domingo, 14 de julho de 2013

LEPTOSPIROSE

EPIDEMIOLOGIA

Doença infecciosa causada por uma bactéria espiralada, a leptospira interrogans (figura 01), que possui mais de 200 sorotipos nas mais diversas virulências. Essa bactéria causa uma septicemia, com agressão em todos os órgãos do corpo, porém com efeitos deletérios especiais no fígado, musculatura esquelética, rins, pulmões, sistema nervoso central e coração.

No Brasil são confirmados 3 a 4 mil casos todos os anos, dos quais 10 a 12% dos casos evoluem para a morte do indivíduo. Infelizmente se conjectura que pouco mais de um terço desses casos sejam notificados. Das mortes, 70% ocorrem com acometimento das carótidas.

A leptospira possibilita uma alta probabilidade de infecção por conta de sua sobrevivência dentro e fora do corpo do animal. Pode sobreviver por meses dentro do túbulo proximal de um animal infectado até ser excretado pela urina e daí passar mais seis meses no meio ambiente, em poças d’água. Por conta disso é dez vezes mais frequente na área urbana e três vezes mais frequente no homem, com pico de incidência entre 30 e 39 anos.

FIGURA 01: imagem micrográfica do Leptospira interrogans.



A DOENÇA

A infecção ocorre quando o indivíduo com pele previamente lesionada entra em contato com a leptospira nas poças d’água, geralmente em períodos chuvosos. No corpo a lesão basal causada pela bactéria é a nível endotelial disseminada, que causa extravasamento de líquido intravascular, podendo ser grave o suficiente para levar o indivíduo ao choque, predominantemente quando o acometimento é pulmonar ou digestivo. Essa lesão é causada por uma toxina liberada pela bactéria com poder inibitório da enzima sódio-potássio-adenosinatrifosfatose. O resultado é a perda da homeostase iônica. Outras formas de lesão ocorrem por reação imune contra a presença do parasita, pois pacientes com altos títulos de células de defesa apresentam maior gravidade e maior período de febre. Outra prova é que em biopsias realizadas nesses pacientes, muitas vezes não são encontrados os parasitas, mas são encontrados imunoglobulinas específicas. Nesses casos, o dano tecidual é mais extenso e o choque facilitado.

Nos rins ocorrem lesões de ordem grave, com necrose epitelial dos túbulos ascendente de Henle e túbulos distais, mas sem dano glomerular. A porção mais acometida são os túbulos distais, em geral com as células se tornando tumefeitas e sem microvilos onde deveriam existir.

No fígado, ao contrário dos rins, não ocorre necrose epitelial. O efeito é essencialmente a nível de hepatócitos, podendo ser observado pigmentos biliares no citoplasma, embora esse último achado ocorra mais em quem é alcóolatra. Outras modificações da estrutura hepática são a vacuolização no citoplasma, intensa colestase e presença de cilindros biliares. Na luz dos ductos biliares são encontrados cilindros biliares, que juntamente com as modificações endoteliais impedem a correta excreção de bile – que iria para as fezes – causando a icterícia colestásica. É importante então saber que a icterícia não é causada pela hemólise consequente à leptospirose, e sim acrescida pela mesma.  

A coloração tomada pelo indivíduo é uma icterícia diferenciada por um tom avermelhado devido à presença de vasos visíveis, hemácias extravasadas por conta da lesão vascular e impregnação biliar nos tecidos. Se o paciente cursa com hemoptise, sabe-se que há comprometimento vascular pulmonar com extravasamento de hemácias, causando, por sinal, opacificações em imagens ao raio-x que logo somem devido à rápida absorção do organismo. Se o sangramento for gástrico haverá presença de melena, por vezes agravando a desidratação e a perfusão renal, pois nesse órgão a reserva fisiológica estará diminuída devido aos pontos de necrose.

O edema miocárdico aumenta as dimensões do coração e modifica o traçado do eletrocardiograma. A inflamação consequente à presença de leptospiras causa distúrbios de condução, mas esse achado é clinicamente pouco referido. Essa inflamação acomete a aorta em 60% dos casos, podendo ainda alcançar a leptomeninge.

Segundo Antônio Carlos Lopes existem quatro fases para essa doença: há um período de incubação de 2 a 20 dias, quando começam as lesões; segue a fase septicêmica, quando surgem os sintomas, entre o 7° e o 12° dia, geralmente de início abrupto e duração de 3 a 7 dias. O paciente pode apresentar febre, rigidez de nuca, mialgia predominantemente em panturrilhas, calafrios, dor torácica, cefaleia de diversas intensidades e prostração. 10% dos pacientes apresentam a doença de Well, caracterizada por febre, hemorragias, insuficiência renal e/ou disfunção neurológica. Em quase 100% dos pacientes a febre fica entre 38 e 40 graus, 40 a 100% apresentam a sufusão conjuntival – infiltração de líquidos orgânicos por lesão vascular. Em 80% dos casos há hepatomegalia, esplenomegalia em 15 a 25%, sinais meníngeos em 12 a 40%, dor abdominal difusa em 5 a 30%, icterícia em 10% e lesão em tórax com potencial de evolução para urticária e mácula de 7 a 9% dos casos. Esse eritema pode chegar até 5 cm na área anterior da tíbia e caracteriza a febre de Forte Braag.

50% dos pacientes com leptospirose cursam com remissão dos sintomas uma semana após a resolução do primeiro quadro, e após meses a anos pode surgir a uveíte. Se a mulher for infectada durante a gravidez ela pode evoluir com aborto espontâneo. As crianças que sofrem da transmissão vertical não apresentam sequelas e são tratadas normalmente.

Logo depois da fase de septicemia segue a fase de convalescência, com defervecência por um a dois dias, quando então a febre recrudesce, porém não tão alta. Esse é o período imune, com duração de 4 a 30 dias, ocasionando diminuição da leptospiremia e excreção das bactérias pela urina.

Clinicamente a leptospirose ainda pode ser classificada em ictérica e anictérica. A anictérica engloba 90% dos casos, raramente apresentando comprometimento pulmonar e de baço. É mais comum sinais de irritação meníngea e seus sintomas, tais como a rigidez nucal, confusão e delírio. Apresenta sedimentação urinária e alterações de volume, mas não é comum a insuficiência renal.

A forma ictéria é mais grave, cursando com hemorragias, disfunção renal por necrose tubular, alterações hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e de consciência. Essa icterícia com tom diferente é chamada de rubínica, tendendo para a cor laranja pela mistura do amarelo e azul. O abdome é doloroso à palpação e as alterações hemodinâmicas podem evoluir para o choque. A taxa de letalidade varia entre 5 e 20%.


DIAGNÓSTICO

Exames de urina podem apresentar tanto a proteinuria, como presença hemática discreta, além de piúria. Nos pacientes com insuficiência renal a uréia dificilmente excede os 100 mg/dl e a creatinina não ultrapassa 8 mg/dl. Solicita-se ALT e AST, que juntamente com a fosfatase alcalina vão estar muito aumentadas, porém apenas nos paciente ictéricos. Alterações no Gama-GT também são identificadas. Solicita-se a bilirrubina total e frações, esperando-se haver predomínio da bilirrubina conjugada. CK-MM vai estar aumentada em 50% dos pacientes. Ao hemograma pode ser encontrado trombocitopenia, anemia (lembrar da hemólise) e leucocitose. O exame do LCR identifica uma presença de pleocitose abaixo de 500/mm cúbico, o que ajuda a diferenciar de meningite viral, pois esse vai ser o limite mínimo para tal. Ajuda também a diferenciar pela normal quantidade de glicose e proteína levemente elevada.O raio-x demonstra presença nodulares, por vezes em estado de aglomeração. Ao ECG, encontra-se o bloqueio atrioventricular de primeiro grau e alterações compatíveis com pericardite.

O diagnostico clínico na ausência de icterícia é complicado pela semelhanças com outras patologias. Uma das confusões mais comuns é com hepatite, mas com a solicitação do CK-MM e o histórico com presença de exposição à poças d’águas pode ajudar. O resultado do teste de microaglutinação, demonstrando a presença de anticorpos quatro vezes maior aos antígenos dos 21 sorotipos mais comuns da leptospira, fecha o diagnóstico. A gasometria também vai estar alterada, com presença de acidose metabólica.
FIGURA 02: quadro resumido dos meios de transmissão da leptospirose.

TRATAMENTO

Caso o tratamento seja iniciado dentro dos quatro dias após o início dos sintomas a resposta é ideal. Entretanto, isso dificilmente é alcançado devido à dificuldade de diagnóstico ou muitas vezes pela demora para diferenciar de outras patologias. O tratamento é realizado a base de comprimidos de doxicilina 100 mg via oral, utilizados duas vezes ao dia por sete dias, mas é preciso se ater ao uso não indicado para gestantes. Pacientes alérgicos às tetraciclinas também não podem fazer uso.

É recomendado a grande ingesta líquida durante o uso desse medicamento devido à irritação gástrica, que, caso ocorra, demanda a ingesta de leite logo após a administração. Em crianças acima de 50 quilos a dose é de 2 mg por quilo de 12 em 12 horas e a metade da dose nos dias seguintes. No geral, para o uso da doxicilina, é recomendado a dose de 200 mg no primeiro dia e de 100 mg no até o sétimo dia, sempre utilizado de 12 em 12 horas. A penicilina pode ser usada a partir do nono dia de evolução da doença, na dose de 1,5 milhão de unidades, intravenosa de seis em seis horas durante sete dias.

Ampicilina também pode ser usada na dose de 1 grama via oral de 4 em 4 horas, também por sete dias. Após o sétimo dia não faz mais sentido o uso de antibióticos, em decorrência do paciente já se encontrar na fase imune.

Caso o paciente apresente sinais de hipoperfusão – icterícia evidente, insuficiência renal e comprometimento pulmonar – deve ser instalado na unidade de terapia intensiva. Caso ocorra hemorragia digestiva devem ser prescritas dietas parenterais. Se não ocorrer e o paciente tiver em uso de sonda nasogástrica, verificar o retorno da sonda para certificar a presença ou ausência de sangramentos. Caso ocorra plaquetopenia abaixo de 50.000/mm cúbico prescrever o concentrado de plaquetas.

Simplificadamente, caso o paciente apresente alguns dos seguintes sinais: icterícia, dispneia, taquipnéia, oligúria, fenômenos hemorrágicos, hipotensão, alterações no nível de consciência, vômitos frequentes e arritmias, considere-o como potencialmente grave.

Por fim, as medidas corretivas da desidratação, da insuficiência renal e da hemorragia não devem ser dispensadas.


PREVENÇÃO

A prevenção não deve ser concentrada no meio ambiente devido à grande quantidade de espiroquetas eliminadas pelos animais tornar inviável essa manobra. Deve-se então concentrar em eliminar o contato direto das mucosas e pele com a água contaminada através do uso de botas, óculos e aventais para os trabalhadores mais expostos, tais como os funcionários de abatedouros. Caso o indivíduo planeje um período curto de exposição, tais como soldados de exércitos em áreas endêmicas, pode se fazer uso de doxicilina na dose de 200 mg via oral tomada uma vez na semana. Essa manobra tem eficácia de 95%, mas não se deve esquecer o risco de desenvolvimento de resistência.


REFERÊNCIA

LACERDA, Marcus Vinícius Guimarães; MOURÃO, Maria Paula Gomes. Leptospirose. Acessado em: http://www.fmt.am.gov.br/manual/leptos.htm Disponível em 12 de julho de 2013.

NEVES, David Pereira. Parasitologia Humana. 11 ed. São Paulo: Atheneu, 2004.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

KO, Albert Icksang et al. Leptospirose: diagnostico e manejo clinico. Brasil, 2009.

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