COAGULAÇÃO
INTRAVASCULAR DISEMINADA (CIVD)
CIVD é uma
complicação secundária a várias condições patológicas, além do parto, que se
desenvolve através da ativação disseminada dos fatores de coagulação e
subsequente ativação fibrinolítica também de grande intensidade. Essa briga
entre a coagulação e a fibrinólise termina por esgotar as plaquetas, fibrina e
fatores de coagulação, determinando um sangramento descontrolado, ou caso a
fibrinólise seja ineficaz, haverá formação de trombos disseminados pelos vasos
de pequeno e médio calibre, determinando infartos em diversos órgãos.
Dentre o
complexo sistema de coagulação alguns eventos vão ser mais afetados que outros.
Lembrando da via extrínseca convém dizer que o fator VII se junta ao Fator
Tecidual – liberado dos vasos lesionados ou pelos monócitos e granulócitos
ativados – e ativa diretamente o fator X da coagulação. Na via intrínseca o
fator XII quando entra em contato com cargas negativas no tecido lesionado
ativa uma cascata de reações que também passa pelo fator X. Ambos os caminhos
determinam o trabalho em conjunto entre o fator X e V para ativar a trombina e
assim quebrar o fibrinogênio em fibrina, que então se depositará nas lesões a
fim de parar sangramentos. Na medida do avanço da formação da fibrina, essa vai
entrando em contato com o epitélio normal e com isso é ativada a proteína C, um
anticoagulante, impedindo a disseminação do coágulo.
O CIVD se
manifesta secundariamente a diversos problemas, mas alguns são clássicos, tais
como complicações obstétricas, neoplasias malignas, trauma importante e sepse. Existem
dois mecanismos principais para CIVD: 1- ocorre liberação do Fator Tecidual na
corrente sanguínea por monócitos; 2- lesão disseminada no endotélio vascular. Dentre
os fatores etiológicos temos substâncias trombolíticas liberadas da placenta,
grânulos de células leucêmicas e toxinas de bactérias gran-negativas e
positivas – antes se atribuía CIVD apenas às negativas. Esse mecanismo é
altamente prevalente, ocorrendo a CIVD em algum grau em todos os pacientes com
sepse por qualquer organismo bacteriano. Trauma também irá induzir o problema por
liberação de fosfolipídios na corrente sanguínea e consequente ativação de
fatores de coagulação, pois o contato com esses fosfolipídeos muda a
conformação elétrica do fator XII ativando-o. Além disso, a liberação de
citocinas no trauma é equivalente ao ocorrido na sepse. A ocorrência de CIVD em
pacientes vítimas de traumas graves é de ordem de 50 a 70%.
A sepse
envolve produtos bacterianos ativadores de monócitos liberadores de
interleucina-1, 6 e TNF, os quais determinam tanto a liberação de Fator Tecidual,
como a inibição da trombomodulina (o receptor para trombina no endotélio que
determinará a ativação da proteína C e com isso há inibição da quebra do
fibrinogênio), causando os microtrombos, pois nesse caso os vasos ficarão
repletos de fibrina. As endotoxinas
também inibem a trombomudulina impedindo que a trombina se acople no endotélio,
ativam diretamente o fator XII, e os fragmentos do sistema de complemento
ativam tanto plaquetas quanto seus predecessores, os granulócitos.
É sabido
também que as vias extrínseca e intrínseca têm diferentes papéis no CIVD. A via
extrínseca dá origem à coagulação e a intrínseca a perpetua. A via extrínseca
logo responde à secreção de IL-6 e TNF-alfa pelos leucócitos e a intrínseca se
mantém estimulada porque a agressão do leito vascular pelos leucócitos expõe
superfícies fosfolipídicas que por contato mudam as cargas do fator XII, o que
o ativa.
Essa lesão endotelial se faz importante por
liberar grande quantidade de Fator Tecidual disseminando a coagulação. O TNF liberado
por células inflamatórias quando ativado intensifica fatores de adesão endoteliais
que comandam o depósito de leucócitos no leito vascular, e estes
subsequentemente agridem as células endoteliais. Na medida em que essa lesão
vai ocorrendo, mais fator tecidual é liberado e maior é a coagulação ao longo
dos vasos. Isso ocorre, por exemplo, nas intercorrências obstétricas, quando
restos fetais ou placentários invadem a corrente sanguínea e são atacados pelo
organismo materno. A reação inflamatória presente em algumas neoplasias também
evolui para CIVD, principalmente a leucemia promielocítica aguda, e os cânceres
de pulmão, pâncreas, cólon e estômago.
De certo há
deposição disseminada de fibrina e consequente infarto de órgãos mais
sensíveis, como os rins. Outra consequência da deposição de fibrina é a
hemólise ocorrida quando a hemácia se espreme para passar pela microcirculação
estreitada pela fibrina. A ordem dos locais de formação dos microtrombos são o
cérebro, coração, pulmões, rins, adrenais, baço e fígado. Com a formação
disseminada de microtrombos é disparado o gatilho para a quebra do
plasminogênio em plasmina e essa digere a coágulo de fibrina. Os produtos dessa
degradação então inibem a agregação plaquetária e também a repolarização de
fibrina predispondo o sangramento profuso que começa quando os vasos ocluídos e
fragilizados pela agressão dos leucócitos se rompem. Esse processo, quando
ocorre nos alvéolos, produz exsudação de fibrina e edema local causando
síndrome respiratória aguda.
Os
anticoagulantes também vão estar inibidos. No caso da antitrombina, os níveis
diminuem pelo consumo elevado e também pelos neutrófilos estarem produzindo
elastases que a degradam. A proteína C estará diminuída pela menor produção e
pela diminuição da atividade da trombomodulina em lhe ativar. No lado
contrário, o inibidor do Fator Tecidual perde eficácia em inibir o Fator
Tecidual.
QUADRO
CLÍNICO E DIAGNÓSTICO
Existem
diversos graus de evolução, indo do curso crônico causado pelas neoplasias até
o fulminante causado pelas endotoxinas. A gravidez chega a se relacionar com
50% dos casos, sendo reversível após a retirada do feto, e as neoplasias com
33%. Os sintomas mais comuns são anemia hemolítica, falência respiratória,
falência renal, convulsões, coma, falência circulatória e choque. A CIVD aguda,
a exemplo das complicações obstétricas, cursam com eventos hemorrágicos, e A
CIVD crônica ocorrida nas neoplasias cursa com eventos trombóticos.
Clinicamente
nos casos agudos se pode observar sinais de resposta inflamatória, tais como
febre, hipotensão e acidose, depois manifestações de sangramento difusas –
petéquias, equimoses, gengivorragia, hematúria, sangramentos no TGI e em locais
de punção venosa. Nos casos crônicos há trombose, evoluindo com rebaixamento do
nível de consciência, delírio e coma. Na pele pode ocorrer isquemia focal com
gangrena, nos rins oligúria e posteriormente azotemia, nos pulmões SARA, no TGI
ulceração precoce e por fim anemia hemolítica.
Os dados laboratoriais
incluem: PDF (degradação fibrina/fibrinogênio), Fibrinoeptídeo A (FPA),
fragmento 1+2 de protrombina (F1+2), Complexo trombina antitrombina (TAT) e
fibrina solúvel. Tais exames são muito caros e por isso não são realizados na
prática, mas a clínica junto com exames generalistas é suficiente para fechar o
diagnóstico: incluem-se então plaquetas abaixo de 100.000 ou rápido declínio a
partir dos valores de base; alargamento dos tempos de coagulação (TT, TP e TTPA)
aumentados, elevação dos produtos de degradação da fibrina séricos – como o
dímero D; baixios níveis de antitrombina (AT).
Tudo isso
permite classificar a CIVD em três fases: 1- compensada, quando os sintomas são
discretos, o coagulograma e contagem de plaquetas estão normais, antitrombina
(AT) tem discreta elevação, e os exames de alto custo, tais como o PDF, TAT,
FPA e F1+2 estarão elevados; 2- moderada, possui sangramentos + disfunção de
órgãos, coagulograma alargado, plaqueta e fibrinogênio em queda, assim como os
fatores da coagulação; 3- grave possui os mesmos sinais do quadro moderado,
porém mais intensos e com disfunção de múltiplos órgãos ao invés de um ou dois.
TRATAMENTO
O tratamento
da CIVD é direcionado para a doença de base. Com relação à formação de trombos
a heparina não está indicada. O único inibidor da coagulação indicado – sempre
em casos graves – é a drotrecogina alfa ativada, que é a proteína C ativada
recombinante. As contra-indicaçoes são pacientes com plaquetas abaixo de 30.000
e INR abaixo de 3, gestantes, menores de 18 anos, transplantados, renais
crônicos, cirróticos e pacientes com AIDS. A proteína C ativada possui
atividade anti-inflamatória e antiapoptótica, sendo esses motivos prováveis
para a droga ter melhor resposta terapêutica em relação a outras para o mesmo
fim.
A reposição de
fatores de coagulação não estava indicada há alguns anos atrás, mas atualmente
a indicação é que se o paciente apresentar níveis de fibrinogênio inferiores a
100 mg/dl solicita-se o uso de crioprecitado, que contém fatores VIII e XII,
fibrinogênio, fibronectina e fator Von Willebrand. A prescrição é de uma
unidade (20 a 30 ml) para cada 10 Kg de peso, o que aumentará o fibrinogênio
plasmático em 50 mg/dl. Doses adicionais dependem da evolução clínica. Se o
paciente apresenta clínica hemorrágica, o concentrado de plaquetas pode ser
solicitado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Manual de tratamento das coagulopatias hereditárias.
Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Série A. Normas e Manuais
Técnicos. ed. 1. Brasília, 2006.
PINTÃO, Maria Carolina Tostes;
FRANCO, Rendrik F. Coagulação Intavascular disseminada. Medicina: Simpósio de hemostasia e trombose. v. 34. p. 282-291. Jul-dez.
Ribeirão Preto, 2001. (DESTAQUE)
FRANCO, Rendrik F. Fisiologia da
coagulação: anticoagulação e fibrinólise. Medicina:
Simpósio de hemostasia e trombose. v. 34. p. 229-237. Jul-dez. Ribeirão
Preto, 2001. (DESTAQUE)
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