FARMACODERMIAS
Farmacodermia
é um tipo de reação adversa a drogas. As reações adversas possuem duas
classificações gerais: previsíveis, quando se trata dos efeitos colaterais,
interação medicamentosa e toxicidade; imprevisíveis, ocorrendo sob interação
medicamentosa e hipersensibilidade. Essas reações de hipersensibilidade
englobam 15% das reações adversas, ocorrendo como uma resposta alérgica ou
não. Em nosso meio as medicações mais
envolvidas são os antibióticos e os antiinflamatórios não hormonais.
As reações à
drogas podem suscitar a impressão do envolvimento de IgEs, mas na maioria das
vezes não é isso que ocorre. As reações de defesas, no geral, podem ser compreendidas
a partir de quatro modelos ilustradas aqui com o uso de medicamentos:
·
Tipo I: são as reações de hipersensibilidade,
que sim, envolvem a interação com IgE. As IgEs específicas localizados na
superfície dos mastócitos e basófilos ativam essas células quando entram em
contato com o medicamento. Isso culmina na liberação imediata de histamina,
prostaglandinas, triptase, leucotrienos e fator ativador de plaquetas, e após
20 a 30 minutos pode ocorrer urticária, edema laríngeo, broncoespasmo,
hipotensão e até colapso circulatório.
·
Tipo II: os medicamentos funcionam como
antígenos. Eles se depositam na superfície dos órgãos, sendo os mais
importantes aqui a superfície das hemácias e dos rins. Posteriormente a união
desses antígenos com anticorpos IgM e IgG desencadeiam um ataque imunológico ao
tecido onde se encontram. Isso ocorre com mais frequência com o uso crônico de
penicilinas ao causar a nefrite. A metildopa pode se depositar sobre a hemácia
e causar anemia hemolítica e a dipirona pode causar agranulocitose.
·
Tipo III: o raciocínio é o mesmo do anterior,
mas a união entre os antígenos e os anticorpos ocorre na corrente sanguínea. Os
complexos circulantes se depositam sobre os pequenos vasos dos mais diversos
tecidos e induzem resposta imune. Os beta-lactâmicos também estão envolvidos
nesse tipo. As manifestações são a febre, erupções cutâneas, urticária, linfoadenopatia
e artralgia, que geralmente surgem uma a três semanas após a administração da
droga.
·
Tipo IV: é mediada por linfócito T, que
reconhece as moléculas dos medicamentos como antígenos liberando citocinas e
recrutando outras células de defesa que vão gerar dano tecidual nos locais onde
os “antígenos” estiverem. Algumas drogas são processadas e apresentadas
normalmente aos linfócitos, mas há casos onde a sensibilidade é intrínseca ao
organismo, fazendo com que a reação ocorra na primeira administração. Esse
fenômeno é chamado de interação farmacológica com o organismo imune. A
benzilpenicilina é um fármaco passível a esse tipo de reação. A manifestação
mais comum é a dermatite de contato com o uso de medicamentos tópicos.
Reações
dérmicas correspondem a 5% das reações adversas a medicamentos. Os fatores de
risco são número de drogas utilizadas, idade, infecções virais (mononucleose, AIDS),
variação genética no metabolismo da droga e acetiladores lentos. Os sintomas
são diversos. As erupções máculo papulares podem ser causadas por AINES,
quinolonas, beta-lactâmicos, AAS, tiazídicos etc. É a farmacodermia mais
frequente, ocorrendo de uma a duas semanas após a introdução do tratamento e
algumas vezes após a interrupção. São caracterizados por eritema máculo papuloso (FIGURA 01) em tronco e membros, geralmente não
acometendo face. Ocorre em cerca de 5 a 10% dos pacientes em uso de penicilina
e geralmente está associada a concomitância com infecções virais. Por exemplo,
crianças em uso de penicilina vítimas de mononucleose evoluem com exantemas em
torno de 90% dos casos. Os pacientes com AIDS possuem uma propensão maior em
apresentar quadro semelhante quando em uso de sulfonamidas.
Exantema é um
eritema generalizado de início agudo e fugaz. É dito morbiliforme (FIGURA 02) quando é
entremeado por ilhas de pele sã, ou escarlatiniforme quando é difuso e
uniforme. 10 a 20% dos exantemas na infância e 50 a 70% nos adultos são
causados por drogas. As principais são penicilinas, cefalopsporinas e
anticonvulsivastes. 60 a 90% dos pacientes em uso contínuo de aminopenicilinas
vão apresentar um exantema eruptivo. O quadro se inicia após 7 a 14 dias de uso
da medicação, mas nas reexposições esse período é variavelmente mais curto. Há
urticária, a distribuição é simétrica em tronco e membros, ainda podendo ocorrer
febre. A melhora costuma ocorrer em duas semanas.
Erupção fixa
medicamentosa também se inicia de 7 a 14 dias se manifesta como mácula
eritematosa, eritemato-bolhosa ou eritemato purpúrica, podendo haver bolha
central. Não há localização padrão e a mancha residual pode se tornar
permanente em casos de reexposição.
A utricária e
o angioedema podem ser causados por AINES e beta-lactâmicos. Os dois quadros se
constituem num mesmo evento, porém em locais e de proporções diferentes. A
uticária ocorre na epiderme e por isso a mínima reação se torna visível,
ocorrendo melhora em 24 horas. Manifesta-se como urtica, prurido, elevação de
relevo e eritema. O angioedema ocorre na
maioria das vezes em mucosas e extremidades na hipoderme, sendo mais
intenso e causando extravasamento de plasma, o que determina o edema, com
melhora em 72 horas.
O angioedema
isolado pode ser causado pelo uso de IECAs pelo acúmulo de bradicinina que se
acumula no organismo pelo uso da droga. O quadro pode perdurar por meses sem maiores
complicações, mas dentre essas as perigosas incluem urticárias extensas,
hipotensão e edema de glote. A explicação para as reações aos AINES é por sua
inibição da formação das COX (cicloxigenases), processo no qual inibe a
formação de prostaglandinas E2, um mediador da dor, mas também um inibidor da
atividade dos mastócitos.
Acredita-se
que 20 a 40% dos pacientes com urticária crônica idiopática sejam intolerantes
aos AINES. É a segunda farmacodermia mais frequente, acometendo 0,1% da
população mundial. Geralmente é fugaz, mas o marco temporal de seis semanas
define a urticária aguda da crônica. Entre os doentes 50% irão apresentar
recidivar em até um ano e 20% irão evoluir com urticária crônica por mais de 20
anos. Tanto a urticaria como o angioedema é causado pela degranulação de
mastócitos, nesse caso ocorrendo principalmente pelo uso de polimixina B,
rifampicina, vancomicina e ciprofloxacino.
A dermatite
de contato é a farmacordermia mais comum dentre as mediadas pelos linfócitos T,
ocorrendo como lesões pápulo vesiculares após o uso de medicações tópicas. Um
quadro semelhante também pode ocorrer após exposição à luz solar
(fotodermatite) quando em uso de medicações anti-histamínicas tópicas,
penicilinas, anestésicos locais, quinolonas, sulfonamidas ou tiazídicos.
As vasculites
causadas pelas reações tipo III podem se manifestar como púrpuras em pele e
órgãos internos devido à necrose dos vasos sanguíneos. Também podem ser mais
graves, ocorrendo bolhas hemorrágicas, nódulos e necrose. A levodopa pode
causar a vasculite de Henoch-Scholein, uma púrpura elevada não diminuída coma
digitopressão, acompanhada de dor abdominal, mais prevalente em pacientes com
menos de vinte anos. As vasculites costumam se manifestar de 7 a 21 dias após
introdução da droga, mas a pesquisa deve envolver fármacos utilizados até dois
meses antes do início dos sintomas.
Os
imunocomplexos também causam a doença do soro, manifestada como febre, erupção
máculo papular, urticária, linfoadenopartia ou artralgias. É causada por fármacos
de baixo peso molecular como a penicilina, sulfonamidas tiouracil e fenitoína.
Os sintomas surgem em até três semanas após a introdução da droga e duram por
várias semanas.
A dermatite
esfoliativa é um evento raro. O problema se inicia com lacas que se espalham em
poucos dias para toda a superfície cutânea, e depois de mais alguns dias
descamam em esfoliação fina e amarela. Com a descamação contínua a pele
torna-se fina e com menor poder de proteção contra infecções bacterianas,
quando então as escamas se tornam espessas e aderentes.
FARMACODERMIAS GRAVES
SSJ/NET
Considera-se
o eritema multiforme maior a síndrome
de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica (NET). A maioria dos autores
classificam essas entidades como um único evento de proporções diferentes, mas
a Stevens-Johnson foi descrita pela primeira vez em 1922 numa criança com
febre, estomatite erosiva, acometimento ocular grave e lesões cutâneas
disseminadas. A NET foi descrita a primeira vez em 1956 num paciente com um
deslocamento de pele em grandes retalhos com aspecto semelhante a um grande
queimado.
Devemos então
considerar a distinção entre as duas através da proporção corporal acometida:
para Stevens-Johnson 10% da superfície corporal e para a NET 30%, havendo uma
forma intermediária caso a proporção esteja entre esses dois números. A mortalidade a SSJ é de 5% e para NET é de
30 a 35%. A proporção da incidência entre SSJ/forma de transição/NET é de 3:2:1,
e todas tem nas drogas a principal causa: 50% para SSJ e 90 a 95% para a NET,
sendo as principais drogas atribuídas os antibióticos, anticonvulsivantes e os
AINES. Entre os anticonvulsivantes a carbamazepina é o mais relacionado. Dentre
os antibióticos são as sulfonamidas, seguidas de cefalosporinas, tetraciclinas,
aminopenicilinas, quinolonas e imidazólicos.
Os pacientes
com baixo poder de detoxificação são os mais propensos. Outros fatores de risco
são exposição a raios-x, colagenoses, exposição à radiação ultravioleta e
infecção pelo HIV. O risco da reação em pacientes infectados pelo HIV em uso de
sulfonamidas é 100 vezes maior em relação à população em geral. Tudo ocorre por
conta de uma ativação de linfócitos TCD8+ que também são CD95+. Esse último
receptor induz a uma sensibilização do linfócito aos queratinócitos deflagrando
uma apoptose difusa. A hepiderme acometida então se descola da derme e se parte,
ficando sem nutrição e hidratação, seguindo então para a desvitalização.
Tudo começa
com febre, cefaleia, coriza, mialgia e artralgia. Passados mais de uma semana
começam as lesões cutâneas com uma sensação de ardência e prurido
principalmente em dorso e palma das mãos, planta dos pés, cotovelos e joelhos.
Nesses locais segue então um eritema que se difunde para todo o corpo,
evoluindo para erupções em média em dois a três dias. As máculas surgem em alvo
e vão crescendo e confluindo até tomarem grande área. Surgem bolhas com
conteúdo hemorrágico que se rompem e deixam para trás áreas erosivas recobertas
por crostas vermelho-escuras. Ocorre então o sinal de Nikolski, que é o
deslocamento da pele quando se traciona a área adjacente às bolhas.
Os lábios são
acometidos em quase todos os pacientes (Figura 7), causando lesões dolorosas que
dificultam a alimentação e induzem a sialorreia. As lesões tornam-se
sanguinolentas e o processo pode se estender para o nariz até esôfago, podendo
acometer até a região anal. Nos olhos a doença causa uma grande agressão, causando
simbléfaros (Figura 8) , triquíase, entrópio ciliar, opacidade corneana e cegueira.
Com o
acometimento extenso de pele o paciente perde seu equilíbrio hidroeletrolítico.
Ele perde de três a quatro litros de água ao dia caso tenha mais de 50% de área
corpórea acometida. Com a perda da pele há perda também do isolamento térmico,
levando o pacientes a tremores que aumentam a desidratação. Como a pele também
funciona como barreira bacteriana a infecção por Staphylococcus e pseudomonas é
frequente, justificando ser a sepse a principal causa de óbito nesses pacientes.
Os pacientes
referem intensa dor cutânea e prostração, criando uma fasceis típica de SSJ,
com aspecto dramático evidente. O envolvimento de órgãos internos é comum e com
o acometimento do sistema respiratório 10 a 20% dos pacientes irão necessitar
de ventilação mecânica.
DRESS
A reação à
drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos ou DRESS é um quadro mais brando
apesar de haver risco de morte de 10%. A patologia é composta por uma tríade:
erupção cutânea, febre e acometimento sistêmico como adenopatias, nefrite, pneumonite
ou cardite. Ao hemograma costuma ocorrer eosinofilia > 1.500/mm3 e
linfócitos atípicos. A reação ocorre uma a oito semanas após introdução da
droga.
Os
medicamentos que mais causam esse problema são as sulfonamidas e os
anticonvulsivantes aromáticos. Ocorre 1:1.000 ou 1:10.000 para os pacientes em
uso dessas medicações. Os anticonvulsivantes aromáticos, a exemplo da
fenitoína, fenobarbital e carbamazepina são metabolizados pelo complexo
citocromo P450 em radicais livres que são depurados pela enzima epóxido
hidrolase. Naqueles acetiladores lentos, nos locais onde a concentração do
citocromo já é fisiologicamente mais baixa, os radicais irão se acumular e se
impregnar nos tecidos, em especial no estômago, fígado, intestino e pulmões. A
certo ponto uma resposta autoimune via linfócitos T é desencadeada contra tais
órgãos com necrose celular tóxica e apoptose.
As manifestações
começam com mal estar, faringite e linfoadenopatia cervical. Segue então febre
alta (38 a 40°) e em 90% dos pacientes surgem o exantema morbiliforme de início
na face e tronco, se espalhando para extremidades. Pode ocorrer edema
periorbitário e eritrodermia esfoliativa. Mas atenção, pois o acometimento da
hepiderme não reflete o acometimento de órgãos internos.
TRATAMENTO
URTICÁRIA
A primeira ação é retirar com o uso dos
medicamentos (é óbvio!!!) e os sintomas gerais com anti-histamínicos. Há várias
opções: maleato de dexclorfeniramina 2 mg 8/8h, hidroxizine 25 mg 12/12h até
6/6 h, loratadina 10 mg ao dia ou desloratadina 05 mg ao dia. Todos via oral e
dose adulto. Em casos mais intensos a prometazina intrtamuscular pode ser
utilizada 25 a 50 mg dose adulto e 1 a 2 mg/Kg dose pediátrica. Em casos de
edema e sinais para edema de glote (anafilaxia) a conduta é utilizar adrenalina
0,2 a 0,5 ml no adulto ( 01 ampola possui 01 ml com 01 mg) subcutânea no vasto
lateral da coxa, onde a absorção é maior em relação ao deltoide. Essa dose pode
ser repetida a cada 05 minutos. Na criança é 0,01 ml /Kg e no máximo 0,3 ml.
O seguimento
é realizado com corticoides, de preferência a predinisona 20 mg 12/12h ou 8/8h,
não devendo ultrapassar 14 dias.
EXANTEMAS
O tratamento é similar à urticária.
SSJ-NET
Já para os
casos com lesões de pele os corticoides não são indicados por retardarem a
cicatrização, diminuírem a síntese de colágeno e fragilizarem ainda mais a
pele. O primeiro passo também é retirada da medicação deflagradora. A
terapêutica de suporte é idêntica a para aqueles grandes queimados, com suporte
hidroeletrolítico, suporte calórico, aumento da temperatura do ambiente (30 a
32°C) para amenizar os tremores; anticoagulação e proteção contra úlceras de estresse;
controle da dor; controle da ansiedade. Como as infecções por Staphylococcus e
pseudomonas são a maior causa de óbito, alguns autores preconizam a profilaxia.
As mucosas
devem ser higienizadas e as crostas debridadas, podendo ser utilizadas cremes
antibióticos no local (mupirocina é uma boa escolha). O debridamento deve ser
estendido para toda a pele desvitalizada(Figura 9), que sem função fisiológica e com a
umidade da evaporação corporal aumentada, se transforma num meio de cultura.
Mantém-se
esse esquema até que haja a reepitelização geralmente em três semanas.
O uso de
imunoglobulinas foi iniciado por sua inibição da ligação dos linfócitos T aos
queratrinócitos,mas na prática os resultados não foram satisfatórios.
DRESS: o
diagnóstico deve ser confirmado com hemograma para identificar a eosinofilia e
os linfíocitos atípicos, transaminases hepáticas que deverão estar > 100
U/L, elevação de bilirrubinas, elevação de ureia e creatinina e exames
histopatológicos. O tratamento se baseia em retirada dos medicamentos
desencadeantes , suporte hidroeletrolítico e uso de corticóides, de preferência a predinisona 0,5 mg/Kg/dia. Se o paciente estiver utilizando anticonvulsivantes aromáticos
utilizar outros de maior segurança como o ácido valpróico.
Ao contrário
da SSJ-NET os corticóides podem ser utilizados aqui. Predinisona 40 a 60 mg ao
dia. Em casos resistentes pode ser utilizada a pulsoterapia com
metilpredinisolona e até plasmaférese.
REFERÊNCIAS
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Fabíola de Souze e Mello; MACEIRA, Juan Piñeiro; CUZZI, Tullia; DRESCH, Taís
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Nov/Dec. 2008.
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Fátima Rodrigues; GESU, Giovanni di; MALAMAN, Maria Fernanda; CHAVARRIA, Maria
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OLIVEIRA, Felipe Ladeira de; SILVEIRA, Laísa Kelmer Cortês de Barros; NERY, Jo´se Augusto da Costa. Síndrome DRESS: emergência e desafio diagnóstico. Grupo Editorial Moreira Júnior. Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay. Disponível em: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=5329
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Luis Feilipe; FERNANDES, Fátima Rodrigues; GESU, Giovanni di; MALAMAN, Maria
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Clínica médica: alergia e imunologia clinica, doenças da pele
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Manole, 2009 (DESTAQUE).