terça-feira, 1 de abril de 2014

COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA: COMPREENSÃO PARA TRATAR


COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISEMINADA (CIVD)

CIVD é uma complicação secundária a várias condições patológicas, além do parto, que se desenvolve através da ativação disseminada dos fatores de coagulação e subsequente ativação fibrinolítica também de grande intensidade. Essa briga entre a coagulação e a fibrinólise termina por esgotar as plaquetas, fibrina e fatores de coagulação, determinando um sangramento descontrolado, ou caso a fibrinólise seja ineficaz, haverá formação de trombos disseminados pelos vasos de pequeno e médio calibre, determinando infartos em diversos órgãos.

Dentre o complexo sistema de coagulação alguns eventos vão ser mais afetados que outros. Lembrando da via extrínseca convém dizer que o fator VII se junta ao Fator Tecidual – liberado dos vasos lesionados ou pelos monócitos e granulócitos ativados – e ativa diretamente o fator X da coagulação. Na via intrínseca o fator XII quando entra em contato com cargas negativas no tecido lesionado ativa uma cascata de reações que também passa pelo fator X. Ambos os caminhos determinam o trabalho em conjunto entre o fator X e V para ativar a trombina e assim quebrar o fibrinogênio em fibrina, que então se depositará nas lesões a fim de parar sangramentos. Na medida do avanço da formação da fibrina, essa vai entrando em contato com o epitélio normal e com isso é ativada a proteína C, um anticoagulante, impedindo a disseminação do coágulo.

O CIVD se manifesta secundariamente a diversos problemas, mas alguns são clássicos, tais como complicações obstétricas, neoplasias malignas, trauma importante e sepse. Existem dois mecanismos principais para CIVD: 1- ocorre liberação do Fator Tecidual na corrente sanguínea por monócitos; 2- lesão disseminada no endotélio vascular. Dentre os fatores etiológicos temos substâncias trombolíticas liberadas da placenta, grânulos de células leucêmicas e toxinas de bactérias gran-negativas e positivas – antes se atribuía CIVD apenas às negativas. Esse mecanismo é altamente prevalente, ocorrendo a CIVD em algum grau em todos os pacientes com sepse por qualquer organismo bacteriano. Trauma também irá induzir o problema por liberação de fosfolipídios na corrente sanguínea e consequente ativação de fatores de coagulação, pois o contato com esses fosfolipídeos muda a conformação elétrica do fator XII ativando-o. Além disso, a liberação de citocinas no trauma é equivalente ao ocorrido na sepse. A ocorrência de CIVD em pacientes vítimas de traumas graves é de ordem de 50 a 70%.

A sepse envolve produtos bacterianos ativadores de monócitos liberadores de interleucina-1, 6 e TNF, os quais determinam tanto a liberação de Fator Tecidual, como a inibição da trombomodulina (o receptor para trombina no endotélio que determinará a ativação da proteína C e com isso há inibição da quebra do fibrinogênio), causando os microtrombos, pois nesse caso os vasos ficarão repletos de fibrina.  As endotoxinas também inibem a trombomudulina impedindo que a trombina se acople no endotélio, ativam diretamente o fator XII, e os fragmentos do sistema de complemento ativam tanto plaquetas quanto seus predecessores, os granulócitos.

É sabido também que as vias extrínseca e intrínseca têm diferentes papéis no CIVD. A via extrínseca dá origem à coagulação e a intrínseca a perpetua. A via extrínseca logo responde à secreção de IL-6 e TNF-alfa pelos leucócitos e a intrínseca se mantém estimulada porque a agressão do leito vascular pelos leucócitos expõe superfícies fosfolipídicas que por contato mudam as cargas do fator XII, o que o ativa.

 Essa lesão endotelial se faz importante por liberar grande quantidade de Fator Tecidual disseminando a coagulação. O TNF liberado por células inflamatórias quando ativado intensifica fatores de adesão endoteliais que comandam o depósito de leucócitos no leito vascular, e estes subsequentemente agridem as células endoteliais. Na medida em que essa lesão vai ocorrendo, mais fator tecidual é liberado e maior é a coagulação ao longo dos vasos. Isso ocorre, por exemplo, nas intercorrências obstétricas, quando restos fetais ou placentários invadem a corrente sanguínea e são atacados pelo organismo materno. A reação inflamatória presente em algumas neoplasias também evolui para CIVD, principalmente a leucemia promielocítica aguda, e os cânceres de pulmão, pâncreas, cólon e estômago.

De certo há deposição disseminada de fibrina e consequente infarto de órgãos mais sensíveis, como os rins. Outra consequência da deposição de fibrina é a hemólise ocorrida quando a hemácia se espreme para passar pela microcirculação estreitada pela fibrina. A ordem dos locais de formação dos microtrombos são o cérebro, coração, pulmões, rins, adrenais, baço e fígado. Com a formação disseminada de microtrombos é disparado o gatilho para a quebra do plasminogênio em plasmina e essa digere a coágulo de fibrina. Os produtos dessa degradação então inibem a agregação plaquetária e também a repolarização de fibrina predispondo o sangramento profuso que começa quando os vasos ocluídos e fragilizados pela agressão dos leucócitos se rompem. Esse processo, quando ocorre nos alvéolos, produz exsudação de fibrina e edema local causando síndrome respiratória aguda.

Os anticoagulantes também vão estar inibidos. No caso da antitrombina, os níveis diminuem pelo consumo elevado e também pelos neutrófilos estarem produzindo elastases que a degradam. A proteína C estará diminuída pela menor produção e pela diminuição da atividade da trombomodulina em lhe ativar. No lado contrário, o inibidor do Fator Tecidual perde eficácia em inibir o Fator Tecidual.


                QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

Existem diversos graus de evolução, indo do curso crônico causado pelas neoplasias até o fulminante causado pelas endotoxinas. A gravidez chega a se relacionar com 50% dos casos, sendo reversível após a retirada do feto, e as neoplasias com 33%. Os sintomas mais comuns são anemia hemolítica, falência respiratória, falência renal, convulsões, coma, falência circulatória e choque. A CIVD aguda, a exemplo das complicações obstétricas, cursam com eventos hemorrágicos, e A CIVD crônica ocorrida nas neoplasias cursa com eventos trombóticos.

Clinicamente nos casos agudos se pode observar sinais de resposta inflamatória, tais como febre, hipotensão e acidose, depois manifestações de sangramento difusas – petéquias, equimoses, gengivorragia, hematúria, sangramentos no TGI e em locais de punção venosa. Nos casos crônicos há trombose, evoluindo com rebaixamento do nível de consciência, delírio e coma. Na pele pode ocorrer isquemia focal com gangrena, nos rins oligúria e posteriormente azotemia, nos pulmões SARA, no TGI ulceração precoce e por fim anemia hemolítica.

Os dados laboratoriais incluem: PDF (degradação fibrina/fibrinogênio), Fibrinoeptídeo A (FPA), fragmento 1+2 de protrombina (F1+2), Complexo trombina antitrombina (TAT) e fibrina solúvel. Tais exames são muito caros e por isso não são realizados na prática, mas a clínica junto com exames generalistas é suficiente para fechar o diagnóstico: incluem-se então plaquetas abaixo de 100.000 ou rápido declínio a partir dos valores de base; alargamento dos tempos de coagulação (TT, TP e TTPA) aumentados, elevação dos produtos de degradação da fibrina séricos – como o dímero D; baixios níveis de antitrombina (AT).

Tudo isso permite classificar a CIVD em três fases: 1- compensada, quando os sintomas são discretos, o coagulograma e contagem de plaquetas estão normais, antitrombina (AT) tem discreta elevação, e os exames de alto custo, tais como o PDF, TAT, FPA e F1+2 estarão elevados; 2- moderada, possui sangramentos + disfunção de órgãos, coagulograma alargado, plaqueta e fibrinogênio em queda, assim como os fatores da coagulação; 3- grave possui os mesmos sinais do quadro moderado, porém mais intensos e com disfunção de múltiplos órgãos ao invés de um ou dois.


TRATAMENTO

O tratamento da CIVD é direcionado para a doença de base. Com relação à formação de trombos a heparina não está indicada. O único inibidor da coagulação indicado – sempre em casos graves – é a drotrecogina alfa ativada, que é a proteína C ativada recombinante. As contra-indicaçoes são pacientes com plaquetas abaixo de 30.000 e INR abaixo de 3, gestantes, menores de 18 anos, transplantados, renais crônicos, cirróticos e pacientes com AIDS. A proteína C ativada possui atividade anti-inflamatória e antiapoptótica, sendo esses motivos prováveis para a droga ter melhor resposta terapêutica em relação a outras para o mesmo fim.

A reposição de fatores de coagulação não estava indicada há alguns anos atrás, mas atualmente a indicação é que se o paciente apresentar níveis de fibrinogênio inferiores a 100 mg/dl solicita-se o uso de crioprecitado, que contém fatores VIII e XII, fibrinogênio, fibronectina e fator Von Willebrand. A prescrição é de uma unidade (20 a 30 ml) para cada 10 Kg de peso, o que aumentará o fibrinogênio plasmático em 50 mg/dl. Doses adicionais dependem da evolução clínica. Se o paciente apresenta clínica hemorrágica, o concentrado de plaquetas pode ser solicitado.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Manual de tratamento das coagulopatias hereditárias. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Série A. Normas e Manuais Técnicos. ed. 1. Brasília, 2006.

PINTÃO, Maria Carolina Tostes; FRANCO, Rendrik F. Coagulação Intavascular disseminada. Medicina: Simpósio de hemostasia e trombose. v. 34. p. 282-291. Jul-dez. Ribeirão Preto, 2001. (DESTAQUE)

FRANCO, Rendrik F. Fisiologia da coagulação: anticoagulação e fibrinólise. Medicina: Simpósio de hemostasia e trombose. v. 34. p. 229-237. Jul-dez. Ribeirão Preto, 2001. (DESTAQUE)


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