quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

FISIOLOGIA DA AUDIÇÃO E EQUILÍBRIO: O OUVIR E O NÃO CAIR




ESTRUTURAS ANATÔMICAS ENVOLVIDAS NA AUDIÇÃO E NO EQUILÍBRIO
A orelha, também chamada de órgão vestibulococlear, é dividida em porção externa, média e interna, possuindo duas funções: audição e equilíbrio. A membrana timpânica é o limite entre a porção externa e a média. Nessa porção externa a orelha capta o som e o meato acústico externo o conduz até as porções internas. A pele que o recobre é contínua com a lâmina externa do tímpano, uma membrana que limita a porção externa da cavidade timpânica, onde estão os ossículos responsáveis pela audição: o martelo, a bigorna e o estribo. O tímpano possui uma concavidade, com o ápice sendo denominado umbigo da membrana timpânica. A organização do tímpano e do seu eixo é específica para funcionar como um receptor de sinais do solo, da frente e das laterais do indivíduo. Se observada através de otoscópio ela possui um local de maior reflexo de luminosidade, o cone de luz, existente por conta da maior concentração de fibras elásticas. Possui inervação de três nervos distintos: a face externa pelo auriculotemporal (ramo do quinto nervo craniano), a face interna pelo glossofarígeo, e pouca inervação também é suprida pelo vago.

A membrana timpânica vibra com a chegada dos sons e seus movimentos acabam sendo passados para os ossículos da audição. Essa vibração é passada para o martelo, que movimenta a bigorna, que movimenta o estribo. O interessante é que como a área da membrana é maior que a do estribo, a vibração nesse é 22 vezes maior. Para se ter uma ideia melhor, a largura média do estribo é de 3,2 mm, enquanto que o do tímpano é 55.  Isso é necessário porque, sendo o estribo maior, a membrana não resistiria à tensão necessária para tracionar o líquido dentro da cóclea, sendo que dessa forma ela se partiria.

A orelha média está conectada com a porção nasal da faringe, a tuba auditiva e com as células mastoideas pelo antro mastoide, um canal que dá passagem para o nervo facial. É composta por: ossículos da audição, músculos estapédio e tensor do tímpano, plexo nervoso timpânico e corda do tímpano.

A conexão com a faringe se faz no meato inferior da cavidade nasal, tendo ambas as estruturas a mesma túnica mucosa. Por essa informação pode-se perceber porque a pressão da orelha média é a mesma da atmosfera, o que permite que os movimentos da membrana timpânica sejam livres. Dois músculos do palato mole vão abrir a entrada para esta porção: o tensor do véu palatino e o levantador do véu palatino. Eles estarão oposicionando as paredes da tuba auditiva e por isso quando há uma diferença de pressão entre a atmosfera e a tuba auditiva, o ato de bocejar ou deglutir distende esses músculos e cria uma passagem com o nariz, aliviando o incômodo consequente.

Os ossículos da audição ocupam da membrana timpânica até a janela do vestíbulo, local de acomodamento do estribo e também onde há uma abertura oval que conduz à orelha interna, o forame oval. O martelo se fixa na membrana timpânica e o estribo nos ligamentos adjacentes ao forame oval. A bigorna está entre os dois e a eles articulada. O martelo fica ligado à ponta do umbigo da membrana timpânica através de seu promontório. A bigorna fica no recesso epitimpânico e se articula de um lado com a cabeça do martelo e do outro com o estribo.

O músculo tensor do tímpano citado anteriormente nasce da asa maior do esfenoide e na parte petrosa do temporal para se inserir no martelo e possibilitar o tracionamento da membrana timpânica para reduzir a amplitude de suas vibrações e assim evitar danos por sons intensos. Esse é o mesmo efeito da atividade do músculo estapédio, só que esse se insere no estribo, tracionando-o para trás. Quando um som intenso chega à membrana timpânica geralmente ocorre um período de latência de 40 a 80 milissegundos, com o tensor do tímpano contraído e o estapédio também, só que esse em menor grau. Como esses dois músculos irão se contrair contra o movimento vibratório da estrutura de onde se inserem, servirão como estabilizadores. Outra função desse processo todo é que como há redução de frequência, torna possível que a pessoa se concentre em um som no meio de ruídos, ou distinguir o som de um instrumento musical entre vários.






A orelha interna é onde existe o órgão vestibulococlear propriamente dito. Além de ser o captador dos estímulos sonoros, é também responsável pelo equilíbrio. Ela fica inserida na parte petrosa do temporal e possui o labirinto ósseo que contém o labirinto membranáceo que fica suspenso pela perilinfa e contendo a endolinfa. 

O labirinto ósseo é composto pelos canais semicirculares, vestíbulo e cóclea. A cóclea é envolvida com a audição pelo seu ducto coclear. A cóclea possui um centro denominado modíolo, ao qual a cóclea dá 2,5 voltas em seu entorno, e onde estão os canais para a distribuição do nervo coclear. O vestíbulo é contínuo com a parte óssea da cóclea, mas se comunica também com os canais semicirculares, que são em número de três: anterior, posterior e lateral. Situados dentro deles estão os ductos semicirculares, uma estrutura membranácea que na realidade é um conjunto de sacos e ductos que comunicam entre si, com capilares sanguíneos formadores de endolinfa. Por vezes essa endolinfa é fabricada em excesso e por isso existe uma estrutura chamada de saco endolinfático, que funciona como um reservatório. O vestíbulo contém o sáculo e o utrículo, que possuem epitélio sensitivo, as máculas, estruturas contenedoras de cílios inervados pelo nervo vestibulococlear.

Os ductos semicirculares são três e estão em ângulo reto entre si. Cada ducto semicircular contém uma estrutura dilatada chamada ampola, a qual possui uma área sensitiva, a crista ampular, que capta os movimentos da endolinfa quando há movimentação do crânio através de células ciliadas altamente diferenciadas. Recobrindo a crista existe uma estrutura mucopolissacarídea que é deformada pelos movimentos da endolinfa. As células ciliadas da crista ampular podem ser de dois tipos: o tipo 1 tem formato arredondado e possui diversas terminações nervosas, enquanto que o tipo 2 possui formato cilíndrico e possui apenas uma terminação nervosa. Uma semelhança importante entre essas células é a presença do cinocílio, descrito mais tarde.

O canal espiral da cóclea está cheio de perilinfa e é dividido pelo ducto coclear em dois canais no ápice da cóclea – local denominado helicotrema – por onde os pulsos de pressão hidráulica passam para a rampa timpânica. Esse local merece destaque por ser justamente onde os impulsos hidráulicos se transformam novamente em vibrações. O papel de divisor do ducto coclear se faz por meio de duas membranas: de Reissner e basilar, o que termina por criar as três porções chamadas de rampas, que são a rampa vestibular e a rampa média, as quais são separadas por uma membrana extremamente fina – membrana de Reissner. Por fim também há a rampa timpânica, separada da rampa média pela membrana basilar, onde está contido o órgão de Corti, estrutura receptora de estímulos auditivos por conter cílios. Fica ainda abaixo de uma membrana especial, a tectórica, que serve de fixação da parte superior dos cílios do órgão de Corti.

Na detecção da posição e movimentação da cabeça o vestíbulo tem papel de integrar informações que vem dos canais semicirculares e do labirinto membranáceo da cóclea. Os canais semicirculares são responsáveis pela mensuração de aceleração da cabeça ou do corpo. Cada ducto percebe apenas o eixo perpendicular à sua posição. Quando um par funcional, ou seja, o mesmo ducto de ambos os lados, é excitado, ele inibe ou outros dois. No movimento circular mais de um par é excitado. Nesse mesmo movimento rotatório a velocidade da endolinfa de todos os ductos se iguala, só que no sentido inverso. Quando o indivíduo roda e para de vez a inércia continua a movimentar a endolinfa e assim os cílios, o que dá a informação falsa de movimento.


O OUVIR

Quando o som passa pelo ouvido externo, se transmite para os ossículos, para o vestíbulo e por fim para a cóclea, o distúrbio na perilinfa comanda outro distúrbio na membrana basilar. Esta membrana é fixa na parte central da cóclea, mas é livre na porção distal, o que possibilita sua vibração.

Ao mesmo tempo que uma porção da perilinfa é jogada para a frente através da janela oval, uma parte é extravasada pela janela redonda, pois a cóclea é delimitada por ossos e por isso haveria de existir uma via de escape. Esse movimento da perilinfa faz com que a membrana basilar também se curve na direção da janela redonda quando o líquido extravasa por ela, e o movimento de retorno causado pelas fibras basilares é justamente o que propaga o distúrbio da perilinfa de volta para a cóclea.

Os distúrbios da perilinfa terminam por estimular algum dos 100 cílios que existem em cada célula ciliada. A estimulação ocorre por causa da mudança de posição dos cílios, que abrem 200 a 300 canais de cátions permitindo a passagem de íons potássio para a célula, o que despolariza sua membrana. Esses íons potássio são advindos da endolinfa, cuja concentração é alta, e juntamente com os níveis baixos de sódio diferenciam esse líquido do cefalorraquidiano, o que não ocorre com a perilinfa, que é praticamente igual. Essa despolarização é que vai estimular as terminações do nervo coclear pela liberação de algum neurotransmissor, possivelmente o glutamato.




Essa despolarização é seguida de hiperpolarização. Quem dá o sinal para a repolarização da célula é a orientação dos cílios, ou estereocílios, sobre outro cílio único, o cinocílio. Cada célula ciliar possui sempre esse cinocílio em sua extremidade, e todos os estereocílios que se seguem diminuem de tamanho gradativamente. Enfim, se a perturbação da célula ciliar joga os estereocílios sobre o cinocílio, o resultado é despolarização. Caso a perturbação jogue o cinocílio sobre os estereocílios ocorre hierpolarização, com redução de neurotransmissores e assim menor excitação das fibras aferentes. Essa é a lei de Ewald, que explica porque um canal semicircular inibe o outro.

Uma característica interessante das fibras da membrana basilar é serem mais elásticas perto da janela oval e mais maleáveis ao longo da membrana. Isso se equilibra com o padrão de vibração dos sons de alta a baixa frequência, pois os de alta frequência produzem ondulações perto da janela oval e se dissipariam caso as fibras fossem rígidas em todo o seu trajeto. Os sons de alta frequência vibram as porções mais distais da membrana basilar. Nos dois casos a rigidez das fibras basilares compensam a energia perdida com a propagação da onda, pois as de alta frequência vibram nas primeiras porções, mas o impulso continua por conta da maleabilidade progressivamente mais alta das mesmas. Os sons de baixa frequência viajam uma distância maior para começar a vibrar as fibras e por isso perdem energia, mas como esse local de início é mais maleável, elas são suficientes para produzir estímulos.

O órgão de Corti vai receber essas vibrações para produzir o estímulo nervoso. Isso ocorre por meio dos cílios, que tem organizações diferentes nas porções mais externas e internas. Nas porções internas os cílios estão dispostos em fila única, em número aproximado de 3.500, com diâmetros de 12 micrômetros, enquanto os cílios externos estão dispostos em 3 ou 4 fileiras, com cílios de 8 micrômetros. O número da porção interna é menor, mas elas se ligam com 90 a 95% das terminações nervosas. Essas terminações levam os impulsos ao gânglio espiral de Corti, no modíolo. Este, por sua vez envia o impulso por axônios para o nervo coclear e daí para o SNC na parte superior do bulbo.

É interessante notar que também existem fibras nervosas que vem do tronco cerebral para os cílios, porém sua função é distinta dos anteriormente citados. Essas fibras nervosas vão até as vizinhanças dos cílios e comandam variação da sua rigidez, pois quanto mais rígidos, maior é a propagação do som. Isso permite uma adaptação dessas estruturas para os diferentes tons e possibilita a ausculta de sons discretos.
A parte superior do bulbo é o local de destino das fibras que saem da cóclea. As fibras em questão se direcionam para o núcleo olivar superior, onde a maior parte decursam. Vão então pelo leminisco lateral ou para o colículo inferior. O próximo passo é o núcleo geniculado medial e por fim migram para o córtex auditivo, localizado no giro superior do lobo temporal. Curioso é o fato de que a maioria das fibras advindas dos dois ouvidos decursam. Além disso, muitas delas também terminam no núcleo reticular ativador do tronco cerebral, o que possibilita respostas a sons intensos.

REFERÊNCIAS
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed 12. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011; 

MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F. Anatomia Orientada para a Clínica. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001;

MACHADO, Ângelo. Neuroanatomia funcional. Ed 2. São Paulo: editora Atheneu, 2000;

QUEIROZ, Gabriela A. de Souza. Fisiologia vestibular. Disponível em http://www.forl.org.br/pdf/seminarios/seminario_33.pdf, acessado em 12 de dezembro de 2012 às 14:00.

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