FIGURA 01: SURUCUCU |
EPIDEMIOLOGIA
Ocorrem
óbitos no mundo na ordem de 100.000 por ano por acidentes ofídicos, sendo que
esse número é apenas 0,45% do total dos acidentes. No Brasil o CIAVE recebe por
ano 20.000 notificações, com 0,43% de letalidade. Na Bahia o CIAVE registra 3.068
acidentes por ano. Existem quatro gêneros de serpentes de importância médica no
Brasil: Bothrops, os quais correspondem a 90% de todos os acidentes ofídicos;
Crotalus, que corresponde a 8%; Lachesis, 1,5%; e Micrurus, 0,5%. 70% dos acidentes envolvem homens e também 70%
acomete o pé e perna e 13% a mão e o antebraço. 53% dos acidentes predominam na
faixa de 15 a 49 anos e muitos deles são acidentes de trabalho.
OS ACIDENTES
Algumas
características permitem identificar uma serpente peçonhenta. No Brasil as
classes referidas possuem cauda lisa (Bothrops), eriçada (Lachesis) ou com um
guizo (chocalho) na ponta, que é a cascavel ou Crotalus. A exceção do gênero
Micrurus, gêneros citados possuem um orifício, que fica entre o olho e a
narina, com tem função termorreceptora: é a fosseta loreal. Quando essa
estrutura é ausente e a serpente não possuem anéis coloridos, ela não é
peçonhenta.
FIGURA 02: Necrose devastadora causada por acidente botrópico, que apesar de chocar, ainda é mais brando em relação ao acidente laquético. |
As serpentes
do gênero Bothrops, responsáveis pela maioria dos acidentes, são as jararacas,
ou também conhecidas como caiçaca, urutu-cruzeiro, jararacuçu, urutu e
cobra-de-papagaio. Ela apresenta comportamento agressivo quando se sente
ameaçada e seu bote pode não produzir ruído algum. O veneno dessa serpente
possui três efeitos: proteolítico, coagulante e hemorrágico. A ação
proteolítica na realidade é uma generalização para a ação das enzimas
hialuronidaes e fosfolipases com consequente liberação de fatores de inflamação
e hemorraginas, resultando em edema, dor, bolhas e necrose. A peçonha dessa serpente
também possui uma ação semelhante à protrombina, convertendo o fibrinogênio em
fibrina, gerando trombos como na CIVD, mas de menor disseminação. As
hemorragias ocorrem por conta das hemorraginas contidas na peçonha, estas
possuindo ação de lesar a membrana basal e o endotélio dos vasos no local de
inoculação, onde forma uma placa gangrenosa.
No acidente
crotálico o perigo são as ações da peçonha no sistema nervoso, com potencial
para levar à morte 72% das pessoas não tratadas com o soro anticrotálico. 11%
vão a óbito mesmo com o uso do soro por insuficiência renal aguda.
A ação
neurotóxica da peçonha é causada pela crotoxina, de ação pré-sináptica, com
bloqueio da liberação de acetilcolina e com isso bloqueio neuromuscular. Existe
uma fração do veneno não identificada que produz rabdomiólise e liberação de
mioglobina. Mioglobina livre, por sua vez é tóxica assim como a hemoglobina
livre, produzindo ação hemolítica. A ação coagulante esvai todas as reservas de
trombina e pode por fim evoluir para incoagulabilidade sem redução do número de
plaquetas. Mesmo assim, na maioria das vezes as ações hemorrágicas são
discretas.
As manifestações
sistêmicas incluem mal-estar, náuseas, vômitos, sudorese, prostração e
sonolência. Já as neurológicas são ptose palpebral, fácies miastênicas, oftalmoplegia,
midríase, visão turva e diplopia. Insuficiência respiratória pode ocorrer, mas
não é frequente.A urina
escurecida ocorre pela liberação de mioglobina e pode indicar a principal
complicação: insuficiência renal aguda. A anúria pode ocorrer dentro de 24
horas, sendo explicado pela necrose tubular. A mioglobina tem ação lesiva
direta sobre os túbulos renais. Com o PH ácido da urina a mioglobina será
precipitada no túbulo, mantendo a agressão química pelo agrupamento heme.
Os acidentes
laquéticos são exemplificados pela surucucu (figura 01), pico-de-jaca ou surucutinga.
Lachesis são a classe de serpente peçonhenta de maior tamanho no mundo, com
relato de até 4 metros. A ação de sua peçonha tem as mesmas manifestações
locais do acidente Bothrópico, pois tem os mesmos efeitos coagulante,
hemorrágico e proteolítico, porém mais intensos. Não há efeitos neurológicos.
Em até duas horas após o acidente o paciente manifesta dor e edema extensos.
Segue então equimose extensa, linfadenopatia, sangramentos, flictemas ou bolhas
de conteúdo sanguinolento ou seroso, tudo dentro das primeiras cinco horas. O choque
circulatório aqui é muito mais rápido, ocorrendo em até 10 horas no acidente bothrópico
e em 15 minutos no acidente laquético, devido ao rápido consumo dos fatores de
coagulação.
FIGURA 06: Necrose difusa por acidente laquético. |
Alguns sinais
laboratoriais dão ideia deste tipo de acidente como a queda dos fatores de
coagulação, aumento do Tempo de coagulação (TC), hemoconcentração com elevação
de hematócrito e hemoglobina, leucocitose, elevação de transaminases e
creatinoquinases (CK). Epistaxes, hematêmese, gengivorragia, hemoptise e
hematúria são menos frequentes, assim como a insuficiência renal aguda. Já nos
casos graves há taquicardia, taquipneia, sudorese, agitação, ansiedade,
cefaleia, tontura, visão turva, muitas vezes relacionados ao choque
cardiocirculatório. A reação
local mais impactante é a necrose tecidual, com abcesso e síndrome
compartimental que evoluem para déficits funcionais e amputação, ou pelo menos
exigem fasciotomias. A insuficiência renal não é frequente, assim como o
choque.
O acidente
elapídico ocorre pelo gênero Micrurus, conhecidas como corais. Como essas
serpentes não são agressivas e talvez por isso correspondem a somente 0,4% do
total de acidentes ofídicos. A ação da
peçonha é eminentemente neurotóxica a nível da junção neuromuscular ou
pós-sináptico, para a maioria dos exemplares dessas serpentes. Como a
neurotoxina da peçonha tem um pequeno peso molecular ela se difunde rapidamente
pela corrente sanguínea, alcançando os músculos na placa motora para competir
pelos receptores da acetilcolina. As ações pré-sinápticas se apoiam na inibição
da liberação da acetilcolina, assim como pela crotoxina.
FIGURA 07: Coral. |
O resultado
da peçonha é paralisia muscular, mas felizmente sua ação é exclusivamente
periférica. No local da picada haverá dor e edema, enquanto que no membro atingido
haverá parestesia. Assim como no acidente crotálico vai haver ptose palpebral e
diplopia. Haverá também fásceis miastenica, mialgia generalizada, fasciculações
musculares, dificuldade de deambulação e paralisia dos membros. Se houver
paralisia da musculatura venopalatina o indivíduo perderá a capacidade de
deglutir, de vomitar e mastigar. O caso grave será aquele em que a ação da
toxina se expande para a musculatura torácica, culminando em insuficiência
respiratória e morte.
EXAMES DIAGNÓSTICOS DE COMPLICAÇÕES
O tempo de
coagulação é justificado pelo efeito das peçonhas sobre a trombina, assim como
o hemograma, pois o acidente laquético, e o botrópico, vão produzir
hemoconcentração, embora de intensidades diferentes. Deve-se solicitar também a
dosagem dos fatores de coagulação. CK-MB vai demonstrar a gravidade da
rabdomiólise do acidente crotálico, além das transaminases hepáticas. A
avaliação do clearence de creatinina promove o acompanhamento da insuficiência
renal. O acidente crotálico ainda exige desidrogenase lática e aldolase, além
da biopsia muscular para comprovar a miotoxidade.
TRATAMENTOS
Tratamento contra o veneno botrópico:
administração precoce de soro antibotrópico, antibotrópico-laquético e
antibotrópico-crotálico, sempre por via intravenosa. Deve-se
seguir o esquema dos quadros sintomáticos. No leve e moderado vai haver dor, edema
e equimose, mas a classificação do quadro vai depender da intensidade. Se há
eventos hemorrágicos de qualquer intensidade, anúria ou sinais de choque o
quadro é classificado grave. Então no quadro leve se utiliza 2 a 4 ampolas de
soro, no moderado 4 a 6 e no grave 12.
O tratamento
geral envolve manter o membro afetado elevado, uso de qualquer analgésico e
hidratação, esta sendo de 30 a 40 ml/hora (em 24 horas contínuo) no adulto e na
criança 1 a 2 ml/Kg/hora. Essa manobra é direcionada à prevenção da insuficiência
renal aguda, pois dilui a urina e restringe o contato direto da peçonha com a
superfície dos túbulos. Para prevenir complicações por bactérias que porventura
tenham adentrado pelo local de inoculação, pode-se utilizar clindamicina, que
possui boa ação contra estreptococcus e estaphylococcus, e possui boa
distribuição.
Caso seja
notado que o edema esteja evoluindo para síndrome compartimental deve-se
realizar a fasciotomia rapidamente.
Tratamento contra o veneno crotálico: é
feito com soro anticrotálico ou antibotrópico-crotálico. Para prevenir a
insuficiência renal é louvável hidratar a paciente como citado acima (1 a 2/ 30
a 40).
Nesse
acidente a quantidade de ampolas de soros dependerá se o acidente for leve,
quando usará cinco ampolas, moderado usará 10 ampolas e no grave será
necessário 20 ampolas. Todos os sintomas no quadro leve serão discretos, a
fáceis miastênica estará ausente ou irá se manifestar bem depois do acidente,
assim como a visão turva. O quadro moderado irá apresentar a fáceis miastênica
precocemente, podendo ser discreta ou evidente. Nesse quadro a urina estará um
pouco escurecida, sendo esse um dado importante para diferenciar do quadro
grave. A anúria também, pois somente estará presente no quadro grave, e os
todos os sintomas gerais serão evidentes e intensos. Para tratar a anúria utiliza-se
manitol a 20% na dose de 5 ml/Kg na criança e 100 ml no adulto, ou furosemida
01 ampola ou 20 mg.
Tratamento do acidente laquético: usa-se
o soro antilaquético ou antibotrópico-laquético. O número de ampolas segue a
evolução clínica do paciente. Inicialmente se utiliza 10 ampolas. Caso sinais
de manifestações vagais continuem, tais como hipotensão e bradicardia,
aumenta-se o uso para até 20 ampolas.
Tratamento para o acidente elapídico: a
soroterapia sempre é de 10 ampolas de soro antielapídico, mas o tratamento não
se limita a ele. Deve ser implementado anticolinesterásicos para aumentar o
tempo de presença da acetilcolina na placa motora. Mas antes disso deve
utilizar um antagonista competitivo dos efeitos muscarínicos da cetilcolina
(extravasamento de potássio da célula), como a bradicardia. Usa-se a atropina
na dose de 0,05 mg/Kg na criança ou 0,5 mg no adulto por via IV. Aplica-se então
a neostigmina, que é o anticolinesterásico, na dose de 0,05mg/Kg por via IV no
adulto e criança. A melhora com o uso dessa medicação é rápida nos primeiros 10
minutos. A terapêutica de manutenção será com essa mesma medicação na dose de
0,05 a 0,1 mg/Kg a cada quatro horas, ou até em intervalos menores desde que
precedidos de atropina.
OBS: a ampola
da atropina possui 0,25 mg e da neostigmina possui 0,5 mg por ampola.
REFERÊNCIAS
Pitta GBB, Castro AA, Burihan E, editores. Angiologia e cirurgia vascular: guia
ilustrado. Maceió: UNCISAL/ECMAL & LAVA; 2003. Disponível em: URL:
http://www. lava.med.br/livro.
BRASIL. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por
animais peçonhentos. Ministério da
Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Brasília. Out, 2001.
RODRIGUES ET AL. Apostila de toxicologia básica. Governo Estadual da Bahia. Secretaria de
Saúde do Estado da Bahia. Centro de Informações Antiveneno. Salvador-Ba.
Ago, 2009.
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