terça-feira, 27 de maio de 2014

FACILITANDO A TUBERCULOSE PULMONAR

Cultura de Mycobacterium tuberculosis.


A tuberculose é uma patologia causada pelo Mycobacterium tuberculosis, tendo uma preferência pelo acometimento pulmonar, apesar de haver possibilidade de infecção de qualquer porção do organismo. Outros espécimes de Mycobacterium, a exemplo do bovis e africanum podem causar infecções, mas o termo tuberculose é exclusivamente relacionado ao tuberculosis. No Brasil o Ministério da Saúde registrou 71.123 novos casos de tuberculose em 2013, mas apesar desse número, os índices indicam uma queda de 20,3% na incidência da doença no país. A taxa de incidência ficou então em 34,5 para cada 100.000 habitantes, em contraste com 2002, quando era de 48/100.000 habitantes.

O Mycobacterium tuberculosis possui crescimento lento, havendo duplicação apenas em 18 a 24 horas, justificando o período prolongado do início dos sintomas. Apesar dessa lentidão, essa bactéria possui grande capacidade de adaptação ao organismo por ser parasita intracelular facultativo aeróbico e de sobreviver à endocitose por fagócitos, umas das vias pela qual consegue se espalhar pelas diversas regiões do organismo humano.

Em quase todos os casos a infecção se faz por via aérea através de gotículas contaminadas lançadas ao ar. Quando o paciente cursa com cavitações a carga bacteriana expelida é bem maior (1 a 100 milhões/ml), mas ao contrário do que se pode pensar, as gotículas expelidas por essas pessoas são de maior tamanho e mais sujeitas a serem varridas pelo sistema mucociliar do indivíduo sadio. Isso ocorre porque a infecção é dependente da suspensão de gotículas de tamanho menor (aerossóis), capazes de alcançar as vias mais baixas do sistema respiratório.

Quando o bacilo atinge as vias aéreas mais baixas, dois fatores vão trabalhar para favorecer o crescimento bacteriano: 1- a afinidade baixa das células fagocitárias irá permitir um crescimento inicial maior; 2- as células de defesa muitas vezes fagocitam, mas não destroem o bacilo, fornecendo, ao invés disso, um ambiente ideal para seu crescimento. Isso ocorre devido a um bloqueio da fusão do fagossomo contendo a bactéria com o lisossomo, impedindo assim sua destruição. Um dos mecanismos que possibilita essa proteção é a inibição de sinais de cálcio que comandariam a reunião de proteínas necessárias para a fusão. Essa anergia do organismo felizmente é parcial e dura no máximo 3 semanas para aqueles que nunca tiveram contato com o bacilo, e a partir de então a reação imunológica torna-se gradativamente mais eficaz e acaba determinando além da morte dos invasores, a destruição de células infectadas do parênquima e assim as referidas cavitações.

Imagem de uma cavitação à radiografia


Com o avançar da infecção, mais linfócitos liberam citocinas e células dentrídicas apresentam antígenos a outros macrófagos aumentando a resposta imune gradativamente para no fim reduzir a bacilemia. No entanto, o corpo costuma sair vencendo em 95% dos casos e no restante há disseminação principalmente nos ápices dos pulmões, onde há maior aeração e facilitação do crescimento do Mycibacterium. O ápice dos pulmões é também o local onde costuma ocorrer a reativação dos focos do bacilo.

Durante semanas a messes a bacilemia aumenta maciçamente em focos granulomatosos disseminados pelo parênquima pulmonar, mas com o tempo a imunidade regride esses focos, por vezes restando apenas um ponto residual, e por vezes também sendo acompanhado de calcificações hilares ipsilaterais. Esses granulomas são áreas de atividade imunológicas, são inicialmente bem pequenos e coalescem com o transcorrer da patologia, cercados por uma cápsula fibroelástica, possibilitando uma imagem macroscópica chamada de consolidação. Essa imagem quando alcança o tamanho de 1 a 1,5 cm e possui um centro branco-acinzentado e necrose periférica passa a ser chamado de foco de Gohn, possuindo uma necrose caseosa no centro. O produto caseoso é drenado para os linfonodos e aqueles atingidos também passam pelo mesmo processo.  Quando há o envolvimento concomitante pleural e linfonodal tem-se o chamado complexo de Gohn.

Após as três semanas de infecção o organismo ativa uma resposta mediada por TH1 liberadoras de interferon-gama, este tornando linfócitos competentes em reduzir a bacilemia justamente por quebrar a inibição da fusão do lisossomo com o fagossomo que até aí ficava servindo de local de crescimento bacteriano. O interferon-gama também induz a liberação de óxido nítrico que produzem radicais livres agressores da parede celular e todos os demais componentes dos bacilos, inclusive o DNA.

A atividade dos linfócitos é agressiva também ao parênquima pulmonar, determinando a formação de um granuloma evoluído para necrose caseosa, que após ter seu conteúdo expelido com a tosse deixa para trás uma cavidade sangrante. O interveron-gama também estimula a ativação de monócitos e esses ativam outros macrófagos para ajudar na resposta imunológica, contudo, ao contrário da atividade linfocitária, a defesa mediada pelos macrófagos não destroem o parênquima. Essas células inflamatórias caem na corrente sanguínea e se constituem em duas explicações: é a resposta para a reação inflamatória no PPD diagnostico; é a resposta para a tuberculose extrapulmonar, pois os macrófagos infectados pelo Mycobacterium podem liberar os parasitas em qualquer parte do organismo.

De qualquer forma, se há cavitação ou consolidação a cápsula fibrosa que se forma ganha uma consistência endurecida pela fibrose e pela sua afinidade ao cálcio, sendo referidas nos exames de imagens como cicatriz. Na tuberculose pulmonar progressiva essa cápsula se constrói de maneira mais irregular e há também maior erosão de vasos sanguíneos, agravando a hemoptise. Outra condição perigosa é a tuberculose miliar, que ocorre quando nas cavitações abrigadoras de bacilos são drenadas por via linfática, levando o bacilo para o lado direito do coração e daí outra vez para a artéria pulmonar e de volta para os pulmões, disseminando a infecção em diversos locais de tamanho diminuto e com aspecto amarelado semelhante a sementes de milho. Cada foco de infecção é também um foco em crescimento e por isso eles podem se unir e por fim consolidar grandes áreas e até mesmo todo o lobo. O sangue que retorna ao coração continuará a conter os bacilos e desse órgão a circulação promove a infestação de qualquer outro órgão como o fígado, o baço, as meninges, as tubas uterinas, medula óssea, adrenais ou rins.


Os diversos focos na tuberculose miliar.


QUADRO CLÍNICO

Uma expressão que se deve compreender é a tuberculose primária, ocorrida quando a fonte da doença é externa ao corpo. As formas secundárias são aquelas disseminadas a partir de um foco pulmonar para outras partes do corpo, e a reativação de focos aparentemente controlados. É certo que num indivíduo nunca antes contraído a tuberculose – e por isso não sensibilizado – produza sintomas gradativos de semelhança forte com uma gripe comum, mas 5% desses indivíduos já reproduzem sintomas significativos. A forma mais lenta é a tuberculose primária gradativa, e por ser relativamente indefinida seu diagnóstico muitas vezes é difícil, podendo ser confundida também com pneumonia bacteriana, adenopatia hilar e derrame pleural. Caso o paciente tenha imunossupressão a infecção vai ser facilitada e o diagnóstico decididamente mascarado, com cavitações se constituindo uma raridade.

80% dos adultos apresentam a forma pulmonar da tuberculose. 15% apresentam a forma extra-pulnonar e 5% apresentam as duas formas. Os sintomas mais característicos são tosse, febre e sudorese – por vezes diaforese. Pode ocorrer também perda de peso, fadiga, mal estar, dor torácica e dispneia, mas a tosse é decididamente o sintoma mais presente. Ela se inicia seca e na medida em que a parênquima é destruído vai se transformando em produtiva, com presença de pus, raias de sangue e até hemoptise macroscópica. A febre costuma ser vespertina e de 40 a 41°C, e a ausculta pulmonar vai ficando mais rica na medida em que mais secreções vão sendo produzidas, incluindo aí sibilos, roncos e murmúrio vesicular diminuídos.

As formas secundárias ocorrem num indivíduo que foi previamente infectado, podendo ocorrer a partir de reativação dos focos anos e até décadas após o primeiro evento, quando por algum motivo a imunidade do indivíduo enfraqueça. Essa forma envolve menos linfonodos, mas as cavitações são precoces e mais secretivas, e os sintomas gerais são insidiosos, aí incluídos a indisposição, anorexia, perda de peso e febre de baixo grau e com transpiração noturna. Com o espalhar das cavitações e da infecção, o paciente apresenta a dor pleurítica. Os focos de Gohn da tuberculose secundária possuem as mesmas características, com exceção da necrose periférica. Como a primária ela se concentra inicialmente no lobo apical por conta da maior aeração, mas posteriormente a doença se dissemina para diversas vias.


MEDIDAS DIAGNÓSTICAS

 Caso o paciente se apresente com queixa de tosse persistente ou um dos sintomas abordados acima deve ser solicitado rapidamente um raio-x de tórax na busca das consolidações – que são os locais de destruição celular sem terem sido expelidos pela tosse – ou cavitações. Também deve ser solicitados a pesquisa BAAR (pesquisa por bacilos álcool-ácido-resistentes) e cultura de escarro. Apesar de não ser muito realizada na prática, a reação de cadeia de polimerase para Mycobacterium tuberculosis é o exame provedor de diagnósticos mais rápidos e fiéis, podendo ser positivo com menos de 10 organismos no meio coletado, ao invés dos 10 a 100 bacilos/ml da cultura de escarro e dos 4.000 a 5.000 bacilos/ml da baciloscopia. Contudo, a cultura promove uma informação valiosa: a sensibilidade aos antibióticos, identificando também os casos de multirreristência.

O teste tuberculínico é um exame auxiliar para definir contato prévio com o Mycobactérium tuberculosis, sem definir indivíduos doentes daqueles apenas infectados. No Brasil é utilizado o produto PPD RT23 introduzida por via intradérmica na face anterior do antebraço na dose de 0,1 ml com leitura após 48 a 72 horas, ocorrendo endurecimento palpável com três possibilidades conclusivas; 1- endurecimento com tamanho de 0 a 4mm o paciente é definido como não infectado ou não sensível; 2- 5 a 9mm é definido como um reator fraco e infecção precedente; 3- 10 mm ou maior é o reator forte, que significa uma infecção presente por Mycobacterium tuberculosis – doente ou não – ou vacinação por BCG há menos de dois anos

Os casos de bacilos multirresistentes se constituem em mau prognóstico, assim como os casos de HIV a depender do nível de imunossupressão. Caso o paciente HIV positivo tenha contagem de linfócitos T CD4+ acima de 300 células/ml as manifestações se assemelharão a tuberculose secundária comum. Contagem abaixo de 200 células/ml a doença será como a primária progressiva, ou seja, consolidações em lobos médio e inferior, linfadenopatia hilar e ausência de cavitações. Outra diferença é que na imunodeficiência moderada a taxa de pacientes com tuberculose extrapulmonar é de 15%, contra os 50% dos pacientes com imunodeficiência grave.


TRATAMENTO

·         Isoniazida: contém o ácido nicotínico, um inibidor do ácido micólico, que é um componente da parede celular das micobactérias. Parede celular mal formada diminui a resistência às forças osmóticas do meio e como consequência a bactéria é lisadas até mesmo por entrada excessiva de água;
·         O mecanismo do etembutol é similar, porém admite-se que seu mecanismo ainda não é completamente compreendido. Sua função é predominantemente micobacteriostático, agindo preferencialmente após 24 horas do primeiro uso.
·         A rifampicina possui ação antibactericida por atuar na sua RNA polimerase ao se ligar à subunidade beta, inibindo sua ação de transporte da informação contida no DNA. A ação bactericida vale tanto para as bactérias intra como extracelulares.
·         A pirazinamida é um bactericida fraco, mas no caso do Micobacterium tuberculosis possui ótima ação. Seu mecanismo se concentra em reduzir o PH intracelular dos lisossomos e com isso cria um ambiente hostil para a proliferação do bacilo. Ele é convertido em ácido pirazinoico e no momento em que adentra no lisossomo rebaixa o PH para menos de 5,5.

ESQUEMA BÁSICO

De acordo com o II Inquérito Nacional de resistência aos fármacos anti-TB conduzido em 2007-2008, que revelou aumento da resistência à isoniazida de 4,4% para 6,0%, e da rifanpicina de 1,1 para 1,4%,o esquema de tratamento para tuberculose foi modificado, ficando como a seguir:


Dois meses
Rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol (150/75/400/275mg) (associados em único comprimido)
De 20 a 35 Kg- 2 comprimidos ao dia;
De 36 a 50 Kg- 3 comprimidos ao dia;
Acima de 50 Kg – 4 comprimidos ao dia
Seguimento de quatro meses
Rifampicina e isoniazida (300/200mg)
De 25 a 35 Kg-1 comprimido (300/200);
De 36 a 50 Kg- 1 comprimido 300/200 + 1 comprimido 150/100);
Acima de 50 Kg- dois comprimidos de 300/200
OBS; nos casos de monoresistência a isoniazida ou à ripampicina, deve-se substituir o medicamento envolvido por estreptomicina. Se essa resistência ocorrer na fase de seguimento deve-se continuar, aumentando-a para sete meses ao invés de quatro.
OBS: pacientes com HIV associado em uso de antirretroviral não devem fazer uso de rifampicina. Nesse caso tal medicamento deve ser substituído por rifabutina.
OBS: nos casos de interrupção por falta de adesão adequada ao tratamento o esquema deve ser reiniciado.

REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

Goldman L,  Ausiello D. Cecil: Tratado de Medicina Interna. 22ªEdição. Rio de Janeiro: elsevier, 2005.


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