Figura 01: imagem do Triatoma infestans, o popular barbeiro. Imagem encontrada em http://cukabiologica.blogspot.com.br/2011/03/parasitismos-os-protozoarios-e-saude.html
EPIDEMIOLOGIA E AS VIAS DE TRANSMISSÃO DA DOEMÇA DE CHAGAS
Estima-se a existência de 3
milhões de infectados no Brasil. A infecção se dá pelos seguintes tipos:
transmissão pelo vetor; transfusão sanguínea, transmissão congênita, pois são
identificados ninhos de tripanosomas nas placentas, transmissão oral pelo leite
materno na fase aguda e ingesta carnes derivadas de animais contaminados, e por
fim transplante.
CICLO DO TRIPANOSSOMA
Figura 02: ciclo do tripanossoma cruzi. Imagem encontrada em: http://miriamsalles.info/wp/archives/3512
O agente
etiológico dessa patologia é o protozoário chamado Tripanossoma cruzi,
possuidor de ciclo heteroxêmico, ou seja, seu ciclo reprodutivo precisa
infectar mais de uma espécie de hospedeiro. O invertebrado relacionado é apenas
o triatomíneo (barbeiro), enquanto haja um razoável número de vertebrados
suscetíveis à infecção. O protozoário, da classe Kinetoplastida, é identificado
pela presença de uma mitocôndria modificada rica em DNA, o cinetoplasto. O
polimorfismo deste parasita se relaciona com a capacidade infectiva e
resistência a anticorpos, pois a forma
larga terá menor virulência e maior resistência a anticorpos, enquanto as formas delgadas são mais infectantes e
com maior exposição aos mecanismos de defesa. Essas formas também tem
preferência por infectar as células do sistema fagocitário do baço, fígado e
medula óssea, enquanto as formas largas têm preferência por células musculares,
por exemplo, as cardíacas.
As formas infectantes serão
distintas nos diversos hospedeiros. No invertebrado
existirão as três formas: esferomastigotas
no estômago e intestino, epimastigotas
no intestino e tripomastigotas no
reto, sendo esta última a forma contaminante.
CICLO NO VERTEBRADO
As formas tripomastigotas são as
formas infectantes, ocorrendo através das fezes do triatomíneo depositadas
junto ao local do repasto. Essas formas penetram e interagem com células do
sistema monomorfonuclear fagocitário (SMF), onde se multiplicam por divisão
binária. A partir daí seguem três caminhos: são destruídas, ficam na corrente
sanguínea ou infectam algum órgão.
Quando as formas tripomastigotas
invadem o organismo terminam por interagir com receptores de membrana no
macrófago, o que induz a formação do vacúolo fagocitário e consequente contato
com enzimas lisossômicas. Se houver alguma forma epimastigota ela será
destruída, enquanto que a forma tripomastigota migrará para o citoplasma e se
transformará em amastigotas três horas depois da infecção celular. Essa se
reproduzirá continuamente até o rompimento da célula, assim como ocorre na
malária. Posteriormente essa forma irá
retornar à tripomastigota, da qual muitos exemplares não poderão ser destruídos.
A proteção contra os linfócitos
se dá pela inibição das moléculas CD3+,
CD4+ e CD8+, embora essa última tenha eficácia discretamente maior em
relação às outras. Os macrófagos, naturalmente com função imunitária, servem
aqui de sítio de replicação, assim como na dengue. A presença de IL-10 no sangue do hospedeiro indica a inibição de interferon-gama,
expressão de óxido nítrico e de MHC de classe II.
A partir daí, se a resposta imune
for eficaz, a parasitemia consegue controlar o número de tripanossomas e por
isso o indivíduo não apresentará sintomas, caracterizando a forma indeterminada da doença.
O triatomíneo se infecta com as
formas tripomastigotas durante o repasto em animais previamente contaminados.
No estômago os protozoários com essa forma se transformam em esferomastigotas e
então epimastigotas, que irão migrar até o reto do inseto e se transformar em
tripomastigotas para serem exteriorizados na defecação pós-repasto.
CARDITE CHAGÁSICA
É a complicação mais comum, de
padrão biventricular, apresentando infiltrado linfocitário, miocitólise, edema,
hipertrofia e flacidez. Com a passagem para a forma crônica o coração apresenta
arritmias e fenômenos tromboembólicos, grande hipertrofia e fibrose muscular. A lesão mais característica é a lesão apical,
com substituição do miocárdio por
fibrose em aurícula direita e ponta do ventrículo esquerdo. Agregação
plaquetária sobre os leitos vasculares formam uma barreira e é o motivo para a
lesão de microcirculação e posterior fibrose. A patologia também cursa com
vasodilatação via mediadores inflamatórios e do próprio parasita, com perda da
oxigenação em regiões limítrofes aos endotélios vasculares de consequências
fibróticas importantes. Em resumo, a fibrose ocorre por hipóxia ocasionada pelo
impedimento da passagem do oxigênio através do epitélio vascular, e não por
trombos.
Na forma crônica o coração evolui
com insuficiência cardíaca por sua flacidez e dilatação, tomando forma
arredondada, vasos congestos com dilatação proeminente do lado direito,
alterando tanto a frequência quanto a motilidade do órgão. O afilamento da
ponta do ventrículo é motivo para o aneurisma cardíaco. Essa mesma lesão também
ocorre em outros locais, como a parede látero-posterior do ventrículo esquerdo.
Um fato interessante sobre o
infiltrado inflamatório é que seu principal agente, os linfócitos, agridem também células não parasitadas,
sugerindo a existência de outros mediadores do ataque às fibras cardíacas no
Chagas. Um exemplo é a presença do fator
de crescimento transformante beta, sem o qual não há introdução do parasita
nas células. Ocorre também reação cruzada entre antígenos dos T. cruzi e das
fibras cardíacas levando à reação autoimune não-dependente da carga de
parasitas, pois a agressividade inflamatória na fase crônica não é desproporcional
ao número de tripanossomas nas células. Os tripanossomas, então, funcionam como
um disparador da reação inflamatória, cuja agressão atinge fibras não
parasitadas. A gravidade da cardiopatia chagásica, é também inversamente
proporcional à idade, sendo mais grave em crianças menores de dois anos.
HABITAT E VETOR DA TRIPANOSSOMÍASE
Os hospedeiros do ciclo silvestre
são o tatu e o gambá. Os mais importantes do ciclo domiciliar é o cachorro, o
gato e o rato.
A colonização brasileira e o tipo
de moradia construída pelos colonos foi o início da sinantropia (adaptação do
animal à moradia humana após alteração do ambiente silvestre). O caso dos
Estados Unidos, onde as moradias mais antigas não foram feitas de pau-a-pique e
barro conservou o ciclo silvestre do triatomíneo. No Brasil, onde o poder
aquisitivo é pequeno, casas de construção com frestas se tornam moradias para o
triatomíneo, que se pré-infecta no ciclo silvestre e repassa a infecção através
do repasto no humano.
DIAGNÓSTICO
O exame solicitado após o
paciente informar ser vítima do repasto sanguíneo pelo triatomíneo é “sorologia
para chagas”, ou seus sinônimos “sorologia para T. cruzi” ou apenas “tripanossoma
cruzi”. A sorologia atualmente não é mais realizada pelo método Machado
Guerreiro, pois tanto a especificidade quanto a sensibilidade deste exame são
baixos. Os métodos atuais se aproximam de 100% na detecção da patologia,
inclusive em casos de doença de Chagas crônica não identificada.
Caso seja realizado a radiografia
de tórax na fase crônica será identificada a cardiomegalia de discreta a
importante, congestão pulmonar, ou até aumento isolado do ventrículo esquerdo.
SINTOMAS
Da fase aguda para a crônica o
paciente passa por diversas manifestações até entrar em equilíbrio parcial com
a quantidade de parasitas em seu organismo. As manifestações da fase aguda se
iniciam nos primeiros dias e abramgem febre, mal-estar, astenia e hipertrofia
de linfonodos. O paciente pode apresentar o sinal de Romoña, que é um edema
bipalpebral elástico e indolor de aparecimento abrupto. As pálpebras terão uma
coloração violácea e aumento de linfonodos satélites, nesse caso os
pré-auriculares, parotídeos ou submaxilares. Pode surgir também o chagoma de
inoculação na pele, que é uma saliência redonda, quente e ruborizada. O ECG já
vai apresentar modificações, com alargamento do espaço P-R, inversã ou baixa
voltagem da onda de repolarização ventricular, a onda T. poderão ocorrer
extrassístoles também.
A fase crônica é dividida em
diversas formas a saber: indeterminada, que é uma fase assintomática, quando ocorre
o equilíbrio parcial entre hospedeiro e parasita; a forma cardíaca é a mais
incapacitante e a mais relacionada com os casos de evolução para a morte,
englobando a dor precordial, tosse tonturas, síncopes, além de hipofonese e
desdobramento de segunda bulha; A forma digestiva se caracteriza por lesões em
plexos nervosos simpáticos, alterando a morfologia em todo o trato digestivo. O
megaesôfago e o megacólon são as manifestações mais comuns. Do primeiro surge a
regurgitação, epigastralgia, dor retroesternal e odinofagia (dor no momento da
deglutição) e emagrecimento. Do megacólon advém a constipação com evolução para
o fecaloma e o meteorismo.
A forma mista envolve o
comprometimento do coração e intestino. A forma crônica congênita sempre cursará
com hepatomegalia e icterícia, tendo também casos de hipoglicemia importante.
TRATAMENTO
Caso a infecção ocorra pode-se
fazer o tratamento com o rochagan. Este medicamento é administrado via oral na
dose de 5 a 7 mg/Kg de peso por dia divididos em duas administração de 12/12h,
preferencialmente após o café e jantar. Em crianças a dose é de 5 mg/Kg de
12/12h pelo mesmo período. Seu uso deve ser feito de 30 a 60 dias, possui uma
ligação a proteínas plasmáticas muito baixa, em torno de 44%. Infelizmente sua
eficácia é comprovada apenas na fase aguda ou início da fase crônica.
A OMS faz a recomendação da
administração de 30 a 60 dias, mas alguns especialistas o recomendam por até 90
dias. Nos pacientes que utilizaram esse medicamento por logo tempo demonstraram
uma melhora da parasitemia e da função cardíaca. O tratamento só estará fechado
quando os exames diagnósticos estiverem negativos por um ano. A caixa contém comprimidos
birranhudos de 100 mg.
Os problemas desse medicamento
são os efeitos adversos, que fazem muitas vezes o médico esperar o resultado
dos exames sorológicos para iniciar a terapia de em paciente picado pelo triatomínio.
Esses efeitos não ocorrem na maioria dos pacientes que fazem uso da dose
adequade, e englobam: na primeira e segunda semana podem surgir reações
cutâneas que não exigem interrupção do tratamento. Por vezes essas reações
podem ser mais intensas, acompanhadas de febre e púrpura, nesse caso exigindo
interrupção e reintrodução gradual, quando no geral não aparece sintoma algum. Distúrbios
gastrointestinais quase sempre aparecem no início do tratamento, mas com o
tempo o organismo se adapta às doses e esses sintomas desaparecem. Leucopanie e
trombocitopenia pode surgir com o tratamento mas desaparece com sua
interrupção. Cefaleia, vertigem e fadiga são manifestações raras.
Afecções renais, hepáticas e
hematológicas são as únicas contra-indicações, porém não são absolutas. A ingesta
de álcool deve ser evitada e o paciente deve ter seu hemograma e coagulograma
controlado de perto.
Outra opção é o nifurtimox, mas
os efeitos adversos são mais complicados, tais como, insônia, sonolência, excitação
de sistema nervoso central, distúrbios gastrointestinais, anorexia, dor
abdominal, cefaleia, mialgia, artralgia, vertigem, náuseas e vômitos, vertigem
e manifestações cutâneas como erupções e reações alérgicas. É altamente
contraindicado em gestates, pois foi identificado alterações cromossômicas. A dose
para adultos é de 8 a 10 mg/Kg/dia por 60 a 120 dias; para crianças de 1 a 10
anos é de 15 a 29 mg/Kg/dia por 90 dias; de 11 a 16 anos é de 12,5 a 15 mg/Kg/dia
durante 90 dias. A dose de 10 mg/Kg/dia também provou ser eficaz contra a leishimaniose.
REFERÊNCIAS
Cardiopatia Chagásica Humana - Aspectos Anátomopatológicos
e Patogenia, disponível em http://www.fiocruz.br/chagas/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=94,
acessado em 22 de abril de 2013; (DESTAQUE)
VIOTTI, et
al. Tratamento f cronic chagas disease wicth benznidazole: clinical and
serologic evolution of pacientes wicth long-term follow-up. Am Heart
J. Cap 127. p. 151-162, 1994;
MARIN-NETO, José Antônio; SIMÔES, Marcus Vinícius;
SARABANDA, Álvaro V. Lima. Cardiopatia Chagásica. Arquivo Brasileiro de Cardiologia. v. 72. n. 3. Ribeirão Preto,
1999;
GURGEL, Cristina Brandt Friedrich; FERREIRA, Maria Cristina
Furian; MENDES, Cleyde Regina;
COUTINHO, Elaine; FAVORITTO, Priscila; CARNEIRO,
Fernanda. A lesão apical em cardiopata chagásicos crônicos: estudo
necroscópico. Revista da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical. v. 43, n. 6. p. 709-712. Nov-dez, 2010;
ALMEIDA, Rodrigues Dirceu. Insuficiência Cardíaca na doença
de chagas. Revista da Sociedade de
Cardiologia do Rio Grande do Sul. n. 03. Set-out-nov-dez, 2004;
Doença de Chagas, disponível em: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2093/doenca_de_chagas.htm, acessado em 22 de abril de 2013.
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