sexta-feira, 21 de novembro de 2014

DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA (DPP)



Antes de tudo é importante compreender o que é a placenta. Então o endométrio gravídico é chamado de decídua. Ela é dividida em decídua basal, que dará origem ao lado fetal da placenta; decídua capsular é a porção que encobre o feto até a 22-24 semanas, quando se torna muito delgada e assim tem reduzido seu suprimento sanguíneo, o que a faz desaparecer. Por fim há a decídua parietal, a porção materna da placenta. Na maturação da placenta são formadas vilosidades coriônicas, que é o conjunto formado entre citotrofoblasto, sinciciotrofoblasto e mesoderma extraembrionário. Esse conjunto possui duas superfícies bem diferentes, uma porção virada para o feto de superfície lisa chamada de córion liso e uma porção com vilosidades voltada para o lado materno chamada de córion frondoso ou viloso. Pois bem, a placenta é justamente o conjunto formado entre o córion viloso e a decídua basal.

O DPP consiste em desolamento da placenta de inserção normal depois da 20ª semana de gestação. A incidência varia entre 1 a cada 75 a 225 nascimentos. O Óbito fetal pode ocorrer principalmente quando outras condições estiverem associadas, a exemplo do retardo do crescimento intra-uterino e parto prematuro. Na presença de descolamento há nove vezes mais chances de haver morte fetal e quatro vezes mais chances de haver parto prematuro.

Tudo começa com rompimento de uma das 80 a 100 artérias espiraladas entre a decídua parietal e a placenta, podendo ser pequeno e autolimitado ou pode crescer e dissecar essas duas porções interrompendo os nutrientes e gases que passariam por esse local até o feto. O posicionamento do hematoma que se forma pode ser dois: ou pode se espalhar pela cavidade uterina na medida em que o descolamento cresce até alcançar o colo uterino fazendo com que esse sangue se exteriorize (hemorragia externa), ou pode não alcançar o colo e permanecer oculto – 20% dos casos (hemorragia oculta). De qualquer forma esse descolamento não advém de um único fator com exceção de traumas. Geralmente ocorrem má formações vasculares com aumento da fragilidade dos vasos na interface placenta decídua, inflamações agudas e placentação anômala, mas todos de período variável, geralmente com início no primeiro trimestre no momento da invasão trofoblástica.

Nas duas ondas de invasão trofoblástica há degradação da camada muscular dos vasos para que ocorra uma dilatação suficiente para suprir as necessidades fetais gradativamente mais altas. Se o processo de aumento do calibre dos vasos não ocorre de maneira adequada, assim como ocorre na DHEG, a oxigenação das porções internas ficam deficientes e por isso essas estruturas tornam-se mais frágeis. Como há uma divisão estrutural entre a decídua parietal e a placenta esse será o local do descolamento.

Como a invasão trofoblástica se constitui num ponto em comum com o DPP e as condições hipertensivas da gestação, as síndromes hipertensivas da gestação serão os maiores fatores de associação. No estudo de Pritchard dentre 192 gestantes com DPP 89 eram hipertensas. Outros fatores de risco são a multiparidade, gestação múltipla, tabagismo, trauma, uso de cocaína ou trombofilias hereditárias.

A cesárea prévia também é associada como fator de risco porque a perfusão no local da cicatriz incisional uterina não há perfusão semelhante ao período anterior ao parto. Apesar disso, um estudo na clínica obstétrica do HC-FMUSP não confirmou esse achado. Quanto à ruptura prematura de placenta pode ser uma causa ou consequência. Sabe-se que com o descolamento há aumento de trombina tecidual, que leva ao aumento das proteases, enfraquecendo as membranas frente a pressão intrauterina.

Tombofilias estão associadas quando são múltiplas. Estão relacionadas as deficiências na Proteína C, S e antitrombina, além da elevação dos fatores de coagulação VII, VIII, IX e XI. Quanto mais componentes estiverem comprometidos, maiores serão as chances de rompimento dos vasos e o DPP. Desses componentes o mais associado é a antitrombina. Para o uso da cocaína, 10% das usuárias apresentam o DPP por conta da vasoconstrição dos vasos da interface placenta-decídua, assim como ocorre com o tabagismo.  Sobre esse último, mulheres com volume de consumo de cigarros diários entre 10 a19 possuem 40% mais chances de apresentar o DPP. Já o trauma, o único que pode ser causa isolada, pode levar ao descolamento num período de 24 horas após o evento desencadeante.





DIAGNÓSTICO

O diagnóstico será dado, na maioria das vezes, pela história e exame físico. Os sinais e sintomas clássicos são sangramento via vaginal, dor abdominal súbita e intensa, dor abdominal à palpação, taquisistolia e hipertonia. Se a paciente apresenta os sinais, só que mais intensos e sem sangramento, interpreta-se a evolução como sangramento oculto severo podendo ainda haver infiltração de sangue na serosa do útero e criando a condição denominada útero de Couvelaire, quando o útero encontra-se equimosado e sem contralidade. Pode-se encontrar ainda dificuldade da ausculta dos batimentos fetais, aumento progressivo da altura uterina e bolsa das águas tensa ao toque vaginal.

No exame geral pode-se encontrar a pressão arterial convergente, com diferença entre sistólica e diastólica no máximo de 20 mmHg. Na pele podem surgir sinais de coagulopatias (coagulação intravascular disseminada), tais como petéquias, equimoses ou hematomas. A gestante pode ir a óbito tanto pela coagulação disseminada, como também pela perda de volume sanguíneo.

Apresentações mais incomuns e mais brandas ocorrem com pequeno e interrupto sangramento e sem hipertonia. Nesses casos o descolamento é parcial e chamado de descolamento prematuro de placenta crônico, que apesar de mais brando, quando ocorrido no segundo trimestre provém um prognóstico ruim ao feto. Zugaib cita dois estudos onde de 15 gestações com essa condição, apenas dois fetos sobreviveram.

Em 10 a 20% dos casos as gestantes evoluem com coagulação intravascular disseminada, normalmente com o feto já morto. O evento relevante aqui é a queda da fibrina, ocorrida com a tentativa do organismo de conter o sangramento, enquanto a bolsa de sangue dilui a fibrina e fragiliza sua capacidade de tamponar os vasos abertos. Como a quantidade de fibrina dirigida ao útero é grande na medida em que vai se depositando, porções de fibrina ativadas também se soltam e podem ir parar em outros órgãos, por exemplo na íris, onde os vasos possuem pequeno calibre. Ocorre ainda que no processo de lesão tecidual o organismo libera tromboplastina, que termina por cair na corrente sanguínea materna e induz a coagulação dos seus capilares.

Quando o descolamento se sucede a um trauma normalmente a atividade uterina irá aumentar, exigindo um monitoramento fetal frequente por 24 horas, período em que o descolamento costuma ocorrer após o evento desencadeante. Caso até a sexta hora não houver perda de conteúdo uterino, aumento das contrações, dor a palpação e o padrão cardíaco fetal se mantiver entre 120 e 160, não haverá mais necessidade de avaliações. Alguns autores sugerem a tomografia computadorizada com contraste para definir o DPP na mulher com clínica sugestiva.

O uso da ultrassonografia é indicado apenas para os casos duvidosos, pois nos sangramentos agudos o hematoma tem ecogenicidade semelhante à placenta, dando a impressão de espessamento desta em vez do sangramento em si. Apenas após duas semanas o hematoma torna-se anecoico e de boa visualização pelo aparelho de ultrassom. Nesse período se o sangramento é pré-placentário não haverá repercussões clínicas, mas se for retroplacentário terá um índice de mortalidade fetal de 50%.


CONDUTA

1-                 Monitoramento materno constante com aferição da TA, frequência cardíaca e débito urinário, que deve estar no mínimo de 30 ml/h. Realiza-se os exames para pesquisa de coagulopatias, como tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), concentração de fibrinogênio, tempo de tromboplastina, dímero D. Além disso, também solicita-se o hemograma completo para avaliação de hematócrito e plaquetas. Se o fibrinogênio não puder ser dosado pode-se fazer uma coleta de sangue num tubo de ensaio que deverá ser submetido a movimentos verticais e horizontais suaves por 10 minutos. Se coágulos não se formarem em até cinco a dez minutos de teste tem-se sugestão de queda de plaquetas e fibrina.

2-                 Acesso venoso, sondagem vesical e oxigenoterapia.

3-                 Infusão de expansores de volume se existir sinais de choque hipovolêmico. Se os valores hemantimétricos estiverem baixos pode solicitar transfusão sanguínea, com o objetivo de manter o hematócrico acima de 30%.

4-                 Se feto viável acima de 26 semanas com sangramento incontrolável a conduta é realizar parto cesáreo. Se houver dilatação cervical, este estará ocorrendo por aumento da pressão amniótica, exigindo amniotomia e encaminhamento ao parto. Isso irá reduzir as chances da entrada de fibrina na corrente sanguínea e invasão de sangue na serosa com formação do útero de Couvelaire. Caso esta condição ocorrer há chance de necessidade de histerectomia para parar a hemorragia.

5-                 Se o feto for inviável a conduta segue as condições maternas. Se estiverem satisfatórias realiza-se a amniotomia e indução do parto com ocitocina. Se não, na presença de hipovolemia, anemia e hipoxemia, o parto cesáreo deve ser realizado.


REFERÊNCIAS

ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 2 ed. Barueri. Manole, 2012.


Desenvolvimento humano. Disponível em: http://www.ufrgs.br/livrodeembrio/ppts/5.desenvhumano.pdf

Bacellar A, Longo A. Descolamento prematuro de placenta. Projeto Diretrizes. Disponível em: http://www.bibliomed.com.br/diretrizes/pdf/descolamento_placenta.pdf. 

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

UMA "PRÉVIA" SOBRE PLACENTA PRÉVIA



Na forma de blastocisto, depois de adentrar na cavidade uterina o embrião passa em média 24 horas para se implantar no tecido endometrial. O local mais comum disso ocorrer é no corpo uterino. Isso ocorre porque depois do blastocisto se dividir em citotrofoblasto – células internas uninucleadas – e sinciciotrofoblato – células externas multinucleadas, esta última passa a exercer interações com o epitélio do endométrio. Essas ligações ocorrem com citocinas e integrinas na superfície endometrial e, por exemplo, receptores do fator inibidor de leucemia no sinciciotrofoblasto.

Como a invasão trofoblástica adentra no endométrio à procura de vasos sanguíneos para suprirem o feto, as porções do corpo e fundo uterino serão mais predispostas a uma gestação viável, em relação à áreas próximas ao colo.

A partir daí caso a placenta se insira ou a sua migração se restrinja entre o fundo e corpo uterino, denomina-se um placentação de inserção tópica. Fala-se posição e não apenas inserção porque a placenta sofre uma pseudo-migração na velocidade de 1,6 a 2,6 mm/semana resultante do crescimento assimétrico de suas porções inferiores e superiores. Quando a inserção ou migração até a 28ª semana de gestação se encontra nas porções inferiores tem-se a placentação de inserção heterotópica. Caso ocorra fora da cavidade uterina a chamada de ectópica. 


PLACENTA PRÉVIA

Placenta prévia se constitui no posicionamento placentário nas porções inferiores do útero após a 28ª semana. Pode ser entendido como a posição da placenta sobre o orifício cervical interno, cobrindo-o total ou parcialmente, ou estando a menos de 5 centímetros do orifício, condição denominada de placenta marginal.

Pode ser classificada como total, quando está bem centralizada sobre o orifício cervical, parcial quando recobre parcialmente a área do orifício, marginal quando a placenta está a menos de 05 centímetros do orifício, e placenta baixa ou lateral, que é quando está nos segmentos inferiores e sem contato com o orifício interno. Nesse último caso Zugaib afirma que a placenta costuma estar sobre o local onde é realizada a incisão da cesariana e caso haja placenta lateral na 20ª semana, não haverá placenta prévia ao termo.


FATORES DE RISCO

A incidência de placenta prévia é de 0,5 a 1% das gestações. Para a idade materna entre 20 e 29 anos as chance de ocorrência é de 0,03%, mas para idade acima de 40 anos as chances são de 0,25%. Em multíparas as chances podem atingir 5% e quando a gestação é múltipla as chances são 40% maior em relação à gestação de único feto. Fatores de risco são cesarianas prévias, tabagismo, uso de cocaína e residir em altas altitudes. No caso do tabagismo ocorre que como o fumo diminui o aporte sanguíneo para o feto e sendo essa uma das funções da placenta, tal estrutura tende a aumentar de tamanho como forma compensatória, e nessa hipertrofia há possibilidade da placenta alcançar o orifício interno cervical.


DIAGNÓSTICO

 Primeira forma de pesquisa é clínica. Os sinais e sintomas são sangramento vaginal se motivo aparente e indolor, geralmente a partir do fim do segundo trimestre. O aspecto do sangramento é vermelho-vivo. Esse sangramento costumar aumentar progressivamente, mas o útero continua indolor à palpação em todas as fases do problema. As contrações uterinas somente aumentam após o episódio de sangramento e o exame especular costuma demonstrar colo de aspecto inalterado, tampão mucoso sanguinolento e coágulos na cavidade vaginal. Apesar disso, quase 10% das mulheres são assintomáticas, principalmente aquelas de placentação marginal.

33% das gestantes apresentam sangramento antes da 30ª semana de gestação, constituindo um grupo de maior risco de prematuridade, mortalidade fetal e necessidade de transfusões sanguíneas.
Para fechar o diagnóstico é necessária a realização de ultrassonografia, sendo esta o padrão ouro. O tipo de USG realizada deve ser transvaginal, tendo vantagens em relação a abdominal por conta de: a abdominal necessita de enchimento da bexiga, que pode aproximar as paredes anteriores e posteriores da região próxima ao colo, podendo mimetizar a placenta prévia; a distância entre o transdutor e a área pesquisada é menor na transvaginal.

A ressonância nuclear magnética complementa os casos quando existem dúvidas na USG. Tem a vantagem de não sofrer a interferência do crânio fetal.

CONDUTA

Ao primeiro sinal de sangramento vaginal a mulher deve ser prontamente internada para monitoramento da mãe e feto. Deve realizar acesso calibroso para infusão de volume e manter o débito urinário ao menos de 30 ml/hora. Realiza-se a ultrassonografia para confirmação da posição placentária. Se o sangramento estiver mantido o hemograma deve ser solicitado a cada 4 horas para avaliação de hematócrito e hemoglobina.

A partir daí existem dois tipos de condutas: expectante e ativa. A expectante se baseia no parto normal e pode ser postergada por até quatro semanas pelo fato de 75% dos sangramentos serem autolimitados. Se a placenta é de inserção lateral ou marginal e o feto já esteja a termo, o parto normal pode ser esperado desde que haja monitorização. Caso as contrações estiverem frequentes deve-se lançar mão de tocólise porque o sangramento irrita a musculatura uterina que se contrai e aumenta o sangramento criando um círculo vicioso. Se o sangramento não parar ou seja notada a queda dos batimentos fetais o parto normal deve ser induzido. Caso o feto esteja entre 24 e 30 semanas deve ser prescrito corticoide para mãe a fim de acelerar o amadurecimento pulmonar fetal.

De qualquer forma se existe um diagnóstico ultrassonográfico de placenta prévia e a gestante não apresenta sangramento ela pode ficar em domicílio em repouso relativo, abstinência total sexual e de elevação de peso.


A conduta ativa é para sangramento intenso, vitalidade fetal comprometida, maturidade fetal comprovada, inserção total ou parcial ou idade gestacional acima de 37 semanas, pois quanto maior a idade maior o risco de sangramentos. Então se o feto alcançou 37 semanas na presença de placenta prévia centrototal ou centroparcial a cesária eletiva está indicada. Caso o feto esteja morto a cesariana também estará indicada.


REFERÊNCIAS

ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 2 ed. Barueri. Manole, 2012.

Desenvolvimento humano. Disponível em: http://www.ufrgs.br/livrodeembrio/ppts/5.desenvhumano.pdf

terça-feira, 4 de novembro de 2014

PRÉ ECLÂMPSIA? PORQUÊ?


ANTES DE TUDO É PRECISO ENTENDER A PRÉ-ECLÂMPSIA COMO O RESULTADO DE EVENTOS OCORRIDOS DURANTE A INVASÃO TROFOBLÁSTICA NO ENDOMÉTRIO. No momento da nidação o citotrofoblasto destrói a musculatura média das artérias espiraladas, que se refazem com um maior calibre e por isso permitindo uma maior passagem de sangue. Quando esse novo calibre das artérias é aquém do necessário para o correto aporte sanguíneo haverá uma tendência a perfusão ineficaz. Com isso para fazer a correção desse evento o coração exerce uma contração mais intensa na tentativa de aumentar a circulação materno placentária, porém termina por elevar os níveis tensionais maternos.

Tendo em vista esse fato primordial partimos de duas teorias para gênese do problema: uma diz respeito a incompatibilidade genética e outra sobre má adaptação imunológica. A má adaptação imunológica gira em torno das reações inflamatórias via MHC. Normalmente as reações inflamatória ocorridas no útero ocorrem com predomínio de linfócitos TCD8, ou tipo MHC 1. Quando o semêm entra em contato com a mulher o fator de crescimento beta 1 nele presente induz a mudança de perfil inflamatório para resposta com predomínio de linfócitos TCD4, ou tipo MHC 2. Caso essa mudança para resposta tipo não ocorra de maneira adequada a invasão citotrofoblástica não formará vasos de calibre ideais e daí tem a indução do aumento de tensão arterial.

Em mulheres nulíparas, casais de coabitação recente e gravidez sem que haja relações sexuais em número significativo, haverá a tendência pelo predomínio da resposta tipo 1(MHC de classe 1), causando a pré-eclâmpsia. Casais que realizam o sexo oral com frequência ou vindo de relação de longa data e coabitação prolongada tendem a induzir na mulher o predomínio da resposta tipo 2 (MHC de classe 2) favorecendo a normalização dos níveis tensionais.

A teoria da incompatibilidade genética necessita de uma pré-informação: os genes que sintetizam os HLA do feto advém do pai e os que originam os linfócitos NK são da mãe. Pois bem, dentro das reações inflamatórias os antígenos de superfície ou HLA que existem nas superfícies das células também devem estar compatíveis para a correta neovascularização placentária. Existem subtipos de HLA, e no organismo não gestacional predomina os HLA A, B e D, enquanto que no organismo gestacional predomina HLA C, G e E. Isso é necessário para que o organismo materno não reconheça o feto como um corpo estranho, ou non-self. Existem ainda subtipos dos linfócitos NK, por exemplo  AA, que quando unido ao HLA C daria origem a uma estimulação invasora pelo citotrofoblasto menos intensa do que deveria. Ou seja a combinação HLA C com NK AA inibe a invasão trofoblástica, sendo frequentemente encontrado em mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia.

A teoria da incompatibilidade genética aborda os seguintes fatores de risco: história familiar positiva (risco três vezes maior), pai nascido de uma gestação com pré-eclâmpsia (risco duas vezes maior) e presença do homem de risco, aquele em que formou um casal anterior que originou gestação com pré-eclâmpsia possui 80% de chances a mais de gerar mais um caso.

As informações acima concretizam a teoria da pré-eclâmpsia de origem trofoblástica, mas existe uma outra de origem materna, ocorrida na presença de doenças pré-existentes. Segundo Redman, Sacks e Sargent a invasão trofoblástica era na realidade um fator de risco de peso, mas causa direta seria reações inflamatórias exacerbadas, confirmadas por diversas pesquisas.  Quando comparam a quantidade de neutrófilos e monócitos em mulheres com pré-eclâmpsia foi identificada semelhança com paciente em sepse, e muito maior que mulheres sem pré-eclâmpsia ou não grávidas. Isso induziu à conclusão de que a pré-eclâmpsia uma reação inflamatória sistêmica, exacerbada e prolongada que de algum modo diminuiria o aporte sanguíneo útero placentário.

O apoio para a teoria da reação inflamatória seriam doenças pregressas que seriam de gatilho para a indução de apoptose do sinciciotrafoblasto, o que geraria liberaria fragmentos na circulação materna, o debris placentário. Eles seriam os responsáveis pela reação inflamatória materna extrema. Quanto mais debris, maior a reação inflamatória e com isso mais provável será o surgimento da pré-eclâmpsia, justificando a relação direta entre o tamanho da placenta e o surgimento de patologia. Gestantes diabéticas, gestações múltiplas e molares teriam um maior volume placentário, sofreriam apoptose com mais frequência, liberando mais debris e por isso maior tendo maior chance de pré-eclâmpsia.

Todas estas questões se referem a primeira fase da patologia, a pré-clínica. A outra fase, a clínica, constitui a pré-eclâmpsia manifestada com sinais e sintomas. Todas as terias citadas aqui sempre convergem em dois fatos: disfunção endotelial sistêmica e fatores antiangiogênicos. Quando a citotrofoblasto começa a adentrar no endométrio os linfócitos NK presentes nesse evento, junto com a própria placenta liberam dois fatores de crescimento: fator decrescimento do endotélio vascular (VEGF) e fator de crescimento placentário (PLGF), que se ligam aos receptores flt-1 nos vasos para exercerem seus efeitos. Um dos efeitos adicionais da ligação entre o VEGF e o flt-1 é a liberação de óxido nítrico e prostaciclinas para diminuírem o tônus vascular útero placentário, além de aumentar a regeneração endotelial.

Pois bem, existem fatores antiagiogênicos na corrente sanguínea que estão aumentados nas mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia. Trata-se o sflt-1 – o “s” é de solúvel – e seu efeito seria de ligação aos VEGF e PLGF, porém sem exercer os efeitos angiogênicos. Um outro receptor antiagiogênico com ação semelhante ao sflt-1 é a endoglina solúvel (sEnd). Caso uma mulher apresente quantidades aumentadas dos dois receptores antiagiogênicos simultaneamente o risco de desenvolver pré-eclâmpsia é 30 vezes maior. Dois fatos que corroboram o envolvimento do VEGF e flt-1 foram a elevação de pressão arterial em pacientes que fizeram uso de inibidores de flt-1 para tratamento para câncer, e inibição do sflt-1 pela nicotina e menor prevalência de pré-eclâmpsia em mulheres fumantes.


CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Os critérios para a classificação de pré-eclâmpsia são tensão arterial acima de 140 X 90 mmHg. O aumento de 30 mmHg na pressão sistólica e de 15 mmHg na diastólica já foram critérios também, mas atualmente apenas servem como fatores de risco.

O segundo critério é proteinúria estando acima de 300 mg na urina de 24 horas ou uma cruz no sumário de urina em duas amostras seguidas ou duas cruzes em única amostra. Pode-se ainda realizar a proporção proteína/creatinina urinária, que estando acima de 0,19 se associam fortemente a proteinúria acima de 300 mg/24 horas. É importante saber que a proteinúria não é um preditor da pré-eclâmpsia, pois ela apenas ocorre com a distensão do filtro renal ocorrido com o aumento da pressão. Ou seja, proteinúria surge apenas a patologia já está instalada. Outro cuidado que se deve ter é quando a proteinúria ocorreu antes da gestação, podendo tornar a diferenciação impossível. Para isso deve-se solicitar proteína de 24 horas seriada, pois a elevação de um grama ou mais é sinal de consequência da pré-eclâmpsia. Outros dados como hiperuricemia, elevação das transaminases hepáticas, trombocitopenia reforçam a suspeita. Já o edema não é mais critério para pré-eclâmpsia a menos que a gestante esteja em estado de anasarca, mas ainda assim não é mandatório para o diagnóstico.

Caso não haja proteinúria o diagnóstico também pode ser considerado caso a gestante curse com TA acima de 140X90 mmHg e cefaleia, borramento de visão ou dor abdominal, ou ainda por alteração de valores laboratoriais tais como plaquetopenia e aumento de enzimas hepáticas.

Existem diversas classificações para hipertensão gestacional: 1- hipertensão arterial crônica: é a hipertensão diagnosticada pela primeira vez após a 20° semana de gravidez e que se mantém além da 12ª semana após o parto; 2- pré-eclâmpsia é quando o aumento da tensão arterial é encontrado pela primeira vez após a 20ª semana de gestação, acompanhada de proteinúria, sem história de hipertensão pregressa; 3- hipertensão sobreposta é a hipertensão diagnosticada antes da 20ª semana de gestação com proteinúria na segunda metade desse período; 4- hipertensão gestacional é quando o aumento ocorreu após a 20ª semana, mas as manifestações param por ai.

Existem duas formas de pré-eclâmpsia: leve e grave. A forma leve ocorre antes do alcance dos critérios de gravidade que ainda serão definidos. Até lá, quando a gestante exibe o aumento de um quilo por semana ou três quilos por mês já serve como sinal de alerta para a evolução para gravidade. Os critérios para a forma grave são: TA acima de 160X110 mmHg, proteinúria de 2 g em urina de 24 horas; creatinina séria acima de 1,2 mg/dl, sintomas de eclampsia iminente (torpor, cefaleia intensa, distúrbios de visão, dor epigástrica ou no QSD causada por hisquemia hepática ou distensão da cápsula de Glisson, e reflexos tendinosos exacerbados), aumento de AST e ALT, plaquetopenia e anemia hemolítica. 

Em 10 a 20% das gestantes com pré-eclâmpsia grave ou 1 a cada 1.000 gestações ocorre a síndrome HELLP, um epônimo para hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetopenia. Nessa crise o desenvolvimento placentário anormal libera fatores que induzem injúria endotelial e ativação de plaquetas com liberação de vasoconstrictores. Quando a lesão alcança o fígado a ativação e agregação das plaquetas induz a sua gasto excessivo, além de obstrução de vasos com isquemia de hepatócitos.

Os achados laboratoriais ainda incluem: aumento de bilirrubina indireta, haptaglobina baixa, DHL (desidrogenase lática) aumentada e queda de hemoglobina. Já os sintomas incluem: dor no episgastro ou QSD (80% dos casos), aumento excessivo do peso, piora de edema, náuseas e vômitos, cefaleia, alterações visuais e icterícia.

Outra complicação da pré-eclâmpsia é a eclampsia, caracterizada como convulsões tônico clônicas em geral de duração entre 60 e 75 segundos, ocorrendo em 25% dos casos de pré-eclâmpsia grave. O motivo para essas manifestações é um espasmo focal também a nível cerebral causado infarto transitório, assim como encefalopatia hipertensiva.


TRATAMENTO

O tratamento medicamentoso deve ser iniciado quando a pressão alcançar os níveis de pré-eclâmpsia grave. A pressão sistólica aparentemente é um melhor preditor de risco cardiovascular que a diastólica. O objetivo do tratamento da hipertensão é manter a TA sistólica entre 140 a 155 mmHg e a disastólica entre 90 e 100 Hg para não comprometer a circulação fetal. O tratamento tem duas classificações: agudo e crônico: no agudo o anti-hipertensivo de primeira escolha é a hidralazina na dose de 05 mg IV repetida em 15 a 20 minutos até que se atinja a meta. A dose máxima a ser infundida é de 30 mg no dia, quando deve-se passar para outras medicações caso não se atinja a meta. O início da ação é de 5 a 10 minutos e dura de 3 a 6 horas. Outra opção é o bloqueador dos canais de cálcio nifedipino na dose de 10 mg  sublingual  cada 30 minutos. Esse medicamento tem boa resposta, mas confere mudanças bruscas de Tensão arterial. O início do efeito ocorre em 10 a 20 minutos e dura por 4 a 5 horas.

O tratamento crônico deve começar com alfa-metildopa na dose de 250 mg 12/12 horas via oral até no máximo 4 gramas no dia. Outra opção é a hidralazina 20 mg via oral 12/12 horas até no máximo 300 mg no dia. A terceira opção é um bloqueador dos canais alfa e beta, o labetolol 100 mg 2 x ao dia até no máximo 2.400 mg no dia. Inibidores da ECA são totalmente contra indicados por causar eventos danosos no feto, tais como a oligodramnia, anomalias renais, hipoplasia pulmonar, retardo mental e morte. Os diuréticos devem ser evitado no geral, pois a diminuição da volemia também diminui o aporte sanguíneo transplacentário.

Nos casos de eclâmpsia existem dois esquemas principais: o de Pritchard e de Zuspan, mas para ambos na convulsão ou iminência desta o medicamento de primeira escolha é o sulfato de magnésio a 50%. Pelo esquema de Zuspan a dose de ataque é de por via endovenosa 8 ml ou 4g (01 ampola contém 10ml ou 5g) diluído em 12 ml de água destilada para infusão por 10 a 20 minutos. A dose de manutenção é de uma ampola diluída em 490 ml de solução fisiológica e infusão dessa  solução da velocidade de  100 ml por hora até 24 horas após o parto.

Pelo esquema de Pritchard pode ser utilizado quando não se dispõe de bomba de infusão. Faz-se a mesma infusão de 4g IV diluída como dose de ataque associada a 10 ml ou 5g IM, metade da ampola em cada nádega. A dose de manutenção é de 5g IM a cada 4 horas.

O índice terapêutico do sulfato de magnésio é pequeno, sendo de 4 a 7 mEq/L ou 4.8 a 8.4 mg/dl. Então a infusão deve ser seguida dos seguintes cuidados: garantir diurese mínima de 100 ml nas últimas quatro horas; verificar intoxicação, que é manifestada com a diminuição do reflexo profundo Patelar, por exemplo, e incursões respiratórias de menos de 16 inc/min. No esquema Zuspan essa verificação deve ocorrer de hora em hora, e no esquema Pritchard é antes da administração de cada dose. Se observado os sinais de intoxicação deve-se infundir gluconato de cálcio a 10% com infusão lenta.

Já o tratamento definitivo somente ocorre com o parto, que é por via cesariana somente para gestações abaixo de 30 semanas. Para se escolher o momento de induzir o parto é necessária a comprovação de sofrimento fetal. Um dos exames ideais para isso é a dopplerfuxometria, que mede o estado de impulsão sanguínea nos vasos pesquisados. Por exemplo, com a hipóxia sempre ocorre o fenômeno da centralização. Como os órgãos nobres são favorecidos nesse processo, a circulação da artéria cerebral média estará mais intensa que a artéria umbilical, ficando a relação umbilical/cerebral média menor que 01, o que justifica indução de parto imediata.  Esse exame também indica o fluxo diastólico e o utiliza como eleição para indução imediata para o parto. Caso o fluxo diastólico da artéria umbilical estiver reverso o parto deve ser imediatamente induzido. Caso o fluxo diastólico estiver ausente realiza-se a medida da relação do fluxo das artérias umbilical/cerebral. Se estiver maior que 1 deve-se reavaliar diariamente. Caso esteja menor que 01 a indução do parto deve ser imediata.


REFERÊNCIAS

FEITOSA, Francisco Edson de Lucena; Sampaio, Zuleika Studart. Diretrizes assistenciais: pré-eclâmpsia. Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Disponível em: http://www.almir.almondegas.net/manuais/meac/o/preecl.pdf. 

Corrêa Júnior, Mário Dias; Aguiar, Regina Amélia Lopes Pessoa de; Corrêa, Mário Dias. Fisiopatologia da pré-eclâmpsia: aspectos atuais.  FEMINA. v. 37, n. 3. Maio. 2009. (DESTAQUE)

Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Manual de Gestação de Alto Risco. 2011. Disponível em: http://febrasgo.luancomunicacao.net/wp-content/uploads/2013/05/gestacao_alto-risco_30-08.pdf. 


SOUZA ET AL, Alex Sandro Rolland de. Pré-eclâmpsia. FEMINA. v. 34, n. 7. Junho. 2006. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

CÂNDIDA CONTRA FLORA (VAGINAL FISIOLÓGICA)


MICROFLORA VAGINAL NORMAL


FIGURA 01: Lactobacilus acidophilus


O conteúdo vaginal é a priori um meio de cultura. É formado por secreção ovariana, uterina, células descamadas da ectocérvice e das paredes, proteínas e hidratos de carbono, contendo uma diversidade de nutrientes para o crescimento bacteriano. Normalmente a secreção vaginal e clara, inodoro, viscosa e com PH entre 3,5 e 4,5. Nas mulheres em idade reprodutiva o estrógeno aumenta a quantidade de glicogênio nas células do meio vaginal, criando o meio ideal para a colonização por lactobacilos e com isso 80 a 95% das bactérias da flora vaginal normal pertencem a essa classe. Contudo, nem todas as mulheres exibem a prevalência dessas bactérias em condições normais, podendo prevalecer outras também produtoras de ácido lático.

O primeiro a estudar a flora vaginal foi Gustav Doderlein, que identificou os lactobacilos citados, mas as denominações Lactobacilus acidophilus ou bacilo de Doderlein são denominações simplistas, pois o que existe é mulheres com predomínio de L. crispatus e inners, ou crispatus e grasseri. Ocasionalmente podem ser encontradas também L. gallinarun, L. jensinii e L. vaginalis.  Estudos identificam que os L. jensinii, L. crispatus e grasseri ocorre a nível mundial. Em mulheres com condições vaginais adequadas sem prevalência dos lactobacilos citados o Atopobium vaginae, o Megasphaera e Leptotrichia são bactérias produtoras de ácido lático, que por serem bem distintas dos lactobacilos podem confundir o avaliador para um falso quadro de vaginose bacteriana, quando ocorre um distúrbio patológico da flora vaginal.

Estudos identificam variações étnicas do conteúdo vaginal, com as mulheres da raça negra apresentando PH mais alcalino em relação a outras mulheres, justificando presença de odor mais forte, sem que isso signifique condição patológica. Identificaram também maior prevalência dessas outras bactérias produtoras de ácido lático, o que justifica a alcalinização pouco mais acentuada.

De qualquer forma todas essas bactérias agem de maneira benéfica produzindo ácidos e criando um ambiente hostil para bactérias patogênicas. Além de produzirem ácidos produzem também peróxido de hidrogênio, bactericinas e biosurfactantes. Além disso, as bactérias benéficas formam um biofilme sobre a mucosa vaginal, ocupando receptores de superfície – ou Toll-like receptors, que poderiam ser ocupados por bactérias patogênicas.


CANDIDÍASE

FIGURA 02: Cândida albicans

É uma patologia genital feminina causa por fungos da família Cândida, normalmente colonizadora dos tratos gastrointestinal, respiratório, urinário e genital humano. Pode ser encontrada em 80% das pessoas mesmo na ausência de quaisquer condições patológicas.  É a segunda causa mais requente de vulvovaginites, responsável por 17 a 39% dos casos, quando a vaginose corresponde a 22 a 50%.

Para começar é uma bactéria cujo PH ótimo tende ao ácido, por isso tendo sua população aumentada em períodos férteis e anteriores à menstruação. Dentro da vagina a Cândida colocará em prática alguns mecanismos que lhe ajudam a colonizar o maio vaginal. Primeiramente há um conjunto de oito proteínas codificadas por genes da família Agglutinin-Like Sequence (ALS), com propriedades de aderência ao epitélio vaginal. São as adesinas. Algumas dessas proteínas possuem a atividade adicional de invasina e isso possibilita a invasão da mucosa, justificando a manifestação das placas nas paredes da vagina – a als 3.  A als3 se agrega à membrana das células do epitélio, liberando um sinal para que o fungo seja fagocitado. A partir daí a als3 exibe uma terceira função que é de ligação à ferritina, possibilitando que o fungo se utilize do ferro do hospedeiro para crescer após a penetração na parede vaginal.

Outra característica da Cândida é a mudança de forma para suportar ambientes ácidos e básicos. Quando na forma de hifas (filamentosa), por exemplo, fica mais fácil se aderir ao epitélio vaginal e de alguma forma a torna mais resistente ao meio ácido. Então quando a célula epitelial se lança em pseudópodos para fagocitar o invasor e destruí-lo, ocorre que com a produção de proteases e fosfolipases a cândida consegue penetrar pelas junções intercelulares e adentrar no tecido genital, além de fuga na presença de linfócitos.

Normalmente as defesas do organismo não permitem o crescimento abundante da Cândida, mas quando a cândida consegue sobressair-se é instalado um quadro inflamatório intenso que repercute na clínica da candidíase. Quanto à colonização essa patologia pode ocorrer por duas classes gerais de fungos: a Cândida albicans e não albicans. 80 a 92% dos casos é causado pela Cândida albicans. O termo não albicans se refere a: Cândidas glabrata, kruscei, topicalis, parapsilosis e Saccharomyces cerevisiae. Este último patógeno não é uma Cândida, mas está tão intrinsecamente ligado à candidíase que termina por entrar nessa classificação. Silva et al. afirma que a infecção por Saccharomyces cerevisiae é clinicamente indissociável da fungemia por cândida albicans. De qualquer maneira a clínica da candidíase é a mesma para todos os tipos, sendo importante uma outra classificação em simples e grave recorrente. Esta última é classificada quando a mulher apresenta quatro episódios ou mais dentro de um ano, o que corresponde a 5% dos casos. ´

Os sintomas da candidíase são: prurido, ardência, corrimento grumoso e sem odor, dispareunia, disúria externa, eritema, fissuras vulvares, edema vulvar, escoriações pelo ato de coçar. As escoriações por vezes podem complicar para pústulas a depender da intensidade do prurido. Outra característica bem ligada ao mecanismo de entrada do fungo no organismo é a presença de placas esbranquiçadas nas paredes vaginais. Pode ocorrer também a colpite, chegando a ser erosiva quando a resposta inflamatória é muito intensa.

O diagnóstico pode ser obtido, na maioria das vezes pela clínica, mas nos casos de candidíase recorrente o melhor é realizar cultura do raspado – com espátula de Ayre ou swab – das paredes vaginais e colo, onde estão as placas. Isso porque a sensibilidade do exame Papanicolau é de apenas 25% para pacientes com cultura positiva. O teste de wiff, quando se utiliza o hidróxido de potássio a 10% esperando-se a exalação de odor fétido – nos casos de vaginose – não ocorre. A visualização das hifas à microscopia é muito característica da candidíase.  É necessário afastar a dermatite de contato, investigando o uso de absorventes e papel higiênico, sabonetes e o sêmem do parceiro. Em muitos casos de candidíase recorrente é salutar solicitar a cultura de esperma do parceiro, pois pode ser a fonte de contaminação.



FIGURAS 03 E 04: Placas formadas com o acúmulo de Cândidas

TRATAMENTO

Para a candidíase não complicada a primeira opção são cremes vaginais. Para o Ministério da Saúde a primeira opção é o Miconazol creme via vaginal por sete noites. Esse creme é ideal nos casos de candidíase por Cândida albicans e não albicans. Outra opção é a nistatina, utilizada por 14 dias, respondendo melhor nos casos de contaminação por cândida albicans. Como segunda opção tem-se o tratamento via oral com fluconazol 150 mg dose única, ou itraconazol 200 mg 12/12h por um dia. O tratamento oral é de segunda escolha por haver a chance de causar cefaleia, náuseas e dor abdominal.

Na candidíase complicada deve-se evitar o uso de cremes de amplo espectro. As medicações orais são preferidas. Alguns estudos recomendam a utilização da terapia com creme por 14 dias, aliado a 100, 150 ou 200 mg de fluconazol 1x ao dia, repetidos nos 1°, 4° e 7° dias. Para casos mais graves deve-se fazer o seguimento, que é realizado com fluconazol 150 mg por seis meses nessa sequencia de dias e caso haja recidiva esse seguimento durará um ano.

Quando a paciente apresenta recorrência com corrimento abundante e menos espesso, além de ardor mais intenso que o prurido deve-se desconfiar de candidíase não albincans. Nesses casos se utiliza o acido bórico 600 mg via vaginal diariamente por duas semanas, o que resolve mais de 70% dos casos. Pode-se repetir esse período com duas doses na semana. Se falha utiliza-se flucitosina a 17% 5 gramas por dia via vaginal à noite durante duas semanas. Por fim resta a anfotericina B supositório por 14 dias via vaginal.

Quando se desconfia que a reação inflamatória é alérgica e não simplesmente pela presença de cândida, pode-se utilizar acetato de medroxiprogesterona 150 mg intramuscular e uso de iogurte por via oral para dessensibilização aos lactobacilos. Na desconfiança de dermatite de contato deve-se utilizar qualquer anti-histamínico, mas cuidado, pois não devem ser utilizados junto com os triazólicos por risco de cardiopatia. O uso do iogurte e da medroxiprogesterona não é totalmente comprovado.

Para os que estiverem em uso de fluconazol lembrar que esse medicamento interage com anticoagulantes, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes e teofilina.

REFERÊNCIAS

SILVA, Felipe Henriques Alves da; PAÇO, Fernando Ribeiro; AMARAL, Vinicius; REIS, Eduardo. Infecção por Saccharomyces cerevisae – uma infecção atípica em UTI. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. v. 23, n. 1, p. 108-111.

JACYNTHO, Cláudia. Vulvovaginites. FEBRASGO. Disponível em: <http://www.jacyntho.com.br/php/artigos/FEBRASGO_2010.pdf>.

GONÇALVES, Ana Katherine da Silveira; MARANHÃO, Tecia Maria de Oliveira; AZEVEDO, George Dantas; GIRALDO, Paulo César; ELEUTÉRIO JÚNIOR, José; SILVA, Maria José Penna Maisonnette de Attayde. Microbiota vaginal: manejo das vulvovaginites no climatério. FEMINA. v. 36, n. 6, p. 345-349. Jun, 2008.  

LINHARES, Iara Moreno; GIRALDO, Paulo Cesar; BARACAT, Edmund Chada. Novos conhecimentos sobre a flora bacteriana vaginal. Revista da Associação Médica Brasileira. V. 56, n. 3, p. 370-37, 2010.

ROSSI ET AL. Interações entre Candida albicans e Hospedeiro. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde. Londrina, v. 32, n. 1, p. 15-28, jan./jun. 2011.

FEUERSCHUETTE, Otto Henrique May; SILVEIRA, Sheila Koettker; FEUERSCHUETTE, Irmoto; CORRÊA, Tiago; GRANDO, Leisa; TREPANI, Alberto. Candidíase vaginal recorrente: manejo clínico. FEMINA. v. 38, n. 2, Fevereiro. 2010. (DESTAQUE)

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

UMA GOTA DE DOR

GOTA
FIGURA 01: IMAGEM DO TOFO GOTOSO EM DEDO

Doença advinda da superprodução de ácido úrico ou da pequena excreção renal em relação a uma produção normal – como ocorre na maioria dos casos – e tendo como consequência uma reação inflamatória dolorosa secundária à formação de cristais de ácido úrico em articulações diversas. É um transtorno na metabolização das purinas, nesse caso com consequente acúmulo em articulações e indução de eventos inflamatórios que acarretarão em dores de intensidades variáveis. Ocorre mais em homens entre a terceira e quarta décadas de vida.

O excesso de ácido úrico é assim classificado quando na urina de 24 horas em paciente com dieta de restrição de purinas, alcança um nível de 600 mg. Já o termo gota é dado quando existem sintomas decorrentes desse problema.

Pode ser primária quando ocorre por eventos endógenos ou secundária quando induzido por causa externas. As causas externas podem ser o ingesta de álcool ou usos de diuréticos, principalmente os tiazídicos, pois ambos competem pelos sítios de excreção de ácido úrico no rim. No caso do álcool, a própria metabolização com formação de acido lático irá facilitar a cristalização de ácido úrico. Isso embasa a recomendação da ingesta hídrica durante o tratamento, pois quanto mais ácida a urina, maiores as chances de formação de cristais de ácido úrico na via renal. Outra questão em relação ao álcool é que ele estimula os receptores PAH, localizados no túbulo renal, com função de absorção do ácido úrico. Salicilatos e etembutol podem ocasionar aumento do ácido úrico. Já hipouricemiantes em geral podem deflagrar a crise dolorosa por modificar de maneira rápida as concentrações de ácido úrico no sangue. As patologias que podem causar gota são as linfo e mieloproliferativas, mieloma múltiplo, anemia hemolítica, policitemia vera e psoríase.

O quadro clínico ocorre com dor nas articulações. Em 90% dos casos o início é monoarticular, sendo mais afetada a metatarsofalangiana. A articulação mais frequentemente atingida é a do hálux, mas a primeiras geralmente são o tornozelo, calcâneo joelho, punho, dedos das mãos e cotovelo. As dores podem iniciar abruptamente, não raro durante o sono. Após algumas horas a articulação afetada ganha sinais flogísticos, como vermelhidão, calor, edema e dor, esta inclusive ao tato, com o paciente não suportando sequer a deposição do lençol sobre o local. A dor pode desaparecer após algumas horas ou durar até dois dias. Quando ocorre melhora da crise a pele sobre a articulação acometida passa a descamar. Nessas mesmas articulações acometidas surge uma tumefação nítida de tamanhos diversos denominada de tofo gotoso.



FIG 03 FREQUÊNCIA DAS ARTICULAÇÕES ACOMETIDAS PELO ACÚMULO DE ÁCIDO ÚRICO.

A gota é um estado ocorrido a partir do aparecimento das crises de dor, o que reflete a reação inflamatória articular, égide da fisiopatologia da doença. O diagnóstico é fechado com a presença dos tofos gotosos e com a visualização dos cristais de ácido úrico à observação através de microscópio de luz polarizada. A sinóvia coletada possui uma aparência esbranquiçada, como um giz diluído em água. As alterações laboratoriais são leucocitose, VHS e PCR aumentados e edema articular nos exames radiológicos. O tratamento clássico pode ser realizado com uricosúricos – como a narcaricina, com a colchicina ou o alopurinol.

TRATAMENTO

Dentro do tratamento da gota não é suficiente apenas rebaixar a uremia, pois um grave problema em potencial é aumentar o contato dos rins com quantidades excessivas de ácido úrico, o que levaria o paciente à condição de nefropatia gotosa. Sendo assim convém considerar os pacientes como hipo ou hipersecretores, sendo que a secreção urinária de ácido úrico não deve exceder 600 mg na urina de 24 horas. Caso o paciente seja hipersecretor o medicamento de escolha deverá ser o alupurinol, pois irá reduzir a formação de ácido úrico no sangue. Caso o paciente seja hiposecretor de ácido úrico, como ocorre na maioria dos casos, deverão ser utilizados os uricosúricos.

O Alopurinol é prescrito na forma de comprimidos e em dose de 100 e de 300 mg. É um anti-hiperuricêmico. A formação do ácido úrico é dependente da conversão da hipoxantina à xantina e por fim no ácido úrico.  O alopurinol tem atividade de inibição da xantina oxidade, enzima responsável pela oxidação da hipoxantina em xantina, inibindo assim a formação de ácido úrico a nível plasmático e renal. Isso é possível porque a ligação do alupurinol com a xantina oxidase é 15 vezes mais forte que a hipoxantina. Concomitantemente possui o efeito de acelerar a captação da xantina e hipoxantina para a fabricação de ácidos nucleicos.

Tanto o alopurinol, quanto seu metabólito – oxipurinol – são ativos, embora o metabólito tenha menor efeito e maior tempo de meia vida. Dentre dois ou três dias de uso alcança-se redução máxima dos níveis de ácido úrico, mas é necessário tatear a administração para evitar efeitos adversos.

É necessário tatear a dose, pois as modificações rápidas de ácido úrico no sangue podem precipitar crises dolorosas nada discretas. Inicia-se com 100 mg ao dia e solicita-se o exame de ácido úrico sérico no quarto dia. Caso não haja redução a dose pode ser aumentada. 100 a 200 mg são prescritos para níveis discretos de ácido úrico sérico. 300 a 600 mg para doses moderadas e de 700 a 900 mg para níveis graves. Lembrando que não é justificado o início do tratamento medicamentoso na presença de sintomas. Até esse momento a terapêutica é realizada apenas a base de dietas com restrição de purinas – encontradas nas carnes, defumados, linguiças, sardinha, frutos do mar, soja, anchova e ervilha. Alimentos ricos em vitamina C também devem ser ingeridos moderadamente, pois a acidificação da urina facilita a formação dos cálculos de urato, que estarão mais concentrados nas via renal. Essa mesma justificativa vale para maior ingesta de água.

Apenas pequena porção dessa medicação é ligada a proteínas plasmáticas e por isso sua eliminação é eminentemente renal, o que demanda que em pacientes nefropatas a dose deve ser diminuída.  É contra indicada em gestantes. Nas crianças raramente é indicada, mas se for a dose é de 10 a 20 mg/Kg até a dose de 400 mg diária. No paciente nefropata a dose deve ser de 100 mg, mas com o cuidado de manter os níveis de oxipurinol sérico em 15 micromol/litro. Se o paciente faz diálise a dose é de 300 a 400 mg sempre após a diálise sem doses intermediárias.



Resumo da prescrição:

 Alopurinol ________100mg__________  01 caixa
Uso: 01 comprimido ao dia após o almoço.
OBS: tomar bastante líquido durante o tratamento, não menos que 2 litros ao dia.

O alopurinol jamais deve ser introduzido durante as crises. Nesse caso o ideal é iniciar com colchicina, um fármaco anti-inflamatório específico para tais casos. O mecanismo farmacológico deste medicamento não é completamente esclarecido, mas acredita-se na diminuição da migração de leucócitos e fagocitose, diminuindo a produção de ácido lático – consequentemente dificulta a formação dos cristais de urato – e formação de outros agentes pró-inflamatórios, tais como a interleucina-6. É importante estar atento ao fato de que esse medicamento não reduz os níveis de ácido úrico, apenas a sensação dolorosa secundária.

A posologia diária durante a crise de dor varia entre 4 e 10 mg, já para a prevenção a dose é bem menor. Para os adultos a dose deve ser de 01 comprimido de 0,5 mg de 24/24 horas a 8/8 horas dependendo da resposta. Na crise aguda uso pode ser prescrito a dose de momento de 0,5 mg a 1,5 mg, seguindo com 01 comprimido de 0,5 mg 1/1 hora  ou 2/2 horas até controle dos sintomas, sendo que a dose máxima por dia não deve ultrapassar 10 mg. Os pacientes crônicos podem fazer uso por três meses ou mais a depender do critério médico, mas na presença de diarreia o medicamento deve ser suspenso, pois ele próprio pode ser a causa.

Exemplo clássico de uricosúrico é a narcaricina. Ele inibe a reabsorção do ácido úrico a nível de túbulo próximal e normaliza os níveis séricos de ácido úrico em aproximadamente uma semana. A redução dos tofos gotosos é exponencial, e após tal evento as crises de dores não costumam mais ocorrer.

Os comprimidos de narcaricina são apresentados em comprimidos sulcados na dose de 100 mg, assim como o alopurinol. O medicamento deve ser prescrito para uso de um comprimido após o café da manhã. Essa dose já normaliza os níveis após a primeira semana. Caso seja necessária uma intervenção agressiva pode-se prescrever dois comprimidos, mas essa é uma conduta questionável, pois como dito antes, as modificações mais rápidas dos níveis de ácido úrico no sangue pode precipitar as crises dolorosas.


Exemplo de prescrição:
 Colchicina ________0,5mg__________  01 caixa
Uso: 01 comprimido V. O. 8/8 horas.
OBS: não ingerir bebidas alcóolicas.



Exemplo de prescrição:
 Narcaricina ________100mg__________  01 caixa
Uso: 01 comprimido ao dia após o café da manhã.

           Em relação à dieta é necessário restringir a ingesta de carnes vermelhas, enlatados e sementes em geral, tais como a linhaça e os demais alimentos citados aqui. É salutar que a paciente seja avaliada por nutricionista e educador físico para alcançar a redução do peso. É muito importante a redução da ingesta de bebidas alcoólicas. Se possível não ingerir em nenhuma quantidade. Dentre todas as bebidas a mais agressiva para esses casos é a cerveja e a menos agressiva é o vinho.


REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

BULAS DOS CITADOS MEDICAMENTOS