venha a ser utilizado individualmente, na sua retirada é
costumeira um sangramento significativo. Assim, o tratamento combinado como
primolut-nor ou etilinestradiol é o mais indicado. Após a alta
hospitalar a paciente também deverá seguir com o uso de sulfato ferroso por
conta da perda contínua de sangue. O uso deve se no mínimo de trinta dias.
Nas
hemorragias sem repercussão hemodinâmica o tratamento pode ser realizado em
domicílio, à base de noretisterona (primolut-nor) 10 mg via oral ao dia,
associado a algum AINE como a nimesulida 100 mg de 12/12 horas. Esse anti-inflamatório deve ser
interrompido com o cessar do sangramento, mas o primolut-nor deve ser mantido
por 30 dias ou nesse período deve ser utilizado o ACO com etilinestradiol.
O tratamento
de manutenção nos casos de diminuição ou ausência de progesterona deve ser
realizado com o primolut-nor na dose de 10mg entre o 15° e 25° dia do ciclo. Se
o problema envolva apenas ciclos irregulares o acetato de medroxiprogesterona é
suficiente na dose de 5 a 10 mg por dia no mesmo período. Esse medicamento
também deve ser a primeira escolha em pacientes obesas.
Se a doença
base é a diminuição de estrogênio o recomendado é o uso de estrogênio nos
primeiros 15 dias do ciclo e a partir daí acrescentar a medroxiprogesterona
parando o uso como antes citado, no 25° dia do ciclo. O medicamento a ser
acrescentado também pode ser a acetato de ciproterona. A medroxiprogesterona
pode ser encontrada e prescrita no medicamento provera 10 mg, e a ciproterona
pode ser encontrada emc contraceptivos como o diane 35.
Nos
sangramentos em ciclos menstruais sem ciclicidade, há dois caminhos: se a
paciente não tiver vida sexual ativa,
prescreve-se a medroxiprogesterona por dez dias a partir do 15° dia do
ciclo; aquelas com vida sexual ativa
pode ser prescrito um anticoncepcional oral com maiores quantidades de
etilinestradiol (30 a 35 microgramas), tais como o Selene, tantin ou o Tâmisa.
REFERÊNCIAS
Machado, Lucas V. Sangramento
uterino disfuncional. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia Metabólica. V. 45.
N4. Agosto, 2001.
CRUZ, T. S.; R. Simões.
Sangramento Uterino Disfuncional em Mulheres Usuárias de Contraceptivos de
Progestagênio: Tratamento. Projeto
Diretrizes. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.
Março, 2010. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/diretrizes10/sangramento_uterino_disfuncional_em_mulheres_usuarias.pdf.
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São
Paulo: Rocca, 2009.
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