sexta-feira, 21 de novembro de 2014

DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA (DPP)



Antes de tudo é importante compreender o que é a placenta. Então o endométrio gravídico é chamado de decídua. Ela é dividida em decídua basal, que dará origem ao lado fetal da placenta; decídua capsular é a porção que encobre o feto até a 22-24 semanas, quando se torna muito delgada e assim tem reduzido seu suprimento sanguíneo, o que a faz desaparecer. Por fim há a decídua parietal, a porção materna da placenta. Na maturação da placenta são formadas vilosidades coriônicas, que é o conjunto formado entre citotrofoblasto, sinciciotrofoblasto e mesoderma extraembrionário. Esse conjunto possui duas superfícies bem diferentes, uma porção virada para o feto de superfície lisa chamada de córion liso e uma porção com vilosidades voltada para o lado materno chamada de córion frondoso ou viloso. Pois bem, a placenta é justamente o conjunto formado entre o córion viloso e a decídua basal.

O DPP consiste em desolamento da placenta de inserção normal depois da 20ª semana de gestação. A incidência varia entre 1 a cada 75 a 225 nascimentos. O Óbito fetal pode ocorrer principalmente quando outras condições estiverem associadas, a exemplo do retardo do crescimento intra-uterino e parto prematuro. Na presença de descolamento há nove vezes mais chances de haver morte fetal e quatro vezes mais chances de haver parto prematuro.

Tudo começa com rompimento de uma das 80 a 100 artérias espiraladas entre a decídua parietal e a placenta, podendo ser pequeno e autolimitado ou pode crescer e dissecar essas duas porções interrompendo os nutrientes e gases que passariam por esse local até o feto. O posicionamento do hematoma que se forma pode ser dois: ou pode se espalhar pela cavidade uterina na medida em que o descolamento cresce até alcançar o colo uterino fazendo com que esse sangue se exteriorize (hemorragia externa), ou pode não alcançar o colo e permanecer oculto – 20% dos casos (hemorragia oculta). De qualquer forma esse descolamento não advém de um único fator com exceção de traumas. Geralmente ocorrem má formações vasculares com aumento da fragilidade dos vasos na interface placenta decídua, inflamações agudas e placentação anômala, mas todos de período variável, geralmente com início no primeiro trimestre no momento da invasão trofoblástica.

Nas duas ondas de invasão trofoblástica há degradação da camada muscular dos vasos para que ocorra uma dilatação suficiente para suprir as necessidades fetais gradativamente mais altas. Se o processo de aumento do calibre dos vasos não ocorre de maneira adequada, assim como ocorre na DHEG, a oxigenação das porções internas ficam deficientes e por isso essas estruturas tornam-se mais frágeis. Como há uma divisão estrutural entre a decídua parietal e a placenta esse será o local do descolamento.

Como a invasão trofoblástica se constitui num ponto em comum com o DPP e as condições hipertensivas da gestação, as síndromes hipertensivas da gestação serão os maiores fatores de associação. No estudo de Pritchard dentre 192 gestantes com DPP 89 eram hipertensas. Outros fatores de risco são a multiparidade, gestação múltipla, tabagismo, trauma, uso de cocaína ou trombofilias hereditárias.

A cesárea prévia também é associada como fator de risco porque a perfusão no local da cicatriz incisional uterina não há perfusão semelhante ao período anterior ao parto. Apesar disso, um estudo na clínica obstétrica do HC-FMUSP não confirmou esse achado. Quanto à ruptura prematura de placenta pode ser uma causa ou consequência. Sabe-se que com o descolamento há aumento de trombina tecidual, que leva ao aumento das proteases, enfraquecendo as membranas frente a pressão intrauterina.

Tombofilias estão associadas quando são múltiplas. Estão relacionadas as deficiências na Proteína C, S e antitrombina, além da elevação dos fatores de coagulação VII, VIII, IX e XI. Quanto mais componentes estiverem comprometidos, maiores serão as chances de rompimento dos vasos e o DPP. Desses componentes o mais associado é a antitrombina. Para o uso da cocaína, 10% das usuárias apresentam o DPP por conta da vasoconstrição dos vasos da interface placenta-decídua, assim como ocorre com o tabagismo.  Sobre esse último, mulheres com volume de consumo de cigarros diários entre 10 a19 possuem 40% mais chances de apresentar o DPP. Já o trauma, o único que pode ser causa isolada, pode levar ao descolamento num período de 24 horas após o evento desencadeante.





DIAGNÓSTICO

O diagnóstico será dado, na maioria das vezes, pela história e exame físico. Os sinais e sintomas clássicos são sangramento via vaginal, dor abdominal súbita e intensa, dor abdominal à palpação, taquisistolia e hipertonia. Se a paciente apresenta os sinais, só que mais intensos e sem sangramento, interpreta-se a evolução como sangramento oculto severo podendo ainda haver infiltração de sangue na serosa do útero e criando a condição denominada útero de Couvelaire, quando o útero encontra-se equimosado e sem contralidade. Pode-se encontrar ainda dificuldade da ausculta dos batimentos fetais, aumento progressivo da altura uterina e bolsa das águas tensa ao toque vaginal.

No exame geral pode-se encontrar a pressão arterial convergente, com diferença entre sistólica e diastólica no máximo de 20 mmHg. Na pele podem surgir sinais de coagulopatias (coagulação intravascular disseminada), tais como petéquias, equimoses ou hematomas. A gestante pode ir a óbito tanto pela coagulação disseminada, como também pela perda de volume sanguíneo.

Apresentações mais incomuns e mais brandas ocorrem com pequeno e interrupto sangramento e sem hipertonia. Nesses casos o descolamento é parcial e chamado de descolamento prematuro de placenta crônico, que apesar de mais brando, quando ocorrido no segundo trimestre provém um prognóstico ruim ao feto. Zugaib cita dois estudos onde de 15 gestações com essa condição, apenas dois fetos sobreviveram.

Em 10 a 20% dos casos as gestantes evoluem com coagulação intravascular disseminada, normalmente com o feto já morto. O evento relevante aqui é a queda da fibrina, ocorrida com a tentativa do organismo de conter o sangramento, enquanto a bolsa de sangue dilui a fibrina e fragiliza sua capacidade de tamponar os vasos abertos. Como a quantidade de fibrina dirigida ao útero é grande na medida em que vai se depositando, porções de fibrina ativadas também se soltam e podem ir parar em outros órgãos, por exemplo na íris, onde os vasos possuem pequeno calibre. Ocorre ainda que no processo de lesão tecidual o organismo libera tromboplastina, que termina por cair na corrente sanguínea materna e induz a coagulação dos seus capilares.

Quando o descolamento se sucede a um trauma normalmente a atividade uterina irá aumentar, exigindo um monitoramento fetal frequente por 24 horas, período em que o descolamento costuma ocorrer após o evento desencadeante. Caso até a sexta hora não houver perda de conteúdo uterino, aumento das contrações, dor a palpação e o padrão cardíaco fetal se mantiver entre 120 e 160, não haverá mais necessidade de avaliações. Alguns autores sugerem a tomografia computadorizada com contraste para definir o DPP na mulher com clínica sugestiva.

O uso da ultrassonografia é indicado apenas para os casos duvidosos, pois nos sangramentos agudos o hematoma tem ecogenicidade semelhante à placenta, dando a impressão de espessamento desta em vez do sangramento em si. Apenas após duas semanas o hematoma torna-se anecoico e de boa visualização pelo aparelho de ultrassom. Nesse período se o sangramento é pré-placentário não haverá repercussões clínicas, mas se for retroplacentário terá um índice de mortalidade fetal de 50%.


CONDUTA

1-                 Monitoramento materno constante com aferição da TA, frequência cardíaca e débito urinário, que deve estar no mínimo de 30 ml/h. Realiza-se os exames para pesquisa de coagulopatias, como tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), concentração de fibrinogênio, tempo de tromboplastina, dímero D. Além disso, também solicita-se o hemograma completo para avaliação de hematócrito e plaquetas. Se o fibrinogênio não puder ser dosado pode-se fazer uma coleta de sangue num tubo de ensaio que deverá ser submetido a movimentos verticais e horizontais suaves por 10 minutos. Se coágulos não se formarem em até cinco a dez minutos de teste tem-se sugestão de queda de plaquetas e fibrina.

2-                 Acesso venoso, sondagem vesical e oxigenoterapia.

3-                 Infusão de expansores de volume se existir sinais de choque hipovolêmico. Se os valores hemantimétricos estiverem baixos pode solicitar transfusão sanguínea, com o objetivo de manter o hematócrico acima de 30%.

4-                 Se feto viável acima de 26 semanas com sangramento incontrolável a conduta é realizar parto cesáreo. Se houver dilatação cervical, este estará ocorrendo por aumento da pressão amniótica, exigindo amniotomia e encaminhamento ao parto. Isso irá reduzir as chances da entrada de fibrina na corrente sanguínea e invasão de sangue na serosa com formação do útero de Couvelaire. Caso esta condição ocorrer há chance de necessidade de histerectomia para parar a hemorragia.

5-                 Se o feto for inviável a conduta segue as condições maternas. Se estiverem satisfatórias realiza-se a amniotomia e indução do parto com ocitocina. Se não, na presença de hipovolemia, anemia e hipoxemia, o parto cesáreo deve ser realizado.


REFERÊNCIAS

ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 2 ed. Barueri. Manole, 2012.


Desenvolvimento humano. Disponível em: http://www.ufrgs.br/livrodeembrio/ppts/5.desenvhumano.pdf

Bacellar A, Longo A. Descolamento prematuro de placenta. Projeto Diretrizes. Disponível em: http://www.bibliomed.com.br/diretrizes/pdf/descolamento_placenta.pdf. 

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