MIELOMA MÚLTIPLO
Esta
patologia é uma condição em que os linfócitos B diferenciados em plasmócitos
são soltos na corrente sanguínea e terminam por adentrar nas medulas ósseas
espalhadas pelo corpo, com efeito de inibição da hematopoese e destruição
óssea. Os plasmócitos tem a função primordial de produzir imunoglobulinas e nos
proteger contra infecções, mas neste caso é produzida uma proteína específica:
a paraproteína M, que é uma imunoglobulina, porém não possui suas funções. 3%
da população mundial possui a proteína M circulante, mas 60% desse total não
manifesta sintoma algum. O Mieloma
corresponde a 10% de todas as doenças malignas hematológicas e 1% dentre todas
as doenças malignas. A incidência é pouco maior sobre os homens e na raça negra.
A média de acometimento é de 60 anos, com 2% de incidência sobre pessoas abaixo
dos 40 anos.
Para
compreender o Mieloma é necessário saber que na imunoglobulina existem duas
cadeias pesadas e duas cadeias leves, tendo cada uma delas uma região constante
e uma região variável que se modifica a partir dos estímulos. Existem dois
tipos de cadeias leves e cinco tipos de cadeias pesadas, estas classificando as
imunoglobulinas como conhecemos: IgG, IgM, IgA, IgD e IgE. Os dois tipos de
cadeias leves são Kappa e Lambda.
A origem do
problema é de ordem cromossômica, podendo haver modificações estruturais, perda
ou ganho de cromossomos. As
anormalidades em sua maioria atingem os cromossomos 1 e 14, estando o primeiro
envolvido em 40 a 50% dos casos. As células que detém tais modificações podem
ser encontradas nos tecidos linfoides, mas apenas se prolifera na medula óssea,
onde o microambiente lhe predispõe a tal. Os plasmócitos geralmente terão
assincronia entre citoplasma e núcleo, podem ser maiores que o normal,
binucleados, trinucleados ou até apresentar vacúolos no citoplasma. Dentro da
medula os plasmócitos tomam local das células hematopoéticas normais e ainda
liberam substâncias que diminuirão a produção de células sanguíneas e também
ativam osteoclastos, justificando a pancitopenia e as lesões líticas nos ossos
adjacentes. Elas também produzem interleucina-6 (IL-6) e seus respectivos
receptores estimulando assim a própria proliferação, pois essa interleucina
possui a capacidade de estimular o crescimento celular geral e inibir a
apoptose.
Qualquer
local onde exista medula poderá existir os plasmócitos modificados, produzindo
sintomas na coluna vertebral, costelas, crista ilíaca, vértebras, clavícula,
ossos do crânio, da pelve e das extremidades. As imunoglobulinas produzidas por
esses plasmócitos estarão modificadas e por isso são chamadas de proteína M ou
componente M. No geral as imunoglobulinas estarão aumentadas no sangue, porém a
maioria corresponderá ao componente M, que é disfuncional, o que justifica a
baixa imunidade dos pacientes e as recorrentes infecções que podem ser mortais.
QUADRO CLÍNICO E PATOGENIA
Lesões líticas com aspecto em saca-bocado. |
O primeiro sintoma é a dor óssea, que leva o paciente a procurar auxílio médico para muitas vezes descobrir o mieloma por acidente. O sintoma se apresenta como uma dor reumática, mais comum na região lombar, depois na pelve e região torácica, sendo irradiada e com duração de dias e de remissão demorada. Como as plasmócitos vão estar estimulando a atividade dos osteoclastos sem, no entanto, ser acompanhado pelos osteoblastos, ocorrerá lesões líticas em diversas estruturas ósseas, e quando provocarem o colapso vertebral haverá diminuição evidente da estatura do indivíduo. A dor seguida é movimento dependente e responde bem ao uso de AINES, o que é um problema adicional às lesões renais acometidas pelas paraproteínas M. A dor decorrente das lesões líticas ocorrem em 90% dos pacientes e em 10% chega a ocorrer compressão medular. As radiografias de crânio demonstram diversas lesões líticas em saca bocado e nas costelas há uma imagem em pontilhado.
As setas evidenciam algumas entre as múltiplas lesões radiolucentes que indicam Mieloma Múltiplo. |
Apesar da dor
óssea, a maior mortalidade é atribuída às infecções decorrente da baixa imunidade.
Com dito antes as imunoglobulinas com o componente M não são funcionais, na
realidade sendo até prejudiciais, sendo o motivo para a insuficiência renal
nesses pacientes. Até mesmo a atividade de opsonização restante se encontra com
menor eficácia. Os agentes infecciosos mais comuns são o estreptococcus
pneumoniae, a Haemophylus influenzae e microorganismos gran-negativos, que em
geral correspondem a 50% das infecções.
O
envolvimento renal é evidente. No momento do diagnóstico 50% dos pacientes já
tem alteração do clearence de creatinina e 25% já estão com aumento de ureia e
creatinina. Rim do Mieloma é uma expressão de referência a problemas causados
pelas proteínas M de cadeias leve. Para entender isso é necessário ter em mente
que a imunoglobulina modificada ou proteína M pode ser uma imunoglobulina
completa, com uma cadeia pesada ou uma cadeia leve. Essas cadeias leves, como
próprio nome pode suscitar, tem um tamanho menor e por isso ela pode atravessar
os capilares a deflagrar uma lesão renal ao serem reabsorvidas pelas células
dos túbulos proximais. Tais imunoglobulinas são chamadas de proteínas de Bence
Jones.
Quando elas
estão na luz tubular elas são endocitadas pelas células do túbulo proximal e aí
são extremamente lesivas, causando disfunção tubular. Isso causa a chamada
síndrome de Fanconi, caracterizada por bicarbonatúria, acidose tubular, glicosúria,
hipofosfatemia e hipouricemia. Com o avançar da doença o paciente evolui para
insuficiência renal crônica porque na medida em que os seguimentos mais
proximais dos túbulos vão sendo lesionados não mais conseguem reabsorver as
proteínas de Bence Jones, permitindo que elas alcancem a alça de Henle e o
néfrom distal para causar dois problemas: primeiro irá ocorrer nesse seguimento
o mesmo em relação ao túbulos proximais; segundo, as proteínas Bence Jones irão
se acoplar às proteínas chamadas
Tamm-Horsefall formando os cilindros de cadeia leve, que obstruirão os
túbulos, lesionando outros seguimento e o interstício renal. Quanto maior for a
excreção de cadeias leves maior será a obstrução, tendo a mesma consequência a
baixa ingesta hídrica.
A
hipercalcemia é advinda da reabsorção óssea geradora das lesões líticas. Como os
pacientes estão hipoativios devido às dores, esta condição será agravada,
facilitando com que o cálcio em excesso no sangue se deposite no parênquima
renal e induza à insuficiência renal crônica. É a nefrocalcinose. Esse depósito
de cálcio parece também facilitar a obstrução por cadeias leves descrita
anteriormente e é também a principal causa de insuficiência renal aguda no
Mieloma múltiplo. Se o paciente fizer uso de AINES para controlar a dor esse quadro
será agravado, pois é uma medicação nefrotóxica.
As cadeias
leves terão ainda outra repercussão, agora a nível sistêmico, que é sua
deposição nos tecidos e posterior transformação em proteína amiloide,
caracterizando a amiloidose AL ocorrida em 10 a 15% dos pacientes com Mieloma
múltiplo. 20% dos pacientes evoluem para falência renal. Os órgãos mais
acometidos são a língua, coração, nervos periféricos e por fim os glomérulos.
Os eventos
neurológicos envolvem compressões radiculares e como consequência o paciente
cursa com dores intensas, geralmente em coluna torácica, lombar e sacro. A
compressão pode ser tamanha que o paciente pode evoluir para disfunção
esfincteriana e plegia, pois as células do Mieloma nas vértebras invadem o
espaço extradural comprimindo raízes. As dores iniciam como radiculares e podem
ser agravadas por tosse e até mesmo espirros. A compressão pode ser secundária
também à fratura vertebral.
A
hipercalcemia também vai deflagrar sintomas neurológicos alterando o estado de
consciência e podendo evoluir para o coma. Quando o nível de cálcio atinge 12
mg/dl já é suficiente para alterar a consciência. O paciente refere cefaleia,
náusea e vômito, daí então vem a desorientação, convulsões e coma. Pode haver
poliúria, mas com o avançar do quadro e a ocorrência da insuficiência renal
surgirá a anúria.
REFERÊNCIA
COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia.
ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
LOPES, Antônio Carlos. Tratado
de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.
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