quarta-feira, 4 de setembro de 2013

FACILITANDO DOR II: MECANISMOS DE DOR DE ORIGEM NERVOSA

DOR NEUROPÁTICA

É uma dor decorrente de lesões ou disfunções do sistema nervoso central ou periférico. É uma condição definida quando o organismo deixa de ser o interpretador de sinais para ser gerador espontâneo ou magnificador da mesma a partir de estímulos discretos. O mecanismo da dor gira em torno de facilitação da geração de sinais, por exemplo, de focos ectópicos. Após a lesão os nervos desaferentados são induzidos à neuroplasticidade – por fatores de crescimento neural, com reinervação por outros axônios próximos a eles, tendo como consequência a substituição de impulsos inibitórios por excitatórios, aumento da efetividade das sinapses que deflagram a dor – devido aumento do número de canais de sódio, degeneração dos receptores opióides das fibras C, além da formação de um broto na própria fibra aferente que comanda a informação de dor a partir do contato com noradrenalina, outras sinapses, citocinas e prostanóides (derivados do ácido aracdônico pela via das cicloxigenases).

Como o neurônio lesionado vai estar se conectando com outros axônios, a sinapses se difundem naturalmente e terminam por ativar outras áreas que normalmente não o fariam, o que causa magnificação da dor. Por isso ocorre a alodínia. Outro problema envolvendo a regeneração das fibras é o fato de que as novas fibras reconstituídas são A-betas, não especializadas na transmissão dos estímulos álgicos. Nesse processo acabam por ocorrer novas conexões entre fibras A-beta e neurônios nociceptivos, fazendo com que um impulso siga na direção do cérebro, mas também se difunda para áreas inferiores para refazer o caminho. Isso retroalimenta a dor a partir de um único impulso, comprovando o fato de que quanto mais impulsos são passados pelas fibras, mais elas se tornam especializadas em transmiti-los. É a gênese da hiperalgesia e da alodinia.

A dor neuropática pode ser de origem central ou periférica. Quando é central ela ocorre por conta de lesão em tálamo, substância branca subcortical ou no próprio córtex, bulbo, ponte, mesencéfalo, além de vias ascendentes a partir da primeira sinapse no corno dorsal da medula espinhal. A dor nesse caso pode se iniciar logo após a lesão ou anos após o evento deflagrador, que pode ser lesão vascular, esclerose múltipla, tumor, processo inflamatório e trauma. Caso ocorra trauma raquimedular, a dor será de maior intensidade sendo difusa e secundária a lesões do tálamo, medula e tronco encefálico.

Na neuropatia diabética o acometimento pode ser mononeuropático quando apenas um nervo é acometido, mononeuropático múltiplo quando vários nervos são acometidos sem simetria, e polineuripatia quando o acometimento é simétrico. É a causa mais comum de neuropatia periférica, mesmo somente ocorrendo após anos de descontrole glicêmico. No entanto, seu acometimento é sensorial e motor, e uma vez instalado o controle glicêmico não é suficiente para devolver o equilíbrio ao paciente.

A gênese da neuropatia diabética está, por exemplo, no metabolismo do mio-inositol, que por se assemelhar estruturalmente com a glicose, vai ter sua receptação diminuída na hiperglicemia, tendo como consequência uma queda na eficácia da bomba de sódio-potássio geradora do impulso axonal. Também quando há hiperglicemia o corpo produz enzimas que aumentam a concentração de sorbitol no nervo. Esse composto, por ser impermeável, produz uma pressão osmótica positiva dentro do nervo, que consequentemente se enche de água e modifica a demanda de oxigênio determinando hipóxia.

A neuropatia diabética corre a partir das extremidades e não depende da insulinodependência. Pode ser crônica ou aguda. Na crônica os sintomas começam com adormecimento dos pés e progridem com dor, ambos os sintomas se difundindo das regiões distais para proximais. O motivo é a degeneração axonal e desmielinização das fibras com posterior nascimento de brotos em fibras C nociceptivas, tudo ocorrendo por alterações vasculares típicas com consequente isquemia de microcirculação, o que priva os neurônios de oxigênio.

Na herpes zoster também haverá neuropatia, e nesse caso a doença é ainda mais característica. Ocorre por reativação do vírus da varicela que, após resolução do primeiro problema (a catapora), permaneceu latente em gânglios dorsais de neurônios do sistema nervoso central. A incidência é maior em idosos e imunossuprimidos sem prevalência de sexo, ocorrendo 3 a 4 casos por mil habitantes por ano. Metade dos casos envolve o seguimento de nervos torácicos, 10 a 20% acometem ramos cervicais e na mesma proporção os sacrais. Praticamente todos os casos ocorrem unilateralmente.

A herpes zoster acomete gânglios da raiz nervosa dorsal e periférica, nervo periférico, corno da medula espinhal, vias ascendentes, bulbo e encéfalo. A gênese dos sintomas são inflamação, sangramento, isquemia e necrose das porções citadas. Perifericamente os mais acometidos são as fibras A-delta, o que faz da dor o sintomas mais característico dessa patologia.

A dor e a disestesia – perda da sensibilidade predominantemente do tato – surgem em média três meses antes da erupção das vesículas, geralmente antecedendo as mesmas em até dois dias. Com uma semana ocorre formação de crostas e cura em um mês. Quando há envolvimento do trigêmeo o paciente pode evoluir com cegueira. Já se raízes sacrais forem comprometidas pode haver retenção urinária. A disseminação se dá após as primeiras lesões e a neuralgia ocorrida após resolução das mesmas, ocorre geralente entre 4 a 8 semanas, porém alguns autores somente classificam a neuralgia pós-herpética quando ocorre depois de 4 a 5 meses. Essa neuralgia se caracteriza por dor distribuída ao longo do nervo periférico, com persistência mínima de um mês. É a complicação mais comum da herpes, ocorrendo em 10% dos pacientes, mas na faixa etária dos idosos essa taxa sobe para 47%, com melhora dos sintomas ocorrendo em período de anos, mas sempre com mais dificuldade caso não se resolucione antes dos seis meses.  

A neuralgia pós-herpética é uma dor em queimação que se distribui em faixa na região torácica após o surgimento das vesículas, sem melhora da dor após cicatrização.  Se diferencia da diabética por ser mais definida. Possui três fases: fase aguda, que se instala com dor dentro de 30 dias; neuralgia propriamente dita, com dor perdurada por quatro meses, depois evoluída para melhora; neuralgia subaguda, com nova incidência de dor por 30 dias. Em todas as fases a dor surge após o aparecimento de rash cutâneo. Hipoestesia e anestesia podem ser associadas a alodinia de extensão de um a três dermátomos.

Quando o rash é discreto a neuropatia pós herpética (NPH) pode ser confundida quando ocorre a dor em faixa, por exemplo com algumas neoplasias, como  meningiomas e schwannomas. Quando existem mais dúvidas a pesquisa do vírus da varicela no LCR auxilia no diagnóstico. Causas infecciosas no geral devem ser reconhecidas através da solicitação de AST e ALT, Gama-GT, urina de 24 horas e amostras de unha e cabelo para análise.

Na neuropatia diabética pode ser realizada a biopsia de pele, que evidenciará diminuição da densidade de fibras C ou modificação das mesmas.


TRATAMENTO

O tratamento sempre deve começar por administrações via oral. Os antidepressivos tricíclicos são a primeira linha de tratamento. O efeito se concentra na inibição dos transportadores de membrana do neurônio pré-sináptico que recolhem os neurotransmissores após a liberação dos mesmos na fenda sináptica. Fala-se da noradrealina, dopamina e serotonina. Eles também bloqueiam os receptores H1 da histamina – ação central, além de ser benéfico também no tratamento da dor causa por úlcera péptica. A amitripilina é apresentada na forma de comprimidos de 25 mg, podendo no caso da dor neuroática ser utilizada nessa de 25 a 75 mg ao dia. Já a nortriptilina é utilizada na dose de 25 a 150 mg ao dia, tendo vantagens por apresentarem menores efeitos adversos e possibilitarem um início de uso mais gradual. Os efeitos são hipotensão, boca seca, sonolência, taquicardia, constipação e retenção urinária.

A carbamazepina é anticonvulsivante de primeira escolha contra a dor neuropática, principalmente quando dor é em fisgada, queimação, lancinante ou em choque. Seus efeitos são inibição do neurotransmissor GABA (ácido gama amino butírico); diminuição do glutamato; modula a permeabilidade dos canais iônicos de sódio, potássio e cálcio; bloqueio da atividade anormal pós-ganglionar. A dose usual é de 300 a 1.200 mg por dia divididas em três doses, sempre após as refeições e lembrando que o comprimido é apresentado geralmente na dose de 200 mg.

Não há alterações da farmacocinética nos idosos em relação aos jovens, mas por ser metabolizada no fígado é preciso ter cautela na presença de elevação das enzimas hepáticas. Se utilizado juntamente com outros medicamentos também utilizados na dor neuropática, como o clonazepam e o ácido valpróico, ambos sofrerão diminuição do efeito devido à indução do sistema enzimático monoxigenase hepático, valendo o mesmo para o uso de corticoides.

A fenitoína é um anticonvulsivante que não deprime o sistema nervoso central e pode ser utilizada na dose de 200 a 500 mg por dia. A ação é central. Comanda o efluxo de sódio e estabiliza a membrana do neurônio. A meia vida é em torno de 22 horas e por isso deve ser tomado em dose única no dia.

O clonazepam é um ansiolítico, sedativo, hipnótico e antiespasmódico. Seu mecanismo de ação é estimular os receptores GABA do sistema reticular ativador e induzir a maior entrada de cloreto com hiperpolarização dos neurônios. É utilizado na dose de 3 a 8 mg ao dia em dose única. É apresentado em comprimidos de 0,5 mg e gotas de 2,5 mg/ml.

O ácido valpróico possui efeito ansiolítico, antidistônico, sedativo, hipnótico e até anti-hipertensivo. Seus efeitos se baseiam no bloqueio dos canais de cálcio, inibição do glutamato, modulação no sistema dopaminérgico e serotoninérgico, além da inibição da síntese de GABA. A dose para a dor neuropática é 900 a 1.200 mg por dia, iniciando em doses gradativas começando com 250 mg, que é a apresentação usual do comprimido. No início também deve se fazer uso do medicamento de 12/12 horas nessa dose.
Na neuropatia diabética é mais indicado os inibidores seletivos da receptação da serotonina, como a fluoxetina e a duloxetina, que é utilizada na dose de 30 a 120 mg ao dia. Causa fadiga, tontura, insônia, cefaleia, disfunção sexual e hipertensão, com nauseua sendo o efeito adverso mais relatado. A fluoxetina é utilizada na dose de 5 a 40 mg por dia. A capsula é apresentada com 20 mg. Sua meia vida é de 4 a 6 dias, mas para seu metabólito ativo é de 4 a 16 dias, justificando o impedimento do uso de inibidores da monoamina-oxidasedurante, como a seleginina, seu uso e até 15 dias depois de cessado o tratamento.


REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

SCHESTATSKY, Pedro. DEFINIÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA DOR NEUROPÁTICA. Revista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. v. 28. n. 3. p: 177-187, 2008.

NASCIMENTO, Osvaldo J. M. Neuropatia diabética dolorosa: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Editora Segmento Farma, 2004. (DESTAQUE).

NAYLOR, Rogerio Monteiro. Neuralgia pós-herpética: aspectos gerais. São Paulo. Editora Segmento Farma, 2004.

MOREIRA, R. O.; LEITE, N. M.; CAVALCANTI, F.; OLIVEIRA, F. J. D. Diabetes mellitus: neuropatia. In: Projeto Diretrizes, 2001. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/4_volume/09-Diabetesm.pdf, acessado em 02 de setembro de 2013.

SAKATA, SAKATA, Rioko Kimico; ISSY, Adriana Machado; VLAINISH, Roberto. Dor neuropática. Disponível em: http://www.saerj.org.br/download/livro%202003/5_2003.pdf. Acessado em 02 de setembro de 2013. (DESTAQUE)


JACOBSEN, Manoel. Fisiopatologia da nocicepção e supressão da dor. Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial. Ano. 1. v. 1. n 4. Out/dez, 2001.

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