Cultura de Mycobacterium tuberculosis.
A tuberculose
é uma patologia causada pelo Mycobacterium tuberculosis, tendo uma preferência
pelo acometimento pulmonar, apesar de haver possibilidade de infecção de
qualquer porção do organismo. Outros espécimes de Mycobacterium, a exemplo do
bovis e africanum podem causar infecções, mas o termo tuberculose é
exclusivamente relacionado ao tuberculosis. No Brasil o Ministério da Saúde
registrou 71.123 novos casos de tuberculose em 2013, mas apesar desse número,
os índices indicam uma queda de 20,3% na incidência da doença no país. A taxa
de incidência ficou então em 34,5 para cada 100.000 habitantes, em contraste
com 2002, quando era de 48/100.000 habitantes.
O
Mycobacterium tuberculosis possui crescimento lento, havendo duplicação apenas
em 18 a 24 horas, justificando o período prolongado do início dos sintomas. Apesar
dessa lentidão, essa bactéria possui grande capacidade de adaptação ao
organismo por ser parasita intracelular facultativo aeróbico e de sobreviver à
endocitose por fagócitos, umas das vias pela qual consegue se espalhar pelas
diversas regiões do organismo humano.
Em quase
todos os casos a infecção se faz por via aérea através de gotículas
contaminadas lançadas ao ar. Quando o paciente cursa com cavitações a carga
bacteriana expelida é bem maior (1 a 100 milhões/ml), mas ao contrário do que
se pode pensar, as gotículas expelidas por essas pessoas são de maior tamanho e
mais sujeitas a serem varridas pelo sistema mucociliar do indivíduo sadio. Isso
ocorre porque a infecção é dependente da suspensão de gotículas de tamanho
menor (aerossóis), capazes de alcançar as vias mais baixas do sistema
respiratório.
Quando o
bacilo atinge as vias aéreas mais baixas, dois fatores vão trabalhar para
favorecer o crescimento bacteriano: 1- a afinidade baixa das células
fagocitárias irá permitir um crescimento inicial maior; 2- as células de defesa
muitas vezes fagocitam, mas não destroem o bacilo, fornecendo, ao invés disso,
um ambiente ideal para seu crescimento. Isso ocorre devido a um bloqueio da
fusão do fagossomo contendo a bactéria com o lisossomo, impedindo assim sua
destruição. Um dos mecanismos que possibilita essa proteção é a inibição de
sinais de cálcio que comandariam a reunião de proteínas necessárias para a fusão.
Essa anergia do organismo felizmente é parcial e dura no máximo 3 semanas para
aqueles que nunca tiveram contato com o bacilo, e a partir de então a reação
imunológica torna-se gradativamente mais eficaz e acaba determinando além da
morte dos invasores, a destruição de células infectadas do parênquima e assim as
referidas cavitações.
Imagem de uma cavitação à radiografia
Com o avançar
da infecção, mais linfócitos liberam citocinas e células dentrídicas apresentam
antígenos a outros macrófagos aumentando a resposta imune gradativamente para no
fim reduzir a bacilemia. No entanto, o corpo costuma sair vencendo em 95% dos
casos e no restante há disseminação principalmente nos ápices dos pulmões, onde
há maior aeração e facilitação do crescimento do Mycibacterium. O ápice dos
pulmões é também o local onde costuma ocorrer a reativação dos focos do bacilo.
Durante semanas
a messes a bacilemia aumenta maciçamente em focos granulomatosos disseminados
pelo parênquima pulmonar, mas com o tempo a imunidade regride esses focos, por
vezes restando apenas um ponto residual, e por vezes também sendo acompanhado
de calcificações hilares ipsilaterais. Esses granulomas são áreas de atividade
imunológicas, são inicialmente bem pequenos e coalescem com o transcorrer da
patologia, cercados por uma cápsula fibroelástica, possibilitando uma imagem
macroscópica chamada de consolidação. Essa imagem quando alcança o tamanho de 1
a 1,5 cm e possui um centro branco-acinzentado e necrose periférica passa a ser
chamado de foco de Gohn, possuindo uma necrose caseosa no centro. O produto
caseoso é drenado para os linfonodos e aqueles atingidos também passam pelo
mesmo processo. Quando há o envolvimento
concomitante pleural e linfonodal tem-se o chamado complexo de Gohn.
Após as três
semanas de infecção o organismo ativa uma resposta mediada por TH1 liberadoras
de interferon-gama, este tornando linfócitos competentes em reduzir a bacilemia
justamente por quebrar a inibição da fusão do lisossomo com o fagossomo que até
aí ficava servindo de local de crescimento bacteriano. O interferon-gama também
induz a liberação de óxido nítrico que produzem radicais livres agressores da
parede celular e todos os demais componentes dos bacilos, inclusive o DNA.
A atividade
dos linfócitos é agressiva também ao parênquima pulmonar, determinando a
formação de um granuloma evoluído para necrose caseosa, que após ter seu
conteúdo expelido com a tosse deixa para trás uma cavidade sangrante. O
interveron-gama também estimula a ativação de monócitos e esses ativam outros
macrófagos para ajudar na resposta imunológica, contudo, ao contrário da
atividade linfocitária, a defesa mediada pelos macrófagos não destroem o
parênquima. Essas células inflamatórias caem na corrente sanguínea e se
constituem em duas explicações: é a resposta para a reação inflamatória no PPD
diagnostico; é a resposta para a tuberculose extrapulmonar, pois os macrófagos
infectados pelo Mycobacterium podem liberar os parasitas em qualquer parte do
organismo.
De qualquer
forma, se há cavitação ou consolidação a cápsula fibrosa que se forma ganha uma
consistência endurecida pela fibrose e pela sua afinidade ao cálcio, sendo
referidas nos exames de imagens como cicatriz. Na tuberculose pulmonar
progressiva essa cápsula se constrói de maneira mais irregular e há também
maior erosão de vasos sanguíneos, agravando a hemoptise. Outra condição
perigosa é a tuberculose miliar, que ocorre quando nas cavitações abrigadoras
de bacilos são drenadas por via linfática, levando o bacilo para o lado direito
do coração e daí outra vez para a artéria pulmonar e de volta para os pulmões,
disseminando a infecção em diversos locais de tamanho diminuto e com aspecto
amarelado semelhante a sementes de milho. Cada foco de infecção é também um
foco em crescimento e por isso eles podem se unir e por fim consolidar grandes
áreas e até mesmo todo o lobo. O sangue que retorna ao coração continuará a
conter os bacilos e desse órgão a circulação promove a infestação de qualquer
outro órgão como o fígado, o baço, as meninges, as tubas uterinas, medula
óssea, adrenais ou rins.
Os diversos focos na tuberculose miliar.
QUADRO CLÍNICO
Uma expressão
que se deve compreender é a tuberculose primária, ocorrida
quando a fonte da doença é externa ao corpo. As formas secundárias são aquelas
disseminadas a partir de um foco pulmonar para outras partes do corpo, e a
reativação de focos aparentemente controlados. É certo que num indivíduo nunca antes
contraído a tuberculose – e por isso não sensibilizado – produza sintomas
gradativos de semelhança forte com uma gripe comum, mas 5% desses indivíduos já
reproduzem sintomas significativos. A forma mais lenta é a tuberculose primária
gradativa, e por ser relativamente indefinida seu diagnóstico muitas vezes é
difícil, podendo ser confundida também com pneumonia bacteriana, adenopatia
hilar e derrame pleural. Caso o paciente tenha imunossupressão a infecção vai
ser facilitada e o diagnóstico decididamente mascarado, com cavitações se constituindo
uma raridade.
80% dos
adultos apresentam a forma pulmonar da tuberculose. 15% apresentam a forma extra-pulnonar
e 5% apresentam as duas formas. Os sintomas mais característicos são tosse,
febre e sudorese – por vezes diaforese. Pode ocorrer também perda de peso,
fadiga, mal estar, dor torácica e dispneia, mas a tosse é decididamente o
sintoma mais presente. Ela se inicia seca e na medida em que a parênquima é
destruído vai se transformando em produtiva, com presença de pus, raias de
sangue e até hemoptise macroscópica. A febre costuma ser vespertina e de 40 a
41°C, e a ausculta pulmonar vai ficando mais rica na medida em que mais
secreções vão sendo produzidas, incluindo aí sibilos, roncos e murmúrio
vesicular diminuídos.
As formas secundárias
ocorrem num indivíduo que foi previamente infectado, podendo ocorrer a partir
de reativação dos focos anos e até décadas após o primeiro evento, quando por
algum motivo a imunidade do indivíduo enfraqueça. Essa forma envolve menos
linfonodos, mas as cavitações são precoces e mais secretivas, e os sintomas
gerais são insidiosos, aí incluídos a indisposição, anorexia, perda de peso e
febre de baixo grau e com transpiração noturna. Com o espalhar das cavitações e
da infecção, o paciente apresenta a dor pleurítica. Os focos de Gohn da
tuberculose secundária possuem as mesmas características, com exceção da
necrose periférica. Como a primária ela se concentra inicialmente no lobo
apical por conta da maior aeração, mas posteriormente a doença se dissemina
para diversas vias.
MEDIDAS DIAGNÓSTICAS
Caso o paciente se apresente com queixa de
tosse persistente ou um dos sintomas abordados acima deve ser solicitado
rapidamente um raio-x de tórax na busca das consolidações – que são os locais
de destruição celular sem terem sido expelidos pela tosse – ou cavitações.
Também deve ser solicitados a pesquisa BAAR (pesquisa por bacilos
álcool-ácido-resistentes) e cultura de escarro. Apesar de não ser muito
realizada na prática, a reação de cadeia de polimerase para Mycobacterium
tuberculosis é o exame provedor de diagnósticos mais rápidos e fiéis, podendo
ser positivo com menos de 10 organismos no meio coletado, ao invés dos 10 a 100
bacilos/ml da cultura de escarro e dos 4.000 a 5.000 bacilos/ml da baciloscopia.
Contudo, a cultura promove uma informação valiosa: a sensibilidade aos
antibióticos, identificando também os casos de multirreristência.
O teste
tuberculínico é um exame auxiliar para definir contato prévio com o
Mycobactérium tuberculosis, sem definir indivíduos doentes daqueles apenas
infectados. No Brasil é utilizado o produto PPD RT23 introduzida por via
intradérmica na face anterior do antebraço na dose de 0,1 ml com leitura após
48 a 72 horas, ocorrendo endurecimento palpável com três possibilidades
conclusivas; 1- endurecimento com tamanho de 0 a 4mm o paciente é definido como
não infectado ou não sensível; 2- 5 a 9mm é definido como um reator fraco e
infecção precedente; 3- 10 mm ou maior é o reator forte, que significa uma
infecção presente por Mycobacterium tuberculosis – doente ou não – ou vacinação
por BCG há menos de dois anos
Os casos de
bacilos multirresistentes se constituem em mau prognóstico, assim como os casos
de HIV a depender do nível de imunossupressão. Caso o paciente HIV positivo
tenha contagem de linfócitos T CD4+ acima de 300 células/ml as manifestações se
assemelharão a tuberculose secundária comum. Contagem abaixo de 200 células/ml
a doença será como a primária progressiva, ou seja, consolidações em lobos
médio e inferior, linfadenopatia hilar e ausência de cavitações. Outra diferença
é que na imunodeficiência moderada a taxa de pacientes com tuberculose
extrapulmonar é de 15%, contra os 50% dos pacientes com imunodeficiência grave.
TRATAMENTO
·
Isoniazida: contém o ácido nicotínico, um
inibidor do ácido micólico, que é um componente da parede celular das
micobactérias. Parede celular mal formada diminui a resistência às forças
osmóticas do meio e como consequência a bactéria é lisadas até mesmo por
entrada excessiva de água;
·
O mecanismo do etembutol é similar, porém
admite-se que seu mecanismo ainda não é completamente compreendido. Sua função
é predominantemente micobacteriostático, agindo preferencialmente após 24 horas
do primeiro uso.
·
A rifampicina possui ação antibactericida por
atuar na sua RNA polimerase ao se ligar à subunidade beta, inibindo sua ação de
transporte da informação contida no DNA. A ação bactericida vale tanto para as
bactérias intra como extracelulares.
·
A pirazinamida é um bactericida fraco, mas no
caso do Micobacterium tuberculosis possui ótima ação. Seu mecanismo se
concentra em reduzir o PH intracelular dos lisossomos e com isso cria um
ambiente hostil para a proliferação do bacilo. Ele é convertido em ácido
pirazinoico e no momento em que adentra no lisossomo rebaixa o PH para menos de
5,5.
ESQUEMA BÁSICO
De acordo com
o II Inquérito Nacional de resistência aos fármacos anti-TB conduzido em
2007-2008, que revelou aumento da resistência à isoniazida de 4,4% para 6,0%, e
da rifanpicina de 1,1 para 1,4%,o esquema de tratamento para tuberculose foi
modificado, ficando como a seguir:
Dois meses
|
Rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol
(150/75/400/275mg) (associados em único comprimido)
|
De 20 a 35 Kg- 2 comprimidos ao dia;
De 36 a 50 Kg- 3 comprimidos ao dia;
Acima de 50 Kg – 4 comprimidos ao dia
|
Seguimento de quatro meses
|
Rifampicina e isoniazida (300/200mg)
|
De 25 a 35 Kg-1 comprimido (300/200);
De 36 a 50 Kg- 1 comprimido 300/200 + 1
comprimido 150/100);
Acima de 50 Kg- dois comprimidos de 300/200
|
OBS; nos casos de monoresistência a isoniazida ou
à ripampicina, deve-se substituir o medicamento envolvido por estreptomicina.
Se essa resistência ocorrer na fase de seguimento deve-se continuar,
aumentando-a para sete meses ao invés de quatro.
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OBS: pacientes com HIV associado em uso de
antirretroviral não devem fazer uso de rifampicina. Nesse caso tal
medicamento deve ser substituído por rifabutina.
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||
OBS: nos casos de interrupção por falta de adesão
adequada ao tratamento o esquema deve ser reiniciado.
|
REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado
de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.
COTRAN,
R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases
Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2005.
Goldman L, Ausiello
D. Cecil: Tratado de Medicina Interna.
22ªEdição. Rio de Janeiro: elsevier, 2005.
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