ANTES DE TUDO
É PRECISO ENTENDER A PRÉ-ECLÂMPSIA COMO O RESULTADO DE EVENTOS OCORRIDOS
DURANTE A INVASÃO TROFOBLÁSTICA NO ENDOMÉTRIO. No momento da nidação o
citotrofoblasto destrói a musculatura média das artérias espiraladas, que se
refazem com um maior calibre e por isso permitindo uma maior passagem de
sangue. Quando esse novo calibre das artérias é aquém do necessário para o
correto aporte sanguíneo haverá uma tendência a perfusão ineficaz. Com isso
para fazer a correção desse evento o coração exerce uma contração mais intensa na
tentativa de aumentar a circulação materno placentária, porém termina por
elevar os níveis tensionais maternos.
Tendo em
vista esse fato primordial partimos de duas teorias para gênese do problema:
uma diz respeito a incompatibilidade genética e outra sobre má adaptação
imunológica. A má adaptação imunológica gira em torno das reações inflamatórias
via MHC. Normalmente as reações inflamatória ocorridas no útero ocorrem com
predomínio de linfócitos TCD8, ou tipo MHC 1. Quando o semêm entra em contato
com a mulher o fator de crescimento beta 1 nele presente induz a mudança de
perfil inflamatório para resposta com predomínio de linfócitos TCD4, ou tipo MHC
2. Caso essa mudança para resposta tipo não ocorra de maneira adequada a
invasão citotrofoblástica não formará vasos de calibre ideais e daí tem a
indução do aumento de tensão arterial.
Em mulheres
nulíparas, casais de coabitação recente e gravidez sem que haja relações
sexuais em número significativo, haverá a tendência pelo predomínio da resposta
tipo 1(MHC de classe 1), causando a pré-eclâmpsia. Casais que realizam o sexo
oral com frequência ou vindo de relação de longa data e coabitação prolongada
tendem a induzir na mulher o predomínio da resposta tipo 2 (MHC de classe 2)
favorecendo a normalização dos níveis tensionais.
A teoria da
incompatibilidade genética necessita de uma pré-informação: os genes que
sintetizam os HLA do feto advém do pai e os que originam os linfócitos NK são
da mãe. Pois bem, dentro das reações inflamatórias os antígenos de superfície
ou HLA que existem nas superfícies das células também devem estar compatíveis
para a correta neovascularização placentária. Existem subtipos de HLA, e no
organismo não gestacional predomina os HLA A, B e D, enquanto que no organismo
gestacional predomina HLA C, G e E. Isso é necessário para que o organismo
materno não reconheça o feto como um corpo estranho, ou non-self. Existem ainda
subtipos dos linfócitos NK, por exemplo
AA, que quando unido ao HLA C daria origem a uma estimulação invasora
pelo citotrofoblasto menos intensa do que deveria. Ou seja a combinação HLA C
com NK AA inibe a invasão trofoblástica, sendo frequentemente encontrado em
mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia.
A teoria da
incompatibilidade genética aborda os seguintes fatores de risco: história
familiar positiva (risco três vezes maior), pai nascido de uma gestação com
pré-eclâmpsia (risco duas vezes maior) e presença do homem de risco, aquele em
que formou um casal anterior que originou gestação com pré-eclâmpsia possui 80%
de chances a mais de gerar mais um caso.
As
informações acima concretizam a teoria da pré-eclâmpsia de origem
trofoblástica, mas existe uma outra de origem materna, ocorrida na presença de
doenças pré-existentes. Segundo Redman, Sacks e Sargent a invasão trofoblástica
era na realidade um fator de risco de peso, mas causa direta seria reações inflamatórias
exacerbadas, confirmadas por diversas pesquisas. Quando comparam a quantidade de neutrófilos e
monócitos em mulheres com pré-eclâmpsia foi identificada semelhança com
paciente em sepse, e muito maior que mulheres sem pré-eclâmpsia ou não
grávidas. Isso induziu à conclusão de que a pré-eclâmpsia uma reação inflamatória
sistêmica, exacerbada e prolongada que de algum modo diminuiria o aporte
sanguíneo útero placentário.
O apoio para
a teoria da reação inflamatória seriam doenças pregressas que seriam de gatilho
para a indução de apoptose do sinciciotrafoblasto, o que geraria liberaria
fragmentos na circulação materna, o debris placentário. Eles seriam os
responsáveis pela reação inflamatória materna extrema. Quanto mais debris,
maior a reação inflamatória e com isso mais provável será o surgimento da
pré-eclâmpsia, justificando a relação direta entre o tamanho da placenta e o
surgimento de patologia. Gestantes diabéticas, gestações múltiplas e molares
teriam um maior volume placentário, sofreriam apoptose com mais frequência,
liberando mais debris e por isso maior tendo maior chance de pré-eclâmpsia.
Todas estas
questões se referem a primeira fase da patologia, a pré-clínica. A outra fase,
a clínica, constitui a pré-eclâmpsia manifestada com sinais e sintomas. Todas
as terias citadas aqui sempre convergem em dois fatos: disfunção endotelial
sistêmica e fatores antiangiogênicos. Quando a citotrofoblasto começa a
adentrar no endométrio os linfócitos NK presentes nesse evento, junto com a
própria placenta liberam dois fatores de crescimento: fator decrescimento do endotélio
vascular (VEGF) e fator de crescimento placentário (PLGF), que se ligam aos
receptores flt-1 nos vasos para exercerem seus efeitos. Um dos efeitos
adicionais da ligação entre o VEGF e o flt-1 é a liberação de óxido nítrico e
prostaciclinas para diminuírem o tônus vascular útero placentário, além de
aumentar a regeneração endotelial.
Pois bem,
existem fatores antiagiogênicos na corrente sanguínea que estão aumentados nas
mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia. Trata-se o sflt-1 – o “s” é de solúvel
– e seu efeito seria de ligação aos VEGF e PLGF, porém sem exercer os efeitos
angiogênicos. Um outro receptor antiagiogênico com ação semelhante ao sflt-1 é
a endoglina solúvel (sEnd). Caso uma mulher apresente quantidades aumentadas
dos dois receptores antiagiogênicos simultaneamente o risco de desenvolver
pré-eclâmpsia é 30 vezes maior. Dois fatos que corroboram o envolvimento do VEGF
e flt-1 foram a elevação de pressão arterial em pacientes que fizeram uso de
inibidores de flt-1 para tratamento para câncer, e inibição do sflt-1 pela
nicotina e menor prevalência de pré-eclâmpsia em mulheres fumantes.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
Os critérios
para a classificação de pré-eclâmpsia são tensão arterial acima de 140 X 90
mmHg. O aumento de 30 mmHg na pressão sistólica e de 15 mmHg na diastólica já
foram critérios também, mas atualmente apenas servem como fatores de risco.
O segundo
critério é proteinúria estando acima de 300 mg na urina de 24 horas ou uma cruz
no sumário de urina em duas amostras seguidas ou duas cruzes em única amostra.
Pode-se ainda realizar a proporção proteína/creatinina urinária, que estando
acima de 0,19 se associam fortemente a proteinúria acima de 300 mg/24 horas. É importante
saber que a proteinúria não é um preditor da pré-eclâmpsia, pois ela apenas
ocorre com a distensão do filtro renal ocorrido com o aumento da pressão. Ou
seja, proteinúria surge apenas a patologia já está instalada. Outro cuidado que
se deve ter é quando a proteinúria ocorreu antes da gestação, podendo tornar a
diferenciação impossível. Para isso deve-se solicitar proteína de 24 horas
seriada, pois a elevação de um grama ou mais é sinal de consequência da
pré-eclâmpsia. Outros dados como hiperuricemia, elevação das transaminases
hepáticas, trombocitopenia reforçam a suspeita. Já o edema não é mais critério
para pré-eclâmpsia a menos que a gestante esteja em estado de anasarca, mas
ainda assim não é mandatório para o diagnóstico.
Caso não haja
proteinúria o diagnóstico também pode ser considerado caso a gestante curse com
TA acima de 140X90 mmHg e cefaleia, borramento de visão ou dor abdominal, ou
ainda por alteração de valores laboratoriais tais como plaquetopenia e aumento
de enzimas hepáticas.
Existem
diversas classificações para hipertensão gestacional: 1- hipertensão arterial
crônica: é a hipertensão diagnosticada pela primeira vez após a 20° semana de
gravidez e que se mantém além da 12ª semana após o parto; 2- pré-eclâmpsia é
quando o aumento da tensão arterial é encontrado pela primeira vez após a 20ª
semana de gestação, acompanhada de proteinúria, sem história de hipertensão
pregressa; 3- hipertensão sobreposta é a hipertensão diagnosticada antes da 20ª
semana de gestação com proteinúria na segunda metade desse período; 4-
hipertensão gestacional é quando o aumento ocorreu após a 20ª semana, mas as
manifestações param por ai.
Existem duas
formas de pré-eclâmpsia: leve e grave. A forma leve ocorre antes do alcance dos
critérios de gravidade que ainda serão definidos. Até lá, quando a gestante
exibe o aumento de um quilo por semana ou três quilos por mês já serve como
sinal de alerta para a evolução para gravidade. Os critérios para a forma grave
são: TA acima de 160X110 mmHg, proteinúria de 2 g em urina de 24 horas;
creatinina séria acima de 1,2 mg/dl, sintomas de eclampsia iminente (torpor,
cefaleia intensa, distúrbios de visão, dor epigástrica ou no QSD causada por
hisquemia hepática ou distensão da cápsula de Glisson, e reflexos tendinosos
exacerbados), aumento de AST e ALT, plaquetopenia e anemia hemolítica.
Em 10 a 20%
das gestantes com pré-eclâmpsia grave ou 1 a cada 1.000 gestações ocorre a
síndrome HELLP, um epônimo para hemólise, elevação de enzimas hepáticas e
plaquetopenia. Nessa crise o desenvolvimento placentário anormal libera fatores
que induzem injúria endotelial e ativação de plaquetas com liberação de
vasoconstrictores. Quando a lesão alcança o fígado a ativação e agregação das
plaquetas induz a sua gasto excessivo, além de obstrução de vasos com isquemia
de hepatócitos.
Os achados
laboratoriais ainda incluem: aumento de bilirrubina indireta, haptaglobina
baixa, DHL (desidrogenase lática) aumentada e queda de hemoglobina. Já os
sintomas incluem: dor no episgastro ou QSD (80% dos casos), aumento excessivo
do peso, piora de edema, náuseas e vômitos, cefaleia, alterações visuais e
icterícia.
Outra
complicação da pré-eclâmpsia é a eclampsia, caracterizada como convulsões
tônico clônicas em geral de duração entre 60 e 75 segundos, ocorrendo em 25%
dos casos de pré-eclâmpsia grave. O motivo para essas manifestações é um
espasmo focal também a nível cerebral causado infarto transitório, assim como
encefalopatia hipertensiva.
TRATAMENTO
O tratamento
medicamentoso deve ser iniciado quando a pressão alcançar os níveis de
pré-eclâmpsia grave. A pressão sistólica aparentemente é um melhor preditor de
risco cardiovascular que a diastólica. O objetivo do tratamento da hipertensão é
manter a TA sistólica entre 140 a 155 mmHg e a disastólica entre 90 e 100 Hg
para não comprometer a circulação fetal. O tratamento tem duas classificações:
agudo e crônico: no agudo o anti-hipertensivo de primeira escolha é a
hidralazina na dose de 05 mg IV repetida em 15 a 20 minutos até que se atinja a meta. A
dose máxima a ser infundida é de 30 mg no dia, quando deve-se passar para outras
medicações caso não se atinja a meta. O início da ação é de 5 a 10 minutos e
dura de 3 a 6 horas. Outra opção é o bloqueador dos canais de cálcio nifedipino
na dose de 10 mg sublingual cada 30 minutos. Esse medicamento tem boa
resposta, mas confere mudanças bruscas de Tensão arterial. O início do efeito
ocorre em 10 a 20 minutos e dura por 4 a 5 horas.
O tratamento
crônico deve começar com alfa-metildopa na dose de 250 mg 12/12 horas via oral
até no máximo 4 gramas no dia. Outra opção é a hidralazina 20 mg via oral 12/12
horas até no máximo 300 mg no dia. A terceira opção é um bloqueador dos canais alfa e
beta, o labetolol 100 mg 2 x ao dia até no máximo 2.400 mg no dia. Inibidores
da ECA são totalmente contra indicados por causar eventos danosos no feto, tais
como a oligodramnia, anomalias renais, hipoplasia pulmonar, retardo mental e
morte. Os diuréticos devem ser evitado no geral, pois a diminuição da volemia
também diminui o aporte sanguíneo transplacentário.
Nos casos de
eclâmpsia existem dois esquemas principais: o de Pritchard e de Zuspan, mas
para ambos na convulsão ou iminência desta o medicamento de primeira escolha é
o sulfato de magnésio a 50%. Pelo esquema de Zuspan a dose de ataque é de por
via endovenosa 8 ml ou 4g (01 ampola contém 10ml ou 5g) diluído em 12 ml de
água destilada para infusão por 10 a 20 minutos. A dose de manutenção é de uma ampola diluída em 490 ml de solução fisiológica e infusão dessa solução da velocidade de 100 ml por hora até 24 horas após o parto.
Pelo esquema
de Pritchard pode ser utilizado quando não se dispõe de bomba de infusão.
Faz-se a mesma infusão de 4g IV diluída como dose de ataque associada a 10 ml
ou 5g IM, metade da ampola em cada nádega. A dose de manutenção é de 5g IM a cada
4 horas.
O índice
terapêutico do sulfato de magnésio é pequeno, sendo de 4 a 7 mEq/L ou 4.8 a 8.4
mg/dl. Então a infusão deve ser seguida dos seguintes cuidados: garantir
diurese mínima de 100 ml nas últimas quatro horas; verificar intoxicação, que é
manifestada com a diminuição do reflexo profundo Patelar, por exemplo, e
incursões respiratórias de menos de 16 inc/min. No esquema Zuspan essa
verificação deve ocorrer de hora em hora, e no esquema Pritchard é antes da
administração de cada dose. Se observado os sinais de intoxicação deve-se
infundir gluconato de cálcio a 10% com infusão lenta.
Já o
tratamento definitivo somente ocorre com o parto, que é por via cesariana
somente para gestações abaixo de 30 semanas. Para se escolher o momento de
induzir o parto é necessária a comprovação de sofrimento fetal. Um dos exames
ideais para isso é a dopplerfuxometria, que mede o estado de impulsão sanguínea
nos vasos pesquisados. Por exemplo, com a hipóxia sempre ocorre o fenômeno da
centralização. Como os órgãos nobres são favorecidos nesse processo, a
circulação da artéria cerebral média estará mais intensa que a artéria umbilical,
ficando a relação umbilical/cerebral média menor que 01, o que justifica indução de parto imediata. Esse exame também indica o fluxo diastólico e o
utiliza como eleição para indução imediata para o parto. Caso o fluxo
diastólico da artéria umbilical estiver reverso o parto deve ser imediatamente
induzido. Caso o fluxo diastólico estiver ausente realiza-se a medida da
relação do fluxo das artérias umbilical/cerebral. Se estiver maior que 1
deve-se reavaliar diariamente. Caso esteja menor que 01 a indução do parto deve
ser imediata.
REFERÊNCIAS
FEITOSA, Francisco Edson de Lucena; Sampaio, Zuleika Studart.
Diretrizes assistenciais: pré-eclâmpsia. Maternidade Escola
Assis Chateaubriand. Disponível em: http://www.almir.almondegas.net/manuais/meac/o/preecl.pdf.
Corrêa Júnior, Mário Dias; Aguiar, Regina
Amélia Lopes Pessoa de; Corrêa, Mário Dias. Fisiopatologia da pré-eclâmpsia: aspectos
atuais. FEMINA. v. 37, n. 3. Maio. 2009. (DESTAQUE)
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia. Manual de Gestação de Alto Risco. 2011. Disponível em: http://febrasgo.luancomunicacao.net/wp-content/uploads/2013/05/gestacao_alto-risco_30-08.pdf.
SOUZA ET AL, Alex Sandro Rolland de. Pré-eclâmpsia. FEMINA.
v. 34, n. 7. Junho. 2006.
Um comentário:
Muito bom! Aprendi bastante! Parabéns por esse trabalho!
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