domingo, 8 de março de 2015

ASMA: QUANDO RESPIRAR JÁ NÃO É TÃO SIMPLES


NO BRASIL A ASMA ACOMETE 5 A 10% DA POPULAÇÃO TOTAL. Ocorrem anualmente mais de 350.000 internações nos hospitais brasileiros, sendo a quarta maior causa de internações pelo SUS.

A questão toda é um estado de hiperesponsividade da musculatura lisa à inflamação por presença de componentes virais (80% dos casos), bacterianos e químicos. Quando é viral o paciente apresenta alguns sintomas gerais, como dor de garganta e coriza, que dura poucos dias, mas com piora progressiva do quadro asmático. Os agentes virais mais comuns são rinovírus, influenza e vírus sincicial respiratório. As bactérias mais relacionadas são a micobacteriun pneumoniae e Clostridium pneumoniae. Mudanças climáticas também podem deflagrar a crise, assim como estresse emocional, exercícios físicos e medicações tais como o AAS e betabloqueadores não seletivos.

O paciente apresenta níveis séricos aumentados e sustentados de IgE. Daí quando o paciente entra em contato com o alérgeno primeiramente ocorre uma resposta precoce, com a qual o quadro é autolimitado em metade dos pacientes. Na outra metade há uma resposta tardia ocorrida três a doze horas após a primeira resposta. Nas duas respostas há ativação de mastócitos, que vão liberar mais IgE, e linfócitos T que aumentarão a permeabilidade vascular.


QUARO CLÍNICO

Existe uma tríade da asma: dispneia, opressão torácica e sibilância, com ao menos um desses sintomas ocorrendo em 90% dos pacientes. É necessário se atentar à diferença da dispneia e da opressão torácica da asma ser distinta dos mesmos sinais ocorridos nos cardiopatas, pois são descritos com dificuldade de jogar ar para dentro dos pulmões. Isso se justifica pela obstrução aérea que nos casos graves pode ser tamanha, que o sibilo desaparece, ficando a diminuição dos murmúrios vesiculares. Quando os sibilos estão presentes eles costumam ser bilaterais.

O diagnóstico é clínico e exames complementares devem ser solicitados na suspeita de associação com outras condições, tais como pneumonia, pneumotórax e derrame pleural. Já a oximetria de pulso deve ser acompanhada continuamente para que se esteja ciente da evolução do quadro em tempo hábil para as devidas intervenções. Nos pacientes asmáticos a saturação de oxigênio costuma estar abaixo de 90%. Gasometria arterial também é muito importante, pois se PaCO2 menor que 42 mmHg tem grande potencial para gravidade e se menor que 45 mmHg já se tem indicação de internação. Nessa condição é recomendado solicitar eletrólitos quando o paciente faz alta dose de corticoides, pois o fármaco retira cálcio dos ossos e com isso desequilibra o nível sérico de outros eletrólitos como o potássio. ECG é útil quando há suspeita de DPOC em pacientes acima de 50 anos. Se houver expectoração amarelada não se pode esquecer do hemograma completo.


TRATAMENTO

Mesmo que a presença de alérgenos seja baseada no contato com agentes bacterianos a antibioticoterapia não é recomendada para o tratamento da crise asmática, pois 80% dos casos o agente é viral. A primeira via de tratamento para a crise de asma é o beta 2 agonista, de preferência o fenoterol e mais preferencialmente ainda o salbutamol.

Os beta agonistas se baseiam na presença dos receptores beta adrenérgicos, 70% do tipo 2, estando na musculatura lisa, nas células de defesa, nos epitélios, glândulas e fibroblastos. Nas paredes alveolares estão os Beta do tipo 1. Os beta agonistas se ligam a receptores específicos na musculatura lisa circular das vias aéreas e comanda a liberação de AMPc e com isso a modificação da forma da proteína-quinase A que comandará liberação de cálcio livre do interior da célula para dento de compartimentos no retículo plasmático e outras organelas. A conformação modificada da proteína-quinase A reduz a interação da actina com a miosina e aumenta a entrada de potássio na célula deixando-a polarizada e relaxada.

Como ação secundária os beta 2 agonistas inibem a secreção de leucotrienos  e histamina pelos mastócitos e com isso também diminuem a permeabilidade vascular. Ou seja, possui ação anti-inflamatória. Outras atividades adicionais são a estimulação da produção de surfactante pelo peneumócito tipo II, estimulação da atividade mucociliar e em menor intensidade inibe a ativação dos receptores colinérgicos.

O fenoterol é uma boa opção ao lado do salbutamol. A dose é a mesma para os dois, 10 a 20 gotas. O benefício é adicionado com o uso sequencial, por isso deve ser feito em três inalações com espaços de 15 a 20 minutos, com três inalações na primeira hora, quando o paciente deve ser reavaliado para administração adicional. Por ser hidrofílico o uso da inalação junto com 5 ml de solução fisiológica acelera a absorção do medicamento. As contra-indicações são estenose aórtica subvalvar, taquiarritmias, cardiopatias obstrutivas hipertrófica e hipersensibilidade à formulação. Para pacientes propensos os efeitos adversos que podem ocorrer são taquicardias, agitação, sudorese, cefaleia, secura de boca, edema de membros inferiores em pacientes com ICC e por fim fraqueza muscular. Existe apresentação do fenoterol em bomba aerossol, mas o uso contínuo dificulta a recuperação nos momentos de crise.

Existem duas fases de absorção: 30% tem um tempo de meia vida de 11 minutos e 70% tem tempo de meia vida de 2 horas. Inicia-se o uso com 10 a 20 gotas em espaço de 15 a 20 minutos e reavaliação após a primeira hora. Depois administra-se uma dose a cada hora a depender da resposta do paciente. Não existem restrições para pacientes acima de 65 anos, mas assim como os demais beta agonistas ocorre depleção de potássio, então deve-se tomar cuidado. Os efeitos do fenoterol ocorrem também no coração causando taquicardias por causa da seletividade relativa, para os receptores beta 1.

O salbutamol oferece iguais ou melhores resultados que o fenoterol, inclusive sendo preferido segundo o livro de emergências clínicas da USP (2013). Está na dose de 0,4 mg/ml. A dose e as recomendações de reavaliação do paciente são as mesmas.

Junto do beta 2 agonista tem-se melhores resultados com o uso concomitante de um anticolinérgico. Mas para seu uso é importante saber que a função do sistema parassimpático é realizada por meio do nervo vago ao descarregar acetilcolilna nas placas motoras da via aérea. O resultado é manutenção do tônus muscular brônquico, secreção das células epiteliais, aumento da circulação e recrutamento de células inflamatórias. A maioria das fibras do vago estão nas grandes vias.

Por inibir o recrutamento de células o anticolinérgico também agirá como anti-inflamatório, somando a mesma ação ocorrida com os beta-agonistas. Agindo na diminuição do tônus brônquico, adiciona um benefício para a redução do número de internamentos quando utilizado junto com o fenoterol ou salbutamol. Isso ocorre principalmente nos idosos, os quais a resposta aos beta agonistas decaem com a idade. Também tem melhor resposta nos pacientes com pressão final expiratória abaixo de 40% ou quando a asma é induzida por betabloqueadores não seletivos. Ou seja, quanto pior a condição melhor o efeito. Como o efeito é sobre os brônquios médios e abre passagem para a propagação do fenoterol na periferia pulmonar.

O exemplar mais utilizado é o ipratrópio. Sua ação é apenas a nível das vias aéreas e se concentra na manutenção dos níveis de GTP, pois sua quebra em GMPc após ativação dos receptores muscarínicos eleva as concentrações citosólicas de cálcio com efeito de aumento do tônus muscular. Isso indica que a ligação da acetilcolina com o receptor muscarínico é mantida, mas seu efeito é cancelado a nível intracelular. Como a ligação às proteínas plasmáticas é apenas de 20% os efeitos se iniciam em cerca de trinta segundos do início da administração, apesar de não ser eficaz a esse tempo. 50% da resposta adequada ocorre dentro de três a cinco minutos, com pico de ação máxima após 90 a 120 minutos. A duração do efeito é de 6 horas e como há mínima absorção os efeitos colaterais serão reduzidos. É uma medicação muito segura, cuja doses letal é extremamente acima da dose terapêutica. Estudos também provaram não haver perigo para na gestação. Devem ser utilizadas 20 a 40 gotas.

O formoterol é 1.000 vezes mais seletivo para receptor beta 2 que o beta 1, sendo seletivos puros em doses terapêuticas. O contato do fármaco ocorre pelo receptor beta, mas também há absorção pela membrana plasmática, ao qual também serve de reservatório, justificando o fato do início da ação ser sempre de 05 minutos, mas a duração do efeito ser dose dependente. Como o fármaco não é lipofílico o depósito na membrana plasmática vai estar facilitado.


ATENÇÃO: CORTICOIDES

Pronto! O uso do fenoterol e do ipratrópio tem a intenção de tirar o paciente da crise. Relambrando da fisiopatologia, que envolve efeito inflamatório, infere-se que seu cancelando também cancela o broncoespasmo. O tratamento com corticoides deve ser feito por 05 a 14 dias, preferencialmente com prednisona 40 a 60 mg ao dia via oral (o comprimido é apresentado na dose de 20 mg). No dia deve ser prescrito hidrocortisona 200 a 300 mg EV no momento da crise e 100 mg de 6/6horas até melhora, ou até alcance de 800 mg no dia. Outra opção é metilprednisona 40 mg EV 6/6 horas não devendo ultrapassar 160 mg no dia.

Para a alta pode-se prescrever corticoide spray apenas para os momentos de crise. A escolha pode ser o clenil ou diproprionato de beclometasona.

 As metilxantinas não estão recomendadas. A aminofilina, por exemplo, tem índice terapêutico muito pequeno e seus efeitos colaterais são perigosos. De qualquer forma, como medida salvadora é utilizada na dose de 240 a 480 mg a correr num período mínimo de 20 minutos.

Caso haja como auferir o volume expiratório final, caso abaixo de 30%, ou de 60% após a primeira hora de terapêutica de emergência e falta de resposta à teraupeutica incial pode-se utilizar o sulfato de magnésio. A dose é de 1,2 a 2,0 mg a correr por no mínimo 20 minutos. Nesse esquema não foram identificados efeitos colaterais significativos.

Por último há intubação endotraqueal, realizada quando se nota tendência a parada cardiorrespiratória. O paciente cuja manobra extrema é necessária deve ser sedado com propofol, seguido de succinilcolina, pois a resposta à ventilação mecânica é rápida. Antecedente à intubação deve-se ventilar o paciente com dispositivo válvula-máscara para se alcançar a saturação de 100%, instalar acesso venoso de grosso calibre, deixar preparado materiais de suporte (aspirador, cânula com caff testado e laringoscópio).


REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

Martins, Herlon Saraiva et al. Emergências clínicas da USP. 8. ed. Barueri, São Paulo: Manole, 2013.

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