ANATOMIA DA TIREOIDE
A tireoide é
uma glândula de aproximadamente 20 gramas e 4 a 5 cm de comprimento situada na
parte anterior do pescoço, na altura das vértebras C5 e T1. Fica abaixo da
laringe e na frente da junção entre as cartilagens cricoide e tireoide. A
maioria das pessoas possui essa glândula com dois lobos e uma linha de ligação
chamada istmo, e uma minoria com um terceiro lobo surgindo do lado esquerdo
desse istmo, o lobo piramidal. É circundada por uma cápsula que é fixada nos
anéis da traqueia por tecido conectivo denso e externo a essa cápsula há uma
bainha contendo as glândulas paratireoides. Existem duas artérias principais
que são as tireóideas superior e inferior. As artérias superiores descem de
cada lobo e se dividem para perfundir as porções anterior e posterior da
glândula. O ramo que se divide e supre a porção posterior se anastomosa com a
artéria tireóidea inferior. Esta artéria não se limita e termina por suprir
tanto a porção inferior como a superior. Já com as três veias – superiores,
médias e inferiores – suprem as referidas regiões. A drenagem linfática corre
pelo tecido conectivo citado para drenar para os linfonodos paratraqueais,
traqueais e pré-laríngeos. Depois disso a drenagem segue para os linfonodos
cervicais profundos inferiores.
Existe um
tecido glandular tireóideo que cresce seguindo o pescoço, mas apesar de ser
funcional não tem capacidade de sustentar uma produção hormonal na ausência dos
outros lobos. Esse tecido acessório origina-se do trajeto realizado pela
glândula tireoide até sua localização no indivíduo adulto. Esse trajeto é
delimitado pelo ducto tireoglosso que desaparece com o tempo, mas às vezes
deixa resquícios, que são justamente o lobo piramidal.
Dentro da
bainha da glândula tireoide existem as glândulas paratireoides superiores e
inferiores. O ponto de referencia são as artérias teroideas inferiores, pois as
paratireoides superiores ficam 1 cm acima e as inferiores ficam 1 cm abaixo. As
paratireoides superiores estão ao nível da borda inferior da cartilagem
cricoide, e as inferiores estão na porção inferior da glândula tireoide, mas possui
posições variadas.
Os principais
hormônios da glândula são o T3 (tri-iodotironina) e o T4 (tiroxina). O T4 é de
produção exclusiva da glândula, mas quanto ao T3 essa produção é de apenas 20%,
com o restante surgindo da conversão do T4 no sangue. A produção de T4 é de 80
a 100 microgramas ao dia e de T3 é de 30 a 40 microgramas. A produção desses
hormônios depende dos níveis de TRH (produzido pelo hipotálamo), TSH (produzido
pela hipófise) e pela ingesta de 150 a 300 microgramas de iodo ao dia. Esse
depois de ser transformado em iodeto no intestino é absorvido, passado pela corrente sanguínea e captado pelas glândulas salivares
e mamárias, mucosa gástrica, plexo coroide e por fim a tireoide. Todos esses
órgãos captam o iodeto por possuírem o cotransportador iodeto-sódio chamado NIS,
mas apenas a tireoide produz os hormônios citados.
Para a
formação de hormônios a tireoide necessita da tireoglobulina, que possui 70 aminoácidos
de tirosina, sendo esse a matéria prima de todo o processo. Quando o iodeto
entre na célula é incorporado à tirosina, um componente da tireoglobulina, por
uma peroxidade dependente de H2O2. A peroxidase ainda promove a ligação de duas
moléculas de tirosina cada uma com dois iodetos formando o T4, e promove a
ligação de uma molécula de tirosina com um iodeto e outra com dois iodetos
formando o T3, só que – relembrando – essa reação é responsável por apenas 20%
de todo o T3. No fim cada molécula de
tireoglobulina vai conter 30 moléculas de tiroxina e algumas de
tri-iodotironina.
A liberação
dos hormônios começa quando o tireócito emite pseudópodos captando o seu
próprio coloide repleto de tireoglobulinas com T3 e T4 em sua estrutura.
Formam-se vesículas que acabam se fundindo com lisossomos. Essa fusão permite
às proteases digerirem as tireoglobulinas, liberando após isso as moléculas de
T3 e T4. Quando esses dois entram em contato com a base do teireócito acabam se
difundindo para os capilares e por fim entram na corrente sanguínea. Mas é
importante saber que ¾ de toda a tiroxina acaba voltando à forma de tirosina
mono ou di-iodada por causa da agressividade do contato com as enzimas
lisossomais. Os iodos dessas moléculas são então clivados pela enzima deiodase,
disponibilizando esse elemento para reciclagem e formação de novas moléculas de
T3 e T4. Esse processo é tão eficiente que a reserva momentânea da tireoide é
suficiente para suprir as necessidades do corpo por três meses, o que justifica
que pacientes com hipotireoidismo procurem auxílio médico meses depois do surgimento
da patologia.
Na corrente
sanguínea os hormônios tireoidianos se ligam fortemente a proteínas
plasmáticas, sendo liberados lentamente para os tecidos, principalmente o T4. Dentre a liberação até a chagada aos
órgãos-alvo 90% do T4 perde uma molécula de iodo e se transforma em T3. O
efeito dessas duas formas é dividido basicamente em dois: efeitos genômicos,
que são acoplagem às fitas de DNA culminado em transcrição de novas proteínas e
grande aumento da transcrição de outras já existentes; e efeitos não genômicos,
cujo sítio de ligação é a membrana plasmática, tendo efeitos imediatos.
Exemplos de ações não genômicas são o aumento a atividade dos canais iônicos e
ativação de segundo mensageiro, tais como o AMP cíclico.
O resultado
geral da presença dos hormônios tireoidianos é o aumento do metabolismo basal
que pode aumentar até em 100%. Proteínas são anabolizadas e catabolizadas mais
rapidamente, a resposta cerebral aumenta, aumenta o número e tamanho das
mitocôndrias. Estimula também o metabolismo de carboidratos, absorção e uso da glicose,
metabolização aumentada dos lipídeos e redução do seu acúmulo, além de diminuir
o colesterol, fosfolípides e triglicerídeos do plasma.
Mas para que
a tireoide secrete seus hormônios necessita ser estimuado pela TSH, secretado
pela hipófise anterior, que por sua vez é estimulado pelo Hormônio liberador de
tireotropina, o TRH. Quando o TSH se acopla na membrana do tireócito, a célula
ativa a Adenil ciclase na própria membrana e aumenta a concentração de AMP
cíclico no citoplasma, esse servindo de segundo mensageiro e tendo como
resultado: aumento da atividade do receptor NIS jogando mais iodo dentro da
célula, facilita o acoplamento do iodo na tirosina, aumento da proteólise da
tireoglobulina, aumento do tamanho dos tireócitos, e por fim aumento da
capacidade secretória dos hormônios.
HIPOTIREOIDISMO
Hipotireoidismo
é uma condição em que a quantidade de hormônios tireoidianos no sangue está
baixa, fazendo com que a velocidade das funções orgânicas fique diminuída. De
acordo com a sequencia de estimulação da tireoide pode-se compreender que a
diminuição da secreção de seus hormônios podem surgir de problemas no
hipotálamo, na hipófise e na própria tireoide, de onde surgem a maioria dos
casos. Como a atividade dos hormônios tireoidianos é muito importante no
metabolismo dos lipídios, um dos principais sinais do hipotireoidismo é o
acúmulo de lipídeos e um edema não depressível chamado mixedema. O mixedema é
sinal de hipotireoidismo grave e cretinismo diz respeito à recém-nascidos que
já nascem com o problema e por isso evoluem com anormalidades no
desenvolvimento.
90 a 95% de
todos os casos o problema está na própria tireoide, sendo uma minoria
congênita. Nos adultos o problema se apresenta como redução ou ausência da
tireoide, ou como bócio, e a causa mais frequente é um evento auto-imune, que
tem como principal exemplo a doença de Hashimoto. Os autoanticorpos se dirigem
contra a tireoglobulina, as peroxidases, esses agindo como marcadores, e contra
o receptor de TSH, que vai causar realmente o problema, pois poderá bloquear a
ação do hormônio TSH. O paciente na verdade desenvolve uma produção geral de
anticorpos contra glândulas, afetando as suprerenais, as gônadas, as
paratiroides e o pâncreas.
No mundo o
motivo mais comum de hipotireoidismo e a deficiência de iodo e por
bociogênicos. O hipotireoidismo com
bócio pode ocorrer por hipersecreção de TSH, ou por aumento do iodo, pois
ocorre inibição na produção de hormônios. Esse é o efeito Wolff-Chaikoff,
geralmente ocorrendo quando o paciente já possui uma doença na tireoide não
detectada. A tireoide não consegue inibir a entrada de iodo e não escapando do
efeito Wolff-Chaikoff e mantendo-se hiperfuncional termina como bócio. O
antiarrítmico amiodarona é um exemplo de substância com grade quantidade de
iodo e por isso pode deflagrar um estado de hipotireoidismo. Mutações tanto na
cadeia beta do TSH, como no seu receptor na tireoide irão terminar num estado
de pouca estimulação.
Como as
reservas hormonais são vastas a instalação dos sintomas é lenta e incialmente
inocente. No início há referencia a frio, sono, humor deprimido, cansaço,
aumento de peso, esquecimento, lentidão, maior tempo para realizar tarefas
diárias, constipação, queda da resistência física, além de câimbras nos
exercícios vigorosos. A voz rouca e baixa, além da fala lenta nem são
percebidos pelo paciente até que seja iniciada a reposição hormonal. Há também
inchaço nos olhos e perda de parte lateral das sobrancelhas. A pele ganha uma
tonalidade amarelada por acúmulo de caroteno, torna-se grosseira, seca e
edemaciada não depressível, o mixedema. A hipertensão se apresenta em 10% dos
pacientes e em outros pode haver bradicardia e após a reposição hormonal alguns
pacientes referem angina.
Algo estranho
passível de ocorrer nos pacientes com hipotireoidismo é a galactorreia. Isso
ocorre quando o problema encontra-se a nível de hipófise ou tireoide, quando os
níveis de T3 e T4 caem e o hipotálamo aumenta a secreção de TSH, o que induz a
hipergalactinemia e secreção de leite pelas mamas. Geralmente ocorrer em
mulheres antes da menopausa.
CAUSAS E DIAGNÓSTICO
O
hipotireoidismo pode ser dividido em primário quando a causa residir na
tireoide, secundária quando residir na hipófise e terciário quando for no hipotálamo. O hipotireoidismo primário é muito relacionado à Doença de Hashimoto,
uma condição auto-imune contra as células da tireóide. Para sua detecção
solicita-se anti-TPO (anticorpo anti-tireoperoxidade) e anti-TG (anticorpo
anti-tireoglobulina). Os pacientes com frequência exibem TSH normal ou elevado,
mas é o seu aumento o ponto chave para o estabelecimento do diagnóstico. Além
dos anticorpos, também deve ser avaliado os níveis de T4 livre e T3 total. Os
níveis de TSh estarão elevados e de T3 e T4 rebaixados.
A amiodarona
é um antiarrítmico utilizado com frequência em pacientes cardiopatas que induz
ao hipotireoidismo por inibir a produção de TSH devido à semelhança com a
estrutura do T4. Sua presença no organismo dificulta a identificação real de T4
e com isso o hipotálamo secreta menor quantidade de TRH, o que determina uma
menor estimulação da hipófise e tireoide. A amiodarona possui grande quantidade
de iodo e por isso também facilita o efeito Wolf-Chaicoff. Como tem grande
afinidade por tecidos diversos, a ingestão só se iguala a excreção urinária após 30 dias de uso. Outra consequência é uma meia-vida prolongada, podendo ser
de 30 a 100 dias após o equilíbrio citado.
Pode haver
também resistência periférica ao hormônio tireóideo. Nesse caso será
identificada a elevação tanto de TSH, como de T3 e T4. Esse caso não requer
tratamento. O hipotireoidismo secundário
terá níveis de t3 e T4 baixos e TSH baixo ou indectectável. Se o paciente fizer
uso de TSH exógeno e não houver resposta o problema estará nos receptores de
TSH.
O exame
físico é feito através da inspeção e palpação. Caso seja identificada uma
tireoide aumentada de tamanho ou for palpado algum nódulo a ultrasonografia
(USG) deve ser solicitada. O USG pode ser solicitado do tipo convencional ou
com Doppler, sendo a presença de hipoecogenicidade, uma ferramenta de 94% de
positividade para hipotireoidismo clínico e 96% para qualquer outro tipo. A USG
também pode ser solicitada como rastreio, pois uma diminuição de 5 cm da fase
aguda para a pós-aguda reflete hipotireoidismo.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Deve-se tomar
cuidado com pacientes edemaciados, pois pode ser secundário à síndrome
nefrótica. Se o paciente cursar com hipoalbuminemia apresentará edema
periférico, pele pálida e fosca, tumefação facial e anemia. O bócio e nódulos
na tireoide surgem também em pacientes com doenças renais. A redução dos níveis
de tireoglobulina causa diminuição do T4 total, mas o T4 livre estará normal
junto com o TSH. Em crianças a síndrome de Down pode simular
hipotireoidismo.
Pacientes que
estão muito debilitados podem mascarar um quadro laboratorial de
hipotireoidismo, pois nesses casos o corpo tenta se adaptar à falta de
alimento, por exemplo, baixando o metabolismo e por isso o TSH estará baixo e
consequentemente o T4 livre também. Pode-se então solicitar o T3 reverso, para
esclarecer a dúvida.
TRATAMENTO
O tratamento
é realizado basicamente com levotiroxina na dose entre 0,05 a 0,2 mg por dia
com 1,6 microgramas/quilo/dia. A absorção intestinal é a nível de 80% e se
utilizado de 24/24 horas as doses conseguem se manter estáveis. Inicia-se em
pessoas sadias com 75 a 100 microgramas ao dia havendo reajuste gradual da dose
a cada duas ou três semanas. Se o paciente for idoso ou tiver coronariopatias o
início é com 12,5 a 25 microgramas ao dia. Exames laboratoriais de TSH, T3 e T4
livre devem ser solicitados, mantendo-se a dose quando os níveis desses
hormônios estiverem dentro dos padrões. A justificativa para o aumento gradual
é para evitar desequilíbrios orgânicos e descompensações cardíacas. Se a
tireoide é completamente desfuncionante, a reposição deve ser realizada até a
elevação dos níveis séricos de T4 acima da referência de normalidade e de T3
dentro da faixa normal. Isso porque não haverá a contribuição dos 20%
produzidos pela tireoide. Caso o paciente faça uso de qualquer medicação que
contenha alumínio a dose deverá ser aumentada, pois a absorção será menor.
Exemplo dessas medicações são sulfato ferroso, rifampicina e antiácidos.
O TSH, T4
livre e T3 total deve ser avaliado a cada três semanas, e a normalização dos
níveis de TSH e um bom padrão para definição de que a dose já está ajustada. O
paciente deve ser informado que a reposição provavelmente será realizada por
toda a vida, mas como uma parte dos casos a tireoide volta a atividade
normalmente, após a estabilização dos quadros de higidez do paciente, na
ausência de sintomas, o profissional pode diminuir a dose dos hormônios
gradualmente, acompanhando a resposta com os mesmos exames laboratoriais
citados.
OBS: a
reposição concomitante de T4 e T3 não é recomendada e provou não ter vantagens
sobre a reposição isolada com levotiroxina.
REFERÊNCIAS
NOGUEIRA, C. R. Hipotireoidismo. Sociedade Brasleira de Endocrinologia e Metabologia. Projeto
Diretrizes. Jan, 2005. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/4_volume/17-Hipotireoidismo.pdf
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T.et al. Hipotireoidismo: diagnóstico. Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabolismo. Sociedade
Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Associação Brasileira de
Psiquiatria. Projeto Diretrizes. Jan, 2011. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/hipotireoidismo-diagnostico.pdf
COTRAN,
R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases
Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2005.
LOPES, Antônio Carlos. Tratado
de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.
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