EPIDEMIOLOGIA BREVE
A dengue é
uma doença causada por um dos quatro sorotipos do flavivírus, DENV 1, 2, 3 e 4,
e seu principal vetor de transmissão é o artrópode Aedes aegypti. Por ano são
contabilizadas mais de 100 milhões de casos de dengue clássica no mundo e mais
de 500 mil de casos de dengue hemorrágica. No Brasil, apenas no ano de 2010,
até o dia 03 de julho, já haviam sido notificados 942. 153 casos de dengue, com
o Estado do Acre sendo o mais atingido.
DENGUE E O SINERGISMO DO NOSSO SISTEMA IMUNOLÓGICO
A dengue é
uma patologia de eventos eminentemente inflamatórios. No homem possui um
período médio de incubação de 5 a 6 dias, sendo infectivo um dia antes do
aparecimento da febre até o sexto dia da doença. Após adentrar no organismo o
vírus da dengue tem nos linfonodos seu primeiro sítio de replicação. O vírus
estão se direciona para os tecidos musculares, onde posteriormente é englobado
pelo macrófago, seu principal sítio proliferativo. A mialgia e inclusive a dor
ocular, se justificam justamente pelo tropismo pelos músculos gerais e oculomotores.
A dor ou qualquer das manifestações ocorridas na dengue ocorre por conta da
intensa resposta inflamatória contra o capsídeo do vírus, especificamente
falando da proteína E, um componente do capsídeo viral. A resposta inflamatória
intensa ocorre por meio de um espasmo vascular na intensão de levar plasma aos
tecidos infectados e com eles as células de defesa. Por vezes esse evento
ocorre com grande intensidade, arrastando consigo hemácias e manifestando na
pele as equimoses tão características da dengue.
FIGURA 01: Momento em que as células endoteliais dão passagem para o plasma, que então carregam as células de defesa até o tecido infectado.
A proteína E possui três porções: uma região central contendo um radical amina; uma segunda região com predominância de dímeros; e uma região que contém o C terminal, este sendo o responsável pela determinação dos diferentes tipos de vírus do dengue. Os dímeros da proteína E também são os responsáveis pela fusão do capsídeo viral com a membrana dos macrófagos quando o vírus está no seu interior. Após a endocitose do vírus as vesículas acidófilas se dirigem para sua destruição, mas assim que a proteína E entra em contato com o PH<6,5 ela muda sua conformação e termina por se fundir com a membrana do endossomo, permitindo que o vírus adentre no citoplasma ao invés de ser destruído.
A entrada do
flavivírus nos macrófagos também ocorre por ligação com a porção Fc dos
anticorpos ligados à parede dessas células, para então se fixarem na porção Fc
gama ligada diretamente à membrana do macrófago. Essa porção deveria ativar
macrófagos contra outros agentes infecciosos, mas em vez disso, há o fenômeno
de facilitação por anticorpos (ADE), pois pela porção Fc gama o vírus também
conseguirá adentrar no citoplasma da célula.
Outras duas
proteínas presentes no capsídeo viral capazes de induzir resposta imunológica
são a NS1 e NS3. A NS1 está relacionada com a lise total da célula com o vírus
no seu interior, pois a defesa do organismo ocorre com a destruição dos macrófagos
infectados. Linfócitos T citotóxicos são ativados contra a NS3, e os linfócitos
T helper são ativados pela proteína E, NS1 e NS3. Após o início dos sintomas as
IgM são detectados no 4° dia, com pico entre o 7° e 8°, quando então começam a
declinar. As IgGs também se elevam no quarto dia, mas o pico ocorre em duas
semanas e se mantém detectáveis por vários anos, conferindo imunidade
permanente ao tipo previamente infectante e por aproximadamente seis meses aos
outros tipos.
Importante
também é compreender a existência de dois tipos de reação imune contra o vírus
do dengue: a primeira reação ocorre quando os linfócitos T helper estimulam o
ataque das células de defesa contra as células infectadas destruindo-as; a
segunda reação e dita paradoxal, onde o próprio hospedeiro sai perdendo com a
resposta imune, podendo inclusive evoluir com síndrome do choque do dengue.
Esse tipo de resposta pode ser observada em pessoas previamente infectadas, ou
em crianças abaixo de um ano, imunizadas pela infecção materna durante o
período gestacional, quando anticorpos trafegam entre o binômio mãe-feto. Nessa
reação o extravasamento plasmático pode levar o paciente a uma condição de
baixo volume vascular e queda de pressão arterial com potencial fatal,
configurando a o dengue hemorrágico/síndrome do choque do dengue (SCHD).
Em 1981 ocorreu uma epidemia de dengue hemorrágica em cuba pelo tipo dois, quatro anos após uma epidemia benigna tipo um, o que permitiu concluir que a infecção nessa sequência seria 100X mais grave que a reinfecção por tipo 1.
Como dito
antes, existe uma reposta imune paradoxal, quando o indivíduo também sai
perdendo, evento esse envolvido na gênese do choque. Quando os macrófagos
sinalizados como infectados são lisados por linfócitos, terminam por liberar a
tromboplastina, ou fator tecidual comandando eventos pró-coagulantes. Como as
IL-2 e IL-8 também são liberadas, vai haver secreção de histamina pelos
basófilos, aumentando a permeabilidade vascular, imitando os eventos
hemorrágicos da CIVD. A IL-6 também vai estar elevada na SCHD, estando
relacionada com a febre.
Foi
identificado também um fator citotóxico liberado dos linfócitos T helper que
está comprovadamente associado com o extravasamento de líquidos do meio
intravascular para o interstício por induzir a secreção de histamina, além de
destruir outros linfócitos T, macrófagos e megacariócitos. Esse fator
citotóxico se configura um fator de gravidade, juntamente com as variações na
organização da proteína E. Tais variações nessa proteína proveriam o flavivírus
com melhor capacidade de se ligar às superfícies e maior resistência contra
outros linfócitos.
QUADRO CLÍNICO
QUADRO CLÍNICO
O quadro
varia desde sintomas gerais de gripe até eventos hemorrágicos mais graves, o
que vai depender dos fatores de risco tais como: cepa, sorotipo viral, estado
nutricional, estado imune e constituição genética do indivíduo. O período de
incubação do vírus é de quatro dias. Podem ocorrer a febre branda e máculas na
pele, não dando muitos sinais da patologia em curso, mas também pode ocorrer a
febre de mais de 39°C que pode persistir de cinco a sete dias e apresentar um
curso bifásico de 12 a 24 horas. A falta de apetite será um dos fatores que
predispõe os pacientes à anorexia. Pode ocorrer artralgias, dor retororbitária,
mialgias, hepatomegalia, prostração, exantema, prurido cutâneo e dor abdominal,
este último sendo um sinal de agravamento. Caso nenhum desses sinais seja doloroso
os dados laboratoriais podem se restringir a baixa discreta de plaquetas e
discreto aumento de enzimas hepáticas. Esses sinais, assim como a febre, são
autolimitados, com exceção da prostração, que pode permanecer por semanas. Um
sinal que ocorre em sua maioria nas infecções primárias é a erupção cutânea,
entre o segundo e quinto dia após o aparecimento da febre, sendo apenas macular
ou maculopapular.
Quando se
trata de dengue hemorrágica, os sintomas começam como uma dengue clássica, mas
por volta do terceiro dia aparecem as manifestações hemorrágicas, tais como
petéquias em tronco. Caso o paciente tenha instalado algum acesso venoso, esse
pode sangrar ou ainda pode haver sangramentos em nariz e gengiva. Depois de
sete dias, justamente quando ocorre a defervenscência, aparecem os sinais de
insuficiência circulatória, fadiga, suor frio e manifestações hemorrágicas por conta
do extravasamento vascular, podendo deixar a pressão e pulso indetectáveis.
Na maioria
dos casos a dengue hemorrágica é precedida de sinais de alarme. São eles: dor abdominal intensa, vômitos persistentes,
hipotensão postural e arterial, pressão de pulso menor que 20 mmHg, pulso
rápido e filiforme, hepatomegalia dolorosa, hemorragias, extremidades frias,
cianose, agitação ou letargia, anúria, diminuição repentina da temperatura e
aumento repentino do hematócrito.
O
comprometimento hepático profundo é um achado comum nos casos fatais, sendo
causados porque o vírus induz a apoptose dos hepatócitos. Esse comprometimento
hepático é mais profundo quando a infecção se dá pelos tipos DENV 3 e 4. A
dengue visceral é uma variante da dengue que compromete também o coração que
foi identificada em 2007 na fronteira do Mato Grosso com o Paraguai, induzindo
ao comprometimento dos fígado, pulmões e cérebro. O comprometimento do SNC se
desenvolve através da síndrome de Guillain Barré, mielite e paralisia de nervos
cranianos.
O diagnóstico
laboratorial pode ser solicitado como IgM e IgG para dengue, caso o paciente já
tenha mais de quatro dias após o aparecimento dos sintomas. Deve-se atentar
para os casos de infecção secundária, pois se no paciente previamente imunizado
pelo vírus da dengue, ou até por outros tipos de flavivírus, pode ocorrer reação
cruzada e falsos-positivos. O IgA também pode ser solicitado, pois tem quase
tanta efetividade quanto o IgM. O primeiro se positiva com 4,6 dias, e o IgM se
positiva com 3,6 dias.
As reações
cruzadas são a explicação para diversos casos falso-positivos, além de
existirem também os falsos- negativos. Por isso deve-se solicitar o anti-NS1,
que atualmente é o exame mais sensível para a detecção da dengue, tendo uma
sensibilidade de 93,8% e especificidade de 100%. A reação em cadeia de
polimerase (PCR) também se faz muito útil, apesar de não ser muito utilizado na
prática, possibilitando a detecção precoce da presença do DNA complementar ao
RNA viral, inclusive possibilitando a detecção do sorotipo e subsorotipos do
vírus.
CLASSIFICAÇÃO E TRATAMENTO
A dengue pode
ser dividida em quatro grupos: A são os casos suspeitos por conta do quadro
limitado a sintomas gerais sem manifestações hemorrágicas nem prova do laço
positiva; B são casos suspeitos com prova do laço positiva e manifestações
hemorrágicas espontâneas discretas sem repercussões hemodinâmicas; C são casos
com presença de sinais de alarme, independente da presença de hemorragias; D
são casos de pressão arterial convergente, hipotensão ou choque, podendo ou não
ter manifestações hemorrágicas.
O tratamento
é como segue: A, hidratação oral de 60 a 80 ml/Kg/ dia sendo 1/3 de soro de
reidratação oral (SRO) e 2/3 de líquidos em geral. Apesar desse tratamento ser
domiciliar o paciente deve ser orientado ao retorno no momento da
defervescência; B, o paciente deve permanecer na unidade fazendo uso de
sintomáticos e reidratação oral assistida. A depender do paciente o tratamento
pode ser ambulatorial com hidratação oral de 80 ml/Kg/dia. Se o paciente homem
estiver com hematócrito acima de 50% e mulher acima de 44%, ou ainda plaquetas
abaixo de 50.000 o paciente deve permanecer na unidade para fazer uso de
hidratação venosa, com quantidade a correspondente a 1/3 do volume citado no
período de 6 horas. O paciente é liberado para continuar hidratação em casa e
retorno após 24 horas; grupo C, o paciente deve receber hidratação venosa na
dose de 25 ml/Kg em 4 horas, quando deverá ser reavaliado. Caso melhore o
tratamento de manutenção é o mesmo 25 ml/Kg, só que em oito horas e depois o
mesmo volume em 12 horas. Esse esquema pode ser repetido por três dias. Caso
não haja melhora o paciente é classificado como do grupo D para ser tratado
como tal; grupo D, hidratação venosa na dose de 20 ml/Kg em 20 minutos, podendo
ser repetido três vezes, com reavaliação de 15 a 30 minutos e avaliação de
hematócrito após duas horas. Caso o hematócrito esteja em ascensão deve fazer
uso de coloides sintéticos ou albumina na dose de 3 ml/Kg/h.
O tratamento
vai seguir a classificação dos casos. Dengue hemorrágico é dividido em quatro
tipos. O tipo 1 é dengue com sinais inespecíficos e sem manifestações
hemorrágicas, a exceção da prova do laço; o tipo 2 inclui as manifestações
hemorrágicas leves, tais como Epistaxe e gengivorragia; o tipo 3 já engloba o
colapso circulatório, com pulso rápido e filiforme, pressão de pulso menor que
20 mmHg, pele pegajosa e fria, além da inquietação; com o tipo 4 o paciente se
apresenta com pressão arterial e pressão de pulso indetectáveis, além de
apresentar a magnificação dos sintomas do quadro 3.
REFERÊNCIAS
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dengue sorotipo 3. Universidade Federal do Paraná. Tese de Doutorado. Curitiba,
2009. Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/21990/TESE%20CORRIGIDA%2018.02.2010.pdf?sequence=1.
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e dengue hemorrágico: aspectos do manejo na unidade de terapia intensiva. Jornal de Pediatria. v. 83. Suppl.2. p.
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LUPI, Omar; Carneiro, Carlos
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Dengue: uma nova abordagem. Sociedade Brasileira de Medicina tropical. V. 33. N. 5. Set-out. Uberaba, 2.000.
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Sonia E. S.; JOCUBDO, Suzana Y.; BRITO JUNIOR, Lacy C. Análise crítica dos
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