terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

ANEMIA APLÁSICA: COMO SUSPEITAR A PARTIR DE UM HEMOGRAMA SIMPLES


ANEMIA APLÁSICA




É um termo que se refere a um conjunto de eventos que direcionam a medula ao estado de supressão ou desaparecimento de células tronco mielóides. A incidência não discrimina sexo, mas há pico quando nos referimos à idade, o primeiro dos 10 aos 25 anos e o segundo nas pessoas acima de 60 anos, havendo uma incidência geral de 2 a 4 casos por milhão de habitantes. Pessoas que se expõe a radiação ionizante e trabalhadores em lavoura com uso de agrotóxicos são especialmente propensos.

A maioria das causas (70%) da aplasia é desconhecida, mas sabe-se da existência de etiologias hereditárias e adquiridas. Na maioria dos casos esclarecidos a gênese é adquirida, e as substâncias que mais frequentemente relacionadas são: clorafenicol, benzeno, agentes antimetabólicos, estreptomicina, clorpromazina, inseticidas, infecções virais como o parvovíirus B19 e até o Epstein-Barr, dentre outros. As causas congênitas são a anemia de Fanconi e a disceratose congênita. Exposição à radiação também pode levar a anemia aplásica.  

Muitas vezes essa patologia se manifesta após um quadro de infecção viral, mais comum pelo vírus da hepatite – não se relaciona aqui os vírus A, B, C e G. No entanto, esse mecanismo não está esclarecido. A anemia de Fanconi é uma condição rara decorrente de uma mutação genética que promove defeito na transcrição de proteínas reparadoras de DNA. Um dos genes envolvidos é o mesmo para o câncer de mama, o BCRA (1 e 2). Predomina em pacientes de 6 a 9 anos, manifestando geralmente com baixa estatura, anormalidades ósseas, hipopigmentação de pele, hipogonadismo, malformações cardíacas e gastriointestinais, terminando com insuficiência medular aos 10 anos. As deformações ósseas geralmente envolvem polegares e rádio do mesmo membro.

Quando a anemia é causada por drogas, a justificativa é que são agressores diretos dos precursores mielóides, o que induz à sensibilização de linfócitos T contra e consequente produção de interferon-gama, IL-2 e TNF, ambos impedindo o desenvolvimento de células-tronco. Isso é comprovado pelo fato da melhor resposta no transplante de medula após imunossupressão dirigida às células T através das ciclosporinas. Outro efeito do interferon-gama e do TNF é o aumento da expressão do receptor Fas nas células tronco e do seu ligante, desencadeando a apoptose. Quando a anemia é pura para as células vermelhas, os principais responsáveis são o lúpus eritematoso, na evolução da gravidez, nos tumores tímicos, nas doenças linfoproliferativas e nas infecções por parvovírus B19, que penetra na medula e desencadeia a reação imune pelos linfócitos T. É necessário levar em conta também a suscetibilidade genética, pois na maioria dos casos a aplasia surge tardiamente após o uso das drogas.

Os agentes químicos mais envolvidos são o benzeno e os hidrocarbonetos aromáticos, que após exposição crônica pelo indivíduo são gerados metabólitos de forte potencial inibitório sobre os precursores hematopoiéticos. Interessante que o benzeno em si tem efeito contrário, induzindo ao aumento de células sanguíneas, o que justifica a hipercelularidade em determinadas fases, com a pancitopenia não sendo o achado mais frequente na anemia aplásica causada pelo benzeno. Em vez disso o achado mais comum é a anemia isolada seguida de trombocitopenia, podendo ocorrer reticulocitose, leucocitose, linfocitopenia, eosinofilia e presença de elementos imaturos no sangue.

A hemoglobinúria paroxística noturna leva a aplasia medular por conta de um super requerimento que leva ao colapso da mesma. Nessa patologia as hemácias são produzidas com uma deficiência nas proteínas de ancoramento nas membranas. Um evento hemolítico acaba ocorrendo durante a acidose do sono e por isso a primeira urina do dia possui uma coloração vermelha. O defeito se dirige a alterações em determinadas proteínas, como a CD55, que detém ação inibidora das proteínas do complemento. Sem ela a C3 se adere à membrana da hemácia e a sinaliza para a destruição pelas células de defesa. Essa hemácia então é reposta pelo organismo, numa atividade de contínua demanda, determinando a evolução para a tríade: hemólise, trombose e falência medular.

A medula óssea nessa anemia fica hipocelular, com queda importante no número de células tronco.  O tecido medular vai gradativamente sendo substituído por adiposo e estroma fibroso, caracterizando a medula seca. Existe uma tríade que grosseiramente caracteriza esse quadro que é anemia, neutropenia e trombocitopenia.


SINTOMAS E DIAGNÓSTICO

O início dos sintomas é variável, podendo ser dispneia, fraqueza progressiva e palidez, assim como púrpuras (petéquias e equimoses), que são o anúncio da trombocitopenia. Nos casos envolvendo infecções ocorre a granulocitopenia, podendo ocorrer febre, calafrios e prostração. Se houver hepatoesplenomegalia provavelmente não se trata de anemia aplásica. Ao contrário, na aplasia medular a reticulocitopenia é regra. Sangramentos são os primeiros sintomas, mesmo sem indicar anemia grave, geralmente ocorrendo gengivorragias à higiene dental. Pode ocorrer também epistaxe. Quando ocorre em crianças e adultos jovens com anormalidades esqueléticas, baixa estatura e manchas café-com leite, pode-se pensar em anemia de Fanconi. Sangramento maciço não uma queixa comum, mas mulheres jovens podem se queixar de aumento do fluxo menstrual.

Toda essa descrição pode se iniciar de modo insidioso com queixas de astenia, fraqueza, dispneia e zumbido. Caso haja febre associada a leucopenia, tem-se um sinal de alarme, e quanto aos dados no hemograma, o diagnóstico pode ser considerado na existência de dois dos seguintes sinais: hemoglobina abaixo de 10 g/dl, contagem de plaquetas inferior a 50.000 e contagem de neutrófilos abaixo de 1.500. Caso os neutrófilos estejam abaixo de 500 e plaquetas abaixo de 20.000 a anemia é considerada grave. Os pacientes geralmente cursam com neutropenia e trombocitopenia, mas a anemia é normocrômica e normocítica, associado a reticulocitopenia absoluta.

Arrumando: anemia moderada : 1- Hb < 10g/dl; 2- plaquetas < 50.000; 3- neutrófilos < 1.500, lembrando que para o diagnóstico em si é necessário haver dois desses critérios. Anemia grave com dois dos seguintes achados: 1- plaquetas  < 20.000; 2- neutrófilos < 500; 3- reticulócitos abaixo de 20.000. Anemia muito grave: neutrófilos abaixo de 200, mesmo isoladamente.


EXAMES LABORATORIAIS PARA O DIAGNÓSTICO

· Hemograma completo com reticulócitos;

· Função renal e hepática;

· Mielograma e Biópsia de Medula óssea;

· Eletroforese de hemoglobina (Hb fetal pode estar aumentada nas aplasias constitucionais);

· Ferro sérico, ferritina, saturação de transferrina;

· Dosagem de vitamina B12 e folato;

· Imunofenotipagem para HPN (se não disponível, Teste de HAM e Sacarose);

· Sorologias para infecções virais;

· Coombs direto;

· Tipagem HLA caso candidato ao transplante de medula óssea;

· Estudo citogenético;

· RX de tórax e esqueleto caso suspeita de Anemia de Fanconi;

· Ultra-sonografia abdominal total;

· ß –HCG;

· Provas de função reumática;

· Hormônios tireoidianos.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Hepatoesplenomegalia pode ser qualquer coisa menos anemia aplásica. Magacariócitos atípicos, com único núcleo e corpo pequeno fala a favor de mielodisplasia. Aplasia pura de células vermelhas e presença de blastos favorecem a aplasia medular. Na anemia aplásica a celularidade da medula está entre 25 e 30%, e na leucemia a presença de blastos com hipercelularidade é bem característico.


TRATAMENTO

Casos de anemia moderada o tratamento é de suporte, com transfusão de concentrado de hemácias e de plaquetas conforme quadro clínico. Se a quantidade de sangue infundida for significativa ou para casos de uso de antibióticos, está indicada a terapia imunossupressora. O sangue poderá ser transfundido quando a contagem plaquetária estiver abaixo de 10.000. Já para anemias graves está indicado o transplante de células tronco alogênicas ou terapia imunossupressora combinada (ciclosporina 10 a 15 mg/Kg/dia por duas semanas (diminue para sete e continua com 7 mg por semanas + imunoglobulina antitimócito + prednisolona). O tempo de tratamento é indefinido. Em casos de sepse poderão ser utilizados fatores estimuladores de colônias

Pacientes que sofrem transfusões tem mais chances de rejeição de transplante de medula óssea. A chances de aceitação ente irmãos é de 30%.


REFERÊNCIA

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

2 comentários:

Rafael disse...

Gostei, porém não sei porque Hepatoesplenomegalia não pode ser anemia aplástica dd jeito nenhum. Se puderem explicar seria ótimo. Obrigadi

Rafael disse...

Gostei, porém não sei porque Hepatoesplenomegalia não pode ser anemia aplástica dd jeito nenhum. Se puderem explicar seria ótimo. Obrigadi