É uma síndrome mental de início
abrupto, ou ao menos de fácil identificação, flutuante, transitória, marcada
por transtorno global da cognição, redução do nível de consciência, ciclo
vigílio-sono perturbado, distúrbios de atenção e atividade psicomotora
aumentada ou diminuída. Dados indicam uma prevalência entre todos os
pacientes internados de 10 a 15%, chegando a 20% se a população considerada for
idosa. No entanto, esse é um dado variável nos diversos estudos. Pessoa e Nácul
afirmam que pode o delirium pode ocorrer em 80% dos pacientes internados em
unidade de cuidados críticos, com apenas 32 a 66% dos pacientes sendo
corretamente diagnosticados. Geralmente são precipitados por eventos de grande
estresse, tais como cirúrgias de grande porte, quando o idoso irá ficar muito tempo
internado, infecções e uso de drogas. Mais fatores predisponentes
incluem gravidade da doença de base, déficit visual e auditivo, alta relação
BUN-creatinina – relação entre nitrogênio ureico do sangue e
creatinina, marcador de desidratação. Sobre essa relação convém esperar que nos
casos do homem a quantidade de creatinina deverá ser maior que em mulheres
devido à maior massa muscular. Por isso o mesmo valor de BUN nessa relação,
estando maior que a creatinina, é mais grave quando se trata do homem.
Relacionam-se ainda como fatores
de risco a restrição física, idade maior que 65 anos, sexo masculino,
desnutrição, uso de mais de três medicações no dia anterior, doenças crônicas
em geral, uso de cateter urinário, privação do sono, mudanças de ambiente e
qualquer evento iatrogênico. Por fim, os fatores mais evidentes são o
uso de medicamentos, que se relacionam com 40% dos casos de delirium, e a
demência, pois essa aumenta as chances de deflagração em 2 a 5 vezes.
Tomando nota do declínio das
reservas fisiológicas do idoso consequente à diminuição da massa cerebral em 5%
e da queda da circulação cerebral em torno de 28%, perda neuronal no neocórtex
e hipocampo, além do declínio geral das capacidades fisiológicas, essa
população será intimamente exposta ao delirium. As concentrações e capacidade
de liberação de neurotransmissores, tais como o ácido gama aminobutírico
(GABA), acetilcolina, serotonina e dopamina, vão estar alteradas e por isso a
capacidade do cérebro de se recuperar de transtornos causados por fármacos e
seus metabólitos estará deprimida.
O principal mecanismo de
deflagração do delirium envolve a acetilcolina, sistema
particularmente exposto à deficiência de oxigênio e glicose. Geralmente a
relação é com a queda dos níveis desse neurotransmissor, sendo indicada pela
boa resposta ao uso de drogas colinérgicas. A idade e modificações nos receptores
muscarínicos predispõem pessoas idosas a este tipo de patologia. O medicamento
de grande aceitação nesses casos é a fisostigmina.
O efeito anticolinérgico pode
aumentar na presença de alguns fármacos e de metabólitos de fármacos. Drogas
tipicamente anticolinérgicas são: furosemida, cimetidina e digitálicos,
e deve ser considerada sua redução ou retirada na presença do delirium. Classes
de medicamentos que sabidamente inibem pré-sinápticamente a liberação da
acetilcolina são os opiáceos, os beta-adrenérgicos, os barbitúricos e os
dopaminérgicos. É importante também saber que, paradoxalmente, drogas
de função primordial anticolinérgica não estão estatisticamente ligadas à maior
incidência de delirium.
Presença de febre diminui de
maneira sustentada a liberação de acetilcolina. Estudos em pacientes internados
em casas de repouso identificou que um mês após a ocorrência da febre, os
níveis do neurotransmissor ainda estavam aquém do nível base, independente do
uso de qualquer medicação. Hipoglicemia também diminui a síntese de
acetilcolina no córtex e estriatum.
A serotonina, neurotransmissor
envolvido no sono, vigilância e cognição, também está evolvida na ocorrência de
delirium. O aumento do metabólito da serotonina, o ácido 5-hidroxindolacético
(5-HIAA) foi encontrado em LCRs de pacientes que cursaram com delirium. A
síndrome serotoninérgica decorrente da ativação excessiva desse
neurotransmissor produz inquietação, tremor, confusão e diaforese. É muito
comum que ela ocorra secundária a interações medicamentosas, muitas envolvendo
a fluoxetina – inibidor da receptação da serotonina, L-dopa e inibidores da
mono-aminoxidase.
Ainda há os casos em que a queda
dos níveis de serotonina também deflagram a ocorrência de delirium, geralmente
ocorrendo na queda dos níveis de tripotofano, que é um precursor desse
neurotransmissor, necessário para que exista serotonina na área cerebral, já
que esse passa pela barreira hematoencefálica somente na forma de triptofano. Uma
das formas da depleção ocorrer é porque os sítios de entrada pela barreira do
triptofano, da fenilalanina, da isoleucina, leucina e metionina são os mesmos,
estando todos em competição pelos mesmos sítios de entrada. Por conta disso
quando a concentração de um aumenta, por equilíbrio entre dois espaços ele vai
passar em maior quantidade pela barreira hematoencefálica e como consequência
algum outro vai passar menos. Ou seja, a quantidade de triptofano equilibra a
passagem desse para o sistema nervoso central e como consequência mantém a
homeostase do nível de serotonina.
A fenilalanina também tem
importante papel no delirium e por isso quando a concentração de triptofano
cai, a de fenilalanina aumenta e precipita o delirium. Já dentro do sistema
nervoso, os metabólitos da fenilalanina, em maior número, também competem por
descarboxilações para sintetizar neurotransmissores, o que agrava a
problemática da baixa de serotonina.
A dopamina também causa o
delirium. Inibidores dopaminérgicos, como o haloperidol melhoram os sintomas de
delirium. Na encefalopatia hepática, substâncias semelhantes aos
benzodiazepínicos aumentam a função dos receptores GABA e acabam precipitando o
delirium. Quinolonas, principalmente se utilizados juntamente com AINES, induzem
ao mesmo efeito dos receptores GABA, assim como as síndromes de abstinência. Outras
situações estressantes, como hipóxia, acidose e isquemia transitória determinam
o aumento de epinefrina e norepinefrina, sendo encontrados geralmente nos casos
de delirium tremens.
Citocinas também afetam os
neurotransmissores acetilcolina, GABA, noradrenalina e serotonina. Dentre as
citocinas, a mais bem evidenciada é a IL-2. Num estudo citado por Santos, numa
pesquisa em pacientes recebendo terapias com IL-2, 30% apresentaram delirium
(ROSEMBERG et al, 1982). Os sintomas
mais comuns são desorientação e problemas de concentração. O mecanismo não está
bem esclarecido, mas a IL-2 está ligada ao aumento do conteúdo líquido
cerebral. Ao menos presume-se que a citotoxidade irreversível não seja o caso,
pois não há perda neuronal. Estresse oxidativo reversível pode ocorrer e
ocasionar danos devido ao teor de gordura das membranas cerebrais, que são
facilmente oxidadas. Outro estudo comprovou a presença de substâncias
tiobarbitúricas ácidas reativas no sangue de pacientes com encefalopatia
hepática séptica. Essas substâncias são marcadores reativos de peroxidação
lipídica.
CLÍNICA
É necessário se ter em mente os
três cursos de apresentação do delirium: alterações no pensamento, percepção e
memória. As maiores características são o início abrupto, curso flutuante e
déficit de atenção. As alterações evoluem na ordem de horas a dias,
distintamente da demência, que evolui em semanas a meses sem início evidente.
Como é flutuante, não é incomum os intervalos de lucidez.
O paciente com delirium pode ser
hiper ou hipoativo. A falta de atenção é reconhecida com dificuldade de focar e
manter a atenção, geralmente com insistência em responder perguntas
anteriormente solicitadas, além da dificuldade seguir comandos. A
desorganização do pensamento se manifesta com raciocínios ilógicos para o
médico. Alterações do nível de consciência podem evoluir para letargia.
Segue-se irritabilidade, labilidade emocional, alucinações – geralmente visuais,
delírios e alterações do sono-virgília. Sobre esse último, o paciente
encontra-se sonolento durante o dia e à noite o sono é breve e facilmente
interrompido. Alterações na linguagem
são evidentes, com disgrafia sendo bastante sensível.
Como pode se ver os sintomas
hiper e hipoativos são facilmente distintos. A forma hipoativa está relacionada
ao rebaixamento do nível de consciência e possui pior prognóstico. Pode ocorrer
alternância entre as duas formas ou co-existência, caracterizando um evento de
ordem mista. No hiperativo o paciente fala alto e rápido, e movimenta-se com
grande inquietude.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial mais
abordado é a respeito da demência. A principal diferença é o curso crônico e
menos flutuante dessa última. É preciso também se ater que um o paciente
portador de demência detém a maior prevalência de delirium. Quando os quadros
se sobrepõe o delirium se inicia normalmente, mas se arrasta por semanas e se
cronifica.
Se o paciente que apresenta o
delirium cursa com tristeza, raiva ou apatia, pode confundir o diagnóstico com
o maníaco-depressivo. No entanto, com uma história clínica bem estruturada e
uma investigação junto àqueles que convivem com o paciente, essa distinção não
será problema. A identificação dos medicamentos a seguir pode ajudar no
diagnóstico.
FONTE: Artigo: FURLANETTO e CAVALCANTI in: delírio ou dlirium? |
TRATAMENTO
A primeira medida é identificar a
causa base, podendo ser de fácil identificação ou não. O tratamento de qualquer
causa não deve ser desvinculada da analgesia. O tratamento direto também
engloba ações não medicamentosas, tais como o contato com objetos de uso
pessoal, atenção dos familiares, afastamento de áreas muito claras, evitar sons
altos e abruptos, tudo conspirando para manter a familiaridade do paciente com
a realidade. Atividades não essenciais devem ser deixadas para períodos
noturnos. Se o paciente cursar com agitação importante, deve-se restringir os
movimentos, porém não deve-se restringir demais ou apertar excessivamente as faixas
para conter movimentos, pois poderia aumentar a agitação do paciente.
Sedativos em geral possuem boa
resposta. Como não se quer uma ação sedativa potente, o medicamento de
preferência é o haloperidol, que inclusive não predispõe a depressão
respiratória e seu poder de modificação hemodinâmica é limitado. Pode precipitar
a reação extrapiramidal com manifestações incluindo rigidez. Com menos
frequência causa arritmias cardíacas. A dose é de 0,5 mg por via oral de 12/12
horas. Os benzodiazepínicos e seus metabólitos
não são indicados em idosos pela chance de deflagrar o próprio delirium nos
pacientes que não o tem ou piorar os quadros em curso, contudo, nos casos de
abstinência alcóolica ele pode ser utilizado, embora com cautela. A dose é de 5
ou 10 mg via oral.
REFERÊNCIAS
SANTOS,
Flanklin Santana. Mecanismos fisiopatológicos do delirium. Revista de Psiquiatria Clínica. v. 32. n.3. p. 104-112, 2005;
(DESTAQUE)
CAVALCANTI, Alexandre Bias;
FURLANETTO, Letícia Maria. Delírio ou delirium? Encontrado em: http://www.ccs.ufsc.br/psiquiatria/98dest-deli.html.
Acessado em 06 de junho de 2013 às 10:00;
LÔBO, Rômulo R.; FILHO, Silvio R.
B. da Silva; LIMA, Nereida K. C.; FERRIOLLI, Eduardo; MORIGUTI, JULIO C.
Delirium in: condutas em enfermaria de clínica médica de hospital de média
complexidade - parte 2. Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto. v. 43. n. 3. p. 249-257, 2010;
PESSOA, Renata Fittipaldi. NÁCUL,
Flávio Eduardo. Delirium em pacientes críticos. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. V. 18. N. 2. Abr-Jun,
2006;
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São
Paulo: Rocca, 2011;
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