sábado, 4 de agosto de 2012

ESTREPTOCOCCIAS

Essas bactérias tem preferência por pele e mucosas, podendo ser aeróbicas, anaeróbicas ou facultativas, todas capazes de produzir diversas toxinas, com afinidade especial pela orofaringe. São classificados de A a O, mas no geral podem ser alfa-hemolíticas, quando possuem uma capacidade hemolítica parcial, beta quando é alta, ou gama quando não há hemólise.
Os estreptococcus do tipo A são patógenos humanos puros, cuja infecção ocorre em épocas de aglomeração como no verão, cuja infecção predomina em crianças até os 10 anos. O impetigo é exemplo clássico, embora com incidência predominante na faixa de 2 a cinco anos.
A infecção se faz por contato direto ou por partículas em aerossol. Seja como for, para que haja aderência nas mucosas é necessária a presença da proteína M, F, do ácido lipoteicóico e das fímbrias.
Essas bactérias possuem estratégias para se proteger do sistema imune: 1- produção de uma C5a peptidase, quebrando o efeito da opsonização e do complemento; 2- expressão da proteína M, com proteção contra os polimorfonucleares; 3- produção de ides, enzimas destruidoras de imunoglobulinas G; 4- DNA ases. A bactéria utiliza a estreptolisina O (SLO), uma exotoxina aderente aos linfócitos. Ela é mais produzida quando a infecção ocorre por via oral. Quando ocorre por via cutânea, a SLO não surte efeito por entrar em contato com o colesterol e fosfolipídios que retiram seu poder antigênico. Quando a resposta imune não é eficaz as toxinas estreptocócicas induzem o organismo a secretar fatores de necrose tumoral e interleucina 1, com estimulação leucostásica e consequente lesão vascular com potencial de evolução para o choque.
A susceptibilidade genética também tem peso, sendo relacionada a não secreção salivar de IgA, o que permite a aderência dos estreptococcus  à orofaringe. Sua ligação se faz diretamente com o linfócito T, e não mediada pela apresentação através dos receptores MHC 2. Como essa ligação é direta, a secreção de citocinas é massiva e com efeitos deletérios de grande importância.
A proteína M faz parte da parede celular e é a principal protetora dessas bactérias contra a opsonização quando se liga a um fator do complemento, o fator H, para se camuflar e não ser detectado. É dividida em dois grupos, cujo primeiro possui sequência de aminoácidos semelhantes à miosina do tecido cardíaco, enquanto que o segundo grupo não causa a febre reumática. A proteína M tem a capacidade de bloquear a produção de C3 e assim a via de complemento. A cápsula – componente bacteriano junto com a parede celular e plasmalema – detém um componente também existente nos tecidos dos humanos, o ácido hialurônico, dando à bactéria um aspecto mucoide que mais um artifício para fugir da fagocitose.
No caso do impetigo, a infecção propriamente dita sucede uma colonização de pele, com penetração quando essa área é lesionada por abrasões ou picadas de insetos. É comum haver colonização de Staphilococcus aureus secundariamente à contaminação pelo estreptococcus pyogenes. Se a lesão for causada por essa última, as lesões serão bolhosas e com crosta mais fina.
O quadro de impetigo é geralmente autolimitado, com evolução para a cura mais rápida para os pacientes que mantém higiene corporal.
As toxinas produzidas pelos estreptococcus são: hemolisinas (O e S), com poder hemolítico; hialuronidase, produzida para promover a entrada da bactéria nos tecidos; desoxiribonuclease, uma enzima que, apesar de não ser citotóxica, induz a despolimerização do DNA; estreptoquinase, ativa na quebra do plasminogênio em plasmina e consequente quebra de fibrina, o que facilita a disseminação da bactéria pelos tecidos. Felizmente esta última induz a produção de anticorpos e está ligada a defesa efetiva contra a bactéria.
Muitos dos pacientes com infecção no trato respiratório superior permanecem num estado de infecção assintomática, podendo, inclusive, não disseminar as bactérias pelas gotículas salivares ou secreções nasais.
Santos (1999), afirma que nos últimos anos vem havendo uma queda na incidência de estreptococcias, embora seu agravamento tenha crescido. A síndrome do choque tóxico provocado por esta bactéria é um exemplo extremo, pois as proteínas de superfícies induzem à secreção de citocinas ativas, além de liberarem proteínas extracelulares que atuam como superantígenos por determinar a grande expansão clonal de macrófagos. Os efeitos incluem febre, eritema máculopapular difuso, insuficiência renal e choque, com letalidade chegando a trinta por cento.

ARTROPATIA E CARDIOPATIA
A patogenia se deve a reação cruzada via sistema imune que sempre aparece uma a três semanas após a amigdalite. A patogenia se faz pelos seguintes mecanismos:                ação tóxica de exotoxinas, tais como a estreptolisina O; e atividade auto-imune através do mimetismo celular.
A reação cruzada é a base de todo os problemas imunes reumáticos relacionados. Inicialmente ocorre mimetismo celular entre a proteína M e a miosina das células, e entre o carboidrato C e glicoproteínas do endotélio vascular. A produção de estreptolisina O que se segue induz a produção de imunocomplexos circulantes que vão se depositar em vários tecidos, dentre eles o coração, com indução da cascata inflamatória pela ação de neutrófilos, linfócitos T CD4, macrófagos e linfócitos B em menor quantidade. Os efeitos deletérios no coração incluem necrose de fibras e valvas cardíacas, com posterior calcificação e fibrose. Essa reação pode durar de alguns meses até dois anos após o surto inicial.
No caso das artropatias, a reação cruzada se faz entre o ácido hialurônico e os tecidos articulares.

FORMAÇÃO DE IMUNOCOMPLEXOS
Nesse caso é mandatória a afinidade, ou avidez, do anticorpo com o antígeno, que é medida pela constante de dissociação, ou seja, a facilidade com que se pode separar os dois componentes. O anticorpo possui uma região dobradiça maleável, que permite que o antígeno se ligue a ele em mais de um local. As classes IgG e IgE podem se ligar a no máximo dois componentes, enquanto que a classe IgM se liga a dez. Esse excesso de locais de ligação determina a avidez, pois  será proporcional à quantidade de sítios ligantes preenchidos. Por conta disso, imunoglobulinas de classe IgM, mesmo tendo baixa afinidade se analisado apenas  uma ligação por vez, irá ter grande avidez pela quantidade de ligações que realiza com os antígenos.
O tamanho dos complexos vai ser determinado pela quantidade de anticorpos e antígenos ligados. Quando há mesmo número entre os dois, têm-se a chamada área de equivalência. Os complexos de maior tamanho existirão justo nessa equivalência devido a organização estrutural em rede de alta avidez, que se comportarão como se fossem uma única molécula.
Nem todos os complexos antígenos-anticorpos circulantes vão determinar reações deletérias. Sua formação se dá no meio vascular por um agente exógeno, como uma proteína estranha, bactéria ou vírus; pode ser formado também quando o indivíduo produz auto anticorpos. Estes últimos podem ser circulantes ou na superfície de determinadas células do organismo infectado.
A formação dos imunocomplexos se dá aproximadamente em uma semana pós-infecção, quando imunoglobulinas são lançadas ao sangue para se ligar aos antígenos circulantes. Na medida em que a ligação ocorre e a circulação dissemina esses imunocomplexos, eles vão se depositando em vários tecidos. Quando esses complexos são grandes eles serão prontamente identificados, funcionando como idiotipos, cuja reação antigênica branda ocorre antes da ativação de efeitos radicais. Quando o tamanho dos imunocomplexos é pequeno ele permanece no meio vascular tempo suficiente para desencadear reações deletérias para o organismo, e quando o tamanho é intermediário pode também ser parcialmente filtrado pelo glomérulo, se depositar na membrana basal e induzir a gromerulonefrite.
A formação do imunocomplexo ocorre nos capilares, e por isso precisa primeiramente ativar proteínas do complemento e mastócitos para que ocorra aumento do diâmetro vascular para então lançá-los na macrovasculatura.
Seja onde ocorrer o depósito dos imunocomplexos a reação inflamatória vai ser a mesma, sendo mediada por proteínas do complemento e leucócitos pela porção Fc. As lesões então ocorrerão por: cascata de reação do complemento – quando a imunoglobulina for a IgA, radicais livres, proteases, agregação de plaquetas e consequente ativação da reação de Hageman formando microtrombos. Um exemplo desses casos é a reação de Arthur, em que uma segunda estimulação induz a formação de imunocomplexos que se depositam nos leitos vasculares após algumas horas – pico de 4 a 10 horas, terminando numa hemorragia grave, por vezes ulcerativa.

GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA
A maioria dos casos se segue à infecção estreptocócica de orofaringe – no inverno – ou pele – no verão, em ambos os casos por cepas beta-hemolíticas do grupo A. O período de incubação de duas semanas é o necessário para a formação de imunocomplexos circulantes e ativação dos anticorpos, especialmente o antiestreptolisina O, e o ataque aos depósitos de antígenos nos glomérulos através de reação cruzada. Com os imunocomplexos agregados ao glomérulo ocorre a indução de anticorpos, terminando no aumento da permeabilidade renal e queda das proteínas do complemento séricas. A proteína do complemento C5a exibe seu poder quimiotáxico, com atração de neutrófilos cujas proteaes também irão lesionar o glomérulo. Os sinais são hematúria, oligúria, piúria, proteinúria (uma grama por 24 horas), edema facial – provavelmente pela queda das proteínas – e hipertensão arterial.
A natureza do imunocomplexo vai determinar se vai ou não haver reação, embora seja mais comum ocorrer. Um grande indutor da reação antigênica é o tamanho dos imunocomplexos: se grandes são eliminado pelos macrófagos do mesângio; se pequenos passam livremente sem induzir reações; os de tamanho intermediário vão se depositar no glomérulo e induzir a glomerulonefrite. A atividade mesangial é importante na depleção dos imunocomplexos, por isso, modificações em sua estrutura permitem a instalação da glomerulonefrite.

REFERÊNCIAS:

OLIVEIRA, João Joaquim de; SILVA, Sandra Regina A.S.; VIJLE, João Dhoria. DOENÇA REUMÁTICA. Arquivo Brasileiro de Cardiologia. Vol 69, n. 1, 1997. Acessado em 04 de outubro de 2012.

PINHO, Valter Pinho dos. STREPTOCCIAS. Jornal de Pediatria – vol. 75. Supl. 1, 1999. Acessado em 04 de outubro de 2012.

ALVES, Viviane de Almeida Justus. Febre reumática com enfoque para doença cardíaca reumática. Relato de um paciente acompanhado no hospital Regional de Asa Sul - DF. Monografia apresentada ao supervisor de Programa de Residência em Pediatria. Brasília, 2007. Acessado em 04 de outubro de 2012.

GUSUKUMA, Luciana Wang; GIANOTTO, Marcio; FRANCO, Marcello; GUIMARÃES, Helio Pena, LOPES, Renato Delascio; LOPES, Antônio Carlos. Gromerulonefrite Pós-Estreptocóccica com Proteinúria Nefrótica. Relato de Caso. Revista Brasileira de Clínica Médica, n. 6, p. 213-215, 2008. Acessado em 04 de outubro de 2012.

BRASILEIRO FILHO, Geraldo. Bogliolo patologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

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