A dor é uma
experiência sensorial e emocional desagradável relacionada lesão tissular.
Possui dois componentes: nociceptivo,
que se relaciona com apercepção da dor; efetivo,
relacionado com a ação reflexa ou comportamental em busca de proteção contra o
estímulo causador da dor. Segundo a Sociedade Brasileira de Estudos para Dor,
15 A 25% da população adulta sofreu com dores crônicas em algum momento, com
aumento para 65% quando considerada a população idosa. Segundo International
Association for the Study of Pain, registrado na portaria 1.083 de 02 de
outubro de 2012, essa dor crônica somente é assim considerada quando a sensação
perdura por mais de trinta dias.
Isso conclui
que a dor é uma reação de defesa, mas é preciso a atenção para classifica-la
como tal apenas quando a dor é aguda, pois quando crônica o problema se
encontra a nível de sistema nervoso e por ser a longo prazo contribui para o
mal estar do paciente, inclusive diminuindo a eficácia imunitária e alterando o
equilíbrio endócrino-metabólico, principalmente nos idosos. As consequências
desse tipo de dor podem incluir afastamento social, crises familiares,
distúrbios do sono, depressão e até suicídio.
Em se tratando de qualidade de dor podemos
dividi-la em rápida, ocorrida até 0,1 segundo após o estímulo, e lenta,
ocorrida em período além de 1 segundo. A dor rápida também pode ser anotada como aguda,
pontual, em agulhada e dor elétrica. A dor lenta pode ser descrita como
crônica,
em queimação, persistente, pulsátil e nauseante. Ela pode ser
ainda considerada de três formas: nociceptiva, quando está relacionada
à lesão tecidual; neuropática, quando está relacionada a lesões nas fibras
aferentes; psicogênica, quando não há evidência de lesões orgânicas,
presentes em quadros depressivos ou demais quadros de sofrimento psicológicos.
NOCICEPÇÃO
Como dito, é
a percepção da dor. É dividido em quatro etapas: transdução é a
transformação do estímulo nocivo em elétrico, para posterior condução pelas
fibras do sistema nervoso. O primeiro estímulo é detectado pelos receptores
nociceptivos, distribuídos em todo o organismo ativados em baixo limiar e não
passíveis de adaptação ou fadiga, como acontece com os receptores olfativos. Os
estímulos podem ser térmicos, táteis ou químicos, esses últimos abrangendo substâncias
liberadas no processo inflamatório, tais como a bradicinina, prostaglandinas, substância
P, leucotrieno, o tramboxana, fator de ativação plaquetária, serotonina, ATP,
acetilcolina, histamina e íons potássio e hidrogênio. A intensidade da
estimulação é proporcional à quantidade de fibras que estarão agindo no próximo
passo: a transmissão.
Quando o
receptor nociceptivo é despolarizado o impulso segue por fibras aferentes
chamadas de fibras A-delta, mielinizadas e por isso de condução rápida – 6 a 30
m/s, o que possibilita a sensação da dor aguda e bem definida, na maioria das
vezes em resposta a estímulos mecânicos e térmicos. Outro caminho
se dá por outro tipo de fibra, a C, não possuidora de mielina, transmitindo o
impulso lentamente – a 0,5 a 2 m/s, resultando numa sensação dolorosa difusa e
sustentada mesmo quando o estímulo é retirado, ocorrendo basicamente em
estímulos químicos e mecânicos prolongados. Essas duas fibras fazem parte
dos nervos periféricos, por onde conduzem o estímulo até o sistema nervosos
central. Os neurônios secundários que
irão receber o estímulo das fibras podem ser específicos (quando a sinapse se
dá apenas com fibras A), multirreceptivos (fibras A e C), e neurônios
internunciais, que se projetam entre outros neurônios a fim de modular o impulso
transmitido. Nesse processo os principais neurotransmissores envolvidos serão o
glutamato e aspartato.
A modulação é
o evento de aumento ou diminuição da dor. Isso ocorre na origem do estímulo
nocivo. Quando há diminuição do limiar de dor estarão envolvidos principalmente
as prostaglandinas, sendo participativas também a bradicinina, serotonina,
histamina e os íons potássio e hidrogênio. Quando o estímulo é prolongado há
uma modificação no equilíbrio dos sistemas de segundo mensageiros, acarretando
a diminuição do limiar de dor por aumento da excitabilidade, do número de
descargas desproporcional aos estímulos, da eficácia sináptica, recrutamento de
novas vias sinápticas, todos levando à chamada alodínia, caracterizada por
sensação dolorosa acarretada por estímulos que normalmente não o fazem. Também
pode ocorrer inibição da sensação dolorosa através dos receptores opióides e da
substância cinzenta próxima ao aqueduto do cérebro, que seguem até os neurônios
pré e pós-sinápticos na medula para liberar serotonina e noradrenalina, que
agem como inibidores.
A percepção
se dá em dois locais: sistema límbico e hipotálamo, onde haverá uma resposta
emocional; e no córtex, onde possibilitará a sensação física da dor.
Em todo esse
processo as prostaglandinas tem papel importante, principalmente por estarem
envolvidos com uso de medicações comuns pela população, como o diclofenaco. Essa
substância é advinda de ácidos graxos da membrana das células quando são quebradas
pela fofolipase A2. Nesse processo é formado o ácido aracdônico, que é
transformado pelas enzimas cicloxigenases em prostaglandina G2 e posteriormente
em H2, a qual poderá ser também transformada, só que em diversos substratos, a
saber a prostaglandina PGE2 – a mais comum na sensação dolorosa, PGD2, PGF2, prostaciclinas
(PGI2) ou tramboxano (TXA2). Nem todas as prostaglandinas estão envolvidos na
mediação da dor, mas as que a fazem se conectam por receptores específicos, como
os EP1 a 4. Quando ocorre a união dos dois há uma liberação de cálcio e de AMPc
intracelulares, que ativa os nociceptrores e conduz o impulso que origina a
sensação de dor.
Existem dois
tipos de enximas cicloxigenases: COX-1 e 2. A COX-1 promove a formação de
prostaglandinas envolvidas na proteção da mucosa gástrica, homeostasia renal e
plaquetária. A COX-2 age na ocorrência de um estímulo inflamatório. Inicialmente
acreditou-se que apenas as COX-2 originava prostaglandinas mediadoras do
processo de percepção da dor, porém hoje se sabe que existe uma isoforma
derivada da COX-1, a COX-3, que é sensível a analgésicos e antitérmicos,
levando a crer, embora não elucidado, que a COX-1 também está envolvida na
mediação da dor.
Em se
tratando de população, então é correto imaginar que, quando se faz uso
indiscriminado de inibidores da COX, como os citados e comuns diclofenacos, se
estará inibindo a formação de ambas as COX, por isso as prostagandinas que
protegem a mucosa gastrintestinal também serão inibidas, causando efeitos
adversos principalmente naqueles com tendência a gastrites. Por isso existem
analgésicos que são seletivos para agirem a nível de COX-2 e assim não
influenciarem nas funções não relacionadas à sensação dolorosa, mas é
importante que se atente para a maior tendência a processos alérgicos dessas outras
medicações.
OS ESTÍMULOS
São três os
tipos de estímulos: químicos, que geralmente são originados nas reações
inflamatórias, com destaque às prostaglandinas e substância proteolítica, que
aumentam a sensibilidade das terminações nervosas. O mecanismo da substância
proteolítica se dá pela lesão das terminações nervosas, o que aumenta a
permeabilidade dos neurônios e consequentemente sua despolarização. Há ainda os
estímulos mecânicos e térmicos, esses últimos sentidos quando se aquece o
tecido acima de 45 °C. Quando ocorre a isquemia a dor também vai ser estimulada
como forma de proteção do organismo. A justificativa se faz pelo acúmulo de
ácido lático advindo do processo anaeróbico, causando dano celular e o aumento
de permeabilidade citada, assim como ocorre com a substancia proteolítica.
Daí esses
estímulos vão seguir por duas vias distintas, uma para a dor rápida e uma para
a dor lenta. Já quando o estímulo é súbito, a sensação dolorosa ocorre através
das duas fibras, acarretando numa sensação dolorosa dupla que se traduz como
dor pontual rápida, seguida após 1 segundo por uma dor lenta transmitida pelas
fibras C. Esses dois tipos de sinais vão para o encéfalo através de duas vias:
o trato neoespinotalâmico para a dor rápida, e pelo trato paleoespinotalâmico
para a dor lenta. O primeiro chega até o corno dorsal da medula e se comunica
com neurônios de segunda ordem, que decursam e seguem para o tronco cerebral ou
para o tálamo – a maioria. O trato paleoespinotalâmico, mesmo conduzindo a dor
lenta, conduz o impulso também por algumas fibras A. Tais fibras ao chegarem na
medula, também no corno dorsal, vão até um local específico chamado de
substância gelatinosa, passam o impulso para uma série de neurônios internunciais
até os neurônios longos. Esses se unem às fibras A, decursam e seguem para o
tronco cerebral ou tálamo – um décimo a um quarto.
No exemplo da
agulhada, pode-se concluir que há uma sensação pontual e uma dor perdurada
difusa na região próxima à lesão. Isso é a tradução da sensação dupla, ocorrida
pela estimulação dos dois tipos de fibras, com as fibras C, por exemplo,
liberando o glutamato, que promove uma sensação mais rápida, e a substância
proteolítica, cuja liberação é lenta e sua concentração aumenta em segundos ou
minutos. Mesmo assim, pode crer que, apesar da fibra tipo C liberar o
glutamato, este neurotransmissor está mais envolvido na dor rápida.
ANALGESIA
O limiar de
dor é variável entre as pessoas. Isso porque o organismo possui um sistema de
analgesia de eficácia variada. Esse sistema se constitui da seguinte forma:
neurônios da área periventricular, da substância cinzenta ao redor do aqueduto
de Sylvius e do terceiro e quarto ventrículos – como o hipotálamo – enviam
sinais para os núcleos da rafe nas regiões inferior da ponte e superior e
lateral do bulbo. Dos núcleos da rafe os neurônios conduzem sinais pela coluna
dorsal da medula até o complexo inibitório da dor nos cornos dorsais da medula
espinhal, mesma região por onde os sinais aferentes precisaram percorrer para
chegar até o cérebro. Essa inibição ocorre tanto nos complexos como nos núcleos
da rafe, que o fazem através da liberação de neurotransmissores inibitórios:
serotonina, encefalina e noradrenalina. A encefalina, por exemplo, inibi tanto
o neurônio pré como o pós-sináptico.
Receptores opióides
possibilitariam também a inibição dos neurônios transmissores da dor através de
vários produtos derivados de degradação proteica, dentre as quais as mais
importantes são a beta-endorfina, metancefalina, leuencefalina e dinorfina. A inibição também ocorre, embora com menor eficácia, nos núcleos da rafe,
nas amigdalas, nas substância cinzenta
periaquedutal, hipotálamo e núcleo caudado.
Outro fator
importante na interpretação da dor são as experiências passadas. As pessoas bem
humoradas, com posições positivas frente às situações tendem a ter limiares de
dor maiores. Isso porque as experiências
se manifestam no indivíduo através do sistema límbico (que contém a substância
negra, produtora de dopamina, o hormônio do bom humor), e levando em conta que
a dinorfina também é produzida pela substância negra, pode-se entender essa
influência subjetiva e como consequentemente indivíduos mal humorados tem o
limiar de dor mais baixo.
Portanto,
para a resultante da sensação de dor estarão envolvidas alterações orgânicas e
respostas emocionais de negação e aceitação, estado momentâneo, valor simbólico
da dor, ansiedade, raiva, depressão, impotência e necessidade de proteção.
Outro fato
interessante são os neuromas, que são novas formações nervosas (tumores
nervosos) secundárias a locais amputados. A partir dos cotos, os neurônios
seccionados são degenerados alguns milímetros acima, e após algum tempo voltam
a crescer com conexões exageradas, hiperresponsivas a estímulos mecânicos e
ação da adrenalina. Felizmente o crescimento é limitado por ação enzimática, no
entanto, focos ectópicos de dor surgem alguns dias depois, aumentam na primeira
semana e a partir daí começam a regredir. Isso gera dor sem motivos aparente
que não cede à anestesia periférica, pois provavelmente há mecanismos centrais
envolvidos. Ademais, a nível da neuropatia periférica ocorrerá aumento e
sensibilização dos receptores nociceptivos, proliferação de terminações
axonais, hipoatividade das vias inibitórias, dentre outros fenômenos que
deflagrem dor crônica.
REFERÊNCIAS
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed 12. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011.
LOPES, Antônio Carlos. Tratado
de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.
NASCIMENTO, Osvaldo J. M. Neuropatia diabética dolorosa: diagnóstico
e tratamento. São Paulo: Editora Segmento Farma, 2004. (DESTAQUE)
GRANJEIRO, Niedja M. G. C.; CHAVES, Hellíada V.; SILVA, A.
Alfredo R.; GRAÇA, J. Ronaldo V.; LIMA, Vilma; BEZERRA, Mirma R. Eximas
cicloxigenases 1 e 2: inflamação e grastrocárdio proteção. Revista Eletrônica
Pesquisa Médica. v. 2. n. 3. Jul/set, 2008.
JACOBSEN, Manoel. Fisiopatologia da nocicepção e supressão
da dor. Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial. Ano. 1. v. 1. n 4.
Out/dez, 2001.
SAKATA,
SAKATA, Rioko Kimico; ISSY, Adriana Machado; VLAINISH, Roberto. Dor
neuropática. Disponível em: http://www.saerj.org.br/download/livro%202003/5_2003.pdf.
Acessado em 02 de setembro de 2013. (DESTAQUE)
SCHESTATSKY, Pedro. DEFINIÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA
DOR NEUROPÁTICA. Revista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. V. 28. N. 3.
P. 177-187, 2008.
GARCIA, João Batista Santos. Ano mundial de combate à dor na
mulher. Sociedade Brasileira de Estudos para a Dor: outubro/2007 a
setembro/2008. Disponível em: http://www.dor.org.br/profissionais/s_campanhas_mulher.asp.
Acessado em 02 de setembro de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário